Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 904/2019-T
Data da decisão: 2020-07-30  IRS  
Valor do pedido: € 15.185,10
Tema: IRS – Mais valias imobiliárias, não residente, artigos 43.º n.º 2 e 72.º n.º 9 do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

1.            A..., contribuinte n.º ..., residente no Reino Unido, representada em Portugal, para efeitos fiscais, por B..., residente na ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT) e da Portaria n.º 112-A/2011, no qual solicitou a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2019..., correspondente à liquidação de IRS do ano de 2018, requerendo a sua anulação parcial, e o reembolso do imposto pago a mais.

 

2.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

3.            Em fevereiro de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 17-03-2020.

 

5.            A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde qualificou a doença COVID -19 como uma pandemia internacional e, no seguimento do mencionado reconhecimento pela OMS, o nosso Governo determinou a suspensão dos atos processuais e procedimentais a praticar nos tribunais arbitrais, com a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, cujos efeitos retroagiram a 13 de março de 2020.

 

6.            A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, revogou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, e determinou o fim a suspensão dos prazos a partir do dia 3 de junho.

 

7.            A Autoridade Tributária, doravante designada de Requerida ou AT, notificada por despacho de 18-03-2020 para apresentar a sua resposta, defendeu-se por impugnação, e requereu a suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no processo 598/2018-T, caso o tribunal não julgue o pedido improcedente.

 

8.            A AT não juntou o processo administrativo nem requereu a produção de outros meios de prova.

 

9.            Por despacho de 02-05-2020, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, com carácter sucessivo.

 

10.          A Requerente pronunciou-se pelo prosseguimento do processo arbitral, defendendo que o regime de tributação das mais valias, decorrente dos artigos 10.º e 43.º n.º 2 do CIRS, é discriminatório no tratamento de residentes e não residentes e, nessa medida, incompatível com o direito europeu.

 

11.          Notificada a 22-05-2020, das alegações do Requerente, a AT manteve-se silente.

 

1.            Objeto dos autos

2.1 Posição da Requerente

 

A Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

12.          A Requerente é residente no Reino Unido e adquiriu, em novembro de 2017, um prédio urbano pela quantia de € 53.620,00 que vendeu em outubro de 2018 pelo preço de € 175.000,00.

 

13.          Em tempo, apresentou a declaração de IRS-modelo 3, respeitante ao ano de 2018, juntamente com o Anexo G – “Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, onde declarou exclusivamente aquela operação de transmissão onerosa de património imobiliário.

 

14.          Em 5 de Agosto, foi a Requerente notificada da liquidação n.º 2019..., no montante de € 30.370,30, porquanto, a AT procedeu ao cálculo do imposto devido, aplicando a taxa de 28% sobre a totalidade do ganho obtido, único rendimento declarado na Modelo 3.

 

15.          Entende a Requerente que, a liquidação padece de ilegalidade, na medida em que estabelece um regime diferenciado para tributação das mais valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estando a mais valia obtida por um não residente sujeita a uma carga fiscal superior à incidente sobre o mesmo rendimento obtido por um nacional. 

 

16.          O reenvio prejudicial para o TJUE é desnecessário face à jurisprudência mais recente, nomeadamente do STA, que sem necessidade de reenvio concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º n.º 2 com o artigo 72.º do CIRS.

 

1.2.        Posição da AT

 

Por impugnação defendeu que:

 

17.          O regime inicial do artigo 72.º do CIRS, que foi considerado incompatível com o Direito da União Europeia pelo acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-443/06 (acórdão Hollmann), veio a ser alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou um n.º 7 e 8 (à data dos factos)

 

18.          A alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que permite aos contribuintes optar pela tributação da mais valia em 50%, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como os fora deste território, veio sanar a ilegalidade.

 

19.          A Requerente poderia ter optado pela tributação das mais valias à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

 

20.          Os acórdãos aludidos pela Requerente, no sentido de fundar a ilegalidade da liquidação, não têm aplicação à liquidação sob escrutínio, porque foram proferidos antes da alteração introduzida ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, por isso, não têm natureza vinculativa.

 

21.          O quadro normativo introduzido no artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

22.          Por isso, a AT requereu ainda a suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do TJUE, no processo 598/2018-T, defendendo que a jurisprudência invocada pelo Requerente, anterior à alteração legislativa introduzida pelo OE de 2008, não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional.

 

2.            Saneamento

 

23.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

24.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

25.          O processo não enferma de nulidades.

 

26.          Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir Decisão

 

3.            Matéria de facto

 

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

27.          A Requerente reside no Reino Unido.

 

28.          Em novembro de 2017 adquiriu um prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.° ..., sito no Concelho de Braga, pela quantia de € 53.620,00.

 

29.          Prédio que alienou, em outubro de 2018, pelo preço de € 175.000,00.

 

30.          No dia 22-05-2019 submeteu da declaração de IRS - Mod.3, referente ao ano de 2018, com o Anexo G, respeitante às mais valias imobiliárias obtidas pela requerente com a alienação de bem imóvel, onde declarou exclusivamente aquela operação de transmissão onerosa de património imobiliário.

 

31.          De que resultou a liquidação n.º 2019 (…), no montante de € 30.370,20. (Doc. n.º 1)

 

32.          A AT, na quantificação da mais valia tributária, considerou a mais valia por inteiro, resultando daí um rendimento coletável no valor de € 108.465,00. (Doc. n.º 1).

 

33.          A AT aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade do rendimento declarado, ou seja, das mais valias (Doc. n.º 1).

 

34.          A Requerente pagou o montante de € 30.370,20. (Doc. n. 2)

 

35.          Inconformada, e por não concordar com a determinação do rendimento coletável pela totalidade da mais valia calculada, em vez de 50% do seu valor, a requerente apresentou reclamação Graciosa do ato tributário de liquidação.

 

36.          No dia 27-10-2019, o mandatário da Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa. (Doc. nº 3)

 

4.1.b. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

3.2.        Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

4.            Questão decidenda

 

Em face da posição das partes, a questão a decidir consiste em determinar, face ao quadro normativo vigente em 2018, se as mais valias obtidas com a alienação de bens imóveis, sitos em Portugal, por cidadãos residentes em país da União Europeia, devem ser tributadas em apenas 50% do seu saldo, em condições idênticas às dos residentes.

 

Consequentemente, impõe-se determinar se a norma estabelecida pela legislação nacional no n.º 2 do artigo 43º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes incluindo, países terceiros, e, mais concretamente, se a base de incidência em sede de imposto sobre o rendimentos das pessoas singulares é compatível com o princípio da livre circulação de capitais prevista no artigo 63º do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), correspondente ao artigo 56º do TCE (Tratado que institui a Comunidade Europeia) na medida em poderá  traduzir-se num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

5.            Do Direito

6.1. Tributação das mais valias obtidas em Portugal por cidadão residente num país membro de União Europeia – Regime legal

 

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis»

 

De acordo com a redação do n.º 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.

 

Sendo o valor de aquisição corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, por determinação dos artigos 50º e 51º do CIRS.

 

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º, n.º 1, do CIRS), mas, no caso de transmissões efetuadas por residentes o saldo «é apenas considerado em 50 % do seu valor» (n.º 2 do mesmo artigo, na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

 

        Relativamente a residentes, sobre esse valor incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.

 

No tocante a não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.

 

Nos termos do n.º 9 do artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português»

 

De harmonia com o n.º 10 deste artigo  «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».

 

5.2.        Direito da União Europeia

 

Por seu turno, o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

           1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

           2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

                Destarte, o direito comunitário apresenta a livre circulação de capitais como elemento estruturante do processo de integração europeia, determinando-se que «são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».

 

                De acordo com o Primado do Direito Comunitário, as disposições do Tratado do Funcionamento da União Europeia, prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, conforme preceituado pelo artigo 8.° no n. °4 da CRP: “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.”

 

5.3.        Jurisprudência relevante

 

O TJUE considerou incompatível com o direito da União Europeia, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

 

          Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais (   ) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».         

 

                No apelidado “Acórdão Gielen”, Processo C-440/08, o TJUE pronunciou-se claramente que a opção de equiparação que venha permitir a um sujeito passivo não residente a possibilidade de escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório não exclui os efeitos discriminatórios do primeiro destes dois regimes, pois se tal fosse reconhecido estar-se-ia a validar um regime fiscal violador do Tratado, em razão do seu carácter discriminatório.

 

                A jurisprudência do “Acórdão Hollman” foi recentemente confirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, no qual defende que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

 

                Também o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 02-02-2019, prolatado no âmbito do processo n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17, na apreciação que fez do ato tributário praticado na vigência do quadro legal normativo introduzido com o OE 2008, defende que a tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50% evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver reconhecida, como aliás resulta do sumário, cujo teor de transcreve (em parte):

(…)

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).

                              

                A introdução da possibilidade de o contribuinte poder optar por diferentes regimes de tributação, em nada altera o vertido nos acórdãos Hollman e Gielan do TJUE, porque o que essencialmente releva é apurar se o atual regime consubstancia uma discriminação negativa na aplicação ao caso do Requerente. 

               

           Ainda na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

 

            Neste sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

 

 “(…) a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.”

 

                Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

 

(…) Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).

 

Nesta linha, vejam-se, nomeadamente, os seguintes acórdãos do CAAD: Processos 500/2017-T, 644/2017-T, 600-2018-T; 613/2018-T; 74/2019-T; 438/2019-T.

 

Em sede de conclusão, dir-se-á:

 

A previsão de um regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não afastando a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes

 

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

 

                 Ademais, o regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º  é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.

 

Por último, o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

 

Concluindo-se assim pela ilegalidade da liquidação n.º 2019... .

 

5.4.        Da Suspensão da instância

 

É à luz da jurisprudência acima enunciada, e da redação do artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que há que apreciar a suspensão da instância pedida pela AT.

 

Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

Por seu turno, e hoje entendimento comummente aceite que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

 

Atento tudo quanto fica acima dito, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, bem assim como o recente acórdão do STA, de 02-20-2019, sobre esta matéria, o regime facultativo introduzido pelo orçamento de estado para 2008, ao fazer impender sobre os não residente um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, mantém a discriminação entre residentes e não residentes.

 

Ademais, conforme decidido no processo 600-T/2018, “(…) quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro).

 

No caso em apreço, conclui-se com segurança, da reiterada jurisprudência do TJUE, secundada pela jurisprudência nacional, que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanda pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial, ou da suspensão da presente instância até que seja proferida decisão no processo 598/2018-T.

 

Acresce referir que a suspensão da instância, determinada por outro Tribunal, não obriga este Tribunal a determinar tal reenvio ou suspensão, uma vez que este é um poder discricionário do julgador.

 

Pelo que, se indefere o pedido de suspensão da instância requerida pela AT.

 

6.            Juros Indemnizatórios

 

                De acordo com o prevenido no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente previsto.

 

O direito a juros indemnizatórios enquanto garantia dos contribuintes tem, na sua origem, o facto de o contribuinte ter pagado indevidamente impostos em virtude de erros imputáveis aos serviços ou ao não cumprimento por estes, de determinados prazos legais.

 

E tem a sua justificação na necessidade de ressarcir o contribuinte pela indisponibilidade do capital de que ficou despojado por força da exigência ilegal de imposto feita pela Administração fiscal.

 

Neste particular não releva o tipo de erro (se foi de facto ou de direito) nem o grau de culpa, até porque está em causa uma responsabilização objetiva dos serviços.

 

Tem sido considerado na inúmera jurisprudência do STA em matéria de juros indemnizatórios que, a expressão utilizada no artigo 43.º da LGT, “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, significa que o legislador teve em mente o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

 

Erro que se concretiza numa defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais, ambas verificadas na liquidação sob escrutínio.

 

Acrescenta o artigo 100.º da LGT, que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

Considerando ainda o dever legal da Administração Tributária em repor a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, está ainda a AT obrigada a reembolsar a Requerente do montante despendido com as custas processuais.

 

7.            Decisão

 

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

a.            declarar a ilegalidade e anular parcialmente a liquidação de IRS com o n.º 2019..., na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;

b.            condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago;

c.            condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

d.            condenar a Requerida nas custas do processo.

 

8.            Valor do processo:

 

Fixa-se em € 15.185,10 (quinze mil cento e oitenta e cinco euros e 10 cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

9.            Custas:

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 Lisboa, 30 de julho de 2020

 

O Árbitro Singular

Cristina Coisinha