Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 900/2019-T
Data da decisão: 2021-02-05  IRC  
Valor do pedido: € 189.825,32
Tema: IRC/2007 – Omissão de pronúncia e de fundamentação no procedimento - Dispensa de prova testemunhal – Caducidade do direito de liquidação – (Des)consideração de custos – Ajudas de custo: correção de tributação autónoma – Artigos 124º, 125º, 133º e 175º, do CPA; 45º, 56º, 59º, 60º e 77º, da LGT e 266º a 268º, da Constituição.
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ACÓRDÃO

 

Os árbitros José Poças Falcão (presidente), Sofia Ricardo Borges e Henrique Nogueira Nunes (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO (consultar versão completa no PDF)

 

A..., S.A. (“Impugnante”), com o NIF..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., veio nos termos e para os efeitos, designadamente, dos artigos 20.º, 104.º, n.º 2, 266.º, n.º 2 e 268.º, n.ºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), dos artigos 9.º, 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e/ou alínea d) da Lei Geral Tributária (“LGT”), dos artigos 99.º e 102.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral contra o ato expresso de indeferimento pela Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), do Recurso Hierárquico, notificado à ora Impugnante através do Ofício n.º..., de 04.08.2014, e consequente manutenção da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, “IRC”) n.º 2011 ... datada de 28.11.2011, relativa ao período de 2007, no montante final de €189.825,32 (cento e oitenta e nove mil, oitocentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos).

 

1.            O pedido de constituição do tribunal arbitral, formulado à luz do disposto no artigo 11º, do DL nº 81/2018, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

2.            O Conselho Deontológico, nos termos regulamentares, designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.            Foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

4.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-3-2020.

5.            A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo a ineptidão da petição de pronúncia e, subsidiariamente, que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente nos termos da contestação oportunamente apresentada no processo nº .../14..., que tramitou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e em que foi extinta a instância, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 11º, do DL nº 81/2018, com vista à formulação do presente pedido de pronúncia arbitral.

6.            Por decisão interlocutória de 10-10-2020, foi indeferida a exceção de ineptidão da petição e mantido o pedido de pronúncia arbitral com a formulação que lhe havia sido dada pela Requerente aquando da sua apresentação no mencionado Tribunal estadual e dispensada a reunião do Tribunal com as partes prevista no artigo 18º, do RJAT.

7.            As partes apresentaram oportunamente alegações finais escritas conforme havia sido decidido pelo Tribunal e que nada de essencial ou inovador acrescentaram às respetivas posições assumidas nos articulados.

8.            A fundamentar alega a Requerente em síntese a seguinte matéria de facto:

(I)           A ora Impugnante é sujeito passivo de IRC, residente fiscal em Portugal.

(II)          Em 26.09.2011, a Impugnante foi notificada do Despacho n.º DI... do início do procedimento de inspeção interno para consulta, recolha e cruzamento de elementos referentes à declaração periódica de IRC do exercício de 2007

(III)        Em 09.11.2011, foi a Impugnante notificada, por Ofício datado de 08.11.2011, do encerramento do procedimento de inspeção sem correções.

(IV)        Posteriormente, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2011..., datada de 27.09.2011 e notificada à Impugnante em 14.10.2011, foi iniciado, pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (“DSIT”), o procedimento de inspeção externo referente ao exercício de 2007 da Impugnante.

(V)         Em 31.10.2011, a Impugnante foi notificada do Projecto de Relatório de Inspeção.

(VI)        Face a isto, a ora Impugnante exerceu por escrito o seu direito de Audição Prévia à projetada liquidação adicional (cfr. cópia que se junta sob a designação de Documento nº 1 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

(VII)       Ulteriormente foi a Impugnante notificada do Relatório Final de Inspeção (doravante, “Relatório”) e...

(VIII)     ... da respetiva liquidação adicional, no montante global de €216.055,59 datada de 28.11.2011, aqui impugnada (cfr. cópia da nota de liquidação que se junta sob a designação de Documento nº 2 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

(IX)        Em 03.05.2012, a Impugnante apresentou Reclamação Graciosa contra a liquidação adicional de IRC posta em crise (cfr. cópia que junta sob a designação de Documento nº 3 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

(X)          Por Ofício nº ... da Direção de Finanças de ... (Divisão de Justiça Tributária - Contencioso), foi a Impugnante notificada do Projeto de indeferimento da aludida Reclamação Graciosa (identificada sob o processo n.º...).

(XI)        Por não concordar com os fundamentos constantes do Projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, a Impugnante exerceu por escrito o seu direito de Audição Prévia em Julho de 2012.

(XII)       A Reclamação Graciosa veio a ser objeto de indeferimento por Despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de ... (no uso de delegação de competências), datado de 21.08.2012, constante do Ofício n.º..., de 22.08.2012, notificado à Impugnante em 27.08.2012.

(XIII)      Na sequência deste indeferimento a ora Impugnante apresentou oportunamente Recurso Hierárquico (cfr. cópia que se junta sob a designação de Documento nº 4 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

(XIV)     Por Ofício n.º..., datado de 04.08.2014, a ora Impugnante foi notificada do Despacho de indeferimento expresso do Recurso Hierárquico, exarado com base na Informação n.º I2014..., de 04.06.2014, da Direção de Serviços do IRC (cfr. cópia que se junta sob a designação de Documento nº 6 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

 

9.            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta defendendo a improcedência do pedido e remetendo a sua posição para o teor da contestação que apresentou no citado processo nº .../14... (cfr supra - ponto 5).

10.          Ambas as partes apresentaram alegações finais escritas em que no essencial reforçaram e sintetizaram as posições defendidas nos articulados.

 

Saneamento

O Tribunal é competente.

As partes têm personalidade jurídica e judiciária, são legítimas e capazes e estão devidamente representadas.

Não há exceções ou questões prévias a decidir, sendo que a questão da ineptidão de petição inicial foi oportuna e autonomamente decidida pelo Tribunal por acórdão interlocutório de 10-10-2020.

Cumpre apreciar e decidir o mérito do pedido.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

                Os factos

11.          Da análise crítica da posição das partes espelhada nos respetivos articulados, incluindo-se aqui petição inicial e a contestação apresentadas no processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria até à extinção da instância nos termos e para efeitos do disposto no artigo 11º, do DL nº 81/2018 (Proc nº 1520/14.5), em conjugação com a documentação junta aos autos e ponderando que  resultam provados os seguintes factos:

11.1       A ora Impugnante é sujeito passivo de IRC, residente fiscal em Portugal.

11.2       Em 26.09.2011, a Impugnante foi notificada do Despacho n.º DI2011...3 do início do procedimento de inspeção interno para consulta, recolha e cruzamento de elementos referentes à declaração periódica de IRC do exercício de 2007

11.3       Em 09.11.2011, foi a Impugnante notificada, por Ofício datado de 08.11.2011, do encerramento do procedimento de inspeção sem correções.

11.4       Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2011..., datada de 27.09.2011 e notificada à Impugnante em 14.10.2011, foi iniciado, pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (“DSIT”), o procedimento de inspeção externa referente ao exercício de 2007 da Impugnante.

11.5       Em 31.10.2011, a Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção.

11.6       A Impugnante exerceu por escrito o seu direito de Audição Prévia à projetada liquidação adicional (cfr Doc 1, com a petição inicial).

11.7       Posteriormente foi a Impugnante notificada do Relatório Final de Inspeção (doravante, “Relatório”) e da respetiva liquidação adicional, no montante global de €216.055,59 datada de 28.11.2011, aqui impugnada (cfr. cópia da nota de liquidação - Doc 2 com a PI).

11.8       Em 03.05.2012, a Impugnante apresentou Reclamação Graciosa contra a liquidação adicional de IRC posta em crise (cfr. Doc. 3, com a PI);

11.9       Por Ofício nº ... da Direção de Finanças de ... (Divisão de Justiça Tributária - Contencioso), foi a Impugnante notificada do Projeto de indeferimento da aludida Reclamação Graciosa (identificada sob o processo n.º...).

11.10     Por não concordar com os fundamentos constantes do Projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, a Impugnante exerceu por escrito o seu direito de Audição Prévia em Julho de 2012.

11.11     A Reclamação Graciosa veio a ser objeto de indeferimento por Despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de ... (no uso de delegação de competências), datado de 21.08.2012, constante do Ofício n.º..., de 22.08.2012, notificado à Impugnante em 27.08.2012.

11.12     Na sequência deste indeferimento a ora Impugnante apresentou oportunamente Recurso Hierárquico (cfr. cópia que se junta sob a designação de Documento nº 4).

11.13     Por Ofício n.º..., datado de 04.08.2014, a ora Impugnante foi notificada do Despacho de indeferimento expresso do Recurso Hierárquico, exarado com base na Informação n.º I2014..., de 04.06.2014, da Direção de Serviços do IRC (cfr. cópia que se junta sob a designação de Documento nº 6 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

11.14     Em consequência das conclusões do relatório da sobredita inspeção foi efetuada liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2011... datada de 28.11.2011 no valor de 216 055,59, ulteriormente reduzido a €189 825,32 (Dl nº 151-A/2013).

11.15     Importância que a Requerente pagou na pendência da respetiva ação executiva.

11.16     Consta da cópia do processo administrativo junto pela Requerida o que segue:.....................................................................

11.17   

11.18    

11.19    

11.20    

11.21    

11.22    

11.23    

11.24    

11.25    

11.26    

11.27    

11.28    

11.29    

11.30    

11.31    

11.32    

11.33    

11.34    

11.35    

11.36    

11.37    

11.38    

11.39    

11.40    

11.41    

11.42    

11.43    

11.44    

11.45    

11.46    

11.47    

11.48    

11.49    

11.50    

11.51    

11.52    

11.53    

11.54    

11.55    

11.56    

11.57    

11.58    

11.59    

11.60    

 

 

12.          Não há, com relevo para o objeto dos autos, quaisquer outros factos provados ou não provados.

 

II - Fundamentação (Cont.)

O Direito

Conforme se deixou expresso supra, a Requerente invoca estruturar o petitório em redor das seguintes questões que elenca como segue:

a.            Omissão de pronúncia

b.            Desconsideração da audição prévia ao indeferimento da reclamação graciosa e da falta de fundamentação da decisão do procedimento

c.            Recusa de prova testemunhal em procedimento de reclamação graciosa

d.            Caducidade do direito à liquidação

e.            Erro nos pressupostos

i.             Ilegalidade na desconsideração de custos derivados do recurso ao crédito;

ii.            Ilegalidade na desconsideração de custos com deslocações e estadias e

iii.           Ilegalidade das correções relativas à tributação autónoma de ajudas de custo.

 

Vejamos então numa abordagem prévia e globalmente o enquadramento jurídico das questões ou, pelo menos, algumas delas, que são suscitadas.

 

Por força do “princípio da decisão” consagrado, em especial, no artigo 56º, da LGT, a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por quaisquer meios previstos na Lei, designadamente, exercício do direito de audiência prévia, reclamações, recursos, etc., dos sujeitos passivos, ressalvadas as situações [que não vêm ao caso], previstas em 2., da citada norma.

 

Daqui resulta que haverá omissão de pronúncia por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira quando esta ignore na decisão final do procedimento tributário tudo o que o contribuinte alegou em sede de exercício do direito de participação ou de audiência prévia à emissão de decisão (artigo 60º, da LGT), em termos de quadro factual, questões jurídicas e factuais e de meios prova, ou seja, quando sobre essa matéria a AT se não pronuncia ulteriormente, na decisão, sobre tais questões ou  fundamenta, ainda que minimamente, porque o não faz, sendo certo que os elementos novos, de facto ou de direito, suscitados deverão ser tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (cfr. 7., do citado artigo 60º).

 

Na verdade é à AT que compete o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação  adicional,  designadamente dos factos concretos existentes e comprovados que demonstrem uma efetiva concorrência que, por essa via, justifiquem  as correções  que suportam ou venham a suportar  a liquidação, sem que haja a possibilidade de tal vir a ser feito ulteriormente em sede judicial  (Cfr, v. g.,  Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 03629/09, de 06-10-2010,  disponível  em www.dgsi.pt, onde se lê, no respetivo sumário: “(…) X) -A AT no exercício da sua competência de fiscalização  da  conformidade  da  actuação dos contribuintes com a lei, actua  no  uso  de  poderes  estritamente  vinculados, submetida ao principio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que a levam a proceder às correcções que suportam  a liquidação. XI)  -Nesse  sentido,   a  AT  está  onerada  com  a  demonstração  da  factualidade   que  a levou  a desconsiderar  certos  custos  contabilizados  em  termos  de  abalar  a presunção de   veracidade    das   operações    inscritas   na   contabilidade    da recorrente e nos respectivos documentos  de  suporte  de  que  aquela  goza  em homenagem  ao princípio da  declaração  e  da  veracidade   da   escrita  vigente   no nosso   direito  - ao   tempo consagrado  no  artº  75º da LGT-, passando,  a partir  daí,  a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.   (...)  XVI -No que tange à patente insuficiência instrutória por parte da AF no procedimento, por não ter realizado as necessárias diligências na devida altura, não é legalmente    admissível   que   o   fizesse    depois,    na   fase    contenciosa,   pois isso constituiria uma fundamentação formal  e substancial a posteriori  e a substituição  do poder   judicial   à   Administração,  acto   proibido   pelo sacrossanto  princípio   da separação de poderes (...) XVII - Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação  do  seu juízo,  a questão  relativa  à  legalidade   do  seu   agir   terá  de  ser   resolvida   contra  ela,   sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários (...)”(sublinhados nossos).

 

Por outro lado, a fundamentação            das correções tem que obedecer a um discurso justificativo, através de um enunciado que tenha como objetivo exprimir a  relevância material        da correção.      Exige-se capacidade para esclarecer as razões que levaram à correção, à opção efetuada, tendo em atenção que existe uma margem de discricionariedade, em algumas dessas opções que importa justificar adequadamente. A declaração fundamentadora tem que ser um discurso capaz de sustentar uma correção.

 

Por exemplo, a obrigatoriedade de ter em conta os elementos novos na fundamentação da decisão (artigo 60º-7, da LGT) traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados, sendo que “a falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento.” – cfr. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3ª edição, Vislis, 2003, pág. 290.

 

Ou seja: na ponderação do disposto nos artigos 56º-1 e 60º-7, da LGT, se o contribuinte em sede de direito de audição, de reclamação graciosa e/ou recurso alega um conjunto de factos adicionais ou novos e arrola ou indica testemunhas para os comprovar, terá a AT de justificar, ainda que sumária mas suficientemente, quais as suas razões, de facto ou de direito, para desconsiderar esses factos ou denegar o meio de prova - testemunhal - apresentado, sob pena de anulabilidade da decisão por falta de fundamentação à luz do que dispunham os artigos 133º a 135º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redação à data (correspondentes aos artigos 161º a 163º, do atual CPA) em conjugação com o artigo 77º, da LGT.

 

Certo que em regra não é admissível em procedimento tributário (artigo 69º/e), do CPPT) a prova testemunhal; todavia tal meio de prova não é proibido e, pelo contrário, pode mesmo ser imposta (a inquirição de testemunhas) à luz dos princípios da verdade material (cfr artigo do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária) e  da necessidade para a descoberta da verdade material [cfr. artigo  2ª parte do teor da sobredita alínea e), do artigo 69º] e não pode ser rejeitada liminarmente quando proposta, requerida ou sugerida pelo contribuinte sem que tal rejeição seja acompanhada da respetiva fundamentação (Nesta linha, cfr Jorge Lopes de Sousa,  CPPT Anotado, Ed. VISLIS/2011, vol. I, pg 636, em anotação ao artigo 69º: “(...)A omissão de diligências que forem indispensáveis para a descoberta da verdade, constituirá vício procedimental que, repercutindo-se no ato de decisão da reclamação graciosa, acarreta a sua anulabilidade. Neste contexto, existindo o referido dever, não há qualquer obstáculo a que o próprio reclamante requeira ou sugira a realização das diligências que considere indispensáveis para a descoberta da verdade, o que importa à AT o dever de se pronunciar expressamente sobre a alegada indispensabilidade da sua realização (...)”

 

Por outro lado ainda, está manifestamente vedada (como no caso dos autos) a utilização de genéricas ou abstratas expressões para desconsiderar os factos invocados porquanto tal não esclarece concretamente qual a respetiva motivação. O que torna insuficiente a fundamentação. Insuficiência que equivale a falta de fundamentação - (cfr., artigos 125º-2, do CPA anterior e 153º-2, do CPA atual, aplicáveis ex vi artigo 2º-c), da LGT e ainda, vg., os Acs., do STA de 1-4-1998 e de 6-2-1991, nos Procs nºs 042490 e 13435, publicados no site www.dgsi.pt).

 

Subsumindo

Da análise dos autos e dos elementos da cópia do processo administrativo junta pela AT em 9-12-2020, após insistência do Tribunal (cfr despachos de 14-3-2020 e 30-11-2020), resulta que, confrontada, com a alteração da matéria tributável em sede de IRC, a Requerente, no exercício do direito de audição e, ulteriormente, em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, alegou a importância de um elenco de factos novos, não ponderados pela AT e indicando, como meio de prova, a testemunhal.

 

A posição da AT, sintetizada nas alegações finais, foi a de que, citando, “(...)não tinha como reconhecer os factos descritos pela ora Requerente em sede de reclamação graciosa, porque pura e simplesmente se tratou de factos alegados por ela, muitos dos quais sem qualquer prova que os evidenciasse (...)”.

 

Ou seja: a AT não desvaloriza os factos em si mas sobretudo a ausência de prova dos mesmos sem invocar, no entanto, qualquer fundamento para recusar, tacitamente, a produção da prova testemunhal requerida.

 

E é esta ausência de fundamentação que, conforme exposto supra, constitui vício procedimental que, repercutindo-se no ato da decisão final do recurso, acarreta a sua anulabilidade.

 

 

Ou seja e por outras palavras: ter-se-á de concluir que a Administração Tributária e Aduaneira não efetuou todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material e não fundamentou a não realização da produção de prova testemunhal requerida desde o início (exercício do direito de audiência prévia ao despacho) do procedimento de inspeção, com afrontamento, entre outros, do disposto no artigos 58º, da LGT.

 

Por outro lado, dispõe o n.º 2 do art. 125º do Código de Procedimento   Administrativo [aplicável por força do artigo 2º-d), do CPPT], que   "equivale  à  falta    de  fundamentação  a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato. (..) ".

 

Por outro lado, é também claro que a Administração Tributária e Aduaneira, na fundamentação das liquidações, erra na apreciação da prova quando, perante factos novos alegados pelo contribuinte e a indicação do meio de prova (testemunhal) para os demonstrar, conclui que a Requerente se limita a alegar factos sem os demonstrar ao invés de promover a inquirição de testemunhas ou de a rejeitar, fundamentando essa recusa.

 

Assim, a liquidação impugnada decorrente do sobredito indeferimento enferma de vícios de omissão de pronúncia, do dever de fundamentação, do princípio do inquisitório e de erro na avaliação da prova, em violação dos artigos 56º, 58º, 59º-1, 60º-7, 69º-1 e 77º, da LGT e 76º-2, do CPA, aplicável ex vi artigo 2º-d), da LGT.

 

O que será o mesmo que concluir pela procedência das questões elencadas supra sob a denominação “omissão de pronúncia” e da “falta de fundamentação da decisão do procedimento”.

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

Devendo o pedido de pronúncia arbitral proceder com fundamento nestes vícios, que asseguram eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões colocadas.

 

 

III - DECISÃO

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2011... datada de 28.11.2011, relativa ao período de 2007, no montante final de €189.825,32 (cento e oitenta e nove mil, oitocentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos), bem com do ato expresso de indeferimento pela Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), do Recurso Hierárquico, notificado à ora Impugnante através do Ofício n.º..., de 04.08.2014 e, em consequência,

c) Anular a sobredita liquidação adicional e

d) Condenar nas custas do processo a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €189.825,32 (cento e oitenta e nove mil, oitocentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos).

 

Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e que serão integralmente suportadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

•             Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2021

Os árbitros,

 

(José Poças Falcão)

(Henrique Nogueira Nunes)

(Sofia Ricardo Borges, vencida, conforme voto anexo)

 

 

 

 

 

Voto de vencida

 

Voto vencida por discordar, em absoluto, da decisão tomada. Como segue.

 

Nos autos vêm invocados vícios de forma e de mérito, estes últimos reportados a tratamento de custos no âmbito de Liquidação em sede de IRC. E entre os primeiros, os de forma, se encontrando aquele que serviu de fundamento à Decisão. A Requerente identifica-o assim: “recusa de prova testemunhal em procedimento de reclamação graciosa”. E a respectiva consequência assim: “défice instrutório procedimental” – ilegalidade da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico (“RH”) por preterição de diligências instrutórias.

 

Segundo a Requerente, e no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa (“RG”), a Requerida deveria ter aceite o seu pedido de produção de prova testemunhal. Alega que a possibilidade de apresentar e produzir prova testemunhal tem que ser reconhecida aos contribuintes, necessariamente, em procedimento de RG. 

 

Com a solicitada produção de prova testemunhal visava-se “que fossem ouvidas testemunhas (ergo, contabilista)” a fim de “explicar a veracidade das contas da Impugnante” . Como refere, “um contabilista, melhor do que ninguém, conseguirá explicar as contas da Impugnante” .

 

Quando, mais atrás no tempo, a Requerente havia sido notificada do projecto de RIT, exerceu por escrito o seu direito de audição prévia . Não requereu, aí, produção de prova testemunhal. Manifestou-se e não requereu diligências complementares - cfr. doc. 1 junto com a PI de Impugnação . A produção de prova testemunhal só veio a ser por si solicitada quando apresentou RG, para prova de “factos acima alegados relativamente à forma como foram facturadas as ajudas de custo em causa no RIT”.

 

A Requerida recusou a produção de prova testemunhal no despacho de indeferimento da RG, “argumentando que: (…) c. 3) Neste estádio do procedimento administrativo, a diligência requerida pela reclamante não se justifica em face dos elementos probatórios já existentes no processo”; / d. 4) A matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova pretendido utilizar: apenas a prova documental permitiria o esclarecimento da verdadeira situação tributária, de molde a qualificar os custos desconsiderados pela AT como verdadeiros custos dedutíveis à matéria colectável;”

 

Em sede, depois, de procedimento de Recurso Hierárquico, no respectivo despacho de indeferimento, por sua vez, lê-se, a respeito, que “(…) o órgão decisor (…) tem que proceder à análise, verificação e controlo dos elementos que entender adequados para esclarecer todas as suas dúvidas (…). O órgão instrutor pode não realizar todas as diligências requeridas mas apenas as que entender necessárias para a tomada de decisão.” 

 

Temos pois que, solicitada a produção de prova testemunhal pela Requerente na RG, a Requerida o indeferiu. E tomou posição quanto à utilidade da realização da diligência (como supra). Ou seja, recusou-a, no despacho de indeferimento da RG, mas pronunciando-se sobre o pedido da Requerente.  Não deixou, a Requerida, como devido, de fazer, exteriorizando-a, uma ponderação, um juízo, sobre a necessidade/utilidade da realização diligência face às questões a decidir, e aos elementos probatórios de que então (já na fase de RG, recorde-se) dispunha.

 

Pois bem. A realização da diligência não foi solicitada senão uma vez praticado o acto tributário em crise: encerrada a instrução, emitida e notificada a Liquidação adicional. Fase já de RG. E no que a esta fase respeita, como se sabe, os requisitos para a realização de diligências complementares são mais apertados. Quando se chega ao procedimento de RG verifica-se, por um lado, a dispensa de formalidades essenciais e, por outro e à partida, a limitação dos meios probatórios à forma documental (art.º 69.º, al.s a) e e) do CPPT). Com efeito, as diligências complementares a aí ter lugar serão já apenas aquelas que se revelarem, na situação, manifestamente indispensáveis – cfr. art.º 69.º, al. e) do CPPT. O que se compreende, tendo em mente o momento em que então já se está, tendo o contribuinte tido oportunidade de, antes da emissão da Liquidação com que se não conforma, se pronunciar e solicitar a realização de diligências complementares, e considerando o necessário equilíbrio entre garantias de defesa, por um lado, e, por outro, o dever de celeridade, também de interesse público, que impende sobre a Requerida - v. art.º 59.º do CPA, nos termos do qual o responsável pela direcção do procedimento, e os outros órgãos intervenientes, “devem providenciar por um andamento rápido e eficaz, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente e dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que seja necessário a um seguimento diligente e à tomada de uma decisão dentro de prazo razoável.”

 

Compulsados os autos, verifica-se que a Requerente pretendia provar, em RG, factos relativos à forma de facturação  e “explicar a veracidade das contas” . E que a Requerida, perante o solicitado, expressamente emitiu um juízo concreto, de não aceitação e de ponderação das respectivas razões . Pronunciou-se expressamente.

 

Com Jorge Lopes de Sousa, “(…) [n]o entanto, o órgão instrutor poderá não realizar as diligências requeridas se as considerar desnecessárias para apuramento dos factos que interessam para a decisão, sem prejuízo de a legalidade da sua decisão ser contenciosamente controlável e, por isso, poder em impugnação contenciosa anular-se a decisão procedimental se se entender que deixaram de ser realizadas diligências necessárias para um correcto apuramento dos factos.”  E, mais especificamente no âmbito do procedimento de RG , assim: “(…) a omissão da realização das diligências que forem indispensáveis para a descoberta da verdade, constituirá vício procedimental (…).”; “(…) não há qualquer obstáculo a que o reclamante requeira (…), o que imporá à Administração Tributária o dever de se pronunciar expressamente sobre a alegada indispensabilidade da sua realização (…).”  (sublinhados nossos)

 

Sempre se recorde a propósito, e a acrescer a tudo o que antecede, que estamos em IRC e em matéria de custos, regressamos ao início, em que a determinação do lucro tributável há-de ser feita através de prova documental – contabilidade organizada, e os custos fiscais provados por prova documental – v. art.s 17.º, n.ºs 1 e 3 e 23.º, n.º 3 e 123.º, todos do CIRC. Neste contexto, os meios de prova a ser utilizados pelo órgão instrutor sê-lo-ão com o fim do “conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento” – cfr. art.º 72.º da LGT. E as diligências complementares para esse fim serão as manifestamente indispensáveis, quando em fase já de RG – cfr. art.º 69.º, al. e) do CPPT.

 

Em suma, pronunciando-se a Requerida expressamente sobre a desnecessidade da produção do meio de prova, o que fez de forma clara, sucinta e suficiente, como supra, e tendo a prova sido solicitada pela Requerente em sede de RG para os fins também supra, contrariamente ao decidido no Acórdão e salvo o devido respeito, andou bem a Requerida ao indeferir o requerimento de prova da Requerente.

 

E em coerência com a não verificação do requisito da indispensabilidade, note-se aliás como o próprio contribuinte não requereu a produção de qualquer prova testemunhal na sua P.I.

 

Mais houve também, quanto a nós, erro manifesto na decisão da matéria de facto, no Acórdão, ao não ter sido seleccionada e dado como provada a matéria de facto acima indicada, essencial para a boa decisão da causa. Nem se vislumbra quais seriam os factos novos (relevantes) que teriam sido alegados pela Requerente em RG.

 

Por outro lado, salvo o devido respeito, também consideramos incorrecta a qualificação dada no Acórdão ao vício invocado como sendo de falta de fundamentação e, ainda, de omissão de pronúncia. A haver algum vício sustentado no que foi alegado pela Requerente tal nunca acarretaria o que no Acórdão se conclui, mas sim e apenas vício de preterição de formalidade essencial. O que, como exposto, no caso não se verificou.

 

Concluímos dizendo que teríamos julgado improcedente o invocado vício de “défice instrutório procedimental”, e tomado conhecimento dos vícios materiais invocados, por não prejudicado.

 

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2021

(Sofia Ricardo Borges)