Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 851/2019-T
Data da decisão: 2021-01-25  IRS  
Valor do pedido: € 10.498,29
Tema: IRS – Categoria F e G – artigos 41º e 43º do CIRS – Vício de Falta de Fundamentação.
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Sumário:

I.             Apesar da competência dos tribunais arbitrais estar limitada aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos tributários tal não significa que não tenham competência para apreciar os pedidos formulados pelos contribuintes na sequência do pedido principal decorrente da declaração de ilegalidade de um ato tributário, como é o caso do pedido de reembolso do imposto e do pedido de pagamento de juros indemnizatórios. Outro entendimento seria contrário ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 268, nº 4 da Constituição da República Portuguesa. Anulado um ato de liquidação, a única forma da declaração de anulação poder ter efeito útil é obrigar ao reembolso do(s) valores que, eventualmente, tenham sido pagos a título de imposto.

II.            No caso concreto dos presentes autos importa aferir se a liquidação impugnada obedeceu ou não às exigências legais e constitucionais de fundamentação, e, em concreto, verificar se no procedimento de fiscalização e de liquidação adicional que se seguiu, foram ou não observadas as exigências impostas pelos princípios da suficiência, da clareza e da congruência, as quais devem ser contextualizadas e contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori.  Assim, a decisão do tribunal tem de se cingir à análise da fundamentação contida na liquidação impugnada e no procedimento tributário que o antecedeu, constante do Processo Administrativo (PA) junto aos autos pela AT.

III.          No Caso dos presentes autos a liquidação adicional de IRS impugnada padece de falta absoluta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulada, com a consequente devolução ao Requerente do valor de imposto pago indevidamente, acrescido de juros à taxa lega.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A.           Saneamento do Processo

 

1.            No dia 11-12-2019, A..., contribuinte nº..., residente na ... nº..., apartamento ..., ...-... Lisboa, na qualidade de representante fiscal de B... (doravante “'Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante “RJAT”) e do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para impugnação de ato tributário de liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2017. Este pedido tem origem no procedimento tributário de fiscalização da declaração de IRS do ano de 2017, do qual resultou a correção da respetiva declaração Modelo 3 e a emissão de liquidação oficiosa nº 2018..., no valor de € 10.498,29 (dez mil, quatro centos e noventa e oito euros e vinte e nove cêntimos).

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            No pedido arbitral o Requerente peticiona a anulação desta liquidação, por ilegalidade decorrente da existência de vício de forma por falta de fundamentação do ato de liquidação e, ainda, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, concretamente pela violação do disposto nos artigos 43º, 44º e 51º do CIRS.

 

4.            O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 11-12-2019, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-12-2019. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 03-02-2020 a Exma. Senhora Diretora Geral da AT, nos termos do artigo 13º, nº1 do RJAT, veio informar, em representação da entidade Requerida, que por despacho de 21-01-2020, proferido pela Exma. Sr.ª Subdiretora-Geral com competências delegadas na área do IRS, foi proferido despacho de revogação parcial do ato impugnado. Nestes termos, veio requer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 29.º do RJAT.

 

6.            Notificados para o efeito, veio o Requerente pronunciar-se, manifestando o seu interesse em manter o presente pedido arbitral, porquanto não se conforma com a revogação apenas parcial do ato. Alega que mantêm o interesse na lide para decisão dos restantes pedidos formulados com fundamento em ilegalidade da liquidação de imposto impugnada, agora, na parte subsistente após a revogação parcial.

 

7.            Assim, o objeto sujeito a apreciação pelo Tribunal Arbitral ficou circunscrito à parte subsistente do ato tributário e demais pedidos formulados no pedido arbitral.

 

8.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 05-03-2020. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

9.            A AT apresentou Resposta em 02-07-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, alegando a incompetência do tribunal arbitral e a total improcedência do pedido arbitral. De notar que o processo esteve suspenso entre 19-03-2020 a por força da legislação especial COVID 19. Assim, em 06-07-2020 foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:

“DESPACHO ARBITRAL

 

Considerando os articulados junto aos autos, constata-se que as questões essenciais a decidir são questões de direito e não há prova testemunhal a inquirir. Na Resposta veio a AT invocar exceção de incompetência material do tribunal arbitral, à qual a Requerente poderá responder por escrito, em simultâneo com a apresentação das alegações, também estas podendo ser apresentadas por escrito, em prazo a fixar pelo tribunal arbitral.

Considerando, ainda, a especial situação imposta pelo combate à pandemia COVID 19, entende este o Tribunal que pode ser dispensada a marcação da reunião presencial prevista no artigo 18º do RJAT. Nestes termos, fixa-se o prazo de 5 dias para que as partes se pronunciem sobre a proposta de dispensa de realização da reunião. Em caso de ausência de resposta de alguma das partes no prazo fixado, o tribunal arbitral presumirá a sua anuência à dispensa proposta, proferindo despacho sobre a tramitação subsequente.”

 

10.          Face à concordância das partes foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. e a fixar prazo para alegações. Assim, em 07-08-2020 foi proferido o seguinte despacho arbitral:

“DESPACHO ARBITRAL

- Prazo para alegações escritas; suspensão da contagem dos prazos - Legislação COVID 19 e fixação de data para prolação de decisão arbitral -

Considerando a suspensão dos prazos decorrente da legislação determinada pela situação de Pandemia COVID 19, e o regime de prazos vigente à luz do RJAT, esclarece-se o seguinte:

 

1. Nos termos da Lei nº1-A/2020 de 19 de março, com as alterações introduzidas pela Lei nº4-A/2020 de 6/04/22, suspensão dos prazos, operada a partir de 09/03/2020, a qual expressamente se aplica, também, aos Tribunais arbitrais.

 

2. A suspensão dos prazos cessou a 3/06/2020, conforme Lei 16/2020 de 29 de maio.

 

3. Aplicando o regime da suspensão supra mencionada aos presentes autos, cujo Tribunal se constituiu em 05-03-2020, constata-se que o prazo limite para prolação da decisão arbitral passou, assim, para 23 de novembro de 2020.

 

4. Considerando o teor do despacho arbitral proferido em 06/07/2020 e que, no prazo aí fixado, as partes nada disseram quanto à possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, depreende-se do silêncio a sua concordância.

 

Termos em que se fixa o prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações escritas. (…)”

 

11.          As partes juntaram as respetivas alegações no prazo fixado. Em 30-10-2020 o requerente veio aos autos juntar o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

12.          Por razões de acumulação de processos gerada pela suspensão dos prazos judiciais e arbitrais determinada pela pandemia COVID 19, foi necessário prorrogar o prazo para prolação da decisão arbitral, conforme despachos arbitrais de 23-11-2020 e 23-12-2020, que se dão por reproduzidos, proferidos nos termos previstos no artigo 21º nº 2 do RJAT.

 

B.            Do Objeto do processo

 

13.          Considerando a causa de pedir e o pedido formulados nos presentes autos constata-se que o objeto do processo versa sobre a legalidade da liquidação de imposto IRS de 2017, na parte subsistente após a revogação parcial do ato operada pela AT, já após a apresentação do pedido arbitral. Está em causa aferir sobre a legalidade do procedimento que conduziu às correções processadas (por desconsideração das despesas suportadas com o imóvel arrendado e fonte geradora dos rendimentos de categoria F e G) e consequente ilegalidade da liquidação adicional de imposto.

 

14.          Na sua resposta veio a AT suscitar a exceção de incompetência material do tribunal arbitral. Assim sendo, importa conhecer, previamente, da (in) competência material do Tribunal arbitral, antes de prosseguir para decisão da matéria de facto e de direito suscitadas nos autos.

 

C.            Questão Prévia: exceção de incompetência do Tribunal:

 

15.          No essencial a AT alega que o Tribunal Arbitral não tem competência para a condenação da Requerida à prática de atos de correção resultados fiscais peticionados pela Requerente. Constrói esta narrativa a partir da síntese do pedido formulado pelos Requerentes por considerar que, «ainda que tais pretensões pudessem eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido - o que se concede a título meramente académico – a verdade é que tais pedidos extravasam a competência do presente Tribunal.»

 

Vejamos.

 

16.          A competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que estabelece:

«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (…)

 

17.          Assim, no que interessa para a decisão a proferir nos autos, resulta da própria letra da lei que o tribunal arbitral é competente para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. E, mesmo no que diz respeito a atos de fixação da matéria coletável, quando não dê origem à liquidação de tributo, bem assim como de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos. 

 

18.          Posto isto, a questão há-de ser decidida tendo como referência o pedido formulado pelos Requerentes bem assim como a causa de pedir que serve de sustentação a tal pedido. Ora, retornando ao caso concreto constatamos que os requerentes formulam o seu pedido arbitral nos seguintes termos:

 

“Termos em que se requer (…) e a final:

I)             Pela anulação da liquidação nº2018..., relativa ao IRS do ano de 2017, por vício de ilegalidade, conforme melhor explicitado no presente articulado, por violação do artigo 46º do CIRS, 60º e 77º da LGT, tudo com as demais consequências legais;

II)           Pelo reconhecimento do direito ao reembolso do imposto indevidamente pago no valor de 10. 498,29, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43º da LGT

III)          Subsidiariamente, em caso de decaimento do pedido acima, pela correção parcial da liquidação de IRS do ano de 2017 do ora Requerente, em função da anulação parcial das correções ora sindicadas nos termos melhor explicitados nos termos do artigo 61ºdo presente articulado inicial, tudo com as demais consequências legais, mormente o reembolso parcail do imposto in devidamente pago acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT.»

IV)          Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da AT no pagamento das custas de arbitragem.»

 

19.          Resulta do exposto que, atendendo ao pedido principal formulado pelos Requerentes, estamos perante um pedido de anulação de uma liquidação adicional de imposto (IRS 2017) emitida no seguimento de um processo de fiscalização. Este é o pedido principal, para o qual o tribunal arbitral tem competência material, expressamente consagrada na letra da lei, sem margem para dúvida. O mesmo sucede com o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, já que este pedido é uma consequência natural da anulação da liquidação.

Na verdade, a reposição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado sempre seria o resultado da anulação do ato. Isso implica, nos casos em que o imposto foi indevidamente pago, a necessidade de devolução daquele montante acrescido de juros à taxa legal. Pelo que, no que diz respeito a estes dois pedidos o tribunal arbitral é competente, nos termos legalmente previstos. É que, apesar da competência dos tribunais arbitrais estar limitada aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos tributários tal não significa que não tenham competência para apreciar os pedidos formulados pelos contribuintes na sequência do pedido principal decorrente da declaração de ilegalidade de um ato tributário, como é o caso do pedido de reembolso do imposto e do pedido de pagamento de juros indemnizatórios. Outro entendimento seria contrário ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 268, nº 4 da Constituição da República Portuguesa. . Anulado um ato de liquidação, a única forma da declaração de anulação poder ter efeito útil é obrigar ao reembolso do(s) valores que, eventualmente, tenham sido pagos a título de imposto.

Dito de outro modo, considerando o objeto imediato do pedido, tal qual foi configurado pelos Requerentes, este consiste na análise da legalidade do ato tributário referente a IRS do ano de 2017, emitido na sequência de um processo de correções promovido pela AT, pelo que não há dúvida sobre a competência do Tribunal arbitral nesta matéria. Improcede, pois, a exceção invocada pela AT.

 

20.          Quanto ao pedido subsidiário, concretamente o pedido de «correção parcial da liquidação de IRS do ano de 2017», por tudo o que vem exposto é manifesto que o tribunal arbitral não tem competência para proceder a correções parciais de liquidações. Como se disse, a competência do tribunal arbitral está limitada a questões de ilegalidade dos atos tributários, podendo, em consequência, anular total ou parcialmente os atos de liquidação impugnados. Não cabe no seu âmbito de competência material proceder a correções parciais de liquidações, o que, aliás, consubstanciaria uma intromissão ilegal e inconstitucional no exercício do poder executivo, ou, dito de outro modo, violação do princípio da separação de poderes.

Acresce que, a revogação parcial do ato impugnado, nos termos peticionados subsidiariamente, acabou por ser, em parte, decidida administrativamente, pela revogação parcial promovida pela própria AT ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº 1 do RJAT.

 

Contudo esta conclusão não impede o Tribunal de conhecer do mérito do pedido principal, uma vez que os Requerentes declararam manter o interesse na manutenção da lide, por não se conformarem com a revogação apenas parcial do ato impugnado. Assim, a única questão que subsiste para conhecimento do Tribunal é a da ilegalidade do ato tributário impugnado na parte que subsiste, após a revogação parcial da iniciativa da AT.

 

Nesta conformidade, o Tribunal considera-se competente para conhecer do pedido principal formulado pelos requerentes, pelo que improcede a exceção de incompetência quanto a este pedido. Considera-se, porém, procedente a exceção quanto ao pedido de correção parcial da liquidação.

 

 

21.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a)            O Requerente é um sujeito passivo não residente, para efeitos fiscais, em Portugal.

b)           O De acordo com os registos informáticos da AT, no ano de 2017, o Requerente procedeu à entrega da modelo 3, em 2018-09-09, identificada com o n.º ..., a qual compreendia os modelos declarativos anexo F (Rendimentos Prediais) e G (mais-valias e outros incrementes patrimoniais).

c)            Relativamente à declaração de rendimentos supra, a mesma foi objeto de um processo de divergência, tendo o referido processo sido findo com correções.

d)           No seguimento das correções efetuadas no processo de divergências, foi emitida uma liquidação oficiosa de IRS, com referência ao ano de 2017;

e)           As correções resultaram da desconsideração de um conjunto de despesas suportadas com os imóveis arrendado;

f)            O Requerente deduziu reclamação graciosa ao abrigo do disposto no art.º 68.º e seguintes do CPPT, contra a liquidação adicional de IRS n.º 2018... .

g)            No seguimento do deferimento parcial da reclamação graciosa, em 2019-11-27 foi emitida a liquidação adicional n. nº 2019..., a qual se configura como a última a ser produzida relativamente ao IRS de 2017.

h)           A 25.10.2018, o Requerente foi notificado do projeto de correções ao quadro 5 do Anexo 5, bem como ao quadro 4 do Anexo G da Modelo 3 do ano de 2017 e para apresentar escritura de aquisição e alienação de prédio sito na freguesia de ... (fração D artigo... da freguesia ... -...).

i)             A 30.10.2017, o Requerente exerceu o direito de audição prévia, e juntou documentação para comprovação das despesas deduzidas;

j)             O Requerente nunca foi notificado de qualquer decisão final sobre o procedimento tributário de correções à sua Modelo 3 de 2017;

k)            O Requerente foi notificado da liquidação adicional n.º 2018..., referente a IRS do ano de 2017, no valor de € 57.154,44 e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com o montante final a pagar de € 10.498,29, e com prazo de pagamento a terminar a 24.12.2018.

l)             O Requerente pagou o valor do imposto liquidado.

m)          A 07.01.2019, o Requerente deduziu reclamação graciosa do ato de liquidação adicional referente a IRS de 2017;

n)           A 12.09.2019, o Requerente foi notificado do deferimento parcial da referida reclamação, o que originou a emissão da liquidação corretiva n.º 2019...;

o)           Em 11.12.2019, o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade deste ato de liquidação;

p)           Na sequência da apresentação do presente pedido arbitral, a AT veio informar nos autos que, através de despacho da Exma. Sra. Subdiretora-Geral com competências delegadas da área do IRS de 21.01.2020, procedeu à revogação parcial da liquidação de IRS n.º 2019... e confirmou o direito do Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios na proporção das alterações efetuadas à liquidação contestada;

q)           Notificado para se pronunciar sobre se mantinha interesse no prosseguimento dos autos, o Requerente veio comunicar que mantém o interesse no prosseguimento do procedimento arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

      Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

22.          A matéria considerada comprovada tem suporte documental junto aos autos pelo Requerente e no Processo Administrativo (PA) que a AT juntou aos autos.

 

23.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

B. DO DIREITO

B.1. Questão a decidir

 

24.          Considerando tudo o que vem exposto no pedido arbitral constata-se que a questão de direito a decidir é a de saber se a liquidação de imposto, mesmo depois de ser parcialmente revogada, deve ser anulada na parte que subsiste e, se a decisão for nesse sentido, devolver ao sujeito passivo o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, na parte em que a AT ainda não o tenha feito O sujeito passivo alegou como fundamento da ilegalidade da liquidação:

a.            Vício de falta de fundamentação;

b.            Violação de lei.

 

B.2 A posição da AT

 

25.          Sobre a alegada ilegalidade da liquidação impugnada a AT considera que o vício de falta de fundamentação não se verifica. Entende que em causa está a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e que esta se encontra suficientemente fundamentada, sendo que esta questão nem devia ser suscitada por não se inserir na esfera de competências do tribunal arbitral.

 

B.3 A Posição do Sujeito Passivo

26.          Os requerentes alegam que as despesas por si indicadas deveriam ter sido consideradas, a saber:

a.            fatura de€ 16.605 referente a instalação de ar condicionado.

b.            obras de beneficiação da fração (construção civil) no montante de€ 763,57.

c.            obras no sistema elétrico da fração no valor de€ 1.845.

d.            aquisição de central telefónica e equipamentos no valor de€ 1.230.

 

27.          As correções aos valores declarados pelo requerente na sequência da instauração do procedimento e divergências incidiram sobre gastos suportados para a obtenção de rendimentos das categorias F e G. Concretamente, no que respeita aos rendimentos da categoria F as despesas de manutenção e conservação dos imóveis foram reduzidas de € 24.234,1o para € 763,57. Por sua vez, as despesas com condomínios foram reduzidas de € 4.427,12 para € 2.433,97. Já os classificados como "outros", no montante de€ 7.380, mantiveram-se como tal. Em sede de reclamação graciosa, o requerente não contestou a redução dos montantes de condomínio. Como resultado da reclamação graciosa apresentada a Requerida aceitou o montante de € 1.845 relativo a obras no sistema elétrico, como gastos de manutenção e conservação relativos a imóveis, objeto de contratos de arrendamento geradores de rendimentos da categoria F. Já os montantes relativos à instalação de aparelho de ar condicionado - € 16.605- e de um equipamento telefónico não foram considerados na reclamação graciosa. Por sua vez, em sede de rendimentos da categoria G (mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis), o requerente declarou despesas e encargos inerentes à alienação e /ou aquisição dos bens objeto de transmissão onerosa no montante de € 20.353,19. Na sequência do procedimento de divergências esse valor foi corrigido para € 6.516,74.

 

28.          Em sede de reclamação graciosa, a AT entendeu considerar os montantes relativos às faturas concernentes aos serviços de mediação imobiliária na operação de transmissão dos imóveis e, bem assim, a importância de € 3.404,64 relativa a trabalhos de conservação daqueles bens. Mas apesar deste deferimento parcial da reclamação graciosa e da revogação parcial do ato impugnado (após a apresentação do pedido arbitral) subiste o entendimento da AT segundo o qual não devem ser aceites como gastos dedutíveis as despesas com a aquisição do sistema de ar condicionado e de equipamento telefónico, como deduções de rendimentos prediais. Em suma, o sujeito passivo não se conforma com o entendimento da AT na interpretação da parte final do nº 1, do art. 41° do CIRS, relativo a deduções da categoria de rendimentos prediais, segundo a qual não é permitida a dedutibilidade de gastos "relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração". Entende, ainda, o sujeito passivo que esta posição da AT não se encontra fundamentada e, mesmo que assim não se entenda, sempre será violadora da lei, pois que não encontra respaldo na norma do artigo 41º do CIRS, nem em nenhum outro normativo legal.

 

B.4 Decidindo

 

29.          O ato tributário impugnado resulta das correções efetuadas à declaração Modelo 3, de 2017, que não foram anuladas pela AT em sede de reclamação graciosa, nem pela revogação parcial do ato. Concretamente, estão em causa as correções efetuadas às despesas de manutenção e conservação relativas a imóveis e, mais especificamente, saber se a liquidação adicional de IRS 2017 está ou não devidamente fundamentada e, se a resposta a esta prime ria questão for positiva, aferir se se verifica ou não violação de lei invalidante da referida liquidação. De notar que o ato em apreciação por este Tribunal é o da liquidação adicional de IRS do Requerente, referente ao ano de 2017, determinado pelas correções efetuadas pelo Serviço de Finanças Lisboa ... . Este é o ato tributário objetivamente em escrutínio, pelo que, releva apenas a fundamentação contida na referida liquidação, devidamente contextualizada, constante no respetivo processo administrativo, resultante do procedimento de fiscalização instaurado e concluído. Qualquer tentativa de fundamentação posterior é irrelevante, pois que, como é sabido, é entendimento da doutrina e da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que não pode haver fundamentação do ato tributário (ou administrativo) a posteriori.

Assim, acompanhando o nosso Supremo Tribunal Administrativo, entende-se que “embora a fundamentação do acto administrativo seja um conceito relativo, o mesmo deve ter-se como fundamentado desde que um destinatário normal, colocado na situação concreta do real destinatário, se aperceba, sem equívoco, dos motivos por que assim foi decidido. (…) A fundamentação a posteriori, que não é legalmente admissível, pois que só é permitida a fundamentação contextual. Assim a fundamentação adicionada por um aditamento à acta, na qual já tinham sido classificados e graduados os concorrentes, dizendo quais foram os critérios utilizados em tal classificação e graduação, não pode ter-se como integrando a fundamentação.” 

É, pois, jurisprudência assente que: «A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”. 

 

30.          Ora, no caso dos presentes autos importa aferir se a liquidação impugnada obedeceu ou não às exigências legais e constitucionais de fundamentação, e, em concreto, verificar se o procedimento de fiscalização e de liquidação adicional que se seguiu, foram ou não observadas as exigências impostas pelos princípios da suficiência, da clareza e da congruência, as quais devem ser contextualizadas e contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori.  Assim, a decisão do tribunal tem de se cingir à análise da fundamentação contida na liquidação impugnada e no procedimento tributário que o antecedeu, constante do Processo Administrativo (PA) junto aos autos pela AT. O que vale por dizer que é de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do ato administrativo a fundamentação a posteriori, incluindo-se, manifestamente, nesse tipo de fundamentação, a fundamentação invocada na resposta da autoridade fiscal no processo de impugnação que, como tal, é destituída de valor seja como complemento da fundamentação do ato ou como apta a destruir ou contrariar esta última.

 

31.          Ora, em conformidade com o que vem exposto, constata-se que da análise do a prova documental constante do PA, bem assim como a prova documental junta aos autos pelo Requerente, resulta que as correções subjacentes à liquidação impugnada não foram acompanhadas de qualquer fundamentação, concreta, especifica e suficientemente clara e congruente. Na verdade, o que nos é dado analisar concluímos que na liquidação emitida bem assim como no relatório que a antecedeu apenas se apresentam uns quadros com a menção dos valores das despesas apresentadas pelo sujeito passivo, com a menção do valor das deduções efetuadas, o valor das correções que a AT entendeu efetuar.

 

Não se vislumbra qualquer explicação detalhada e especificada sobre a motivação que conduziu a AT a não aceitar tais deduções.

A mera referência ao artigo 41º do CIRS é, ainda assim, insuficiente para a fundamentação das correções efetuadas. Pelo que, neste ponto, somos levados a concluir que o ato tributário ora sindicado padece de manifesto vício de falta de fundamentação, o que condiciona a validade de todos os demais procedimentos adotados nesta sede pela AT.

 

32.          O dever de fundamentação decorre do princípio constitucional previsto no artigo 268.º da CRP, veio a ser objeto de concretização nos procedimentos e processos de natureza tributária no artigo 77.º da LGT. Com a obrigação de fundamentação do ato administrativo ou tributário pretende-se salvaguardar a garantia de defesa dos direitos e interesses legítimos dos administrados, a transparência da atividade administrativa e respetivos procedimentos, bem assim como o direito dos particulares à reconstituição do percurso lógico, racional e ponderativo que conduziu à liquidação de imposto.

 

33.          Para que se cumpra este dever de fundamentação o órgão administrativo deve indicar as razões de facto e de direito que determinaram o conteúdo do ato. No que respeita aos atos de natureza tributária esta exigência de fundamentação é, ainda, mais importante por força da natureza lesiva para o sujeito passivo.

 

Por último, a fundamentação (de facto e de direito) é um corolário indispensável do princípio do Estado de Direito democrático, um elemento legitimador da obrigação de imposto e, por último, fundamental para a normal relação entre o sujeito passivo e a AT, evitando o recurso a meios contenciosos que deviam ser evitados. A este propósito o Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem sido muito expressivo e claro na jurisprudência dominante, salientando recorrentemente a «nulidade» da liquidação adicional / oficiosa de imposto que: «É nula, por falta de fundamentação, a liquidação adicional de IRS que não contenha, ainda que sumariamente, as razões de facto e de direito que levaram a administração fiscal a efetuá-la.” 

 

34.          No caso em apreço, e conforme resulta da análise da decisão proferida pelo Serviço de Finanças Lisboa ... no sentido da realização das correções subjacentes à liquidação ora sindicada, a AT limitou-se a emitir um resultado, sem, contudo, indicar os concretos fundamentos de direito que justificam a desconsideração dos elementos declarados pelo Requerente para efeitos de apuramento do rendimento líquido das categorias F e G.

35.          Com efeito, verifica-se que a própria AT foi reconhecendo o seu erro, quer no deferimento parcial da reclamação graciosa, quer na revogação parcial da liquidação impugnada, decidida após a apresentação do presente pedido arbitral, através do despacho da Exma. Sra. Subdiretora-Geral com competências delegadas da área do IRS de 21.01.2020. Nestas duas decisões posteriores à liquidação, reconhece falhas do ato e por isso defere parcialmente o pedido do Requerente e, por outro lado, tenta efetivamente justificar as correções efetuadas e analisar de forma critica a prova apresentada pelo Requerente. Contudo, estas tentativas de remediar a total falta de fundamentação da liquidação de imposto e do relatório que lhe está subjacente, do qual apenas constam uns quadros com a indicação de valores deduzidos pelo sujeito passivo, seguidos dos valores das correções (aleatórias) efetuadas pela AT, mas sem qualquer fundamentação concreta,

 

36.          É pacífico para a doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a falta de fundamentação expressa e contemporânea dos atos tributários, porque reveladora da preterição de formalidade essencial à garantia do direito de defesa dos particulares contra atos que se reputam lesivos dos seus direitos e interesses legítimos, implica a sua anulabilidade, bem como dos atos tributários que lhe sobrevierem, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente a verificação do vício de forma por falta de fundamentação conforme estabelecem os artigos 77.º da LGT e 36.º do CPPT.

 

No caso dos autos foram liminarmente desconsiderados os elementos declarados pelo Requerente, sem a demonstração das razões concretas que determinaram tal decisão. Sendo que, como bem saliente o Requerente, os elementos contabilísticos constantes da declaração do contribuinte gozam de uma presunção de veracidade nos termos do nº1 do artigo 75.º da LGT. Tal circunstância é ainda agravada pela ausência de referências à documentação junta pelo sujeito passivo ao PA, nomeadamente, em sede de audição prévia no âmbito do procedimento de reclamação graciosa deduzido junto do Serviço de Finanças competente.

 

37.          Em suma, percorrendo o PA junto aos autos é manifesta a ausência de “fundamentação” da decisão final, que conduziu às correções da matéria coletável e consequente liquidação adicional de imposto. Ora, como já se disse, os atos administrativos ou tributários carecem de fundamentação expressa, ou seja, a fundamentação do ato deve indicar as razões nas quais a decisão se baseia, bem como os pressupostos de facto e de Direito que justificam a prolação dessa decisão.

 

Tudo visto, há que concluir que é inequívoco que impende sobre a AT não cumpriu com o dever de fundamentação expressa, não indicou de forma clara e expressa as razões de direito que levaram a Administração a proceder às correções efetuadas e à emissão da liquidação impugnada, a qual padece de vício de forma, devendo ser anulada.

Com efeito, o Requerente tem razão, quando invoca que «o Serviço de Finanças de Lisboa ..., ao proferir a decisão final do procedimento e ao determinar a realização de correções à Declaração Modelo 3 de 2017, estava adstrito a indicar a fundamentação de facto e de direito, bem como a ter em conta na decisão final a prova produzida pelo Requerente em sede de direito de audição. No caso em apreço, seria, aliás, exigível que tivesse notificado o Requerente da decisão final do procedimento, explicitando os fundamentos legais subjacentes às correções efetuadas. Contudo, a Requerida nunca remeteu qualquer decisão final, pelo que o Requerente desconhece, em absoluto, a fundamentação legal que subjaz ao ato tributário ora sindicado, pelo que estamos perante um caso de absoluta falta de fundamentação do ato.»

 

38.          Sendo assim, porque da análise de todos os elementos de prova documental juntos aos autos não resulta a fundamentação clara do entendimento subjacente às correções efetuadas, é forçoso concluir que assiste razão ao sujeito passivo quanto ao incumprimento do dever de fundamentação da liquidação impugnada, a qual devia ter sido anulada em sede de reclamação graciosa e, eventualmente, substituída por outra devidamente fundamentada, com respeito pelo prazo legal de caducidade.

Contudo, como já se referiu, o tribunal arbitral não tem competência para se sobrepor à AT na prática de atos tributários. Este tribunal como qualquer tribunal administrativo e fiscal apenas pode pronunciar-se sobre a legalidade ou ilegalidade do ato impugnado. E, assim sendo, não resta dúvida que a liquidação impugnada é ilegal por violação do dever legal de fundamentação pelo que deve ser anulada, com a reposição da situação do sujeito passivo, nomeadamente o reembolso das quantias indevidamente pagas.

Por último, salientar que, em sintonia com a fundamentação exposta, a posterior decisão da reclamação graciosa não serve de argumento para contornar a falta de fundamentação subjacente à liquidação resultante das correções efetuadas.

 

Nestes termos, considera-se inteiramente procedente o pedido arbitral e declara-se a ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de forma por ausência da fundamentação legalmente exigida.

 

B.5. Questões de conhecimento prejudicado

 

39.          Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada objeto do presente processo, por vício de forma por falta absoluta de fundamentação, pelo que fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. Fica prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados pelo Requerente.

 

B.6. Juros Indemnizatórios

 

40.          O requerente pediu ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

Em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e do artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, ao não caber recurso ou impugnação da decisão arbitral sobre o mérito da causa, a Administração Tributária fica vinculada nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, incumbindo-lhe o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando esta os atos e operações necessários para o efeito.

Neste sentido, segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Por seu turno, dispõe o artigo 43.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Ora, no caso em apreço, está em causa uma liquidação adicional, emitida no âmbito de procedimento de inspeção tributária, da exclusiva responsabilidade da AT. Acresce que, a liquidação impugnada foi parcialmente revogada, já na pendência do presente processo arbitral. Assim, não há dúvida que a liquidação impugnada foi da exclusiva responsabilidade da AT pelo que, tendo o Requerente pago o valor de imposto, deve ser reembolsado do valor pago acrescido de juros  indemnizatórios, os quais são devidos à Requerente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa dos juros legais em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a.            Considerar improcedente a exceção de incompetência material invocada pela Requerida AT, quanto ao pedido principal;

b.            Considerar procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral quanto ao pedido subsidiário, na parte em que se peticionava a correção parcial da liquidação;

c.            Considerar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS do ano de 2017, na parte que subsistiu após a revogação parcial operada pela própria AT.

d.            Considerar procedente o pedido de reembolso do valor pago indevidamente pelo Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal até integral devolução ao sujeito passivo.

e.            Condenar as partes nas custas arbitrais na proporção do respetivo vencimento, a saber: 90% a cargo da Requerida AT e 10% a cargo do Requerente.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €10.498,29, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes, na proporção do respetivo e vencimento, conforme consta da alínea e) da decisão, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de janeiro de 2021

 

O Árbitro do Tribunal Arbitral Singular,

(Maria do Rosário Anjos)