Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 85/2021-T
Data da decisão: 2022-02-22  IRS  
Valor do pedido: € 92.146,22
Tema: IRS – Mais-valias – Habitação própria permanente - Não sujeição – Reinvestimento – Art. 10.º, n.º 5 CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

               

Os árbitros Alexandra Coelho Martins, Ricardo Marques Candeias e Gustavo Gramaxo Rozeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31 de maio de 2021, acordam no seguinte:

 

                I.             RELATÓRIO

 

A..., contribuinte número..., e B..., contribuinte número..., casados, ambos residentes na Rua..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, doravante designados em conjunto por “Requerentes”, requereram a constituição de Tribunal Arbitral e deduziram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Os Requerentes pretendem que seja anulado o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e juros compensatórios emitido em 20 de novembro de 2020, sob o n.º 2020..., referente ao ano 2016, no montante de € 92.146,22 (sendo € 11.320,03 relativos a juros compensatórios), com fundamento em errónea qualificação dos factos tributários.

 

Em 9 de fevereiro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT em 15 de fevereiro de 2021.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 31 de maio de 2021.

 

Em 1 de julho de 2021, a Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo.

 

Por despacho de 1 de julho de 2021, foram ambas as Partes notificadas da intenção de dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

Em 23 de setembro de 2021, por renúncia justificada, foi determinada a substituição de um dos árbitros vogais, conforme despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, tendo sido nomeado o novo árbitro em 28 de outubro de 2021. 

 

As Partes foram notificadas para apresentação de alegações facultativas e sucessivas e fixado o prazo de prolação da decisão arbitral. Os Requerentes foram ainda advertidos em relação ao pagamento prévio da taxa arbitral subsequente, tudo nos termos do despacho do Tribunal Arbitral, de 9 de novembro de 2021.

                Os Requerentes apresentaram alegações finais em 12 de novembro de 2021, reiterando a argumentação exposta no pedido de pronúncia arbitral, tendo a Requerida contra-alegado em 30 de novembro de 2021, mantendo o teor da Resposta.

 

                Em 10 de dezembro de 2021, por falecimento de um dos árbitros, foi designado em sua substituição o Exmo. Senhor Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira, cuja nomeação ocorreu em 30 de dezembro de 2021.

 

                Por despachos de 12 de novembro de 2021 e de 28 de janeiro de 2022, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado das vicissitudes processuais, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS impugnado, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), i.e., até ao decurso de 90 dias sobre o termo do prazo para pagamento voluntário dos atos tributários (fixado em 6 de janeiro de 2021) impugnados na presente ação, proposta em 8 de fevereiro de 2021.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar ou nulidades processuais.

 

                III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

                1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A... e B..., aqui Requerentes, adquiriram em 14 de dezembro de 2015, por € 200.000,00 uma fração habitacional, sita na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa, inscrita sob o artigo matricial U-..., fração E, da freguesia da ...– cf. Documentos 1 e 3.

B.            Os Requerentes iniciaram obras de beneficiação deste imóvel em janeiro de 2016, que terminaram em maio de 2016, faturadas por C..., LDA. – cf. Documento 3.

C.            Os Requerentes eram também arrendatários de uma fração habitacional sita na Rua ..., ..., ..., freguesia da ..., por contrato celebrado em 11 de abril de 2014, o qual vigorou até 30 de abril de 2016, e que haviam declarado como sua residência desde 9 de junho de 2014 (marido) e 15 de setembro de 2014 (mulher), até janeiro de 2016 – cf. Documento 3.

D.           Em janeiro de 2016, os Requerentes declararam junto da AT a alteração do seu domicílio fiscal para a fração da Rua ... descrita no ponto A supra, em concreto, o Requerente marido em 6 de janeiro e a Requerente mulher em 20 de janeiro – cf. provado por acordo.

E.            Em 12 de março de 2016, os Requerentes celebraram um novo contrato de arrendamento para habitação, da fração autónoma sita na Rua ..., n.º ..., ..., freguesia da ..., em Lisboa, com início de vigência em 1 de maio de 2016, tendo sido autorizados a tomarem posse do local no dia 11 de abril de 2016 – cf. Documento 4.

F.            Este contrato de arrendamento refere que os segundos outorgantes, aqui Requerentes, são ambos residentes na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa e, na cláusula sexta, que “o locado destina-se a habitação dos segundos outorgantes não podendo estes dar-lhe outro uso sem prévia autorização escrita da primeira outorgante” – cf. Documento 4.

G.           Entre fevereiro e julho de 2016, o Requerente marido recebeu a correspondência de um Banco endereçada à morada da Rua ... (fração autónoma identificada no ponto A supra), e, pelo menos, entre maio de julho de 2016, a correspondência da escola dos seus filhos era, de igual modo, endereçada a essa morada – cf. Documentos 5 e 6.

H.           Em 31 de agosto de 2016, os Requerentes alienaram o imóvel habitacional descrito no ponto A supra, pelo preço de € 655.000,00 – cf. Documentos 1 e 3.

I.             Os Requerentes apresentaram a declaração de IRS, Modelo 3, referente ao ano 2016, em 22 de setembro de 2017, e manifestaram a intenção de reinvestimento de parte do valor de realização do imóvel (identificado em A) destinado a habitação própria e permanente (€ 462.532,29), mediante o preenchimento do campo 5006 do quadro 05 do anexo G, daquela declaração – cf. Documentos 1 e 3.

J.             Em 23 de outubro de 2020, a Requerente foi notificada do ofício da AT com o seguinte teor – cf. Documento 2:

“Da análise efetuada à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016, com a identificação ..., constata-se a necessidade de proceder a correcções, no anexo G. Mais concretamente na intenção de reinvestimento de € 462.532,29, resultante da alienação do artigo urbano n.º..., da freguesia da ..., sito na Rua ..., ..., e Rua ..., ...-..., ..., Lisboa, tendo por base a fundamentação indicada.

[…]

caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, poderá apresentar as suas alegações no prazo de 15 dias […]”.

K.            Os Requerentes optaram por não exercer o direito de audição – cf. Documento 3.

L.            Por ofício datado de 14 de dezembro de 2020, os Requerentes foram notificados pela AT da não aceitação do reinvestimento, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, porquanto – cf. Documento 3:

“[…]

- apesar de terem alterado, em Janeiro de 2016 o domicílio para a Rua  ..., ... – ..., continuou vigente o contrato de arrendamento para habitação do art.º urbano n.º..., da freguesia da ..., correspondente à Rua ..., ...º, até Abril de 2016;

- em 01-05-2016, celebraram contrato de arrendamento de habitação própria permanente do imóvel sito na Rua ..., ..., Lisboa (art.º urbano n.º..., da freguesia da ...);

- assim, à data da venda do imóvel da Rua ..., ... -..., em 31-08-2016, tinha contrato de arrendamento de habitação própria permanente para o ..., da Rua ..., ..., Lisboa;

- consequentemente, não poderá ser considerada a alienação da Rua..., ... - ... Dto, como correspondendo à venda de imóvel de habitação própria permanente.”

M.          Em 20 de novembro de 2020, foi emitida aos Requerentes a liquidação adicional de IRS n.º 2020..., referente ao ano 2016, no montante de € 92.146,22, sendo € 11.320,03 relativos a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 6 de janeiro de 2021 – cf. cópia da liquidação junta aos autos pelos Requerentes.

N.           Não se conformando com a referida liquidação de IRS, os Requerentes apresentaram no CAAD, em 8 de fevereiro de 2021, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

               

                2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não se provou o alegado pela Requerida, de que o imóvel alienado em 2016 não era habitação própria e permanente do agregado familiar dos Requerentes (artigo 53.º da Resposta). Não foram identificados outros factos que devam considerar-se não provados.

 

                3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

 

                IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

                1.            QUESTÃO DECIDENDA

 

A questão que importa apreciar respeita ao preenchimento dos pressupostos de aplicação do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, que prevê a não sujeição a imposto das mais-valias imobiliárias provenientes da alienação de imóveis que tenham sido destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, estando em causa, precisamente, aferir se o imóvel transmitido pelos Requerentes constituía a sua habitação própria permanente à data da transmissão. 

 

                2.            QUADRO LEGAL

 

                A matéria em discussão nos autos é regida pelo disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS que dispõe o seguinte:

 

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação

d) (Revogada).”

 

                A Requerida recusou a aplicação do regime de não sujeição a IRS, por considerar que o imóvel não correspondia à habitação própria e permanente do agregado familiar dos Requerentes, pelo que interessa proceder à análise deste conceito.

Interessa começar por compulsar a este respeito o disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea a) da LGT, que estabelece que quando o sujeito passivo seja pessoa singular o domicílio fiscal é o local da residência habitual.

 

Por sua vez, o artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS (n.º 11 à data dos factos) determina que “[o] domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.” De referir ainda que os sujeitos passivos têm a obrigação de comunicar qualquer alteração do seu domicílio, no prazo de 15 dias (v. artigo 43.º, n.º 1 do CPPT).

 

Em relação à demonstração dos pressupostos de aplicação da disciplina (delimitação negativa de incidência) contida no artigo 10.º, n.º 5 do Código, esta cabe em primeira linha, como sustenta a Requerida, aos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, aliás, em sintonia com a regra geral do ónus da prova prevista no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.

 

Neste sentido, também se pronuncia o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), no processo n.º 0415/10.6BEPNF, de 25 de fevereiro de 2016, que reforça que “o imóvel de ‘partida’ e o de ‘chegada’ têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou de só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência e a mais valia realizada no imóvel de ‘partida’ será tributável (Cf., neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pags. 413/414.) . Cfr ainda acórdão 0892/08 de 11.02.2009 e TCAS n.º 07529/14 de 15.05.2014 e 07073/13 de 12.12.2013.”

 

Sobre o conceito de habitação própria e permanente para efeitos do citado artigo 10.º, n.º 5, a decisão arbitral no processo n.º 225/2020-T, de 20 de abril de 2021, salienta que a lei não o faculta diretamente e que “[a] razão de ser da consagração do regime do reinvestimento pelo legislador há-de necessariamente ser convocada para a respectiva interpretação. O legislador visou, através do regime, uma finalidade de natureza extrafiscal, qual seja a de incentivar e/ou diminuir ou eliminar obstáculos à aquisição de habitação própria pelas famílias, e em conformidade com a protecção da família e a ponderação das necessidades e rendimentos do agregado familiar que perpassa a nossa Lei Fundamental e, em especial ao que ora nos ocupa, a tributação em IRS. Na qual se tem em consideração a situação pessoal e familiar do SP. O que seja habitação própria decorre sem dificuldade da lei, por força do regime do direito de propriedade, diremos. Os ganhos de mais-valias na transmissão onerosa de bens imóveis hão-de decorrer desde logo da transmissão do direito real de propriedade sobre os mesmos. Será então, o bem imóvel em causa, propriedade do SP. Que é o que sucede nos autos. Já o que seja habitação permanente do SP e/ou do seu agregado familiar passará por identificar o local - habitação - onde se vive habitualmente, com carácter de estabilidade, regularidade, permanência, onde, se se quiser, seja possível afirmar que se centra a vida pessoal/doméstica dos indivíduos e/ou seus agregados familiares. Para o que haverá que recorrer à verificação de circunstâncias de facto, caso a caso.  […]

A respeito da finalidade do regime se refere Rui Duarte Morais, assim: “O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.”, in “Sobre o IRS”, 3.ª Ed., Almedina, 2016””.

 

Neste âmbito, refere ainda JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO  que “[o] objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação […]. A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino”.

 

Por fim, com idêntica posição, PAULA ROSADO PEREIRA considera que “[o] regime de reinvestimento prevê a possibilidade de excluir de tributação as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de um bem imóvel afeto a habitação própria e permanente, mediante o reinvestimento do valor de realização do imóvel transmitido, efetuado dentro dos prazos e condições previstos no artigo 10.º, n.ºs 5, 6 e 7 do CIRS. […]

O propósito do regime de reinvestimento consiste em eliminar os obstáculos, relacionados com a tributação do rendimento, à mudança de habitação por parte dos indivíduos e famílias que disponham de casa própria. […]

Relativamente à natureza da norma do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS – que constitui a base do regime de reinvestimento –, esta é a de uma norma de delimitação negativa de incidência (apesar de o artigo 10.º do CIRS, no qual se insere, ser uma norma de incidência). O n.º 5 do artigo 10.º do CIRS é, normalmente, referido como sendo uma norma de exclusão de incidência tributária. Sem nos afastarmos dessa designação geral, […], não podemos deixar de precisar que, em rigor, nos casos de reinvestimento posterior, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante a simples manifestação, da declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (artigo 57.º, n.º 4, alínea a) do CIRS). […]

A efetiva exclusão tributária apenas se verifica se e quando ocorrer o reinvestimento, efetuado nos termos e dentro dos prazos estabelecidos legalmente. […]

[…] a limitação do âmbito de aplicação do regime de reinvestimento aos imóveis para habitação permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar (excluindo a sua aplicação a habitação esporádica, por exemplo, a habitações de férias) foi expressamente prevista na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro. A exclusão de tributação da mais-valia passou, portanto, a ser aplicável apenas nos casos em que tanto o imóvel transmitido como o adquirido são imóveis para habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar. Caso algum dos imóveis em causa tenha outro destino, não se verificam todas as condições necessárias à aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, a mais-valia obtida na venda do imóvel antigo é tributável.” – v. Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 202 a 206 e 208.

 

Na comprovação da residência habitual e permanente opera uma presunção legal, pois, como acima assinalado, de acordo com o preceituado no artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo”.

 

                Assim, competia aos Requerentes provar o facto conhecido em que assenta a presunção, no caso, o domicílio fiscal, para firmar o facto presumido, a sua residência habitual e permanente (v. artigo 349.º do Código Civil).

 

Determina a lei que quem tem a seu favor a presunção não tem de provar o facto a que ela conduz, invertendo-se o correspondente ónus, o que significa que, comprovando-se, como se comprovou e é consensual, que o domicílio fiscal dos Requerentes se situava na fração da Rua ... (imóvel cuja transmissão gerou as mais-valias em discussão nos presentes autos), este deve assumir-se como habitação própria e permanente do agregado familiar dos Requerentes (v. artigos 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do Código Civil).

 

Esta presunção pode ser ilidida mediante prova do contrário. Deste modo, tendo ficado assente a alteração e a fixação do domicílio fiscal dos Requerentes, em janeiro de 2016, na fração da Rua ..., alienada em 31 de agosto do mesmo ano, o afastamento do regime de não sujeição a IRS preconizado pela Requerida fica na dependência da demonstração, por parte desta, de que essa morada não correspondia à habitação própria e permanente dos Requerentes à data da transmissão (v. artigos 73.º da LGT e 350.º, n.º 2 do Código Civil).

 

Deste modo, a questão central reside em saber se a Requerida logrou fazer prova do contrário, i.e., de que os Requerentes não habitavam de forma permanente na fração sita na Rua... .

 

3.            ANÁLISE CONCRETA

 

                O primeiro argumento que a Requerida invoca para por em causa a residência dos Requerentes na morada presumida (da Rua ...), que, relembra-se, foi adquirida em dezembro de 2015 e vendida em agosto de 2016, é o da manutenção, em simultâneo, de outra habitação.

 

Como ficou provado, os Requerentes tomaram de arrendamento uma fração habitacional em 2014, na Rua ..., mantendo-a até abril de 2016. Por ocasião da cessação desse contrato, arrendaram outro apartamento, na Rua ..., também com destino habitacional, com início de vigência a 1 de maio de 2016 (e autorização de ocupação do mesmo, a partir de 11 de abril).

 

Todavia, o simples arrendamento de outro imóvel, desacompanhado de outro facto-índice, não justifica que naquele se situe a residência habitual e permanente do arrendatário.

 

No caso concreto, os Requerentes demonstraram receber correspondência de entidades externas, bancária e da escola dos seus filhos, na morada que beneficia da presunção, a qual invocam ser, de facto, a sua residência habitual à data. Justificam uma segunda habitação (embora não tivessem de o fazer para beneficiar da presunção) para a realização de teletrabalho do Requerente, em virtude de terem três filhos pequenos.

 

A Requerida não carreou prova do contrário, nada militando contra a tese de que a habitação arrendada pode ser utilizada como local de trabalho onde o Requerente desenvolve a sua atividade laboral, nos termos alegados, ou até como segunda habitação. Não colhe a afirmação da Requerida de que não seria permitido ao Requerente desenvolver o seu trabalho num espaço habitacional, pois, nomeadamente a modalidade de teletrabalho pode ser realizada, e é-o usualmente, numa habitação, sem que tal represente dar “utilização diferente” em colisão com o fim habitacional previsto no contrato. Por outro lado, não se afigura determinante que os Requerentes tenham inscrito no contrato de arrendamento a morada do locado, desde logo, para efeitos de correspondência com o senhorio.

 

                De igual modo, se afigura irrelevante que o apartamento da Rua ... tivesse beneficiado de obras de melhoramento na esfera do anterior proprietário. Tal não impede que os Requerentes tivessem feito obras adicionais, como a própria Requerida constatou e mencionou na fundamentação do ato tributário impugnado, incorrendo agora em contradição censurável.

 

                Por fim, sempre se dirá que, no limite, suscitar-se-ia uma situação de fundada dúvida, que teria de decidir-se a favor dos Requerentes, nos termos do estipulado no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.

 

                À face do exposto, conclui-se que a Requerente beneficia da presunção constante do artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS, pelo que preenche as condições previstas no artigo 10.º, n.º 5 do mesmo diploma, beneficiando da exclusão de incidência de IRS sobre as mais-valias na transmissão do imóvel da Rua ... identificado no ponto A da matéria de facto.

                 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

V.           DECISÃO

 

                De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente, com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 92.146,22 correspondente ao valor da liquidação de IRS impugnada, incluindo juros compensatórios – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 2.754,00, a cargo da Requerida, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de fevereiro de 2022

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

Ricardo Marques Candeias

Gustavo Gramaxo Rozeira