Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 820/2019-T
Data da decisão: 2020-07-31  IRS  
Valor do pedido: € 11.798,50
Tema: IRS – Tributação de mais-valias resultantes da alienação de bem imóvel realizada por residentes num Estado Membro da União Europeia.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A... E B..., PORTADORES DOS NIF ... E ..., respectivamente, ambos residentes em..., ...  ... República Federal da Alemanha (doravante, “REQUERENTES”), tendo sido notificados, respectivamente, o primeiro Requerente, do acto de liquidação de IRS, com o n.º 2019 ... de 25/9/2019, relativa ao ano de 2018, no valor de €11.798,50, a qual foi considerada no acerto de contas com as liquidações anteriores n.º 2019 ... de 26/7/2019 e n.º 2019 ... de 13/9/2019 e titulado pelas compensações n.º 2019 ... de 17/9/2019 e n.º 2019 ... de 3/10/2019, resultando num montante a pagar de €304,51, e a segunda Requerente, do acto de liquidação de IRS, com o n.º 2019 ... de 25/9/2019, relativa ao ano de 2018, no valor de €11.798,50, a qual foi considerada no acerto de contas com as liquidações anteriores n.º 2019 ... de 26/7/2019 e n.º 2019 ... de 1379/2019 e titulado pelas compensações n.º 2019 ... de 17/9/2019 e n.º 2019 ... de 3/10/2019, resultando num montante a pagar de €304,51, todos praticados pelo SF Lisboa 3, relativos a IRS do exercício de 2018, vieram, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, requerer, em 3/12/2019, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre os actos supra referidos, por entenderem existir “ilegalidade dos [mesmos] por terem resultado da inclusão pela Autoridade Tributária (ou “AT”) no rendimento tributável dos Requerentes da totalidade das mais-valias resultantes da alienação do imóvel detido pelos mesmos, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50% do respectivo valor, por aplicação do previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (“CIRS”), consubstanciando assim os mesmos uma violação do disposto nos artigos 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ou “TFUE”), (correspondente ao artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia), em virtude do seu efeito discriminatório para os não residentes, sendo, consequentemente, restritivas da liberdade de circulação de capitais.”

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 26/2/2020.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes, alegam, em síntese, o seguinte:

 

a)            «No caso dos autos, os atos de liquidação praticados pela AT não levaram em conta o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre as normas de direito ordinário nacional, ao abrigo do qual a não aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50%, conforme previsto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-membro da União Europeia é incompatível com o Direito da União Europeia (em particular, a liberdade de circulação de capitais, estabelecida no artigo 63.º do TFUE).

 

b)           Quanto aos sujeitos passivos residentes, de acordo com o art. 43.º, n.º 2, do CIRS, o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias respeitantes às transmissões de imóveis realizadas é apenas considerado em 50% do seu valor. Esta norma fiscal é incompatível com a legislação da União Europeia supra mencionada [art. 63.º, n.º 1, e 18.º do TFUE].

 

c)            Na verdade, a aplicação da taxa de 28% sobre a totalidade das mais-valias realizadas pelos não residentes coloca-os numa situação menos favorável do que os residentes, já que a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por estes permite que os mesmos beneficiem de uma carga fiscal inferior, independentemente da taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, uma vez que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 48%.

 

d)           Com este regime, a transferência de capitais torna-se menos atractiva para os não residentes, configurando uma discriminação indirecta em função da nacionalidade bem como uma restrição ao movimento de capitais pelos artigos 18.º e 63.º do TFUE.

 

e)           Nesse sentido, veja-se a orientação acolhida no CAAD, no processo n.º 74/2019-T [...]. Também o TJUE se pronunciou sobre a compatibilidade da norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do CIRS com a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE), tendo concluído no Acórdão Hollman, de 11/10/2007 – Processo C-443/06, que a norma do número 2 do artigo 43.º do CIRS viola a disposição do artigo 63.º do TFUE (ex-56.º do TUE) por ser discriminatória para os não residentes e lhes restringir a liberdade de circulação de capitais entre Estados membros.

 

f)            Posteriormente a este acórdão, e com o objectivo de ajustar a legislação nacional à decisão ali proferida, foi aprovada pelo legislador uma alteração ao CIRS (através do aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais 9 e 10) ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12), que veio permitir aos residentes noutro Estado membro da União Europeia optar pela opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais valias imobiliárias, equiparando-as assim aos residentes.

 

g)            Sucede que a possibilidade de opção ali prevista não exclui os efeitos discriminatórios do regime supletivo. Esta questão foi apreciada no Acórdão Gielen de 18-03-2010 do TJUE (Processo C-440/08), que manteve as conclusões expostas no Acórdão Hollman.

 

h)           Também o CAAD se pronunciou sobre esta matéria, concluindo que “... muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63.º e 18.º do TFUE” (cfr. Processo n.º 89/2017-T).

 

i)             Nesse mesmo sentido, a jurisprudência nacional tem decidido, antes e após as alterações da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, respectivamente nos acórdãos do STA número 439/06 de 16 de Janeiro de 2008, no processo número 1031/10 de 22 de Março de 2011, no processo número 1374/12 de 30 de Abril de 2013, no processo número 1172/14 de 03 de Fevereiro de 2016 e, mais recentemente, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, de 20-02-2019 [...]. A acompanhar a jurisprudência do TJUE e do STA, existe abundante jurisprudência arbitral proferida pelo CAAD [...].

 

j)             Da análise das demonstrações de liquidação respeitantes aos actos de liquidação de IRS aqui impugnados resulta que a AT aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade das mais-valias realizadas pelos Requerentes não residentes, pelo que esses actos são ilegais, padecendo do vício de violação de lei, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com os artigos 18.º e 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos residentes em Portugal, devendo, em consequência, os respectivos actos tributários de liquidação ser parcialmente anulados na parte que se encontra viciada, com a restituição para cada Requerente do valor do imposto indevidamente pago, no montante de €5.899,25 para cada um.

 

k)            [O]s Requerentes optaram por proceder ao pagamento das liquidações ora impugnadas, de modo a obviar ao processo de execução fiscal que previsivelmente viria a ser instaurado – cfr. documentos n.º 18, 19, 24, 25.

 

l)             Deste modo, os Requerentes terão inequivocamente direito ao ressarcimento do prejuízo causado, em virtude da indisponibilidade dos montantes pagos, de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT. [...]. Padecendo as liquidações que estão na origem dos presentes autos do vício de violação de lei, como amplamente demonstrado supra, nenhuma dúvida restará que assiste aos ora Requerentes o direito ao pagamento da indemnização em causa, com fundamento em erro imputável aos Serviços.»

 

3.1. Os ora Requerentes terminam pedindo que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente, por provado, com, nomeadamente, as seguintes consequências legais: «a) anulação parcial dos actos tributários de liquidação de IRS aqui em crise na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária (sem consideração do regime de exclusão de tributação de 50% previsto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS)»; e «b) Condenação da AT na restituição a cada um dos lesados do montante de imposto indevidamente pago – no valor de € 5.899,25 para cada Requerente – acrescido de juros indemnizatórios, à taxa de 4%, desde a data em que efectuaram o pagamento de cada uma das liquidações ilegais até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado.»

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “REQUERIDA” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a)            «A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residente num Estado Membro da União Europeia – que segundo os Requerentes viola o Direito Comunitário.

 

b)           Constata-se estar em causa, no presente processo, a alegada violação do disposto no n.º 2 do art. 43.º do CIRS e no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante designado abreviadamente por TFUE).

 

c)            Ou seja, entendem os Requerentes que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS se aplica aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado Membro da União Europeia.

 

d)           Ora, relativamente a este assunto, é certo que no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72.º, n.º 1 e 43.º, n.º 2 do Código do IRS, por “o artigo 56.º CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”. No seguimento deste Acórdão, foi esse entendimento seguido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2008JAN16 (processo 0439/06).

e)           Tendo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), cujo teor à data dos factos, era o seguinte: “9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.” [...]. Por sua vez, o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, prescrevia, à data dos factos, que: “10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

 

f)            Saliente-se que a Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, é o Orçamento de Estado para 2008. E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS.

 

g)            É, assim, aos sujeitos passivos do imposto residentes nos Estados previstos na letra da primeira das normas acabadas de transcrever que cumpre optar pelo regime que pretendem lhes seja aplicado (ou o previsto para não residentes, ou o que lhes seria aplicável caso residissem em território português). Existindo, para esse efeito, o quadro 8 da folha de rosto da declaração Mod. 3 de IRS, onde é oferecida aos contribuintes a possibilidade de exercer o direito de opção mencionado no parágrafo anterior.

 

h)           Consultadas as declarações Mod. 3 de IRS entregues em nome dos Requerentes verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da UE) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

 

i)             Tendo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada relativamente àquele ano, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação do imóvel mencionado no quadro 4 do anexo G da declaração modelo 3 de IRS que entregaram relativamente ao ano de 2018. Mas sim aplicada uma taxa autónoma de 28% sobre o valor dessa mesma mais-valia, nos termos previstos no regime geral de tributação em IRS, pelo qual os Requerentes expressamente declararam pretender ser tributados. Conforme é cominado pela alínea a) do n.º 1 do art. 72.º do CIRS. E não ao abrigo do disposto nos números 9 e 10 do mesmo preceito, que prescrevem que, para que rendimentos de não residentes em território português possam ser tributados à taxa que seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes nesse mesmo território, teriam de ser tidos em consideração todos os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, incluindo os auferidos fora do território português, nas mesmas condições que são aplicáveis aos nele residentes.

 

j)             Assim, as alegações dos Requerentes não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10).

 

k)            [...] para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68.º, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro). Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

l)             [...] o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

 

m)          [...] os Requerentes afirmam que a consagração deste regime implica para os não residentes o ónus adicional de proceder à comparação entre as duas possibilidades de tributação.

 

n)           Cremos que essa duplicidade de situações de tributação funciona, outrossim, a favor dos sujeitos passivos não residentes passíveis de por elas serem abrangidos. Que podem, assim, escolher entre uma pluralidade de possibilidades de tributação, ao invés dos residentes, sujeitos nesta matéria a um regime legalmente fixado, sem qualquer hipótese de opção. Sobre os interessados recai, efetivamente, o ónus de determinarem qual a solução legalmente possível que se lhes configura como mais favorável.

 

o)           [...] o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.os 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Refira-se ainda que também já não é o mesmo quadro legal que foi alvo de apreciação pelo STA, nos processos referidos pelos Requerentes (p. ex., o mais recente Acórdão invocado, de 03-02-2016, no processo n.º 1172/14, versa sobre “alienações de imóveis realizadas em 2005-03-31”).

 

p)           Em abono da verdade, após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9) e o n.º 8 (atual n.º 10) [...].

 

q)           Ora, a decisão proferida no Acórdão Hollmann, refere-se a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, do artigo 72.º do Código do IRS.

 

r)            [...] a questão em análise nos presentes autos não corresponde ao chamado “ato clarificado”, pela decisão proferida no Acórdão supra indicado. Isto porque, a alteração legislativa introduzida ao do artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º TFUE.

 

s)            Ora, a “teoria do ato claro” pressupõe que a correta aplicação do direito da União se impõe com uma evidência tal que não há lugar a nenhuma dúvida razoável. Contudo, tal conclusão não se pode retirar em face da alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

 

t)            [...] da redação introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resulta um novo quadro normativo que ainda não foi alvo de análise para efeitos de verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário. Quadro normativo esse que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

 

u)           Assim, por um lado, os Requerentes podiam ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez. Por outro lado, os Requerentes podiam ter optado, como o [fizeram], pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

 

v)            [...] a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, veio, salvo melhor opinião, adequar plenamente a legislação nacional ao direito comunitário, isto porque os n.os 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, em consonância com o ponto 40 do decisório, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

 

w)          Razão pela qual, a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão, conforme artigo 61 do decisório [...].

 

x)            Resumindo, a alteração operada por via da introdução dos atuais n.os 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território. Situação que no caso concreto não ocorreu.

 

y)            [...] entendemos que o Tribunal Arbitral deve considerar que a jurisprudência supra exposta não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional, assim como julgar não verificada a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência que vimos de invocar, que obstam à aceitação do entendimento dos Requerentes sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados. Pelo que, deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE.

 

z)            [...] tendo em consideração tudo o que supra se foi expondo, conclui-se, desde logo, que não se mostra verificado o preenchimento do requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou – nos termos constantes da presente informação – ter sido cometida, por aqueles, qualquer ilegalidade. Termos em que decai a pretensão dos Requerentes no tocante à atribuição de juros indemnizatórios.

 

4.1. A AT conclui pedindo que seja “proferida decisão que a) julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências; caso assim não se entenda, b) seja dado provimento ao pedido prejudicial supra requerido.”

 

5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho datado de 22 de Julho de 2020, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 31 de Julho de 2020 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.

 

III. Questão a decidir

 

9. Na petição arbitral, os Requerentes alegam que, “no caso dos autos, os atos de liquidação praticados pela AT não levaram em conta o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre as normas de direito ordinário nacional, ao abrigo do qual a não aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50%, conforme previsto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-membro da União Europeia é incompatível com o Direito da União Europeia (em particular, a liberdade de circulação de capitais, estabelecida no artigo 63.º do TFUE).”

 

10. Por seu lado, a Requerida considera que “a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão [Hollman]”, visto que “a alteração operada por via da introdução dos atuais n.os 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território. Situação que no caso concreto não ocorreu.”

 

11. Pelo exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da legalidade dos actos tributários de liquidação de IRS ora em causa em face da redacção introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Para tal, será necessário apurar: i) se, como alegam os ora Requerentes, os actos supra referidos padecem do “vício de violação de lei, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com os artigos 18.º e 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos residentes em Portugal”; e se a actual redacção da norma em causa (art. 43.º, n.º 2, do CIRS) ainda é discriminatória à luz dos invocados Acórdão Hollman, de 11/10/2007, e Acórdão Gielen, de 18/3/2010, ambos do TJUE; ii) se, como alega a Requerida, das alterações introduzidas pelo referido artigo 72.º “resulta um novo quadro normativo que ainda não foi alvo de análise para efeitos de verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário” – o que remete para a análise (prévia) do pedido de reenvio prejudicial por esta formulado (vd. infra).

 

IV. Mérito

 

IV.1. Matéria de facto

 

12. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. Em 11/10/2007, os ora Requerentes adquiriram em regime de compropriedade e pelo preço de €185.000,00, o prédio urbano sito na Urbanização ..., Avenida ..., n.º..., ... andar direito, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia e concelho de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., fracção N, o qual correspondeu à habitação própria e permanente dos ora Requerentes (vd. escritura de compra e venda junta aos presentes autos como Doc. n.º 11).

B. Em 2013, os ora Requerentes alteraram a sua residência fiscal para a República Federal da Alemanha, passando a residir permanentemente naquele país, facto que foi devidamente comunicado à AT, conforme resulta da informação cadastral dos Requerentes, razão pela qual as liquidações ora impugnadas foram emitidas para a nova morada do casal, na Alemanha (vd. Docs. n.º 12 e 13 juntos aos presentes autos). Ainda nesse ano, os Requerentes contraíram casamento, a 15/4/2013 (vd. certidão de casamento junta como Doc. n.º 14).

C. Em 8/10/2018, os ora Requerentes procederam à venda do imóvel supra descrito pelo preço de €318.750,00 (vd. escritura de compra e venda junta como Doc. n.º 15).

D. Em 13/4/2019, cada um dos ora Requerentes entregou a Declaração Mod. 3 de IRS de 2018, mencionando no Anexo G a alienação por cada um da sua quota parte no referido imóvel, e tendo optado no quadro 8 do Mod. 3 pelo regime geral, assinalando o campo 07 (vd. Mod. 3 juntos como Docs. n.º 16 e 17).

E. No mencionado Anexo G à declaração de IRS, foi declarado, por cada um dos ora Requerentes: i) Estado civil: casado; ii) Não residente em Portugal, com identificação do país de residência: Alemanha; iii) Indicação do respectivo IBAN; iv) Valor de aquisição e despesas e encargos, respectivamente, nos montantes de €185.000,00 e €27.600,02; v) Valor de realização: €318.750,00; vi) Quota parte: 50%.

F. Os Requerentes foram notificados, respectivamente, das Liquidações de IRS n.º 2019 ... e n.º 2019 ..., ambas de 26/7/2019, com prazo de pagamento até 6/9/2019 e com o valor de imposto a pagar no montante de €22.987,99 para cada um dos Requerentes (vd. Docs. n.º 1 e 6 juntos aos autos). Os respectivos pagamentos foram feitos como se demonstra pelos Docs. n.º 18 e 19 juntos aos autos.

G. Na sequência da abertura, pela AT, de um processo de divergências, os Requerentes aperceberam-se de que, por lapso, tinham declarado a totalidade dos valores de aquisição, realização e despesas – quando deveriam ter declarado apenas a fracção (metade) correspondente à quota de cada um, i.e., €92.500,00 como valor de aquisição e €159.375,00 como valor de realização, e despesas de €13.800,00.

H. As declarações de substituição entregues deram origem a novas liquidações de IRS, designadamente a liquidações de IRS n.º 2019 ... e n.º 2019 ..., ambas praticadas pelo SF Lisboa 3 em 13/9/2019 – resultando das respectivas demonstrações de liquidação o montante de imposto a pagar, por cada Requerente, de €11.493,99 (vd. Docs. n.º 2 e 7 juntos aos presentes autos).

I. Como já havia sido pago, pelos ora Requerentes, o montante do imposto inicialmente liquidado, os mesmos seriam reembolsados da diferença. Assim, resultou das demonstrações de acerto de contas de 17/9/2019 notificadas aos Requerentes (vd. Docs. n.º 4 e 9 apenso aos autos), haver lugar a reembolso de €11.494,00 para cada um, montantes esses que foram reembolsados em 20/9/2019 (vd. Docs. n.º 20 e 21).

J. Na sequência de novo procedimento para esclarecimento de divergências, relativo às despesas incorridas com a compra e venda do imóvel, os ora Requerentes entregaram novas declarações de substituição, corrigidas na parte relativa aos valores das despesas (na parte não aceite), declarando, cada um, despesas no montante de €12.712,50 (vd. declarações de substituição juntas aos autos como Docs. n.º 22 e 23).

L. Com a entrega das referidas declarações de substituição, os ora Requerentes foram notificados de novas demonstrações de liquidação de IRS, tendo-se apurado, para cada um deles, um valor a pagar de €11.798,50 (resultante da aplicação ao rendimento de €42.137,50 da taxa de IRS de 28%). O valor final de IRS liquidado foi considerado no acerto de contas com as liquidações anteriores (vd. Docs. n.os 2 a 5 e n.os 7 a 10), tendo os ora Requerentes sido notificados das demonstrações de acerto de contas, ambas de 3/10/2019 (vd. Docs. n.º 5 e 10 juntos aos presentes autos), com o valor a pagar, por cada um dos Requerentes, de €304,51 até 20/11/2019. Este valor foi tempestivamente pago em 5/10/2019, como se demonstra pelos Docs. n.º 24 e 25 juntos aos autos.

M. Em face da aplicação da taxa de 28% à totalidade do rendimento global, o que determinou o imposto a pagar de €11.798,50 para cada um dos ora Requerentes, estes, inconformados, interpuseram o presente pedido de constituição de tribunal arbitral em 3/12/2019. Consideram ter ocorrido vício de violação de lei, na parte em que o n.º 2 do art. 43.º do CIRS “restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal”, pelo que pedem a anulação da parte das liquidações que consideram estar viciada, com “a restituição a cada Requerente do valor do imposto [alegado como] indevidamente pago” (€5.899,25 para cada um).

              

IV.2. Factos não provados

 

13. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.

IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

14. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

16. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

IV.4. Matéria de direito

 

17. Antes ainda de analisar a questão decidenda, justifica-se analisar, previa e sumariamente, o pedido de reenvio prejudicial formulado pela Requerida (vd. §§ 38.º a 66.º da Resposta).

 

18. Ora, a tal respeito, seguiremos, aqui, raciocínio idêntico ao exposto, para um pedido igual num caso semelhante, na Decisão arbitral de 23/4/2020 (proferida no proc. n.º 823/2019-T): “O instituto do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE, pode ser utilizado por este Tribunal Arbitral como, aliás, já foi reconhecido pelo TJUE no processo C-377/13, de 12 de junho de 2014. Nestes termos, e de acordo com o referido artigo 267.º, sempre que uma questão sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Dito de outra forma, os tribunais nacionais – onde se inclui, naturalmente, este Tribunal – devem proceder ao reenvio de questões prejudiciais, conforme previsto no artigo 267.º do TFUE – em consequência de questões ou dúvidas relativas à validade ou interpretação de normas de direito da União Europeia. Tal significa que, não se suscitando quanto às normas em questão quaisquer dúvidas ou tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE – considerando, nomeadamente a chamada «teoria do acto claro» (cfr. acórdão do TJUE CILFIT, de 6 de outubro de 1982, processo C-283/81) –, não devem os tribunais nacionais proceder ao reenvio prejudicial. Assim, se já existir (i) jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco, um órgão jurisdicional nacional pode «decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece». No caso sub judice, entende-se não ser necessário proceder ao reenvio ao TJUE de supostas dúvidas sobre interpretação de normas de Direito da União Europeia para que este Tribunal profira a decisão.” (Sublinhado nosso.)  

 

19. Com efeito, não há, pelas razões acima indicadas (e que, com mais detalhe, se assinalarão infra), dúvidas que se coloquem ao presente Tribunal a respeito da interpretação das normas de Direito da União Europeia aqui em causa – motivo pelo qual não se justifica proceder ao reenvio solicitado pela Requerida.

20. Passando, agora, à questão decidenda.

 

21. Como se disse, os Requerentes consideram que os actos impugnados nos presentes autos (actos de liquidação de IRS n.º 2019..., de 25/9/2019, relativo ao ano de 2018, e n.º 2019..., com a mesma data e também relativo ao ano de 2018 – vd. Docs. n.os 1 a 5 e 6 a 10, respectivamente) são ilegais porque estarão inquinados de vício de violação de lei, na parte em que o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS “restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal” – razão pela qual pedem, nestes autos, a anulação da parte das liquidações que consideram estar viciada, com “a restituição a cada Requerente do valor do imposto [alegado como tendo sido] indevidamente pago” (€5.899,25 para cada um). Por seu lado, a Requerida considera, em síntese, não existir violação do Direito da União Europeia, uma vez que, em seu entender, “a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão [Hollman]”, pelo que entende que “a alteração operada por via da introdução dos atuais n.os 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território. Situação que no caso concreto não ocorreu.”

 

22. Vejamos, então.

 

23. Como também se referiu anteriormente, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da legalidade dos actos de liquidação de IRS e juros indemnizatórios ora em causa em face da redação introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Para tal, será necessário apurar se, como alegam os ora Requerentes, os actos supra referidos padecem do “vício de violação de lei, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com os artigos 18.º e 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos residentes em Portugal”, e se a actual redacção da norma em causa (artigo 43.º, n.º 2, do CIRS) ainda é discriminatória à luz dos invocados Acórdão Hollman, de 11/10/2007, e Acórdão Gielen, de 18/3/2010, ambos do TJUE.

 

24. Esta questão já foi objecto de ampla análise em sede arbitral, tanto no contexto legal anterior às alterações introduzidas pelo referido artigo 72.º, como no contexto da redacção decorrente das mesmas. O entendimento largamente maioritário da jurisprudência arbitral do CAAD até à presente data (nomeadamente, o que está vertido, por ex., nas Decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T 644/2017-T, 590/2018-T, 600/2018-T, 63/2019-T, 74/2019-T, 787/2019-T, 823/2019-T) é aquele que aqui também se defenderá, por com ele se concordar, pelas razões que serão, em seguida, expostas.

 

25. Como bem se salienta e sumaria na Decisão arbitral n.º 89/2017-T, de 5/7/2017, “no que diz respeito aos cidadãos residentes, [dispõe o número 2] do artigo 43.º do CIRS: «[...]. 2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.» Por seu turno, quanto aos não residentes em Portugal, prescreve o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, que «as mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributadas à taxa autónoma de 28%, salvo o disposto no n.º 4.». O legislador nacional prevê, assim, que, para os residentes em Portugal, as mais-valias são apenas consideradas em 50% do seu valor, ao passo que para os não residentes em Portugal as mais-valias são consideradas na sua totalidade.” 

 

26. E, tal como nesse caso, também no caso dos presentes autos se coloca a questão de “saber se tal diferenciação prevista pelo legislador nacional é ou não conforme com o direito comunitário, maxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previstos nos artigos 63.º e 18.º do [TFUE].”

 

27. Esta é, como se disse, uma questão sobre a qual a jurisprudência arbitral já se pronunciou em múltiplas ocasiões, quase sempre (apenas com uma excepção ) no sentido de que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal e excluir dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro, viola a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE. No mesmo sentido, quer antes quer depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, se tem pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo, como se pode observar, por ex., nos seguintes arestos: Ac. de 16/1/2008 proferido no proc. n.º 439/06; Ac. de 22/3/2011 (proc. n.º 1031/10); Ac. de 30/4/2013 (proc. n.º 1374/12); Ac. de 3/2/2016 (proc. n.º 1172/14); Ac. de 20/2/2019 (proc. n.º 0901/11.0BEALM 0692/17).   

 

28. Como bem refere a já citada Decisão arbitral de 5/7/2017, proferida no proc. n.º 89/2017-T, “é certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão, introduziu, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72.º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. Sendo igualmente certo que, conforme resultou dos factos provados – cfr. ponto 4 – a Requerente não fez esta opção. [O mesmo sucedeu no caso dos presentes autos: vd. ponto D da factualidade provada.]”

 

29. Contudo, e como bem se questiona (e se responde) na Decisão arbitral, “será que a falta de opção da Requerente por esta possibilidade determina a conformidade dos artigos 43.º e 72.º do CIRS com o direito comunitário? Cremos que não, tanto mais que, conforme decidido pelo TJUE no acórdão Gielen, proferido em 18/03/2010, «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», sendo que «essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.» Pese embora neste aresto estivesse em causa não a violação do artigo 63.º do TFUE mas do artigo 49.º do TFUE, entendemos ser inteiramente aplicável à hipótese agora em apreciação a conclusão alcançada por aquele tribunal de que o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a ser discriminatório.”

 

30. Com efeito, no mesmo sentido, com o qual se concorda, veja-se, p. ex., o que dizem Dinis Tracana e José Almeida Fernandes, no artigo “Portugal: taxation of capital gains from real estate properties and the EU fundamental freedoms: a never-ending story?”, a pág. 118 : “The Portuguese Tax Authorities have consistently claimed that no discrimination has persisted following the introduction of the elective regime, since the non-resident taxpayer is now given the opportunity to be subject to the same tax regime as Portuguese-resident taxpayers. Furthermore, the Portuguese Tax Authorities claim that a non-resident taxpayer who files a tax return without opting for the application of the new regime and then claims a tax refund before a court of law based on the discriminatory effects of the standard tax regime is acting in venire contra factum proprium. The Portuguese courts have consistently rejected such arguments, ruling that an elective regime does not per se remove the discriminatory effects of the standard tax regime applicable to non-resident individuals. This conclusion is based on the CJEU’s decision in Gielen [...].”

 

31. Como acrescentam os autores supra citados, “[In the Gielen case], the CJEU confirmed the position taken in the Test Claimants in the FII Group Litigation case and considered that the option granted to the taxpayer to elect to apply an EU law compliant tax regime did not validate the discrimination which arises from another tax regime. [Acresce que] The CJEU’s conclusions in the Test Claimants in the FII Group Litigation case and the Gielen case were once again confirmed in Beker [case] [C-168/11], where the Court stated that: «The existence of an option which would possibly render a situation compatible with European Union Law does not, in itself, correct the ilegal nature of a system, such as the system provided for by the contested rules, which comprises a mechanism of taxation not compatible with that law. It should be added that this is even more so in the situation where, as in the present case, the mechanism incompatible with European Union law is one automatically applied where the taxpayer fails to make a choice».” Em face do exposto, os citados autores concluem, e bem, que “the CJEU’s reasoning in the Gielen and Beker cases seems to be fully applicable to the Portuguese elective tax regime [taxation of capital gains derived by non-resident individuals from the tranfer of Portuguese-situs real estate properties] [...], where the standard tax regime (already ruled in breach of the freedom of capital in the Hollmann [C-443/06] and Teixeira [C-184/18] cases) is automatically applied in the event that the non-resident individual fails to explicitly apply for the elective regime. Accordingly, the new elective regime does not eliminate the discriminatory effects arising from the standard tax regime [...]. Furthermore, from a procedural point of view, the elective tax regime is not an «option without connected disadvantages» [Tovar Palomo] as it places an additional burden on non-resident taxpayers”. (Vd. idem, pp. 119-120.)

 

32. Com efeito, e como bem salienta a mencionada Decisão arbitral de 5/7/2017, proferida no proc. n.º 89/2017-T, “muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63.º e 18.º do TFUE.”

 

33. As razões subjacentes a esta conclusão foram bem sumariadas na recente Decisão arbitral de 23/4/2019, proferida no proc. n.º 823/2019-T, a cuja fundamentação aqui se adere: “[...] a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa, ao contrário do afirmado pela Requerida [...]. De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais: i. O regime que sujeita todos os rendimentos resultantes das mais-valias a uma taxa especial de 28% (cfr. artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do n.º 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS. Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa. Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo – considerando que estão em causa, naquele caso e nos presentes autos, a violação de liberdades de circulação previstas no TFUE (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º) – o seguinte: a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais; b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório»; c. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Esta orientação tem sido acolhida no CAAD, nomeadamente, nos Processos n.os 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, e 89/2017-T. [...]. Adicionalmente sempre se diga que a Requerida AT não está totalmente dependente do que lhe é apresentado pelo contribuinte existindo vários exemplos em que à administração é conferida a possibilidade de corrigir o que lhe é submetido à apreciação (cfr. artigos 19.º, n.º 9, 36.º, n.º 4, e 79.º, n.º 2, todos da Lei Geral Tributária, e art. 48.º, n.º 1, do CPPT).” (Sublinhado nosso.)

 

34. Como também bem se refere na recente Decisão arbitral de 30/9/2019, proferida no proc. n.º 594/2018-T, “a existência deste regime [«previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º»], ainda que opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção – não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS ora impugnada. Assim, seguro é concluir que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, porquanto constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado. Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado na liquidação impugnada. O que, e bem, foi confirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, como já se identificou no presente aresto, no acórdão datado de 20-2-2019, proferido no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 , em que se concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na plena vigência da Lei n.º 67-A/2007.”

 

35. A este respeito, regista-se, por último, que, em linha com o entendimento aqui expresso (e que é largamente maioritário na jurisprudência portuguesa), a Comissão Europeia enviou, a 24/1/2019, um parecer fundamentado a Portugal, solicitando a alteração da tributação das mais-valias de contribuintes não residentes, por entender que “Portugal tributa as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa de 28%, enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento. Em dois processos (C-443/06, Hollmann versus Fazenda Pública e C-184/18, Fazenda Pública contra Teixeira), o Tribunal de Justiça considerou este tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da UE e pelo Acordo Espaço Económico Europeu”. Ainda que Portugal tenha introduzido uma opção segundo a qual os não residentes podem ser equiparados a contribuintes residentes e 50% dessas mais-valias de fontes portuguesas possam ser tributadas a taxas progressivas de imposto sobre o rendimento, todavia, de acordo com a Comissão Europeia, “a jurisprudência da UE considera que a mera existência de uma opção de tratamento equivalente ao dos contribuintes residentes não corrige a infração se, por defeito, a tributação continuar a impor um encargo mais elevado aos contribuintes não residentes”.

36. Note-se, ainda, que – ao contrário do que alega a Requerida nos §§ 149.º e 150.º da sua Resposta –, e tal como bem afirma, para uma alegação similar feita no proc. n.º 823/2019-T, a Decisão arbitral de 23/4/2019, “a diferença de tratamento não pode ser justificada em função da verificação de qualquer das exceções previstas no artigo 65.º do TFUE, não podendo a discriminação da norma nacional daí decorrente ser justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressiva que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 28%, não ocorrendo o englobamento), porque, sendo o escalão mais elevado 48%, conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.”   

 

37. Conclui-se, assim, pelo supra exposto, que os actos de liquidação ora em causa, no valor global de €11.798,50, são ilegais, devendo proceder o vício de violação de lei invocado pelos Requerentes, por manifesta incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o disposto nos artigos 18.º e 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal, pelo que, em consequência, as liquidações em causa devem ser anuladas, nos termos do disposto no art. 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável nos termos do art. 2.º, al. c), da LGT.

 

Juros indemnizatórios

 

38. Para além da anulação parcial dos actos de liquidação ora em causa, e do reembolso do valor indevidamente cobrado (v. art. 100.º da LGT), os Requerentes solicitam, ainda, que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT. Nos termos do n.º 1 do art. 43.º, serão devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Decorre, ainda, do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral.

 

39. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso destes autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação aqui em causa, pelas razões apontadas, os Requerentes efectuaram o pagamento de importâncias manifestamente indevidas.

 

40. Reconhece-se, assim, aos ora Requerentes: i) o direito à restituição do valor de imposto indevidamente pago; e ii) o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados desde a data do respectivo pagamento até ao momento do efectivo reembolso, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.os 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil.

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação parcial dos actos de liquidação de IRS impugnados, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, com o consequente reembolso do valor indevidamente cobrado a cada um dos lesados, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €11.798,50 (onze mil setecentos e noventa e oito euros e cinquenta cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €918,00 (novecentos e dezoito euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de Julho de 2020.

 

O Árbitro

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.