Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 80/2021-T
Data da decisão: 2021-08-03  Selo  
Valor do pedido: € 360.000,00
Tema: Imposto do Selo. Isenção. Garantias. Emissão de obrigações
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Decisão Arbitral

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Susana Mercês e Prof.º Doutor João Pedro Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-05-2021, acordam no seguinte:

            

                1. Relatório

 

A..., SGPS, S.A. (adiante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), pessoa colectiva matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... com o número único  de matrícula e de identificação de pessoa colectiva ..., com sede no ..., ...-... – ..., ..., Portugal, veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de Imposto do Selo (IS), praticada ao abrigo da verba 10.3 da Tabela Geral do IS, identificada pela Declaração de Retenções na Fonte de IRS/IRC e IS n.º ..., referente ao mês de Outubro de 2019, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que daquela liquidação deduziu.

A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-02-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 31-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 06-07-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente é uma sociedade de direito português que integra e lidera o Grupo A..., o qual dedica a sua actividade principal à produção, distribuição e venda de artigos de porcelana, faiança, louça de forno, cristal e vidro manual, através de uma rede própria de retalho, de retalhistas e distribuidores independentes;

B)           A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS);

C)           A 14 de Outubro de 2019, no âmbito do desenvolvimento da sua actividade, o Conselho de Administração da Requerente deliberou proceder à emissão de um empréstimo obrigacionista, composto pelas seguintes parcelas:

i. obrigações garantidas, no valor de €45.000.000,00, com uma taxa anual fixa de 4,5% e vencimento em Outubro de 2024 (doravante, “Obrigações Classe A”); e

ii. obrigações garantidas no valor de €5.000.000,00, com uma taxa anual fixa de 3,5% e vencimento final em Outubro de 2024 (doravante, “Obrigações Classe B”).

D)           A Requerente comunicou ao mercado a emissão das obrigações (Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            Na sequência de tal deliberação e da comunicação ao mercado, a Requerente solicitou à B..., S.A. (de ora em diante, “B...”), a 21 de Outubro de 2019, a admissão à negociação das Obrigações Classe A com o código ... ... – referidas no ponto (i) do parágrafo 19.º do presente pedido – no C... (de ora em diante, “C...”) (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F)            Juntamente com o pedido de admissão mencionado no parágrafo anterior, a Requerente disponibilizou à B..., a entidade gestora do C..., o documento informativo relativo à emissão obrigacionista (“Information Memorandum”), do qual constavam as informações necessárias para a tomada de decisão de investimento por parte de potenciais investidores (Documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           A 22 de Outubro de 2019, a B... comunicou à Requerente a decisão de aceitação do pedido de admissão à negociação mencionado no parágrafo 21.º (Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           Concluída a admissão à negociação, a Requerente concretizou, na mesma data, o processo de emissão das obrigações, tendo dado conhecimento desse facto ao mercado e ao público em geral (Documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Para garantia do cumprimento pontual e tempestivo das obrigações de reembolso do capital e de pagamento de juros emergentes da emissão das Obrigações Classe A, foi celebrado, por escritura pública outorgada pela Senhora Notária D..., a 17 de Outubro de 2019, um contrato de garantia (adiante, “Security Agreement”) entre as seguintes entidades:

             A..., SGPS, S.A. (ora Requerente), na dupla qualidade de emitente das obrigações e de garante;

             E..., S.A.;

             F..., S.A.;

             G..., S.A.;

             H..., S.A.;

             I..., S.A.;

             J..., S.A. (doravante, “I...”); 

             K..., S.A.,

todos actuando na qualidade de garantes (adiante conjuntamente denominados “garantes”); e

             L..., S.L., actuando na qualidade de representante comum dos futuros titulares das obrigações (adiante, “representante comum”) (Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J)            No âmbito do referido contrato, foram constituídas, a favor do representante comum e em benefício dos futuros titulares das obrigações, e até ao montante global de € 60.000.000, as seguintes garantias: 

             Penhor sobre a totalidade das acções representativas do capital social e dos direitos de voto da J..., de que a aqui Requerente era e é dona e legítima possuidora;

             Cessão dos créditos futuros da Requerente emergentes da realização de prestações acessórias, prestações suplementares, suprimentos, outros empréstimos subordinados, outras formas de capital, quase-capital ou outras formas de financiamento, em dinheiro ou em espécie, concedidos pela Requerente à J...;

             Penhor sobre o saldo de conta bancária detida pela J... na Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

             Fiança prestada por cada um dos garantes, pela qual estes garantiram irrevogável, incondicional e solidariamente, perante o representante comum, o cumprimento pontual e tempestivo das obrigações emergentes para a Requerente da emissão obrigacionista;

 

K)           Ao abrigo da verba 10.3 da Tabela Geral do IS, foi liquidado pela Senhora Notária o Imposto do Selo devido pela constituição de tais garantias, no montante de € 360.000,00, tal como resulta da menção efectuada na própria escritura pública;

L)            A Requerente pagou o referido imposto liquidado (Factura/Recibo n.º FR 0/2500, junta com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

M)          O imposto foi liquidado pelo Cartório Notarial em 17/10/2019, agindo como substituto tributário, tendo sido entregue nos cofres do Estado em 15-11-2019 pela Declaração de Retenções na Fonte de IRS/IRC e Imposto de Selo n.º ... em nome de ... - CARTORIO D... - NOTARIA SP UNIPESSOAI. LDA. (página 2 do projecto de indeferimento de reclamação graciosa que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

N)           Em 01-06-2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, que foi indeferida por despacho de 10-11-2020, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Direcção de Finanças de ..., ao abrigo de subdelegação de competências (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

O)           A decisão de indeferimento da reclamação graciosa remete para a fundamentação do projecto de decisão que consta do documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Fundamentos e análise da reclamação

A apresentação da reclamação tem como causa a liquidação de imposto do selo efetuada por Cartório Notarial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do respetivo Código, aquando da celebração de um "Contrato de Prestação de Garantias".

Da aplicação da taxa prevista na verba 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo resultou o imposto de €360.000,00, constituindo encargo da reclamante, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 3 do art.º 3.º do mesmo diploma legal.

Nos termos dos artigos 1.º e 4.º do Código de Imposto do Selo e da verba 10.3 da respetiva tabela, o imposto incide sobre o ato, ocorrido em território nacional, de constituição de garantia das obrigações.

O "Contrato de Prestação de Garantias" ora tributado, foi celebrado entre a reclamante e várias sociedades (7), todas do seu universo empresarial, na qualidade de "garantes",

E,

A sociedade de direito espanhol L..., S.L., na qualidade de "representante comum" dos futuros titulares das Obrigações.

O referido "Contrato", em benefício dos futuros titulares das Obrigações, foi celebrado na sequência de um processo de emissão de Obrigações, a que a reclamante procedeu em outubro de 2019, com a finalidade de assegurar o cumprimento pontual e tempestivo das obrigações de reembolso do capital e do pagamento dos juros emergentes daquela emissão.

 

A reclamante colocou a emissão Obrigacionista à negociação no mercado espanhol,

1  - As Obrigações foram admitidas à negociação em Espanha, no C..., que é um mercado alternativo, não oficial (segundo informação no site).

De acordo com o respetivo regulamento, o C... adota a estrutura jurídica de "Sistema Multilateral de Negociação", sujeito à legislação espanhola e europeia.

Relativamente às disposições legais de caracter geral o C... rege-se por regulamento próprio e instruções internas.

O C... é gerido pela sociedade "B..., S.A.U. (B...). A B... é também a sociedade gestora de M ... que, de acordo com o respetivo regulamento, é um mercado regulamentado que tem por objeto a negociação de obrigações e outros títulos de dívida.

Tanto o mercado alternativo não oficial C... como o mercado regulamentado M..., assim como a sociedade gestora de ambos, "B...", estão sujeitos a acompanhamento das autoridades espanholas supervisoras do mercado de capitais, assim como a regras de Regulamento próprio, e não operam em Portugal, não estando, portanto, registadas na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM).

De acordo com as orientações difundidas na circular n.º 15, de 05/07/2000 da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, ponto 6.º (...) a isenção consignada nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 6.º (agora art.º 7.º) do Código, constituindo mera transposição da que constava, respetivamente, dos artigos 92, alínea c) e 94, n.º 4, da anterior Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 85/96, de 29 de junho, apenas se aplica às operações realizadas em bolsas nacionais." (sublinhado nosso)

Dispõe o nº 1 do art.º 68.º-A da Lei Geral Tributária (LGT),

"A administração tributária (AT) está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias."

Assim, tendo a operação, que está na base da constituição da garantia (emissão e colocação das Obrigações), sido realizada em Espanha, não lhe é aplicável a isenção de imposto de selo prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 7º do Código respetivo.

2 - O sujeito passivo (SP) argumenta;

"(...) importa ter presente que o princípio do primado do Direito da União Europeia impõe ao aplicador do Direito a desaplicação do Direito nacional de sentido contrário às normas de Direito da União Europeia (primário ou secundário)", (ponto (p) 31 Petição (P))

"A este respeito, são particularmente relevantes, desde logo, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, plasmado no artigo 18º do tratado de Funcionamento da União Europeia (doravante, «TFUE»), e a liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63º do mesmo Tratado." (p 32 P)

"A emissão e colocação de obrigações em mercado estrangeiro de capitais deve, assim, ser perspetivada como um modo de exercício da liberdade de circulação de capitais, que visa a angariação de capitais noutro Estado-Membro para o desenvolvimento da atividade do emitente." (p 38 P).

"Em matéria fiscal, a proibição de restrições à liberdade de circulação de capitais representa um limite à competência de que os Estados-Membros dispõem para a tomada de decisões de natureza político-fiscal, já que tal competência deve ser exercida em conformidade com o Direito da União Europeia e não poderá implicar qualquer discriminação injustificada em razão da nacionalidade ou da residência." (p 40 P)

"(...) tal como se encontra configurada, a norma em apreço tem por efeito dissuadir os agentes económicos de recolherem capitais junto de mercados financeiros estrangeiros, traduzindo-se numa restrição dissimulada à liberdade de circulação de capitais, incompatível com o Direito da União Europeia." (p 47 P)

"Impõe-se, portanto, uma aplicação da norma que, indo além do seu elemento literal, se conforme com o Direito da União Europeia, estendendo o seu âmbito da aplicação também às garantias inerentes a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercado organizado registado junto da competente entidade reguladora de outro Estado-Membro da EU ou país terceiro, sob pena de violação do princípio do primado do Direito Europeu e do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa." (p 48 P)

Relativamente a estas considerações há a referir:

2.1 – A não aplicação da isenção do imposto de selo à constituição de garantias decorrente de emissão Obrigacionista colocada à subscrição em mercado financeiro estrangeiro, não é impeditiva, ou mesmo dissimuladora, da captação de financiamento externo, pois, como se constata, a reclamante recorreu, com sucesso, a esse mercado, conhecendo decerto o quadro legislativo aplicável em Portugal relativamente à tributação em imposto de selo do denominado "Contrato de Garantias", por cuja autenticação, por Cartório Notarial em Portugal, foi liquidado o imposto, agora em discussão, no dia 17/10/2019, data prévia à solicitação à "B..." da admissão à negociação no mercado espanhol das Obrigações, que ocorreu em 21/10/2019, com a concretização do processo de emissão das Obrigações em 22/10/2019.

2.2  – A aplicação, ou desaplicação, do artigo 7.º do CIS não depende da nacionalidade do sujeito passivo ou do titular do interesse económico, como de resto nem está em causa. O sujeito passivo é português como o é a reclamante (sociedade de direito português) assim como o ato (constituição da garantia) ocorreu em território nacional (art.º 4º CIS).

2.3 - Dispõem a alínea b) do n.º 1 e o n.º 3 do art.º 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) que o "disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tornarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública, E o n.º 3:

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n. os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º."

A atuação da administração tributária (AT) está, de acordo com o art.º 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sujeita ao princípio da legalidade, isto é: "em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe forem conferidos (...)"

E nesse sentido não pode a AT deixar de aplicar as normas inseridas nos respetivos Códigos Fiscais, aprovados por Decreto-Lei e em vigor, não lhe sendo imputável a decisão sobre a adequação da legislação nacional relativamente ao direito comunitário.

 

3  -Ainda assim,

Para além do que ficou dito, importa dar conta dos entendimentos da AT e da Jurisprudência segundo os quais, a isenção de imposto de selo prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 7º do CIS não é aplicável à constituição de garantias associadas à emissão de Obrigações, dado que apenas abrange a constituição de garantias impostas por lei e, como tal, apenas essas são consideradas inerentes, às operações elencadas na norma.

Com efeito,

Na decisão de 19/09/2016 proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no Proc.º n.º 97/2016-T, na qual são descritas varias situações em que houve ou há obrigatoriedade de prestação de garantias, pode ler-se;

"O significado da palavra «inerente» que é o de «intimamente unido», «intrínseco» ou «inseparável», «que é próprio de algo», «que é atributo ou propriedade de algo», pelo que o uso daquela palavra não tem o alcance de expressar a mera «acessoriedade», que é referida na verba 10 da TGIS. Apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória da prestação de garantia para a prática de operações dos tipos referidos na alínea d) don.º1 do art.º 7º do CIS".

(...)

"As situações em que é obrigatória a cobertura, através de garantias, de riscos de operações que tenham por objecto valores mobiliários, são aquelas em relação às quais é adequado afirmar que as garantias são «inerentes» às operações.

Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

No caso em apreço, (como no agora em análise - acrescentamos nós] não há elementos que apontem no sentido de a expressão «garantias inerentes» ter sido incorretamente utilizada, para aludir também a garantias prestadas facultativamente."

E, como princípio de base e reforço deste entendimento é, também no corpo da decisão, referida, e corroborada, a posição da AT que, suportada na origem da introdução legislativa da isenção em causa e sua evolução, demonstra que "(...) a isenção foi justificada pela «entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo», como expressamente é referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 85/96 de 29/6 que Introduziu a norma.

As alterações legislativas posteriores não alteraram o tipo de instrumentos financeiros alvo desta isenção, que não incluíam as Obrigações, e que assim se mantém.

É dito no corpo da decisão identificada:

"(...) as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, (emissão de Obrigações) que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser por ela abrangidas.

Para além disso, a referência feita no preâmbulo do decreto-Lei n.º 85/96 ao objectivo de implementação do mercado de operações sobre futuros e opções revela que se tiveram em vista operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objeto transacções de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários. Aliás, é esta a interpretação que melhor se compagina com a fórmula legislativa utilizada de

«operações ... que tenham por objecto ... valores mobiliários».

Assim, de acordo com o antes evidenciado não será de deferir a pretensão da reclamante.

Conclusão

Perante os factos expostos, somos de PARECER que a presente petição deve ser indeferida.

  

P)           O C... encontra-se registado como sistema de negociação multilateral junto da entidade homóloga da CMVM em Espanha, a Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV), autoridade responsável, à semelhança do que sucede com a sua congénere portuguesa, pela regulação e supervisão do mercado de capitais espanhol (Documento n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Q)           Em 05-02-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia quanto à matéria de facto.

 

 

 

3. Matéria de direito

 

               

                3.1. Posições das Partes

 

                A Requerente celebrou uma escritura em que constituiu garantias relativas a emissão de obrigações, sendo efectuada pelo Cartório Notarial a liquidação de «€ 360.000 de Imposto do Selo, verba 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo».

                A verba 10.3 da TGIS tem o seguinte teor:

 

10 Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente - sobre o respectivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato:

                (...)

   10.3 Garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos   0,6%     

               

                No entanto, alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, estabelece o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro:

               

                1 - São também isentos do imposto:

                (...)

 d) As garantias inerentes a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM, que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas;

               

                A Requerente pagou a quantia liquidada, mas apresentou reclamação graciosa da liquidação, que foi indeferida, pelas seguintes razões, em suma:

–a isenção de imposto de selo prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 7º do Código apenas se aplica às operações realizadas em bolsas nacionais, conforme está determinado na circular n.º 15, de 05-07-2000;

– a não aplicação da isenção do imposto de selo à constituição de garantias decorrente de emissão Obrigacionista colocada à subscrição em mercado financeiro estrangeiro, não é impeditiva, ou mesmo dissimuladora, da captação de financiamento externo, nem é incompatível com o direito da União Europeia;

– a AT não pode deixar de aplicar as normas inseridas nos respetivos Códigos Fiscais, aprovados por Decreto-Lei e em vigor, não lhe sendo imputável a decisão sobre a adequação da legislação nacional relativamente ao direito comunitário;

– a isenção de imposto de selo prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 7º do CIS não é aplicável à constituição de garantias associadas à emissão de Obrigações, dado que apenas abrange a constituição de garantias impostas por lei e, como tal, apenas essas são consideradas inerentes, às operações elencadas na norma;

– a isenção foi justificada pela entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo, mantendo esse alcance, pelo que apenas é aplicável a operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objeto transacções de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários;

– a não aplicação da isenção não viola a proibição de restrições à circulação de capitais.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– as garantias sobre as quais incidiu IS ao abrigo da verba 10.3 da Tabela Geral do IS – elencadas no parágrafo 26.º do presente Pedido – foram constituídas no âmbito de uma emissão de obrigações realizada pela Requerente (descrita detalhadamente nos parágrafos precedentes deste Pedido e nos respectivos documentos anexos), para garantia do pontual e tempestivo cumprimento das obrigações emergentes dessa mesma emissão;

– estão em causa garantias inequivocamente inerentes a uma operação que teve por objecto valores mobiliários (obrigações), não existindo quaisquer dúvidas quanto à verificação da condição objectiva prevista na segunda parte da aludida alínea d) n.º 1 do art.º 7.º do Código do IS;

– o entendimento de que garantias inerentes são apenas as obrigatórias, além de não se adequar ao ordenamento jurídico português, deverá ser substituído por uma averiguação da essencialidade e indispensabilidade das garantias em função das circunstâncias concretas da operação em causa;

– na prática, a constituição de garantia configura-se, para os investidores, como condição necessária para a obtenção do financiamento e é nesta acepção que devemos ler a “inerência” da garantia face à operação relativa aos valores mobiliários, nomeadamente, a emissão de obrigações;

  para ser aplicável a isenção não é necessário que as operações em causa sejam realizadas em mercado regulamentado, mas tão-somente que as mesmas sejam realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas “através de uma entidade gestora de mercado regulamentado”;

– beneficiam, pois, da isenção, não somente as operações realizadas em mercados regulamentados, mas todas aquelas que tenham sido realizadas através – isto é, com recurso aos serviços – de entidades gestoras de mercados regulamentados, independentemente de terem tido lugar em mercado regulamentado ou em outra forma organizada de negociação de instrumentos financeiros;

– não obstante não ter sido executada em mercado regulamentado, a operação ora em análise foi realizada “através de sociedade gestora de mercado regulamentado” (a B...), como exige a alínea d) n.º 1 do art.º 7.º do Código do IS;

– as garantias prestadas no âmbito da emissão obrigacionista acima mencionadas se encontrarão também abrangidas pela segunda parte da isenção, relativa a operações realizadas através de entidades gestoras de mercados organizados;

  ao exigir que o mercado organizado no qual é realizada a operação a que estão associadas as garantias sujeitas a IS esteja registado na CMVM, a alínea d) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do IS desincentiva os operadores económicos que actuam em Portugal de angariar capitais fora do mercado financeiro nacional, condicionando o seu poder de decisão e coarctando, nessa exacta medida, a sua liberdade de gestão económico-financeira do negócio;

– tal como se encontra configurada, a norma em apreço tem por efeito dissuadir os agentes económicos de recolherem capitais junto de mercados financeiros estrangeiros, traduzindo-se numa restrição dissimulada à liberdade de circulação de capitais, incompatível com o Direito da União Europeia;

– O C... encontra-se registado como sistema de negociação multilateral junto da entidade homóloga da CMVM em Espanha, a Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV), autoridade responsável, à semelhança do que sucede com a sua congénere portuguesa, pela regulação e supervisão do mercado de capitais espanhol;

  é forçoso concluir que face à incompatibilidade do âmbito de aplicação da isenção de IS a operações realizadas em mercado financeiro nacional, excluindo toda e qualquer operação executada em mercado não registado na CMVM, com o Direito da União Europeia, e face à prevalência deste último, se deverá estender o seu âmbito de aplicação também às garantias inerentes a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através de entidade gestora de mercado organizado registado junto da competente entidade reguladora de outro Estado-Membro da UE ou país terceiro.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, que deu como reproduzida, quanto à não aplicação da isenção a operações do mercado primário de criação de obrigações (mas apenas às do mercado secundário), e às garantias prestadas relativamente a operações em que é obrigatória a sua prestação.

                A questão que é objecto do presente é, assim,  a de saber se se enquadram na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, as garantias prestadas tendo em vista a emissão de obrigações.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, colocou três obstáculos à aplicação da isenção que são os seguintes, em suma:

– a isenção aplica-se apenas às operações realizadas em bolsas nacionais, o que não é incompatível com o Direito da União Europeia e, de qualquer forma, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode desaplicar normas de Direito Nacional;

– a isenção de imposto de selo prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não é aplicável à constituição de garantias associadas à emissão de Obrigações, dado que apenas abrange a constituição de garantias impostas por lei e, como tal, apenas essas são consideradas inerentes, às operações elencadas na norma;

– as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, (emissão de Obrigações) que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser por ela abrangidas.

 

                Sendo distintos e autónomos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para sustentar as correcções efectuadas, tendo cada um deles com potencialidade para afastar a aplicação da isenção, se se entender que tem suporte legal um deles, terá de se concluir que a isenção não pode ser aplicada.

                Na verdade, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". (   )

 

                3.2.1. Questão da restrição da aplicação da isenção às operações realizadas em bolsas nacionais

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira na Circular n.º 15, de 05-07-2000, da Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património (   ) a posição assumida na decisão da reclamação graciosa no sentido de a isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS apenas se aplicar a operações realizadas em bolsas nacionais.

                No entanto, aquela Circular tem por base a redacção desta isenção relativa a garantias que então vigorava, que era diferente da actual.

                Com efeito, esta isenção relativa a garantias foi introduzida pelo artigo 94.º, n.º 4, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redacção do Decreto-Lei n.º 85/96, de 29 de Junho, em que se estabelecia o seguinte:

4 - Ficam isentas do imposto as garantias inerentes às operações a prazo realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através da bolsa e que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas.

 

                A referência à «bolsa» poderia ser interpretada como reportando-se às «bolsas nacionais», pois era a estas que se fazia expressa referência no Preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 85/96, dizendo-se «a entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo, impõe a definição do respectivo regime fiscal».

                A referida redacção foi transposta para o artigo 6.º, n.º 1, alínea d),  do Código do Imposto do Selo, na redacção da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, mantendo-se aquela referência à «bolsa» que, no contexto do Decreto-Lei n.º 85/96, era interpretada como reportando-se às «bolsas nacionais»:

 

1 - Ficam também isentos do imposto:

                (...)

                d) As garantias inerentes às operações a prazo realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através da bolsa e que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas;

 

                Foi neste contexto histórico, criado pelo Decreto-Lei n.º 85/96 e seu Preâmbulo, que foi emitida a Circular n.º 15, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como nela se refere expressamente, dizendo-se:

 

 «Salienta-se, no entanto, que a isenção consignada nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 6º. do Código, constituindo mera transposição da que constava, respectivamente, dos artigos 92, alínea c), e 94, n.º 4, da anterior Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 85/96, de 29 de Junho, apenas se aplica às operações realizadas em bolsas nacionais». 

                A redacção da Lei n.º 150/99 foi mantida no Código do Imposto do Selo de 2003, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, passando do artigo 6.º para o artigo 7.º.

                Mas, com a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, que deu a actual redacção à alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, deixou de existir aquela referência à «bolsa» que tinha suporte histórico para ser interpretada como reportando-se às «bolsas nacionais», sendo a referência à «bolsa» substituída, por mais amplas referências a «entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar, ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM».

                Nesta redacção, que é a vigente, prevêem-se três situações em que se aplica isenção às «garantias inerentes a operações realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas»

a) «através de entidade gestora de mercados regulamentados»;

b) «ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar»;

c) «ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM».

 

                Se em relação a esta última situação, em face da exigência de registo da entidade na CMVM,  ainda se poderá vislumbrar algum ténue suporte textual para defender que a isenção apenas se aplicará às operações realizadas por entidades nacionais, afigura-se claro que não há qualquer fundamento para fazer tal exigência em relação às duas primeiras situações referidas.

                Na verdade, a exigência de uma conexão nacional que se poderá entrever na exigência de registo na CMVM quanto às operações realizadas através de «entidade gestora de mercados organizados», não é acompanhada por qualquer referência semelhante relativamente às operações realizadas «através de entidade gestora de mercados regulamentados» ou  «através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar».

                Assim, estas diferentes redacções das várias situações descritas nesta alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS  apontam no sentido de, a haver a exigência de uma conexão nacional da entidade que realiza as operações, ela se limitar às situações em que as operações são realizadas por «entidade gestora de mercados organizados». (   )

                No caso em apreço, como a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece na decisão da reclamação graciosa, a operação foi realizada através de entidade gestora de mercados regulamentados, como se infere da referência seguinte: «O C... é gerido pela sociedade B..., S.A.U. (B...). A B... é também a sociedade gestora de M... que, de acordo com o respetivo regulamento, é um mercado regulamentado que tem por objeto a negociação de obrigações e outros títulos de dívida».

                Este entendimento assumido na decisão da reclamação graciosa, é confirmado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 8.º da sua Resposta:

No caso em apreço estamos perante uma operação de emissão de um empréstimo

obrigacionista negociado no “C...” (”C...”) – mercado não

regulamentado espanhol - “através de sociedade gestora de mercado regulamentado”, a

“B..., S.A.” (“B...”).

 

                Assim, há acordo das Partes quanto à qualificação da operação como realizada “através de sociedade gestora de mercado regulamentado”.

                Não havendo, pelo que se disse, fundamento para restringir as operações enquadráveis neste conceito às sociedades gestoras de mercado regulamentado nacionais, tem de se concluir que não tem suporte legal o primeiro fundamento invocado na decisão da reclamação graciosa.

                Tem razão a Requerente quanto à ilegalidade deste primeiro fundamento da decisão da reclamação graciosa, pelo que fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação da questão de Direto da União que a Requerente suscita, quanto a este ponto.

                 

               

                3.2.2. Questão da não aplicação da isenção às garantias não previstas na lei

 

 

                A norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo faz referência às «garantias inerentes a operações» «que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários (...)».

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que as garantias em causa foram prestadas facultativamente pela entidade emitente, pelo que não são inerentes a qualquer operação sobre valores mobiliários e de emissão de valores mobiliários, e que a prestação de garantia é inerente apenas às operações sobre instrumentos financeiros derivados e não sobre valores mobiliários em geral.

                O significado da palavra «inerente» que é o de «intimamente unido», «intrínseco» ou «inseparável», «que é próprio de algo», «que é atributo ou propriedade de algo» (   ), pelo que o uso daquela palavra não tem o alcance de expressar a mera «acessoriedade», que é referida na verba 10 da TGIS, apontando, antes, para situações em que é legalmente obrigatória da prestação de garantia para a prática de operações dos tipos referidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

                E é certo que tem havido e há situações em que é obrigatória a prestação de garantias em conexão com operações que tenham por objecto valores mobiliários, como decorre do artigo 411.º, n.º 4, do Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril, na redacção inicial, e do seu artigo 412.º na redacção do Decreto-Lei n.º 196/95, de 29 de Julho, do artigo 19.º do Regulamento da CMVM n.º 5/2007, do artigo 260.º do Código dos Valores Mobiliários, nas redacções do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, e do Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de Março, do artigo 261.º do mesmo Código na redacção do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e também do Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, complementado pelo Decreto-Lei n.º 40/2014, de 18 de Março, e do Regulamento (EU) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013.

                As situações em que é obrigatória a cobertura, através de garantias, de riscos de operações que tenham por objecto valores mobiliários, são aquelas em relação às quais é adequado afirmar que as garantias são «inerentes» às operações.

                Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo nº 3 do artigo 9º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (   )

                No caso em apreço, não há elementos que apontem no sentido de a expressão «garantias inerentes» ter sido incorrectamente utilizada, para aludir também a garantias prestadas facultativamente, que podem ou não acompanhar operações que tenham por objecto valores mobiliários.

                Para além disso, é esta a interpretação que se compagina com o princípio da legalidade, que abrange as isenções fiscais (artigo 103.º, n.º 2, da CRP),  como pertinentemente se refere na decisão arbitral proferida em 19-03-2021, no processo n.º 2/2020-T, sobre uma situação idêntica:

 

Do sentido literal e imediato afigura-se que o legislador pretende abranger situações em relações às quais a prestação de garantias faz parte do procedimento da operação em causa, ou seja, encontra-se prevista na lei como um trâmite, entre outros, característico do mesmo.

Somente assim o intérprete é remetido para um critério tipificado e de aplicação geral e uniforme. Incluir nesta interpretação situações em que as garantias são acordadas pelas partes contratualmente, estaríamos a remeter o intérprete para uma interpretação ad-hoc, casuística, para averiguar em que medida no âmbito do contrato uma parte se obrigou ou não perante a outra a prestar as garantias, com consequências inevitavelmente subjetivas e arbitrárias. E, o mais grave seria, ainda, deixar na disponibilidade das partes a possibilidade de contornar a aplicação da isenção, o que não é de todo admissível atento os princípios da legalidade e da tipicidade que marcam as normas sobre benefícios fiscais.   

O artigo 103.º, n.º2, da CRP diz-nos que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” Cabe desta forma à AR estabelecer a disciplina dos elementos essenciais dos impostos, sendo que destes se destaca, para o caso em apreço, desde logo, a incidência, quer subjetiva (cabendo à AR determinar quem deve pagar imposto), quer a objetiva (determinação sobre que matéria há-de incidir o imposto), bem como os benefícios fiscais. Ora, em relação a estes últimos, a doutrina converge que “Qualquer que seja a particular forma que assumam, (…), os benefícios fiscais caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga fiscal sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal. Assim, a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões delicadas de segurança jurídica e de tutela da expetactiva dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária global, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes." Nas palavras de Saldanha Sanches, as normas que estabelecem benefícios fiscais compreendem “uma decisão sobre distribuição dos encargos tributários, aumentando a tributação dos contribuintes não isentos”. Também o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 188/2003, de 8.4.2003) conclui “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra geral da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhes dar fundamento” (Cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2011,Almedina, Coimbra, p. 283ss. e notas 455 da página 285 e 499, da página 311, respetivamente. Mais recentemente, do mesmo Autor, Manual de Direito Fiscal, Reimpressão, 2015).

 

                A esta luz, as garantias «inerentes» terão de estar previstas  na lei como indispensáveis para as operações em causa, não sendo compaginável com os princípios da legalidade e da tipicidade dos benefícios fiscais a interpretação alternativa para a expressão «inerentes» proposta pela Requerente no sentido de dever depender de uma casuística «averiguação da essencialidade e indispensabilidade das garantias em função das circunstâncias concretas da operação em causa».

                Esta interpretação proposta pela Requerente, reconduzir-se-ia, em última análise, a atribuir à entidade pública ou privada que tem de aplicar a isenção (um notário ou, eventualmente, um seu ajudante que o substitua) o poder de determinar o alcance real da isenção, pois, sem a exigência de previsão legal explícita da inerência, o conceito não teria qualquer densificação normativa, o que careceria manifestamente de razoabilidade.

                Assim, a interpretação que a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou e que este Tribunal Arbitral aceita, é também a «solução mais acertada» que se tem de  presumir ter sido legislativamente consagrada, por força do preceituado no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.

 

               

                3.2.3. Questão da não aplicação da isenção à emissão de obrigações

 

                Os argumentos históricos, invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se extraem da criação, pelo Decreto-Lei n.º 85/96, de 29 de Junho, desta isenção de Imposto do Selo relativamente a garantias, corroboram a interpretação de que a isenção se reporta apenas a operações do mercado secundário e não também à emissão de obrigações.

                Com efeito, como se referiu, a isenção em causa tem origem evidente na prevista no n.º 4 do artigo 94 da TGIS aprovada pelo Decreto n.º 21916, de 28-11-1932, aditado pelo Decreto-lei 85/96, de 29 de Junho, que tem o seguinte teor:

 

4 - Ficam isentas do imposto as garantias inerentes às operações a prazo realizadas, registadas, liquidadas ou compensadas através da bolsa e que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas.

 

                Como resulta explicitamente do preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 85/96, a isenção foi justificada pela «entrada em funcionamento do mercado de operações sobre futuros e opções, realizadas em bolsas nacionais destinadas à realização de operações a prazo».

                Este diploma foi aprovado pelo Governo com base na autorização legislativa concedida pelo artigo 30.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, que permitiu ao Governo «estabelecer o regime fiscal aplicável, nos impostos relevantes, a novos instrumentos financeiros, designadamente futuros e opções, tendo em conta as suas especificidades, a finalidade da operação, a diversidade dos intervenientes no mercado e as características deste, tendo em vista a criação de um quadro fiscal adequado às necessidades de desenvolvimento do mercado mas preventivo da fraude e evasão fiscal».

                É, assim, claro que, originariamente a isenção apenas abrangia os «novos instrumentos financeiros», o que não era o caso das obrigações.

                Aliás, sendo este o sentido da autorização legislativa, seria inconstitucional o Decreto-Lei n.º 85/96 na medida em que estendesse a isenção a hipotéticas garantias conexionadas com a emissão de obrigações, pois, por força do disposto no artigo 115.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa de 1992, então vigente, os decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa estavam subordinados às correspondentes leis.

                A isenção foi mantida exactamente nos mesmos termos no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei nº 150/99,de 11 de Setembro.

                As alterações ao texto efectuadas pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (que é o actualmente vigente), consistiram na supressão da referência a operações a prazo e da substituição da alusão à bolsa pela referência a todas as operações efectuadas através de entidade gestora de mercados regulamentados ou através de entidade por esta indicada ou sancionada no exercício de poder legal ou regulamentar ou ainda por entidade gestora de mercados organizados registados na CMVM.

                Mas, quanto aos tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção não houve qualquer alteração nesta nova redacção, continuando a dizer-se, como inicialmente, que são as operações que «tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas».

                A manutenção textual pela Lei n.º 107-B/2003, para referenciar os tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção, daquela fórmula operações que «tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas», que seguramente não abrangia a emissão de obrigações, indicia uma intenção legislativa de manter o seu âmbito, quanto aos tipos de operações abrangidas, e não de o alterar.

                Por outro lado, a única alteração quanto aos tipos de operações cujas garantias inerentes são abrangidas pela isenção que se detecta na fórmula da Lei n.º 107-B/2003 consiste na extensão desta às garantias inerentes a operações daqueles tipos que não sejam a prazo.

                Mas, esta alteração nada tem a ver com a emissão de obrigações, pelo que as garantias prestadas em conexão com operações deste tipo, que não estavam incluídas na fórmula inicial da isenção, continuam a não ser por ela abrangidas.

                Para além disso, a referência feita no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 85/96 ao objectivo de implementação do mercado de operações sobre futuros e opções revela que se tiveram em vista operações realizadas no âmbito do mercado secundário, que tenham por objecto transacções de valores mobiliários já criados, e não operações do mercado primário, designadamente a criação e emissão de novos valores mobiliários.

                Aliás, é esta a interpretação que melhor se compagina com a fórmula legislativa utilizada de «operações ... que tenham por objecto ... valores mobiliários» (já existentes) e não operações que tenham como objectivo a sua criação.

               

                3.2.4. Conclusão

 

                Conclui-se, assim, que têm suporte legal dois dos três fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para indeferir a reclamação graciosa, pelo que a Requerente não tem direito à isenção que pretende.

                Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto aos pedidos de anulação da liquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

                Improcedendo estes pedidos, improcedem também os pedidos de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios.

 

                4. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 360.000,00.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

               

Lisboa, 03-08-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

( Susana Mercês)

(João Pedro Rodrigues)