Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 793/2020-T
Data da decisão: 2022-01-12  IRC  
Valor do pedido: € 38.404,44
Tema: IRC - Período de tributação diferente do ano civil; Aplicação da lei no tempo
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SUMÁRIO:

O n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, pelo que, tendo presente o disposto no n.º 1 do artigo 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 30 de setembro de    2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de dezembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2015.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

A A…, LDA, pessoa coletiva nº …, com sede social na Travessa …,  Maia, de ora em diante designada por Requerente, requereu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigos 2.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22        Março, a constituição de Tribunal arbitral, com vista a obter uma pronúncia arbitral que declare:

a)            a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, de

3 de outubro de 2020, do Diretor Adjunto de Finanças do Porto, notificado à Requerente no dia 7 de outubro do mesmo ano, com a consequente, anulação da liquidação;

b)           a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC, referente ao período de tributação do ano de 2014, com a consequente anulação e reembolso do imposto, no montante de € 38.404,44;

c)            o reconhecimento a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, por efeito do pagamento indevido de IRC, no valor de € 38.404,44, desde o dia até efetivo e integral pagamento.

 

O pedido de constituição do Tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 31 de dezembro de 2020 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n. º 1 do artigo 11.º ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, para integrar o presente Tribunal arbitral singular, designou o signatário como árbitro, tendo este comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, no dia 21 de maio de 2021 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral singular.

No dia 24 de maio de 2021 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por Requerida, apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

No dia 25 de junho de 2021, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, bem como o respetivo processo administrativo (PA).

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega que o artigo 192º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, determinou, entre outras alterações legislativas, a redução da taxa geral do IRC de 23% para 21%.

Uma vez que esta Lei não contém uma disposição transitória, conclui-se que a alteração legislativa em causa entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2015, tal como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 261.º da Lei n.º 82.º-B/2014, de 31 de dezembro: “A presente lei entra em vigor no dia 01 de janeiro de 2015.”

Deste modo, o n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC passou a prever que a taxa do IRC é de 21%, aplicando-se aos factos tributários ocorridos a partir de 01 de janeiro de 2015, tanto mais que o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária estabelece em termos gerais que “[a]s normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.”

A Requerente sublinha que adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, razão pela qual o seu período de tributação de 2014 se compreende entre os dias 1 de dezembro de 2014 a 30 de novembro de 2015.

Nesta conformidade, o facto tributário referente ao período de tributação do ano de 2014 ocorreu no dia 30 de novembro de 2015, data muito posterior à data da entrada em vigor da taxa de 21%, que ocorreu no dia 1 de janeiro de 2015.

Assim, deveria a Autoridade Tributária ter aplicado a taxa de 21%, em vigor no último dia do período de tributação correspondente ao exercício em causa, que foi o dia 30 de novembro de 2015, ao invés da taxa de 23%, que vigorou apenas até ao dia 31 de dezembro de 2014.

Porém, na liquidação do IRC do exercício de 2014, por manifesto erro do sistema informático da AT, foi aplicada a taxa de 23%.

Em jeito de conclusão, a Requerente sublinha que deve ser anulado parcialmente o ato de autoliquidação relativo ao período de tributação de 2014, iniciado no dia 1 de dezembro de 2014 e terminado no dia 30 de novembro de 2015, devendo, consequentemente, a AT proceder ao reembolso à Requerente do imposto pago em excesso, no montante acima mencionado.

Na sua resposta, a Requerida defende-se por impugnação, considerando infundado o pedido de pronúncia arbitral porquanto não se verifica qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato de (auto) liquidação, não se verificando, de igual modo, fundamento legal que sustente a pretensão de reembolso de parte das quantias pagas, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos invocados pela Requerente.

 

Em termos de fundamentos de direito, além de invocar a decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 893/2019, de 22 de setembro, a Requerida, em suma, alega o seguinte:

a)            O artigo 1.º do CIRC determina que: “[o] imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo que provenientes de atos ilícitos, no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, nos termos deste Código”, definindo-se este nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do CIRC;

 

b)           O IRC é devido em cada exercício, estando diretamente relacionado com a obtenção de um resultado positivo, passível de tributação, ao qual é aplicada uma determinada taxa e não estando as taxas aplicáveis previstas nas normas de incidência, são, todavia, um elemento da relação jurídica tributária e não é a data de encerramento do exercício de 2014 que determina a taxa aplicável, mas sim a taxa aplicável ao exercício de 2014, que é de 23% e não de 21%;

c)            Assim, a obrigação tributária que nasce depois da aprovação e publicação da Lei n.º 82- B/2014, de 31 de dezembro de 2014, isto é, o disposto no n.º 1 do art.º 97.º do CIRC apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 01 de janeiro de 2015, questão diferente é a do facto gerador do imposto se considerar verificado no último dia do período de tributação, que pode ou não coincidir com o ano civil;

d)           Em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta em termos anuais o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados;

e)           Em sede de IRC, em conformidade com este princípio, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil;

f)            Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, sendo um imposto periódico, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar, ou seja, o facto gerador do imposto é complexo e de formação sucessiva ao longo de um ano. Assim, definida a incidência objetiva e subjetiva do imposto, o facto gerador não se confunde nem com a determinação da matéria coletável, nem com a taxa aplicável, as quais têm a sua própria autonomia conceptual, concretizando-se em momentos diferentes;

g)            Se o ano de tributação de 2014 da Requerente se inicia em 01 de outubro de 2014 e termina a 30 de setembro de 2015, a taxa a aplicar é a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, pela única circunstância de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer outro fator distintivo ao nível do imposto sobre o rendimento;

h)           Se a Requerente adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o seu período de tributação será sempre de um ano a contar do seu início, assim, o período de tributação de 2014 inicia-se a 1 de outubro de 2014 e termina a 30 de setembro de 2015. E para o período de 2014, nos termos do n.º 1 do artigo 87.º do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a taxa de IRC era de 23%. Só com a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015), o n.º 1 do art.º 87.º do CIRC foi de novo objeto de alterações, passando a taxa geral de IRC em vigor, para o período de tributação de 2015, a ser de 21%.

i)             O artigo 261.º da Lei que aprovou o Orçamento de Estado determina a respetiva entrada em vigor no dia 01 de janeiro de 2015, ou seja, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015, aplicando-se aos períodos de tributação que se iniciem após aquela data;

j)             De facto, ao período de tributação que se inicia em 01 de dezembro de 2014 e termina em 30 de novembro de 2015 só se podem aplicar as regras do CIRC em vigor no período de tributação de 2014;

 

k)            A taxa de IRC para o período de 2014 é de 23%, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciaram em ou após 01 de janeiro de 2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que implementou a Reforma do IRC, porquanto o legislador que introduziu a taxa de 23% relativamente ao exercício de 2014 refere que se aplicam a períodos de tributação que ou aos factos tributários que ocorram em ou após 01 de janeiro de 2014;

l)             Na verdade, a causa de pedir da Requerente configura um abuso interpretativo, na medida em que já sai beneficiada por poder adotar um período de tributação diferente, com tudo o que isso implica, para ainda querer, por esta via, obter uma vantagem fiscal através da aplicação de uma taxa diferente da que foi aplicada a todos os outros contribuintes sujeitos a IRC;

m)          Acresce, ainda, que a interpretação da Requerente distorce frontal e perigosamente as regras da concorrência, porquanto as empresas concorrentes da Requerente, relativamente ao exercício de 2014, foram sujeitas a IRC a uma taxa de 23%;

n)           Concluindo, a interpretação da Requerente está a violar não só a intenção do legislador, quando estabelece as taxas do orçamento do Estado para cada ano, no caso concreto quando fixou a taxa de IRC para o exercício de 2014, bem como a interpretação que faz da aplicação de 21%, ao exercício de 2014;

o)           Em consequência, o pedido arbitral deve ser julgado improcedente, por não provado, e a Requerida absolvida, com as devidas consequências legais.

No dia 22 de novembro de 2021, as Partes foram notificadas do despacho arbitral em que o Tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como da decisão de dispensar a produção de alegações, uma vez que, estando em causa matéria de direito, esta foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral quer na Resposta da Requerida.

Neste despacho arbitral foi ainda decidido designar o dia 21 de dezembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. Porém, o tribunal verificou posteriormente que a prorrogação do prazo de decisão tinha sido efetuada por um mês ao invés de dois meses, como impõe a lei.

Nesta conformidade, por despacho exarado no passado dia 22 de dezembro de 2021 foi retificado o despacho anterior, determinando-se que a decisão final seja proferida até ao dia 21 de janeiro de 2022.

 

II.            SANEAMENTO

O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e artigo 5.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

Não existem nulidades nem outros vícios que invalidem o processo e que obstem ao conhecimento e apreciação do mérito do pedido.

 

III.          DO MÉRITO

III.1        MATÉRIA DE FACTO

III.1.1    Factos Provados

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi dos normativos das alíneas a) e e), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, pelo que, atendendo às posições assumidas pelas partes nos articulados e nos diversos elementos documentais que integram o processo arbitral, o Tribunal destaca os elementos factuais infra descritos que, não tendo sido contestados pelas Partes, se consideram provados:

a)            A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, de direito português, que desenvolve a sua atividade no domínio da fabricação, montagem, assistência técnica e comercialização de elevadores, ascensores, monta-cargas e pontes rolantes, para além da representação e venda de produtos industriais.

b)           No dia 19 de abril de 2016, a Requerente apresentou a Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao período de tributação do ano de 2014, o qual, por efeito da opção realizada nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do CIRC, se iniciou no dia 01 de dezembro de 2014 e terminou no dia 30 de novembro de 2015.

c)            Em função dos rendimentos declarados em relação ao período de tributação de 2014, foi apurado um lucro tributável no montante de € 1 920 222,15 e um imposto no montante de € 98 844,85, por aplicação da taxa de 23%.

d)           A aplicação da taxa de 23% para liquidação do IRC relativo ao período de tributação de 2014 resultou automaticamente do sistema informático da AT, porquanto as respetivas especificações técnicas e programação do sistema de liquidação de IRC impediu a aplicação da taxa de 21%.

e)           A Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, entrou em vigor em 01 de janeiro de 2015, tendo o artigo 261.º da referida lei introduzido uma nova redação no n.º 1 do artigo 87.º do CIRC, que passou a contemplar uma taxa do IRC de 21%.

 

f)            O pagamento do IRC do período de tributação compreendido entre o dia 1 de dezembro de 2014 e 30 de novembro de 2015, a que corresponde o n.º 2016 …, foi efetuada no dia 26 de abril de 2016.

g)            No dia 7 de abril de 2020, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão do ato tributário de autoliquidação do período de tributação de 2014, o qual foi indeferido por Despacho do Diretor Adjunto de Finanças do Porto, de 3 de outubro de 2020.

l) Esta decisão de indeferimento foi notificada à Requerente no dia 7 de outubro de 2020.

 

III.1.2    Factos não provados

Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2.1.   Matéria de Direito

Da matéria de facto dada como provada resulta que a Requerente adotou, quanto ao exercício de 2014, um período de tributação não coincidente com o ano civil, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, o qual se iniciou no dia 01 de dezembro de 2014, tendo terminado no dia 30 de novembro de 2015.

Por referência àquele exercício, a Requerente entregou no dia 19 de abril de 2016 a declaração de IRC Modelo 22, na sequência da qual resultou, em função da aplicação da taxa de 23%, um imposto no montante de € 98 844,85.

Sucede que, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82- B/2014, de 31 de dezembro), a taxa geral de IRC diminuiu de 23% para 21%, tendo em conta a alteração efetuada ao artigo 87º do Código do IRC, pelo artigo 192.º da referida lei, a partir do dia 1 de janeiro de 2015.

Assim, à data em que se verificou o facto gerador do aludido imposto na esfera da Requerente, por referência ao período de tributação aqui em causa, terminado no dia 30 de novembro de 2015, encontrava-se em vigor a taxa de 21%, pelo que foi apurado na autoliquidação de IRC um montante de IRC de valor superior ao efetivamente devido.

Alega a Requerente que, tendo sido incorretamente aplicada a taxa de 23%, pretende que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa que teve por objeto a aplicação da taxa de IRC de 23%, ao invés da taxa de 21%, à matéria coletável apurada pela Requerente, por referência ao exercício aqui em causa, que terminou no dia 30 de novembro de 2015, quer a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação, no que concerne à parte do referido ato de autoliquidação que reflete a não aplicação à matéria coletável apurada da taxa de IRC de 21%, em vigor à data da verificação do facto tributário, isto é, em 30 de novembro de 2015, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 98 844,85.

Segundo a Requerente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa padece do vício de ilegalidade, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 261.º da Lei n.º 82.º-B/2014, de 31 de dezembro, no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, no n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária e no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, devendo ser anulada em conformidade.

A questão de mérito que cumpre conhecer prende-se com a determinação da taxa de IRC aplicável à matéria coletável da Requerente, que adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, estando em vigor, no momento em que esse período se iniciou, uma taxa de 23% e, no momento do seu termo, uma taxa de 21%.

Dito por outras palavras, cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no momento do respetivo termo final.

Em relação à questão sub judice, existe um Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 21 de abril de 2021, proferido no processo n.º 057/20.8BALSB, em recurso para uniformização de jurisprudência, o qual, com a devida vénia passamos a reproduzir:

2.2.3.-Do mérito do recurso

Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à aplicação da taxa de IRC - ou de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ou de 21% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC resultado da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015) - atendendo ao facto de o período de tributação de 2014 da recorrente ter terminado em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, estando nessa data já em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015. Na tese da recorrente, a Decisão Arbitral Fundamento considerou a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21% imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício. É que, aduz a Recorrente, no seu caso, precisamente pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ter carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que, como a Recorrente, adotaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil. Mais adita a recorrente que                    em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT. Já a recorrida AT assume a posição que é, de resto, a posição do EPGA, de adotar a solução prescrita no acórdão recorrido. Fazendo apelo à fundamentação desse aresto, dela brota claramente que foi adotado o entendimento, contrariando até a fundamentação de outro acórdão arbitral proferido em primeira linha, de que não está em causa determinar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21%, nem aferir se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação impugnada se verificou naquela data, pois isso é inquestionável, mas, sim, aquilatar se, e em que termos, o aludido art.º 14.° estava, ou não, em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015. Ora, no tangente a essa questão, expõem- se na decisão recorrida as razões porque considerou que «o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação», extraindo a conclusão de que, «aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.», e, ainda, que «não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.° da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele».

Coerentemente, ampara a decisão recorrida que «à luz da interpretação da norma do art.º 14.° da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.° da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82- B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.°, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação. Deste modo, concluindo- se, nos termos expostos, que o art.º 14.° da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da atuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios». Entende-se, pois, na decisão recorrida, que a considerar-se que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra pelo que importará, numa primeira plana, começar por definir o sentido e alcance do questionado art.º 14.º. Aqui chegados, é altura de procurar classificar a norma para a sua correta interpretação.

Ora, tradicionalmente, para além de outras delimitações irrelevantes para o caso em apreço, as normas jurídicas classificam-se em gerais, excecionais e especiais. As normas gerais são as “que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime- regra do tipo de relações que disciplinam” – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, 6.ª edição revista e ampliada, volume I, página 76.“Excepcionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações.” Ibidem. Finalmente, as normas especiais são as que “representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em direta oposição com a disciplina geral”. Ibidem, página 79. Assim, a doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excecionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela; aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excecional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excecional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).“Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excecionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. “O que distingue a norma geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respetivas disposições. Pelo contrário, o objeto da lei excecional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excecional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excecional é o oposto ou contrário ao da lei geral” (JOSÉ TAVARES).“Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram sem constituírem por isso um direito excecional. Para achar o conceito de direito excecional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excecionais (CABRAL DE MONCADA). Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excecionais, especiais) “os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em direta oposição com a disciplina geral” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA)”.As conceções antes ditas encontram-se nas seguintes obras e pela ordem indicada: Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das Leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45; e Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.

Adita-se ainda que, evocando o ensinamento de DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321. “(...) o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, determinadas matérias normativamente reguladas”. O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género. Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidade, aditando o mesmo doutrinador que:“As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspetos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.

Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias”.

Na sua forma pura, o relacionamento entre lex specialis e lex generalis pressupõe uma antinomia ou contradição normativa, isto é, a imputação, por duas normas, de soluções diferentes (embora referíveis a um mesmo princípio geral) para um mesmo caso (vide SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, Estudos em Memória do professor Doutor JOÃO CASTRO MENDES, sem data (1995), pp. 240-241, citando BYDLNSKI, Juristische Methodenlehe und Rhtsbegriff, Viena-Nova Iorque, 1982, p. 465, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1987, p. 486, e SANTIAGO NINO, Introduccion al Análisis del Derecho, Barcelona, pp. 272-278.”Volvendo ao caso controvertido e tendo em conta tais princípios e a sua doutrinação, seguindo a tese da recorrida, temos que da mera literalidade do normativo decorreria que, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013. E ainda se extrairia que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2014 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º havia sido revogado. Nesse conspecto, o tribunal arbitral recorrido exteriorizou a necessidade de, em vista da correta exegese do art.º 14.º da Lei 2/2014, de o intérprete recorrer a outros elementos que não a letra da lei, mormente à logicidade e teleologia normativa do preceito no segmento que apresenta o seguinte teor, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”. Nesse sentido, revela-se para nós coerente – o que não significa assertivo - o juízo formulado pelo decisor de que deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, impostos estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas), o que inculca que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si. Dito de outro modo: para a decisão sob escrutínio, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretenderá dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles. Cabe também destacar o raciocínio da decisão recorrida no tocante à compulsação do elemento sistemático da hermenêutica do inciso legal, no sentido de que deve ser qualificado como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que, o que ao caso releva, textua:“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor. ”Daí que para a decisão recorrida e para a recorrida AT e a EPGA, o discutido art.º 14.º veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT. A ser assim, conclui a decisão recorrida apoiada pela AT e pelo Ministério Público, que o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se aplicam ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação. Tal entendimento seria potenciado pelo facto de que inexiste qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, mormente a Lei n.º 82-B/2014, força a conclusão de que o art.º 14.º da Lei 2/2014 se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, pelo que é aplicável ao período de tributação de 2014 da Requerente, apesar deste somente ter findado na citada data de 31/01/2015. Isso fundamentalmente porque, in casu, não regeria o disposto no art.º 12.º da LGT, dada a natureza de norma especial que o dito art.º 14.º assume perante os subsídios doutrinários supra citados, sendo, por isso, prevalecente na matéria que regula, não cedendo perante qualquer conclusão que se possa retirar do art.º 12º da LGT. Com efeito à guisa de sinopse breve, como veio de demonstrar-se, são amplamente conhecidos dois dos principais princípios da hierarquização das normas: o princípio de que a lei especial derroga a lei geral e de que a lei posterior derroga a lei anterior. Estabelecem estes princípios, respetivamente, que:(i) em tudo quanto uma lei geral se encontre em contradição com uma lei especial, valerá a lei especial;(ii) em tudo quanto uma lei anterior se encontre em contradição com uma lei posterior, valerá a lei posterior. Mas será que o polemizado artigo 14.º terá de ser classificado como norma especial, a qual, seguindo a lição de DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321, mais não configura do que um desvio aos princípios gerais, complementando-os nos casos especiais que abarca, já que não se mostra oposto nem incompatível no confronto com esses mesmos princípios gerais? (Vide JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs). Noutra vertente, há ainda que atentar no expendido na decisão recorrida no sentido de que a Lei do Orçamento para 2015 não inclui nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto no referido art.º 14.º, sendo que, a ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supracitada, não deverá, de per si, ter-se como patenteando uma intenção revogatória.

É que, a existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vetores tão incisivos que a ela equivalham (cfr. Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias in Cadernos de Ciência e Legislação nº 7, 1993, págs. 17 e ss). Acresce ainda segundo a decisão recorrida sufragada pela AT e pela EPGA, que o art.º 14.º em questão, não se reportará exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial. Assentando em tal ângulo, sustenta-se no discurso da decisão sob escrutínio que “…, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que o art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC. Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei. Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado, “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab- rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7: “A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial. ”A revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global). Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da obrigação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso. No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral – art.º 7, nº 3 do C Civil – só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador. Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”.

Efetivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei. Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação. ”A decisão recorrida também é afirmado e é perfilhado pela AT e pela EPGA – diga- se que, em abstrato, assertivamente – que em direito fiscal vigora o princípio da anualidade que se reveste de extrema importância no tangente aos impostos sobre o rendimento, porquanto segmenta em termos anuais o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8.º do CIRC).Vejamos, então, de que lado está a razão nas vertentes assinaladas. A regra geral em IRC, por força do referido princípio da anualidade dos impostos, é a de que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil, sendo o IRC devido por cada período económico (cfr. artigo 8.º, n.º 1 do CIRC). Como sobejamente visto, a Recorrente adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo-se iniciado o período de 2014 a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015.

Significa que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, no caso concreto, em 2015, que para a Recorrente teve início em 1 de Fevereiro de 2015. Como é sabido, no final de cada ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, são introduzidas alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte. No caso sub judice o litígio acaba por circunscrever-se à determinação da taxa de tributação aplicável, em sede de IRC à ora Recorrente que adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23% e, no momento do seu termo, uma taxa de 21%. Dito de modo mais singelo: cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo. Na estrutura do IRC, estatui o artigo 1.º do respetivo Código que este imposto incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, explicitando o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), que o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo preceito legal define como a “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.” E o lucro tributável das pessoas coletivas, determinado a partir do resultado líquido do exercício, “ é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” (cfr. artº 17.º, n.º 1, do CIRC). O período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 8º do mesmo Código, salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8º, n.ºs 4 e 8 – anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa coletiva.

Não obstante, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo inciso legal, é facultado às pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português, bem como as pessoas coletivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direção efetiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adotarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos. Salvo tratando-se de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, catalogados no artigo 8.º, n.º 10, estabelece o n.º 9 do mesmo preceito que “O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.” E, por injunção normativa do artigo 36.º, n.º 1, da LGT, é o facto gerador, normalmente designado por facto tributário, quer seja instantâneo, quer seja referido a um determinado período temporal, que determina a constituição da relação tributária. No que para o caso releva, por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último dia do período de tributação, o que corresponde a dizer que o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação. Por assim ser, adversamente ao sustentado pela recorrente o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação. Na verdade, ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor. "Sincronicamente, a fixação do facto de tributário no último dia do período de tributação, vai colocar o problema da sucessão da lei mais favorável no tempo no âmbito do n.º 1 daquele artigo da LGT, o qual, salvo na existência de norma que o afaste, fixa que: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos." Ora, o que tal significa é que, para um período de tributação (como sucede com o da Recorrente) iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e que termina a 31 de Janeiro de 2015, o facto tributário só se pode considerar verificado nesta última data. A frase latina pro rata temporis, em particular em direito e economia, refere-se à distribuição de um valor monetário em segmentos de tempo correspondentes à duração desses segmentos de tempo. Pro rata também significa por proporção pelo que é uma divisão de um valor de acordo com a proporção determinada, é o rateamento do valor, usando como referência a proporcionalidade, pelo acima exposto, nem sequer uma repartição do lucro tributável pro rata temporis (tal como enunciada pelo artigo 12.º, n.º 2 da LGT) é aqui aplicável. Por esse prisma, é forçoso concluir que a lei aplicável é precisamente aquela que se encontrava plenamente em vigor à data da verificação do facto tributário, propendendo nós a considerar que era a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que estabelecia como taxa de IRC aplicável a taxa de 21%, soçobrando a tese da decisão recorrida quanto à especialidade normativa acima escalpelizada. Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, modificou a redação do artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, aí passando a constar que “A taxa do IRC é de 23 %, exceto nos casos previstos nos números seguintes.” No tangente à sua aplicação no tempo, concilia o artigo 14.º da aludida Lei que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.” Resulta cristalino que a norma em exame, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 01/01/2014.

Aliás, mais diremos que, ao invés da posição sufragada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a referência aí feita aos efeitos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 (que procedeu à Reforma do IRC) não abona em favor da aplicação da taxa de 23% que passou a vigorar por força de tal Lei. É que tal disposição especial de aplicação da lei fiscal no tempo tem óbvias semelhanças com dispositivos similares que, ao longo do tempo, foram sendo introduzidos no ordenamento fiscal para regular as alterações de taxas de IRC.

Foi o que sucedeu com (i) - o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5%, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava: “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000.”; (ii) - o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30%, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002.”; (iii) - o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25%, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004.”; (iv) - o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23%, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que “a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014. ”Ora, é precisamente pelo facto de a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, não dispor de semelhante disposição que se levanta toda a presente questão: com a entrada em vigor da nova lei, a sua aplicação vale para os novos factos tributários (como aqueles que ocorrem em 31 de Janeiro de 2015). Enfatiza-se que a norma em causa contém um segmento que não pode descurar-se e que é decisivo: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º.” o qual, no atinente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, prescreve:

“ 1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos” 2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito.” Assim, nesse preceito a dita Lei previa já uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma possível redução de taxa de IRC para 21% já em 2015. Ou seja, e em reforço do que já antes se disse, a norma ínsita no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, que rege sobre a sua aplicação no tempo, ao antecipar expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz

“sem prejuízo” do disposto no artigo 8.º albergará a possibilidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, particularmente, da redução para 21% em 2015. Nesse sentido, pontifica o facto de a prevista redução da taxa de IRC para 21% ter sido concretizada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redação do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC. Sendo embora certo que a lei é omissa quanto à sua aplicação temporal, haverá que concluir que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT. Assim, em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece o princípio da proibição da retroatividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê no seu n.º 1: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.”Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos atos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12.º do C. Civil.

Na parte final do n.º 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular». Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de proteção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República). Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.

 

Essa vontade está inequivocamente afirmada como se viu, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroatividade constante do n.º 1 do artº 12.º do C. Civil. Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra

«Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:

 

«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respetiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».

Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução, pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege», por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do n.º 1, também se acha englobada na previsão do n.º 2, primeira parte, do referido art.º 12.º do C. Civil. Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respetiva previsão legal a partir do início da sua vigência. Estamos, no entanto, perante um imposto periódico, em que o facto tributário é de formação sucessiva e o n.º 2 do artigo 12.º da LGT consagra um critério de “pro rata temporis” prevendo: “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”

O critério do pro rata temporis já foi por nós afastado mas, em reforço argumentativo, diga-se ainda que no campo da tributação do rendimento das pessoas coletivas, que é aquele em que nos encontramos, deparamo-nos com um imposto de periodicidade anual em que não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correções expressamente previstas no respetivo Código. Todavia e como já se demonstrou, a regra geral compreendida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT soçobra face à determinação consagrada no artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC. É que, no que concerne à aplicação da lei no tempo e em acatamento do princípio

constitucional da proibição de retroatividade da lei fiscal, deve entender- se que a aludida norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor. Destarte e em vista do caso concreto, uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/01/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014. Daí que seja de seguir a doutrina do acórdão fundamento e validar a tese da recorrente apoiada nas seguintes asserções: -pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ter carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adotaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil; em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT; Assim, atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, é de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT o que traz implicado que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação, no domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas, por força do conceito, da configuração e do âmbito do facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroatividade. E esta regra especial resolve diretamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação (como o do presente caso) e afasta a regra geral constante do artigo 12.º n.º 2 da LGT: -destarte, como o período de tributação de 2014 da recorrente terminou em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, e nessa data já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015, era essa a taxa aplicável; nesse sentido pontificam as considerações doutrinais do Professor Doutor Rui Duarte Morais no sentido de que “ (…) O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com as alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil). Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos. (...).”. (cfr. Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro 2007, Almedina, 2009, págs. 47 e 48. Por isso, e em conclusão, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82- B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.

*

 

“Termos em que o recurso será provido, uniformizando-se jurisprudência no seguinte sentido: “Atento o disposto no n.° 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação e, em face do disposto no n.º 1 do art.º 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”

 

Importa, ainda, realçar que a Requerida veio, na resposta, alegar que uma interpretação que conclua por aplicação ao caso dos autos da taxa de 21%, seria violadora do princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º da CRP, bem como a distorcer as regras da concorrência “e de uma economia de mercado que cabe ao Estado proteger e fomentar conforme dispõe o artigo 81.º, alínea f) CRP.

 

Para além disso, a diferenciação interpretativa, poderia ser entendida como auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, porquanto estaria o Estado a atribuir diferentes taxas que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções em clara violação do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.”

Cumpre, em primeiro lugar, sublinhar que a Requerida se limita a fazer meras proclamações puramente abstratas sem indicar as razões pelas quais outra interpretação das normas aplicáveis, que não a sua, será violadora das regras da concorrência podendo até consubstanciar auxílios concedidos pelos Estados.

De qualquer modo, sempre se dirá que a interpretação ora sufragada não enferma de qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio da igualdade, por ser a que melhor corresponde à ponderação deste princípio com o da proibição da retroatividade da lei em matéria fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

Acresce que, podendo qualquer sujeito passivo optar pela escolha de períodos tributários desfasados do ano civil, tal como a Requerente, não se vê como possa sustentar-se a violação do princípio da igualdade, nem tão pouco o da concorrência.

Pelo exposto, aplicando a jurisprudência uniformizadora mencionada ao caso em apreço, deve ser dado provimento ao pedido referente à declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, relativo ao IRC do exercício de 2014, ora impugnado, anulando-se parcialmente a autoliquidação, na parte que diz respeito à aplicação à matéria coletável de IRC da taxa de 23%.

 

III.2.2.   Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deve entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial).

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado pelo artigo 43.º, n.º 1 da LGT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, nos termos que aqui interessa:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º,

«a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

Neste caso, independentemente da ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

 

***

 

IV.          Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

a.            Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, relativo ao IRC do exercício de 2014, anulando o ato de indeferimento mencionado e, consequentemente,

b.            Anular o ato de autoliquidação do IRC, relativo ao exercício de 2014, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, na parte respeitante à diferença entre a aplicação da taxa de 23% à matéria coletável e da taxa de 21%;

c.            Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do montante de € 38 404,44, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento do imposto; e

d.            Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

1 Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09

2 Disponível em www.caad.org.pt

 

 

V.           Valor do Processo

 

VI.          Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa- se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de janeiro de 2022.

 

O Árbitro singular

Paulo Lourenço