Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 79/2021-T
Data da decisão: 2022-01-21  Selo  
Valor do pedido: € 320.878,47
Tema: IS – Instituição Financeira – SGPS – Verba 17
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SUMÁRIO:

 

I.             Nos termos da alínea e) do n.º 1 e n.º 7, ambos do artigo 7.º do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária;

II.            Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

III.          As SPGS que cinjam a sua atividade à gestão de participações puramente industriais não se encontram abrangidas pela isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, nem aquelas que não preencham os pressupostos para serem qualificadas como companhias financeiras, companhias financeiras de investimento ou companhias financeiras mistas;

IV.          Uma SGPS, como a Requerente, não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade;

V.           Não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento (UE) n.° 575/2013, que as SGPS's, como a Requerente, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de “instituição financeira”.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), João Pedro Rodrigues e Vasco Valdez (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

                1. A…, SGPS, S.A., preteritamente denominada de A…SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Avenida …, Lisboa, com o capital social de €5.000.000,00, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.os  1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral, com vista à apreciação da legalidade do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa relativo à ilegalidade de Imposto do Selo que lhe foi liquidado, nos termos da verba 17 da TGIS, na qualidade de terceiro repercutido, no período compreendido entre julho de 2015 e novembro de 2017, no valor global de € 320.878,47, pedindo a anulação dos atos tributários e o reembolso das quantias pagas, acrescido de juros indemnizatórios.

 

1.1.  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 8 de fevereiro de 2020.

1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como os signatários como árbitros, tendo as nomeações sido aceites dentro do prazo legal.

1.3. Notificadas as partes dessas designações, não manifestaram vontade de as recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 22 de junho de 2021.

1.5. Prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta e juntou o Processo Administrativo.

1.6. Tendo a Requerida invocado, na Resposta, matéria de exceção, determinou-se, por despacho de 17 de setembro de 2021, a notificação da Requerente para exercício do direito ao contraditório.

1.7. A Requerente respondeu por requerimento datado de 2 de outubro de 2021.

1.8. Na sequência, no dia 4 de outubro, foi lavrado despacho dispensando a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e notificaram-se as partes para produzirem alegações escritas.

1.9. A Requerente apresentou as suas alegações por requerimento datado de 18 de outubro de 2021, tendo a Requerida solicitado a junção das suas alegações por requerimento datado de 8 de novembro.

1.10. No dia 20 de dezembro de 2021, foi prorrogado o prazo previsto no artigo 21.º do RJAT, por dois meses, indicando-se como data-limite para a decisão o dia 22 de fevereiro de 2022.

 

2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

 

II. Fundamentação

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos Provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

4.1.1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais  - SGPS -, com sede em Portugal, prevista e regida pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (com as alterações subsequentes), que exerce uma atividade económica de forma apenas indireta.

4.1.2. A atividade económica é exercida de forma indireta, através da gestão de participações sociais, nas sociedades suas participadas. O papel da Requerente é de intermediação no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento das suas participadas.

4.1.3. No âmbito da atividade que desenvolve, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito.

4.1.4. A Requerente celebrou com o Banco B…, S.A., em 15 de julho de 2015, um contrato de abertura de crédito e, em 5 de fevereiro de 2016, um contrato de abertura crédito em regime de conta-corrente, os quais se dão aqui por reproduzidos.

4.1.5. A Requerente celebrou com o Banco C…, S.A., em 30 de julho de 2015, um contrato de abertura crédito em regime de conta-corrente e, em 6 de março de 2017, um outro contrato de abertura crédito em regime de conta-corrente, os quais se dão aqui por reproduzidos.

4.1.6. As instituições bancárias referidas supra têm sede em Portugal.

4.1.7. No âmbito dos contratos referidos em 4.1.4., foi liquidado pelo Banco B…, entre julho de 2015 e julho de 2017, o valor de total de € 178.568,94, a título de Imposto do Selo, tal como exposto no quadro seguinte:

 

4.1.8. O Banco B… repercutiu o encargo do Imposto do Selo na esfera da Requerente, que suportou integralmente o referido valor.

4.1.9. No âmbito dos contratos referidos em 4.1.5., foi liquidado pelo Banco C…, entre agosto de 2015 e novembro de 2017, o valor de total de € 142.309,53, a título de Imposto do Selo, tal como exposto no quadro seguinte:

 

 

4.1.10. O Banco C… repercutiu o encargo do Imposto do Selo na esfera da Requerente, que suportou integralmente o referido valor.

4.1.11. O Imposto do Selo repercutido na esfera da Requerente, pelas referidas entidades bancárias, referente aos períodos referidos totaliza o montante de € 320.878,47.

4.1.12. Em 15 de julho de 2019, a Requerente apresentou na Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições especiais um pedido de revisão oficiosa no qual requereu a anulação das liquidações de imposto do selo que constituíram seu encargo, por considerar verificada a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

4.1.13. Por ofício datado de 6 de novembro de 2020, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa n.º ….

 

4.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

4.3. Motivação da matéria de facto

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos e, bem assim, na alegação de factos cuja verificação não foi controvertida, questionada ou posta em causa, não existindo qualquer controvérsia relativamente à matéria de facto.

 

5. Matéria de Direito

5.1. Questão prévia

5.1.1. Da incompetência material relativamente a parte do objeto do Pedido por inidoneidade do meio processual

Na resposta, veio a Requerida suscitar a incompetência material, quanto “às liquidações de imposto do selo ocorridas após 30-03-2016,” porquanto, na decisão do pedido de revisão oficiosa foi considerado este meio inidóneo, “pelo que, quanto a estas liquidações, cujo valor perfaz € 37.270,14, considera-se precludido o direito da sua contestação na presente ação arbitral,”

Segundo a Requerida, foi, desde logo, rejeitada a apreciação da legalidade daqueles atos tributários de liquidação postos em crise com fundamento em intempestividade. E só por mera cautela, sem se prescindir, se analisou, de forma global, o mérito do pedido de revisão oficiosa.”

Conclui a Requerida “(…) não se pode deixar de considerar que na parte em que foi rejeitada a apreciação da legalidade de parte dos atos tributários de liquidação de IS estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, pelo que, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele.”

Socorrendo-se da decisão arbitral proferida no processo n.º 112/2015-T, alega a Requerida que “constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no artigo 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial” (cf. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).”

Assim sendo, “a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT.”

Em exercício do contraditório, veio o Requerente argumentar, em suma, citando a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 387/2019-T, que  “(…) à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um ato de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um ato de liquidação,  bastando que esse ato a comporte, o que, neste contexto, significa que no ato impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um ato de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão [sublinhado e destaque nosso].     

“Ora, no caso concreto, não subsistem dúvidas quanto ao facto de que a decisão de indeferimento proferida pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) comporta um juízo sobre a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo em causa, incluindo os posteriores a 30 de Março de 2016.”

“Ora, na Informação que acompanha a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a AT expressa muito claramente a sua apreciação quanto à legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo em causa quando refere que “10. (…) nenhuma das autoliquidações de imposto do selo aqui contestadas padece de qualquer vício que origine a sua anulação.”, sendo que, depois de dedicar cerca de 25 (!) parágrafos à análise da legalidade das liquidações de Imposto do Selo em causa (vejam-se os parágrafos 11. a 36. da referida Informação – cfr. Doc. n.º 4 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral), conclui no parágrafo 37 e seguintes que:

“a SGPS, ora Requerente, não se qualifica, face à legislação comunitária referida, como uma “instituição financeira”, não preenchendo, por esse motivo, o pressuposto subjetivo da isenção previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

38. Nesta decorrência, soçobrando o pressuposto subjetivo de que depende o preenchimento da isenção, consideramos prejudicada a apreciação dos restantes pontos invocados pela Requerente, uma vez que inexiste qualquer erro que possa ser imputado às liquidações de imposto do selo subjacentes ao presente pedido.”.  

 

Vejamos.

 

Importa realçar que, no caso em apreço, como refere a Requerente, as Partes estão de acordo quanto a não ser o processo de impugnação judicial o meio adequado para, nos tribunais tributários do CAAD, impugnar a decisão de indeferimento liminar de um pedido de revisão oficiosa.

Na verdade, tanto a jurisprudência como a doutrina defendem uniformemente que, em relação à  delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa,  a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD restringem o seu campo de aplicação ao processo de impugnação judicial e que apenas se insere nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes atos.

A questão que divide as partes está em saber se o caso em apreço cai nesta situação.

Afigura-se que assiste razão à Requerente quando defende que, “no caso concreto, não subsistem dúvidas quanto ao facto de que a decisão de indeferimento proferida pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) comporta um juízo sobre a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo em causa, incluindo os posteriores a 30 de Março de 2016.”

Analisado o processo instrutor verifica-se que no procedimento de inspeção foi proferida decisão final de indeferimento, em 05/11/2020, pela Subdiretora-geral, ao abrigo de Subdelegação de competências, com suporte na seguinte fundamentação:

 

 

No Processo instrutor termina-se, mais adiante, dizendo-se que “39. Como ficou demonstrado nos parágrafos anteriores as liquidações contestadas não padecem de qualquer vício, inexistindo, por esse motivo, qualquer fundamento que justifique a admissão do presente pedido de revisão, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º da LGT”.

Por sua vez, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi proferida por despacho da Subdirectora Geral, da Direcção de Serviços do IMT, de 05.11.2020, onde se dispõe que “Concordo. Com base nos fundamentos expostos na presente informação indefiro o pedido de revisão oficiosa.”, precedida pelo despacho da Directora de Serviços de 30.10.2020, nos seguintes termos: “Concordo. Com os fundamentos constantes da informação e nos termos propostos, submete-se à consideração o indeferimento do pedido de revisão oficiosa efetuado ao abrigo do art.º 78.º da LGT, com dispensa do exercício do direito de audição previsto no art.º 60.º do mesmo diploma legal, uma vez que a fundamentação que sustenta a proposta de decisão se baseia na interpretação das normas legais aplicáveis aos factos e argumentos aduzidos pela Requerente [al. a) do n.º 3 da Circular n.º 13/1999, de 08 de julho].”

“A que acresce o facto de que, no próprio ofício através do qual foi notificada à requerente a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a AT indicou como meio de reacção a “impugnação judicial no prazo de três meses” (cfr. Doc. n.º 4 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral).”

Em suma, no caso em apreço assiste razão à Requerente quando alega que “ estava em causa a legalidade do acto tributário de liquidação, sendo que a decisão do director distrital de finanças ao indeferir o pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.”

Termos em que improcede a alegada exceção.

 

 

5.1.2. Incompetência material e intempestividades para a impugnação direta de parte dos atos de liquidação

 

Nesta sede, argumenta a Requerida que “Admitindo-se que o objeto mediato do pedido é constituído, inquestionavelmente, pelos atos de autoliquidação identificados no ppa (porquanto não foram praticados pela AT); “ter-se-á, então, de concluir, que o conhecimento direto da legalidade de tais questões pelo presente Tribunal se lhe mostra vedado face ao disposto no artigo 2.º do RJAT e do artigo 2°, da citada Portaria n° 112-A/2011, isto é, a possibilidade de apreciar dos atos de autoliquidação objeto da matéria de exceção, sem que tenha existido prévio " (...) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131° a 133°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (...)".

Pelo que, também por este motivo, é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir desta parte do pedido objeto do litígio aqui em causa nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Finalmente, alega a Requerida a intempestividade do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações posteriores a 31.03.2016, após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, segundo a redação dada pelo artigo 215.º, alínea h), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. 

Argumenta, por sua vez, a Requerente que, ao “não proceder a excepção de incompetência material por inidoneidade do meio processual invocada pela AT na sua Resposta quanto aos actos de liquidação de Imposto do Selo posteriores a 30 de Março de 2016, carecendo consequentemente, de fundamento as demais excepções também invocadas pela AT, de intempestividade directa para a impugnação directa dos referidos actos de liquidação de Imposto do Selo e, bem assim, de inimpugnabilidade desta parte dos actos de liquidação de Imposto do Selo, sob pena de violação do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT e, bem assim, dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição (princípio da tutela jurisdicional efectiva). 

Não obstante se concordar com a Requerente, sempre se sublinhará que, tal como referido na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 559/2020-T, “Constitui doutrina e jurisprudência assente que excluir da jurisdição arbitral o pedido em análise apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.

“Com efeito, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade. Mas essa função é perfeitamente suprida através do pedido de revisão oficiosa ou o uso de outro meio.

“É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”  

Em suma, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação. Neste sentido, ver as Decisões Arbitrais proferidas, entre outros, nos processos n.ºs 143/2015-T; 577/2016-T; e 408/2019-T. O fundamental é proporcionar à Requerida a oportunidade de reapreciar a questão, como aconteceu no caso, através de reclamação graciosa que foi indeferida.

Por outro lado, quanto ao prazo de recurso à via da revisão oficiosa, constitui, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento. O pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação. Neste sentido, ver entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 577/2016-T, n.º 668/2016-T e 333/2018-T e, mais recentemente, n.º 45/2020-T.

Finalmente, quanto à inexistência de erro imputável aos serviços, recorde-se que constitui igualmente jurisprudência assente que “existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei” (neste sentido, cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T). Reafirmando-se que, ao analisar o pedido de revisão oficiosa, a Requerida não tem apenas a possibilidade, mas até o dever de corrigir a situação.

Nesses termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e o pedido de revisão oficiosa dado entrada no prazo de quatro anos após a liquidação, não se verifica a pretendida intempestividade desse pedido.

Termos em que improcede a matéria de exceção suscitada pela Requerida.

 

5.2.  Ilegalidades alegadas

 

Como vimos, está em causa apreciar a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa supra identificado, quer as autoliquidações de Imposto do Selo repercutido na Requerente, ora impugnadas, relativas a operações de crédito com o B… e o C… e referentes aos períodos de Julho de 2015 a Novembro de 2017, Imposto do Selo este no montante total de € 320.878,47, por vício material de violação de lei.

Em suma, de acordo com a Requerente, os referidos atos serão ilegais, designadamente, por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, e por inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - Estado de Direito – e 13.º da Constituição da República Portuguesa).

A questão de mérito que está em causa gira em torno de saber se a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integra, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”  .

Assim recortada a questão verifica-se que a mesma já foi objeto de decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 37/2020-T, 559/2020-T, 62/2021-T, 92/2021-T e, e mais recentemente, 170/2021-T, cuja jurisprudência, por continuar a merecer o nosso acolhimento, passamos a seguir muito de perto.

 

A. Da ilegalidade por violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS

No caso em apreço, está em causa a aplicação da isenção constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que prevê que são isentos do respetivo imposto “[o]s juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”. Sendo de referir que, de acordo com o n.º 7 do referido normativo “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

A Requerente entende que, ao abrigo norma de isenção prevista pela alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, enquanto sociedade gestora de participações sociais, qualifica como “instituição financeira” para efeitos da legislação comunitária, enquadrando-se na definição constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22 da Diretiva n.º 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26 do Regulamento n.º 575/2013.

Em sentido diverso, a Requerida considera que “a Requerente não preenche o elemento subjetivo da isenção previsto para o mutuário no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, por não se subsumir no conceito de “Instituição financeira” utilizado no quadro dos atos legislativos da União Europeia aplicáveis” (cfr. ponto 39 das Alegações da Requerida).

 

A.1. Da isenção de IS prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS

A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Estão em causa situações contempladas na verba 17 da Tabela Geral de IS, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia (UE) ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

A questão do sentido e alcance deste preceito ficou tratada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, em termos tais que, por continuarem a merecer a nossa adesão, passamos a transcrever:

“Em linha com a jurisprudência afirmada no processo n.º 348/2016-T, do CAAD, pode concluir-se que a alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

a.            uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";

b.            a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:

a.            "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";

b.            “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais[2], mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto, no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência, percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

a.            o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

b.            o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento”.

 

 

A.2. - Quanto a saber se a Requerente preenche o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS

 Nesta sede, a questão central gira em torno de averiguar se a Requerente, pelo simples facto de ter como objeto social a gestão de participações sociais, cabe na definição de instituição financeira, cujo conceito é delimitado por remissão para os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.

Esta questão também já foi analisada, primeiro, na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 856/2019-T e, posteriormente, de forma mais desenvolvida, nos processos n.ºs 37/2020-T, 559/2020-T, 62/2021-T, 92/2021-T e 170/2021-T, que passamos a reproduzir, para os devidos e legais efeitos:

“Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”

“Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União.

Nos termos e para os efeitos do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”(artigo 4.º, n.º1, ponto 26): “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE[3], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”           

1.     No ponto 27) do artigo 4.º Regulamento (UE) n.º 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende:

a.            Uma instituição;

b.            Uma instituição financeira;

c.            Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição;

d.            Uma empresa de seguros;

e.            Uma empresa de seguros de um país terceiro;

f.             Uma empresa de resseguros;

g.            Uma empresa de resseguros de um país terceiro;

h.            Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros;

i.             (…)”.

 Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4.º , n.º1,  3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE).[4]

Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, a seguir tão só “Regulamento”.

Com efeito, o que o intérprete não pode deixar de ter em vista, na interpretação de qualquer conceito ou definição, é o objeto dos diplomas mencionados. Ora, o “Regulamento” é muito claro ao estatuir que o mesmo visa estabelecer” regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2014/36/UE cumprem…(…)” (artigo 1.º do “Regulamento), bem como a estabelecer que “Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.”

Por sua vez, no Considerando (5) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, podemos ler:

“Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (a seguir conjuntamente designadas por “instituições”. Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva.”

Por sua vez, no Considerando (6), lê-se:

“A Diretiva 2013/36/UE, baseada no artigo 53.º, n.º1, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE), deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes do Estados -Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições.” 

Destaca-se, ainda, o Considerando (7) que refere:”

“O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionadas com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. O presente regulamento visa contribuir de forma determinada para o bom funcionamento do mercado interno (…)”.

“Mais impressivo são, ainda, como vimos, os preceitos referentes ao estabelecimento de regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais, bem como os poderes de supervisão estabelecidos na Diretiva 2013/36/UE.

“Do exposto resulta que as entidades abrangidas pelos diplomas comunitários mencionados se encontram sujeitas a um regime especial, com vista a garantir, atenta a natureza da sua atividade, com potencial gerador de risco sistémico, a estabilidade financeira do mercado bancário e dos mercados dos serviços financeiros, assim como proteger os investidores e depositantes.” (…)”. Daí que essa atividade se encontre reservada às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão – cfr. Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu (BCE) atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.º 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).

“Significa isto que o exercício desta atividade é apenas permitido a entidades que foram objeto de um processo de autorização ou habilitação (este, no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia), realizado junto do Banco de Portugal, no quadro do MUS. No âmbito deste processo, é assegurada a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira. Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime”.

 

Ora, no quadro exposto, não oferece dúvidas que, se tivermos por referência os sujeitos passivos mutuantes em causa ( B… e C…), os mesmos preenchem o conceito de instituição financeira, sendo que, no caso das instituições de crédito portuguesas, são qualificadas como bancos. Conforme resulta da alínea w) do artigo 2.º-A e artigo 4.º, ambos do RGICSF, são definidas como instituições de crédito, os bancos, as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei.

Diferentemente se passam as coisas em relação à Requerente, uma vez que, além de não constar do elenco estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, ponto 27) do Regulamento n.º 575/2013, não cabe no conceito de instituição financeira previsto no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), nem desenvolve quaisquer atividades das enumeradas no anexo I, pontos 2 a 15 da Diretiva 2013/36/UE, que relevem do sector bancário ou financeiro, que compreende, além do bancário, os setores dos seguros e dos valores mobiliários.

Acresce que estão sujeitas a um regime jurídico completamente diferente das entidades mutuantes. Com efeito, a Requerente, como fixado na matéria de facto dada como provada, é uma sociedade gestora de participações sociais, nos termos do Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS), previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (com as alterações subsequentes). Em concreto, no caso da Requerente, a sua atividade tem como objeto “a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de atividade económica”, a qual se traduz no CAE principal 64202 – “Atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras” (cfr. Documentos n.os 7 e 8 do Pedido de Pronúncia Arbitral). Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Regime Jurídico das SGPS, estas "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, corno forma indireta de exercício de atividades económicas", não se referindo a qualquer atividade bancária e financeira que as qualifique como instituições financeiras.

Quanto à forma de constituição das SGPS, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS, nos termos dos artigos 9.º e 10.º do Regime Jurídico das SGPS.

Assim, a criação das SGPS não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

No quadro exposto, impõe-se concluir que, para aplicação da isenção em sentido subjetivo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, não basta estarmos perante uma entidade que se dedique à tomada e gestão de participações noutras sociedades. É preciso atender ao tipo de atividade e à natureza dessas participações. Apenas cabem no conceito europeu de instituição financeira as entidades enumeradas no artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 [artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE, ponto 26)].

Assim sendo, a Requerente não cabe no conceito de instituição financeira – nem sequer numa interpretação lato sensu –, não consta daquela enumeração, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade. Ou sujeitas a autorização ou registo de outra entidade reguladora do sector financeiro como, por exemplo, a CMVM.

 

No sentido exposto, João Pedro Castro Mendes pondera que “Ao remeter para o conceito de instituição financeira, o legislador português remete para o conceito previsto “na legislação comunitária”, ou seja, no Direito da União Europeia.

“Considera-se que, atualmente, esta remissão deve ser entendida para a definição constante do CRR, tal como alterada pelo CRR II, dado que a mesma surge ao lado de remissões para os conceitos de instituição de crédito e de sociedade financeira, bem “como no contexto da realização de operações de crédito.

Conforme visto supra, o legislador europeu atribui às instituições financeiras as seguintes características:

•             São empresas;

•             A sua atividade principal consiste na aquisição de participações ou no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da C;

•             São entidades do setor financeiro.

“Por outro lado, com destaque particularmente relevante para o presente artigo, o legislador europeu refere expressamente que são instituições financeiras:

•             As companhias financeiras, que são instituições financeiras cujas filiais são exclusiva ou principalmente instituições de crédito ou instituições financeiras, e que não sejam companhias financeiras mista;

•             As companhias financeiras mistas, que são empresas-mãe de um conglomerado financeiro;

•             As companhias financeiras de investimento, que são instituições financeiras cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma dessas filiais uma empresa de investimento, e que não seja uma companhia financeira.

“Cumpra ainda relembrar que o legislador europeu expressamente exclui do âmbito do conceito de instituição financeira as sociedades gestoras de participações puramente industriais. (…)

“ Atendendo ao supra exposto, considera-se que as SGPS podem integrar o conceito de instituição financeira, para efeitos da al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, quando integrem preencham os requisitos necessários para integrarem os conceitos de companhia financeira, companhia financeira mista ou companhia financeira de investimento.

Ficam automaticamente excluídas as SGPS que giram participações puramente industriais.”  (cfr.“O conceito de “instituição financeira”, o conceito de “sociedade gestora de participações sociais” e a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo”, in Cadernos Jurídicos 4, 2021, Banco de Portugal – https://www.bportugal.pt), pp 94 ss., a seguir tão só designado por “estudos” ou ” Conceito de instituição financeira”.   

 

Termos em que improcede a argumentação da Requerente.

 

Sem prejuízo, do exposto,

 

A.3.  Analisemos mais de perto outros argumentos da Requerente.

A Requerente invoca a seu favor jurisprudência do CAAD, designadamente, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 911/2019-T e a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 819/2019-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como lhe sendo aplicável. Porém, os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente as normas aplicáveis, ao concluírem no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º 1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, porque não encontra guarida nos normativos nacionais aplicáveis. Na realidade, a remissão que é feita naquelas decisões arbitrais para a Diretiva n.º 2013/36/UE e para o Regulamento n.º 575/2013 desconsidera por completo que aqueles instrumentos normativos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que não podem abranger (nem abrangem) SGPS como a Requerente.

Por outro lado, para justificar a qualificação da Requerente como instituição financeira, invoca-se igualmente a definição de “participação” constante entre as definições do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 (ponto 35) do artigo 4.º, n.º 1 ). Pretender extrair do simples facto de a Requerente deter participações noutras sociedades e se dedicar à gestão dessas participações, que se subsume no conceito de instituição financeira, afigura-se uma interpretação sem o mínimo de sustentação, quer na letra, quer na teleologia dos normativos de direito da UE atrás referenciados. Afigura-se mesmo destituído de qualquer fundamento pretender extrapolar da definição de “participação”, que a mesma sirva, só por si, para delimitar o conceito de “instituição financeira”. Esquece-se, desde logo, que as definições desempenham uma função instrumental à interpretação e aplicação do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, com vista a tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se, repete-se, às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista (cfr. artigo 4.º, pontos 20) e 21) do Regulamento n.º 575/2013).

 

Argumenta, ainda, a Requerente que, por referência à categoria de “sociedades gestoras de participações”, a norma comunitária (artigo 4.º, n.º1, parágrafo 26), do Regulamento EU n.º 575/2013), “apenas exclui do conceito de instituições financeiras as seguintes sociedades gestoras de participações: as sociedades gestoras de participações   no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”  ( artigo 62.º e 63º do Pedido), sendo que a Requerente “não cai na exclusão desse conceito de que padecem as sociedades gestoras de participações que controlam ou dominem uma (ou mais) empresas  de seguro ou de resseguro (cfr. artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g) da Diretiva 2009/138/CE)”” ( artigo 71.º do Pedido). Conclui a Requerente que, por conseguinte, preenche “o requisito subjectivo da isenção previsto para o mutuário na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo” (cfr. artigo 72.º do Pedido ).

Na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente sociedades gestoras de participações do sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras, desde que se dediquem à gestão de participações sociais, integram o conceito de instituição financeira. Ora, mais uma vez, como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, “esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito”.  O que não é o caso da Requerente, como ficou demonstrado.

As definições constantes do Regulamento n.º 575/2013 não deverão ser interpretadas oportunisticamente, sendo que qualquer âmbito de exclusão de uma definição, por mais literal que seja, não poderá, por si só, determinar, a contrario, um âmbito de aplicação que não tem colhimento no âmbito do próprio Regulamento, o qual estabelece os “requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionados com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes” (considerando 7 do Regulamento).

Com efeito, a mera exclusão literal das “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, pontos f) e g), respetivamente, da Diretiva 2009/138/CE” na definição de "instituição financeira", por si só, não poderá implicar a extrapolação de que todas as demais sociedades gestoras de participações são necessariamente instituições financeiras, extrapolação essa que ignora o âmbito de aplicação do Regulamento acima referido.

Ora, se atentarmos à própria organização sistemática das definições, constantes no artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, percebemos que o conceito de “instituição financeira” (cfr. ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento) integra o conceito “entidade do sector financeiro” (cfr. com a alínea a) do ponto 27) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento), conceito este que igualmente inclui as “sociedade[s] gestora[s] de participações no setor dos seguros, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto f), da Diretiva 2009/138/CE”. Pelo que se poderá concluir, precisamente através de uma interpretação sistemática, que, sendo a instituição financeira uma entidade do setor financeiro, esta nunca poderá integrar empresas cuja atividade principal seja a aquisição de participações de entidades excluídas do setor financeiro. Neste sentido se conclui que caberá no conceito de instituição financeira, previsto no ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor financeiro. Só assim faz sentido a exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e sociedades gestoras de participações de seguros mistas, uma vez que as mesmas, pela sua natureza, seriam sempre qualificadas como entidades do sector financeiro, sendo que na ausência de uma expressa exclusão, as mesmas, implicitamente, qualificariam como instituições financeiras. E, na verdade, não o deixam de o ser, não para efeitos do Regulamento n.º 575/2013 e da Diretiva 2013//36/UE, mas antes para efeitos do regime de supervisão prudencial das empresas de seguros e resseguros que fazem parte de um grupo, previsto no Título III da Diretiva 2009/138/CE, de acordo com a qual qualificam como “[i]nstituição financeira” as “[e]mpresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 212.º” (cfr. alínea b) do n.º 25 do artigo 13.º da referida Diretiva 2009/138/CE).

Neste sentido, vai também as alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 2019/876 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio (Regulamento n.º 2019/876), ao ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 que, em consequência, passou a dispor que: “uma empresa que não seja uma instituição nem uma sociedade gestora de participações no setor puramente industrial, cuja atividade principal seja a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas (…)”.

Sem prejuízo de à data dos atos tributários de liquidação impugnados a redação acima referida do ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013 não se encontrar sequer em vigor, a mesma não deixa de reforçar precisamente a necessidade de o legislador clarificar que a definição de “instituição financeira” deverá apenas abarcar as sociedades gestoras de participações no setor financeiro, sendo excluídas as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial. De notar que, para efeitos da aplicação do ponto 26 do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013, foram remetidas à Autoridade Bancária Europeia dúvidas interpretativas sobre o significado de “sociedade gestora de participações no setor puramente industrial", sendo certo que estas respeitam inequivocamente a participações no setor não financeiro (pois a expressão industrial serve para ilustrar o setor não financeiro, por contraposição ao setor financeiro). Com efeito, as dúvidas em causa respeitam à determinação da extensão do caráter “puramente” não financeiro das participações sociais e não quanto ao facto de as mesmas poderem ou não respeitar a um qualquer outro setor de atividade não financeiro que não fosse o setor industrial (cfr.https://www.eba.europa.eu/single-rule-book-qa/qna/view/publicId/2021_5798). No mesmo sentido, pode ler-se no estudo  “Conceito de “instituição financeira”, cit. pp. 87 ss, supramencionado, que “mesmo à luz da versão originária da definição, a melhor interpretação já seria a de considerar que estas entidades se encontravam excluídas da definição de instituição financeira. O legislador europeu apenas veio confirmar esse entendimento tornando-o expresso. Mas o mesmo já decorria do regime vigente logo a partir da entrada em vigor do CRR, tendo em atenção, deste logo, a teleologia da norma, e a sua articulação sistemática com outras normas do CRR e da Diretiva (UE) 36/2013/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (“CRD IV”), que foi alterada, entretanto, pela Diretiva (UE) 2019/878, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 (“CRD V”) .

Uma determinada empresa preencher a definição de instituição financeira constitui o pressuposto subjetivo de aplicação de certos regimes previstos no CRR e CRD IV, de cariz prudencial. A definição não existe isolada desses regimes, devendo ser lida de forma integrada com os mesmos, à luz das preocupações que lhes deram origem.

O regime aplicável às instituições financeiras por força da CRD IV, na versão alterada pela CRD V, inclui, por exemplo:

•             Disposições relativas à cooperação entre autoridades responsáveis pela supervisão prudencial, dentro do mesmo Estado-Membro (cf. artigo 5.º da CRD);

•             Regime de aprovação pelo supervisor prudencial de companhias financeiras e companhias financeiras mistas (cf. artigo 21-A da CRD IV);

•             Controlo prudencial no domínio da liberdade de estabelecimento e liberdade de prestações de serviços (cf. artigo 34 da CRD IV);

•             Trocas de informações (cf., p. ex., artigos 48, 56, 57, 59 ou 124) ou um regime relativo à aprovação de companhias financeiras e companhias financeiras mistas (cf. artigo 21-A da CRD IV).

Subjacente à aplicabilidade destes regimes encontram-se sempre preocupações prudenciais, relativas ao exercício indireto de atividades no setor bancário e financeiro, derivadas de uma relação estabelecida entre a holding e uma instituição de crédito.”

 

Face ao exposto, não pode proceder a argumentação da Requerente de que preenche o conceito de instituição financeira à luz da legislação primária europeia mencionada.

 

Finalmente, como também se pode ler na Decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).

 

Em suma, remete-se para Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 37/2020-T, com base na qual “[e]m síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

Assim sendo, tal como se conclui na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 586/2019-T, não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

a)            Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

b)           Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's como a Requerente integram o conceito de "instituição financeira".”

                Ora, esta conclusão é perfeitamente transponível para o caso em análise.

 

B – Quanto ao alegado comportamento arbitrário da Requerida

                Por fim, quanto ao argumento de uma alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os Fundos de Capital de Risco (FCR) e as Sociedades de Capital de Risco (SCR)  – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, afigura-se assistir razão à Requerida quando argumenta que não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal daquelas entidades, tanto no plano nacional como europeu, são distintos.

Não há, por conseguinte, qualquer arbitrariedade por parte da Requerida, uma vez que não há preceito a consagrar as sociedades gestoras de participações sociais, como a Requerente, como instituição financeira. 

 

 

C.  Quanto às questões de inconstitucionalidade

Invoca, ainda, a Requerente (artigo 100.º e ss do Pedido) que a orientação da Requerida ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei.

E não é qualquer legislador, porquanto as leis nestas matérias de impostos e benefícios fiscais estão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República.

Seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez.

E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redação em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).

Não assiste à Requerente qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas. Como ficou demonstrado, nas Decisões arbitrais mencionadas (proferidas nos processos n.ºs 37/2020-T, 559/2020-T e 170/2021-T) “o resultado interpretativo a que se chegou, além de resultar da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico, corresponde a uma interpretação em conformidade com outras normas e princípios constitucionais, desde logo, o artigo 103.º, n.º2, da CRP.

“Pelo contrário, a acolher-se a tese das Requerentes, no sentido de poderem ser classificadas como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

“Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando a mesma, pela sua natureza e atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, a que estão sujeitas as entidades submetidas à Diretiva e ao "Regulamento". Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro”.

 

No mesmo sentido da não inconstitucionalidade da al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, por eventual violação do princípio da igualdade, por a mesma não abranger todas as SGPS no seu âmbito subjetivo, pode ler-se no “estudo” atrás mencionado :

“Importa começar por relembrar que, conforme referido supra, as SGPS não são, per se, entidades que integram o setor financeiro. A sua atividade canalização e distribuição de recursos, e as outras atividades por si desenvolvidas, não se destinam ao público em geral, mas sim a um conjunto específico e restrito de sociedades participadas, com as quais a SGPS mantém um elevado grau de proximidade, numa lógica de grupo económico.

Por outro lado, o objetivo visado pela isenção é o de desonerar o setor financeiro. Assim, parece um critério objetivo e fundamentado que, para beneficiar dessa isenção, seja necessário participar no setor financeiro. Ora, uma SGPS que não tenha qualquer participação no setor financeiro não se encontra em situação de igualdade com empresas desse setor, não desenvolvendo qualquer atividade, ainda que a título indireto, no setor financeiro.

Por outro lado, uma SGPS cuja intervenção indireta no setor financeiro não atinja um ascendente do ponto de vista das suas filiais, também se encontra numa situação diferente da SGPS em que este ascendente exista. Não parece uma distinção arbitrária, do ponto de vista da aplicação subjetiva da isenção, que a isenção se aplique às SGPS cuja atividade se centre em exclusivo ou principalmente em gerir participações no setor bancário, e já não às SGPS em que essa situação não ocorra. Estas últimas não atingem um grau de conexão entre a sua atividade e o setor financeiro que justifique a isenção, à luz das finalidades da mesma.”

Assim, atendendo ao supra exposto, a al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não parece inconstitucionalidade, do ponto de vista de uma eventual violação do princípio da igualdade (previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) (cfr. “Conceito de “Instituição financeira”, cit, p. 90).

 

D. Conclusões:

Conclui-se no mencionado estudo, entre o mais, que :

A)           As SGPS gerem participações sociais, como forma de exercício indireto de uma determinada atividade económica, visando promover, através da centralização, uma maior eficiência na captação e distribuição de recursos entre as suas participadas, numa lógica de grupo económico;

B)           Esta atividade não é equiparável à atividade bancária e financeira, que consiste na prestação de bens e serviços bancários e financeiros ao público, de forma regular e consistente, enquanto parte integrante do setor financeiro;

C)           As SGPS não integram, per se, o setor financeiro; apenas integram o setor financeiro se a sua atividade se centrar exclusiva ou principalmente na gestão de participações em sociedades que integram o setor financeiro;

D)           De acordo com a definição constante do artigo 4(1)(26) do CRR, as instituições financeiras são empresas cuja atividade principal consiste na aquisição de participações ou no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da C, incluindo as companhias financeiras, as companhias financeiras de investimento e as companhias financeiras mistas, além de outras entidades, que não sejam instituições de crédito, sociedades gestoras de participações puramente industriais, sociedades gestoras de participações no setor dos seguros ou sociedades gestoras de participações no setor dos seguros mistas;

E)            O objetivo do legislador com a isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do IS visa desonerar o setor financeiro no contexto da aplicação do IS;

F)            A al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS remete para o conceito de instituição financeira previsto no CRR, e apenas as SGPS que integrem esse conceito são abrangidas pela isenção, ou seja, aquelas que preencham os conceitos de companhia financeira, companhia financeira de investimento ou companhia financeira mista;

G)           As SPGS que cinjam a sua atividade à gestão de participações puramente industriais não se encontram abrangidas pela isenção prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, nem aquelas que não preencham os pressupostos para serem qualificadas como companhias financeiras, companhias financeiras de investimento ou companhias financeiras mistas;

H)           Não parece existir inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, por o legislador fazer uma distinção entre quais as SPGS abrangidas pela isenção prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, dado que essa distinção não é arbitrária, assentando, ao invés, na diferença ligação entre as SGPS em causa e o setor financeiro.

 

5.3. Questões de conhecimento prejudicado

Improcedendo o pedido principal e o subsidiário improcede, em consequência, o pedido de reembolso e de juros indemnizatórios.

 

III. Decisão

 

6. Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

a.            Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Requerida;

b.            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral (principal e subsidiário), com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da decisão de revisão oficiosa;

c.            Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

7. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 320.878,47, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

8. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5 508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, de 20 de Janeiro de 2022

 

Fernanda Maçãs (árbitro presidente)

João Pedro Rodrigues (árbitro vogal)

Vasco Valdez (árbitro vogal)