Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 778/2020-T
Data da decisão: 2022-01-20  IRS  
Valor do pedido: € 27.738,01
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Dra. Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral singular, profere a seguinte decisão arbitral:

 

1.            Relatório

 

No dia 22-12-2020, A..., Requerente, com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...-... Santa Maria da Feira, Aveiro, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) (RJAT).

 

Tendo sido notificado do despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária e Contencioso da Direção de Finanças de ..., no sentido do indeferimento do procedimento de reclamação graciosa autuado sob o n.º ...2020... e incidente sobre a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020 ..., de 17-01-2020, e demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., de 22-01-2020, no montante total de € 27.783,01, que inclui juros compensatórios de € 1.689,96, com data limite de pagamento no dia 02-03-2020, apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral contra tal liquidação e decisão.

O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em  23-12-2020 e notificado à Requerida na mesma data, não tendo o Requerente expressamente procedido à nomeação de árbitro.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foi designada, em 03-05-2021, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a árbitra Dra. Adelaide Moura, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

 

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 21-05-2021, de harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

Em 24-05-2021 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

 

Em 26-06-2021 foi apresentada a resposta pela Requerida, vindo o Tribunal em 02-07-2021 a proferir despacho a questionar o Requerente se, face às posições das partes assumidas nos articulados, mantinha interesse na inquirição da testemunha por si arrolada, ou se prescindia da mesma, indicando, se aplicável, quais os concretos pontos do requerimento inicial objeto daquele tipo de prova, no prazo de 10 dias.

 

Atenta a ausência de impulso do Requerente, foi proferido novo despacho pelo Tribunal, em 14-09-2021, de dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, atendendo tratar-se de processo sem trâmites diferentes dos normalmente seguidos no CAAD, e não haver exceções ou questões prévias a decidir, concedendo-se um prazo sucessivo de alegações escritas de 10 dias para cada Parte, devendo o Requerente fazer prova do pagamento da taxa arbitral subsequente, de acordo com o disposto no Regulamento de Custas.

 

O Requerente produziu as suas alegações escritas em 28-09-2021, mantendo o seu ponto de vista que procurou clarificar e reforçar. A Requerida não submeteu alegações a considerar pelo Tribunal.

 

Por despacho de 11-11-2021, o Tribunal Arbitral, prorrogando o prazo da arbitragem, transferiu a prolação de decisão para dia não posterior a 21-01-2022.

 

2.            Das posições das Partes

 

Da posição do Requerente:

 

2.1.        Para efeitos de liquidação do imposto devido por mais-valia imobiliária relativa à venda de imóvel construído pelo próprio Requerente deve ser considerado o valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados.

 

2.2.        Isto porque o valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, tem-se como superior ao valor patrimonial alegadamente inscrito na matriz.

 

2.3.        Para o efeito, o Requerente considera o valor de aquisição do terreno, equivalente a

€ 7.481,96, e despesas com a construção do imóvel, na ordem dos € 141.644,25, constantes de faturas, guias de remessa, vendas a dinheiros, cheques, orçamentos, cujos documentos o Requerente configura como admissíveis e suficientes.

 

2.4.        O Requerente entende, assim, que o valor a atender pela administração fiscal, para apuramento do imposto a liquidar pela mais-valia imobiliária em causa, totaliza

€ 149.126,21.

 

2.5.        Sendo que o Requerente discorda do valor patrimonial inscrito na matriz, alegando não ter sido notificado do mesmo e, por conseguinte, desconhecê-lo.

 

2.6.        Consequentemente, invoca razões de natureza formal e substancial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa do Requerente e contra o ato tributário controvertido, designadamente a preterição de formalidades essenciais por ausência de fundamentação substantiva, a ilegal inversão do ónus da prova, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a violação da lei substantiva por aplicação errónea de critério supletivo, e a inexistência do facto tributário.

 

2.7.        Concluindo pela ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e pela ilegalidade do ato tributário impugnado, por alegada violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, peticionando a procedência do pedido formulado, com a consequente anulação da liquidação suprarreferida.

 

Da posição da Requerida:

 

2.8.        O valor a considerar para efeitos de liquidação do imposto corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz, que ascende a € 87.075,00.

 

2.9.        O valor patrimonial em causa foi inscrito na respetiva matriz em 2003, após avaliação efetuada nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), a qual não foi contestada pelo Requerente.

 

2.10.      A posterior avaliação ocorrida em 2012, no âmbito da avaliação geral da propriedade urbana, atribuiu ao imóvel o valor patrimonial de € 184.390,00, sendo irrelevante para a liquidação do imposto em causa.

 

2.11.      Para efeitos do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, os custos de construção devem ser devidamente comprovados por faturas/recibos.

 

2.12.      Os custos de construção que a Requerida entende estarem devidamente comprovados pelo Requerente totalizam apenas € 42.675,20, o que a somar ao valor do terreno de

€ 7.481,96, iguala a € 50.157,16.

 

2.13.      Quantia essa que é inferior ao valor patrimonial de € 87.075,00 inscrito na matriz do imóvel.

 

2.14.      Com efeito, considerando ter aplicado o correto critério supletivo, a Requerida conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação e o ato de indeferimento da reclamação graciosa, e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

 

3.            Saneamento

 

3.1.        O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 do RJAT.

 

3.2.        As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

3.3.        O processo não enferma de nulidades.

 

3.4.        Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

4.            Matéria de facto

 

4.1.        Factos provados

 

a)            Em 16-06-1990, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de ..., o Requerente adquiriu, no estado de solteiro, um terreno destinado a construção urbana, sito no ..., freguesia da ..., concelho de Vila Nova de Gaia, à data omisso na matriz e descrito no registo predial sob o n.º ... (cf. Doc. 5 junto pelo Requerente);

 

b)           Da participação para inscrição do prédio na matriz, em 13-06-1994, resultou a identificação do mesmo sob o n.º ..., com o valor de € 18.106,36 (cf. Doc. 6 junto pelo Requerente);

 

c)            No terreno em causa foi edificada construção destinada a habitação própria permanente, licenciada pelo alvará de construção n.º ..., de 03-04-1995 (cf. Doc. 7 junto pelo Requerente);

 

d)           A referida construção foi concluída e sujeita a vistoria, da qual resultou a emissão de alvará de licença de habitação n.º .../98, de 29-10-1998, emitida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (cf. Doc. 8 junto pelo Requerente);

 

e)           O Requerente incorreu nos seguintes custos de construção, aceites pela Requerida:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

f)            O Requerente incorreu também no(s) seguinte(s) custo(s) de construção: 500.000,00 escudos, relativos a serviços de serralharia prestados por I... (Cf. Orçamento n.º 84 de 30-05-1996 e cheques constantes no Doc. 11 junto pelo Requerente).

 

g)            Relativamente ao imóvel sito na entretanto denominada Rua ..., n.º ..., ...-... Madalena, o Requerente solicitou a respetiva inscrição na matriz, através do preenchimento e entrega do modelo 129, em 27-12-2002, declarando o valor patrimonial de € 150.000,00 (cf. Doc. 9 junto pelo Requerente);

 

h)           Em 13-01-2003, o Requerente apresentou requerimento para atualização do teor do registo predial junto da Conservatória de Registo Predial de ..., indicando como valor de construção € 150.000,00 (cf. Doc. 10 junto pelo Requerente);

 

i)             Do requerimento de inscrição na matriz (modelo 129) resultou a atribuição do artigo da matriz n.º ... e a consequente primeira avaliação do bem imóvel (cf. Processo Administrativo);

 

j)             A primeira avaliação do bem imóvel conduziu à atribuição do valor patrimonial de

€ 87.075,00 ao bem em causa (cf. Processo Administrativo);

 

k)            A notificação da primeira avaliação do prédio urbano foi efetuada através do ofício n.º ..., de 15-01-2004, do Serviço de Finanças de ..., remetido com aviso de receção para a morada do imóvel (cf. Processo Administrativo);

 

l)             O aviso de receção foi devolvido ao referido Serviço de Finanças devidamente assinado, com data de receção de 20-01-2014 (cf. Processo Administrativo);

 

m)          O Requerente notificado não se pronunciou, nem solicitou a realização de segunda avaliação do imóvel;

 

n)           Em 16-06-2017, o Requerente vendeu o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., freguesia da ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com artigo matricial n.º ... e descrição predial n.º ..., pelo valor de € 270.000,00 (cf. Doc. 16 junto pelo Requerente);

 

o)           Em 01-06-2018, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2017, acompanhada dos Anexos A e G, constando do Anexo G a alienação onerosa do imóvel em causa, sendo indicado o valor de realização de € 270.000,00, o valor de aquisição de € 186.233,90 e despesas e encargos de € 44.110,78 (cf. Processo Administrativo);

 

p)           A declaração deu origem ao processo de divergências n.º ..., com o código D39 – Alienação de Imóveis, por necessidade de comprovação dos montantes declarados no quadro 4 do referido Anexo G;

 

q)           No referido processo a Autoridade Tributária determinou que o valor de aquisição era de € 87.075,00 e o montante das despesas e encargos era de € 14.073,20;

 

r)            Do correspondente projeto de decisão foi o Requerente notificado através do ofício n.º ..., registado com aviso de receção, e rececionado pelo Requerente em 02-12-2019;

 

s)            O Requerente não exerceu audição prévia, tendo-se prosseguido com elaboração de Documento Único de Correção, corrigindo o valor de aquisição para € 87.075,00 e o valor das despesas e encargos para € 14.073,20 (cf. Processo Administrativo);

 

t)            O Requerente foi notificado da decisão através do ofício n.º ..., de 03-01-2020, registado com aviso de receção, e rececionado a 14-01-2020 pelo sujeito passivo (cf. Processo Administrativo);

 

u)           Por força da correção foi emitida a liquidação n.º 2020 ..., com imposto a pagar no montante adicional de € 27.783,01 (cf. Processo Administrativo);

 

v)            O Requerente, não se conformando com a liquidação emitida, apresentou reclamação graciosa, a cujo procedimento foi atribuído o n.º ...2020... (cf. Processo Administrativo);

 

w)          Por despacho de 13-07-2020, foi emitido o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo sido notificado ao Requerido pelo ofício n.º ..., de 14-07-2020, em correio registado (cf. Processo Administrativo);

 

x)            O Requerente exerceu audiência prévia, analisada em sede de decisão final (cf. Processo Administrativo);

 

y)            Por despacho de 30-09-2020, foi proferido despacho de indeferimento total da reclamação graciosa, notificado ao Requerente através do ofício n.º ..., de 30-09-2020, registado com aviso de receção, e rececionada pelo em 01-10-2020 (cf. Processo Administrativo);

 

z)            A Autoridade Tributária aceitou como devidamente comprovados custos de construção no valor total de € 42.675,20, incluindo o valor do terreno (cf. Processo Administrativo).

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.2.        Factos não provados

 

a)            O Requerente incorreu nos seguintes custos de construção quanto ao imóvel em causa:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido provados.

 

4.3.        Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos documentos juntos aos autos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo, bem como o acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados.

 

5.            Matéria de direito

 

5.1.        Objeto e âmbito do presente processo

 

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se, ao abrigo do disposto do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, os “custos de construção devidamente comprovados” só podem ser efetivamente comprovados mediante faturas, recibos, ou também por quaisquer outros documentos ou meios de prova admissíveis, para efeitos de aplicação do correto critério supletivo no apuramento do valor de aquisição de imóvel construído pelo próprio sujeito passivo.

 

5.2.        Do Direito

 

a)            Vício de falta de fundamentação formal e substancial

 

O Requerente alega que a Autoridade Tributária, Requerida, está vinculada a expor “os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação”, e, por conseguinte, coloca em crise se “esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa”.

 

O Requerente entende que a Requerida omitiu formalidades essenciais e que “faz uma redução do leque de prova admissível para preenchimento do conceito” aqui controvertido – os denominados custos de construção devidamente comprovados –, concebendo-se uma “violação ao princípio da legalidade”.

 

Por seu turno, a Requerida veicula que “não pode proceder a argumentação do Requerente referente à preterição de formalidades essenciais”.

 

O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe que “Os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. E, infraconstitucionalmente, os artigos 150.º, n.º 1, 152.º, n.º 1 e 153.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) exigem que os atos administrativos sejam escritos e fundamentados, sendo que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”.

 

O artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) impõe, em especial, que a decisão da administração fiscal seja “sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”, sendo que essa fundamentação “pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

 

Ou seja, é indiscutível que os atos tributários, enquanto atos administrativos, devem ser fundamentados e obedecer ao bloco de legalidade que especialmente se lhes aplica.

 

Quanto à fundamentação formal, exige-se que a decisão seja composta pela indicação dos factos e motivos que levaram a administração fiscal a decidir em determinado sentido, em termos suficientes, claros e congruentes, possibilitando a compreensão dos pressupostos pelo sujeito passivo afetado.

 

Relativamente à fundamentação substancial, a decisão deve basear-se em pressupostos reais e motivos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto à matéria em causa – o que remete para o mérito da decisão e legalidade stricto sensu do próprio ato, a apreciar adiante no presente processo arbitral.

 

Destacamos que, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o ato deve considerar-se fundamentado quando “o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese” (cf. Acórdão do STA de 12-03-2014, acessível em www.dgsi.pt), inserindo-se, assim, num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.

 

Ora, a decisão da Requerida de indeferimento da reclamação graciosa do Requerente explicita, em termos adequados, as correspondentes razões de facto, cujo substrato apresenta um mínimo evidente de correspondência à factualidade provada, e as razões de direito que pugna como aplicáveis à liquidação adicional controvertida.

 

A fundamentação de facto e de direito em causa é inteligível. E é inteligível, desde logo, porque o próprio Requerente impugna a decisão da Requerida sem especiais dificuldades aparentes quanto à definição do objeto da decisão e respetiva fundamentação.

 

Em conformidade, independentemente de a aplicação do regime jurídico-fiscal estar ou não correto – o que se apreciará –, é forçoso concluir que o Tribunal Arbitral não pode considerar que a decisão em causa não cumpre os preceitos legais aplicáveis à necessária fundamentação do ato.

 

Termos em que improcede o alegado vício de preterição de formalidades essenciais por vício de fundamentação.

 

b)           Vício de ilegal inversão do ónus da prova

 

O Requerente, invocando as normas do ónus da prova, alega que a Requerida “não procedeu a uma adequada e proporcional averiguação da verdade material” e que “deveria ter considerado todos os custos de construção apresentados pelo Requerente”.

 

Decorre do artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

O artigo 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) prevê que “o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos” no âmbito do procedimento administrativo.

 

Considere-se ainda o disposto no artigo 128.º, n.º 1 do Código do IRS, que determina que “As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”. Com efeito, dir-se-á que, genericamente, a obrigação de comprovar os elementos das declarações recai sobre o respetivo sujeito passivo declarante. A lei impõe ao sujeito passivo o ónus de prova, prova essa que deverá ser documental.

 

Ora, quer para efeitos de liquidação adicional de IRS, quer para efeitos de decisão da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, tem-se que a Requerida não se baseou em factos inequivocamente despiciendos, insuficientes, obscuros ou ambíguos.

 

Conforme acima decidido, atenta a fundamentação veiculada pela Requerida, não concebemos que a Requerida não tenha cumprido o seu dever de fundamentação, pelo que também não se afigura que tenha provocado qualquer ilegal inversão do ónus da prova.

 

Vejamos. A Requerida teve em consideração pressupostos consolidados na ordem jurídica portuguesa, como o valor patrimonial inscrito na matriz mediante primeira avaliação, a qual não foi contestada pelo Requerente à época, conforme provado. Sendo que, no âmbito do processo de divergências prévio à liquidação adicional de IRS controvertida, o Requerente também não interveio, não levando ao conhecimento da Requerida outros factos relevantes, como sejam os alegados custos de construção, fazendo-o apenas posteriormente em fase de reclamação graciosa do ato tributário controvertido.

 

É certo que a administração fiscal está sujeita aos princípios da legalidade tributária (artigo 8.º da LGT) e da verdade material, mas a Requerida praticou o ato controvertido com base em factos fundamentados e em prova ao seu alcance, cumprindo, na medida aplicável, o ónus de prova estipulado pelo artigo 74.º da LGT.

 

Concomitantemente, em sede do presente processo arbitral, caberá ao Requerente o ónus de prova dos factos por si alegados.

 

Termos em que improcede o alegado vício de ilegal inversão do ónus da prova.

 

c)            Vício de ilegalidade por inexistência do facto tributário

 

O Requerente alega que “não existe facto tributário, porque não existe a mais-valia”, referindo ainda que a Requerida estabeleceu “aleatoriamente um valor de inscrição na matriz absolutamente irreal e desconhecido” e desconsiderou “provas inequívocas de custos com construção”.

 

O ato tributário deriva de uma situação de facto concreta, prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal e que gera o direito ao imposto. Essa situação, enquanto facto tributário, só existe se verificados todos os pressupostos legalmente previstos.

 

A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário, conforme decorre do artigo 36.º, n.º 1 da LGT. Sendo que objeto da relação jurídica tributária encontra-se expressamente clarificado pelo disposto no artigo 30.º da LGT. Entendemos que a existência do facto tributário representa, por conseguinte, um pressuposto imprescindível da tributação.

 

Ora, o facto tributário relevante aqui é a mais-valia imobiliária, e sem qualquer necessidade de extensiva fundamentação, há que concluir que não assiste razão ao Requerente quanto ao invocado vício de legalidade de inexistência de facto tributário.

 

É ponto assente para o Tribunal Arbitral que existe mais-valia imobiliária. Veja-se que foi o próprio Requerente que declarou a existência de mais-valia com a venda do imóvel em causa, assumindo e reconhecendo que existe facto tributário.

 

Considere-se ainda que a posição do Requerente expressa nos presentes autos, não coincidindo com a manifestada pelo próprio através do preenchimento e submissão da referida declaração fiscal relativa à mais-valia, continua a pressupor, indiscutivelmente, a existência de uma mais-valia imobiliária.

 

Ademais, a discordância quanto à amplitude dessa mais-valia não pode comportar a singela e imediata constatação de inexistência do correspondente facto tributário, aqui controvertido. Por isso, não tem razão o Requerente quando alega que “inexiste o facto tributário”.

 

Termos em que improcede o alegado vício de inexistência do facto tributário.

 

d)           Vício de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

O Requerente alega que “o ato tributário controvertido é ilegal por errada perceção da realidade por parte da AT” e que é “particularmente irreal para o contribuinte que um imóvel novo a inscrever na matriz tenha recebido a atribuição de um valor patrimonial de € 87.075,00 em 2002, mas 11 (onze) anos depois receba nova avaliação de € 184 390,00”.

 

Dado que se afigura que o vício invocado se relaciona estritamente com o fundo da questão decidenda, como a alegada violação da lei substantiva, quer quanto à interpretação dos critérios supletivos em causa, quer quanto à aplicação prática do correto critério aos factos, abstemo-nos de pronunciar aqui e remetemos para a apreciação do vício de violação da lei.

 

e)           Vício de violação da lei substantiva

 

A questão principal no presente processo arbitral é de natureza material, ou seja, reconduz-se à correta ou incorreta aplicação da lei substantiva fiscal, considerando os respetivos pressupostos e requisitos, como o conceito de custos de construção devidamente comprovados, conforme inicialmente destacado pelo Tribunal Arbitral.

 

Em crise está o artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, cujo teor expressamente dispõe:

 

“O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.”

 

Com interesse para a decisão da causa, enquadremos o regime jurídico-fiscal objeto do presente litígio, à luz da factualidade dada como provada.

 

i)             Mais-valias imobiliárias

 

De acordo com o artigo 9.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS: “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias”.

 

Sendo abrangidas pelos rendimentos da categoria G de IRS, as mais-valias correspondem aos “ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, conforme decorre do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS. Os referidos ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos.

 

A mais-valia sujeita a IRS é constituída “Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição”, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS.

 

Considera-se como valor de realização, em regra, o “valor da respetiva contraprestação”, como prescrito pelo disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea d) do Código do IRS.

 

Já o valor de aquisição (de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos) é apurado mediante recurso a critérios supletivos legalmente previstos no artigo 46.º, n.º 2 do Código do IRS, designadamente o valor patrimonial inscrito na matriz, ou o valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior.

 

ii)            Critérios supletivos

 

Conforme provado, a Requerida procedeu à avaliação do bem imóvel, após submissão de requerimento pelo Requerente para inscrição do mesmo na matriz.

 

Não obstante o Requerente ter indicado o valor de € 150.000,00, a avaliação preconizada pelos serviços competentes, nos termos do CCPIIA, resultou na atribuição do valor patrimonial de € 87.075,00 ao imóvel.

 

Essa avaliação foi notificada ao Requerente. E tendo sido notificado, repita-se, não requereu nova avaliação, nem suscitou qualquer intervenção administrativa ou jurisdicional que coubesse nos termos da lei. A alegação do Requerente de desconhecimento da avaliação é infirmada pela comprovação de que foi regularmente notificado pela Requerida. Com efeito, o momento oportuno para atacar essa avaliação já se mostra amplamente ultrapassado, não devendo ser revisitado agora, sob pena de se perturbar a indispensável segurança jurídica.

 

A atribuição do valor patrimonial de € 87.075,00 ao imóvel consolidou-se, portanto, na ordem jurídica portuguesa, para todos os devidos efeitos. 

 

Veja-se ainda que o intento da lei, no âmbito das mais-valias imobiliárias, é considerar como valor de aquisição aquele que se apurou em momento coincidente ou próximo ao do facto em causa, como se depreende por raciocínio lógico do teor do artigo 46.º do Código do IRS.

 

Adicionalmente, os modos e cálculos de avaliação dos imóveis foram variando ao longo do tempo, sendo distintos e não comparáveis. O aumento, expressivo ou não, do valor patrimonial na última avaliação não pode significar que o primeiro valor apurado seja irrisório ou manifestamente incorreto, ou que não deva ser considerado para efeitos de tributação de mais-valias imobiliárias.

 

Entendemos assim que, para efeitos de apuramento do valor de aquisição, a segunda avaliação concretizada pela Requerida em 2012 não prevalece sobre a primeira avaliação ocorrida aquando da inscrição do imóvel na matriz.

 

Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “Para efeitos de apuramento das mais valias imobiliárias, o valor de aquisição do imóvel construído pelos sujeitos passivos corresponde ao valor de inscrição matricial do imóvel quando ele ingressa na titularidade dos proprietários”, não correspondendo “ao valor patrimonial tributário do imóvel fixado na avaliação para efeitos de IMI” (cf. Acórdão do STA de 01-07-2020, acessível em www.dgsi.pt).

 

Concordamos com este entendimento do STA, que aqui nos remete para o momento da conclusão das obras de construção do imóvel, dado que é nesse instante que a “aquisição” do imóvel construído pelo sujeito passivo se materializa. Releva, pois, o valor de € 87.075,00 inscrito na matriz após a conclusão da construção do referido imóvel, correspondendo ao valor patrimonial fixado na primeira avaliação da Requerida.

 

Todavia, há que apreciar e decidir se é este o critério supletivo que deve relevar para efeitos do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS.

 

O Requerente e a Requerida não divergem quanto ao valor do terreno, que entendem ascender a € 7.481,96, mas dissentem quanto ao valor total dos alegados custos de construção devidamente comprovados.

 

Relativamente aos custos de construção, “A teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização” (cf. Decisão Arbitral de 10-02-2020, acessível em www.caad.org.pt).

 

Ora, no que interessa para o presente processo arbitral, o artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS impõe que tais custos de construção sejam “devidamente comprovados”.

 

Apelamos desde já ao exposto supra na presente decisão arbitral, no sentido que cabe ao Requerente comprovar tais custos de construção. Veja-se que “A comprovação dos custos de construção, que os Recorridos pretendiam ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre os sujeitos passivos, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25-03-2021, acessível em www.dgsi.pt).

 

Sobre o que pode constituir custos de construção e quais os meios probatórios idóneos para comprovar tais custos, as posições manifestadas pelas partes diferem diametralmente.

 

O Requerente alega que são admissíveis como prova “orçamentos, cheques, guias de remessa, vendas e dinheiros e outros”.

 

A Requerida alega que “a prova do gasto deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado” e que “isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA”.

 

O artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS não denota per si qualquer critério expresso ou específico, para efeitos probatórios, exigindo apenas que os custos de construção sejam “devidamente comprovados”. A disposição legal em causa também não remete para o artigo 36.º do Código do IVA, nem implicitamente coloca exigências formais quanto à necessária e devida comprovação dos referidos custos de construção. Portanto, na ausência de imposição legal, ou de interpretação sistemática, que nem a Requerida concretiza, não se compreende como poderiam apenas ser admitidos custos que constassem em faturas. Procede a máxima ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit.

 

Por exemplo, “O facto de uma fatura não obedecer aos requisitos previstos no art. 36º do CIVA ou de não ter sido emitida no prazo previsto neste Código não acarreta a sua invalidade como meio de prova pois os requisitos estabelecidos na Lei Tributária são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente, visando os elementos em causa possibilitar à AT uma forma segura de verificar da adequação da base tributável e da respetiva taxa de imposto aplicável a cada situação em concreto” (Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de           14-09-2017, acessível em www.dgsi.pt).

 

É certo que as faturas, enquanto documentos fiscais relevantes emitidos por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, ou pagamentos que sejam efetuados antes dessas operações, são documentos idóneos e comprovativos dos custos de construção. Porém, as normas legais atualmente vigentes sobre a obrigatoriedade de emissão de faturas, e respetivos requisitos, como os artigos 29.º e 36.º do Código do IVA, têm um fim eminentemente fiscal. Discordamos que dessas mesmas normas derivem especiais exigências ou limitações de âmbito probatório, não devendo ser comprometida a competência de outros meios de prova. Nos termos gerais, todos os meios de prova admissíveis são permitidos.

 

Destacamos que jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte defende que é exigível “prova inequívoca do valor empregue na construção”, notado que “não juntaram um qualquer contrato de empreitada ou facturas de materiais de construção e mão-de-obra, não apresentaram sequer testemunhas que pudessem, de algum modo, sustentar quais os custos tidos na construção e a aplicação do dinheiro obtido” (cf. Acórdão do TCAN de 25-03-2021, acessível em www.dgsi.pt).

 

E também que “é necessária a feitura de prova cabal de que concretas quantias foram concretamente alocadas a satisfazer concretas despesas e/ou encargos, e para esse efeito, deve existir (…) documentos(s) que titulem a entrada desse dinheiro no mercado, por via de pagamentos que tenha feito com as aquisições de bens e serviços para efeitos da edificação do seu prédio, prova esta que sempre poderia ser prosseguida por via testemunhal” (cf. Acórdão do TCAN de 21-02-2019, acessível em www.dgsi.pt).

 

Esta citada jurisprudência demonstra a admissibilidade de diversa prova documental (e não só), convergindo com o entendimento do presente Tribunal Arbitral. O mesmo sucede no âmbito do processo arbitral em que foi proferida decisão de 10-02-2020, já acima citado.

 

Esta temática foi também apreciada em decisão arbitral de 14-09-2021 (acessível em www.caad.org.pt) que revela: “Para prova da quantificação dos “custos de construção devidamente comprovados” a que se alude no nº 3 do artigo 46º do CIRS, a lei não limita os meios de prova à apresentação de facturas, recibos de quitação e cheques, podendo usar-se quaisquer meios de prova, tais como, contratos de empreitada, contratos de mútuo com hipoteca e ainda o recurso à prova testemunhal”.

 

Considere-se até um caso em que a própria administração fiscal concebe como “qualquer elemento de prova passível de comprovar a realização daquelas despesas (facturas, recibos, orçamento, etc.)”, bem como “contrato(s) de empreitada, pagamentos em cheques, etc. Tudo demonstrável através da escrita de terceiros e dos bancos” (cf. Acórdão do STA de 17-02-2021, acessível em www.dgsi.pt). Cada caso tem as suas especificidades fácticas, mas é demonstrativo de que o entendimento da Requerida vertido nos presentes autos não é sustentado, nem plenamente convincente.

 

Aqui chegados, cumpre referir que os custos que foram alegados pelo Requerente e aceites pela Requerida consideram-se provados por acordo das partes. À luz das regras legais vigentes no ordenamento jurídico português, o Tribunal Arbitral aprecia, em especial, os restantes custos alegados pelo Requerente, rejeitados pela Requerida.

 

Ora, conforme já explanado, entendemos que não são só as faturas que devem ser consideradas neste âmbito. As regras de faturação não são especiais regras de prova. O sujeito passivo deve poder comprovar os custos por qualquer meio admissível, sobretudo mediante prova documental.

 

Tratando-se de prova admissível, diga-se também que não é menosprezível que, à época da realização dos alegados custos de construção, as normas fiscais fossem diferentes face às atuais, quanto aos documentos fiscalmente relevantes, tendo existido uma multiplicidade de denominações para documentos com interesse fiscal, o que também deve ser ponderado.

 

Sem prejuízo, nada disto significa que sejam aceites todos e quaisquer documentos ou outros provas, sem mais. Não basta a mera alegação de existência de custos e correspondente comprovação indiciária pelo Requerente.

 

Para efeitos do critério supletivo do artigo 46.º, n.º 3 do Código do IRS, exige-se que o Requerente comprove, em termos credíveis, que incorreu nos custos que alega para construção do imóvel. Para o efeito, entendemos que são idóneos documentos que titulem operações e transações relacionadas com a construção e/ou que grosso modo representem a comprovação de pagamentos pelo Requerente. As faturas, enquanto comprovativos da venda de bens ou da prestação de serviços, e os recibos, enquanto documentos de quitação que comprovam pagamentos, são documentos idóneos para esse efeito probatório, conforme acima explanado.

 

Outros documentos e meios de prova podem também ser adequados para comprovar tais custos de construção.

 

Não obstante, vejamos. Os orçamentos não podem ser considerados per si como prova suficiente, dado que representam uma mera proposta negocial. Com efeito, os orçamentos constantes nas fls. 1 e 77 do Doc. 11 junto pelo Requerente não são considerados devidamente comprovados perante o Tribunal Arbitral.

 

Já os cheques, enquanto títulos de crédito com ordens de pagamento, podem demonstrar suficientemente que o Requerente incorreu em custos. No mínimo, os cheques servem como prova indiciária, mas in casu suscitam-se dúvidas insupríveis ao Tribunal Arbitral quanto à aptidão probatória dos mesmos, nomeadamente porque os elementos dos cheques não são sempre coincidentes face aos respetivos documentos instrutórios, como os orçamentos respetivos. Inexiste prova adicional que suste essas divergências ou imprecisões em documentos juntos pelo Requerente. Assim sendo, os orçamentos, cheques e outros documentos constantes nas fls. 2-5, 23, 31-33, 43, 56, 78-84, 85-86 e 152-153 do Doc. 11 junto pelo Requerente não são considerados devidamente comprovados perante o Tribunal Arbitral.

 

Sem prejuízo, além dos custos comprovados, e aceites pela Requerida, consideramos como prova suficiente de outro custo incorrido pelo Requerente os documentos de fls. 18 e 19 do Doc. 11 junto, dado que existe aparente correspondência entre o orçamento e os cheques apresentados. De notar, porém, que este custo é erroneamente alegado por duas vezes pelo Requerente.

 

Quanto às alegadas faturas constantes nas fls. 21, 75, 76 e 148 do Doc. 11 junto pelo Requerente, há que mencionar que não se pode inferir, com segurança, que os documentos constituem efetivas faturas. Na ausência de concreta identificação dos documentos, ou de outro meio de prova complementar, é até possível conjeturar, por exemplo, que podem estar em causa meros orçamentos, cuja prova de pagamento também não é apresentada pelo Requerente. Por conseguinte, os respetivos custos alegados não são considerados devidamente comprovados perante o Tribunal Arbitral.

 

Conforme decorre dos factos provados, o Tribunal Arbitral não deu como provados todos os custos alegados pelo Requerente. E na ausência de outros meios de prova complementares, como prova testemunhal, não pode o Tribunal Arbitral considerar a prova produzida pelo Requerido como bastante para atestar que incorreu em custos de construção do imóvel em causa que, somados ao valor do terreno, ultrapassem o valor patrimonial inscrito na matriz, conforme detalhado.

 

Ora, com base na matéria de facto dada como provada, não se demonstrou que o valor do terreno acrescido dos custos de construção seja superior ao valor patrimonial tributário do imóvel, pelo que este último deve prevalecer.

 

O argumento do Requerente quanto à comprovação de custos de construção procede, na sua generalidade, mas em nada altera a aplicabilidade do critério supletivo pela Requerida, visto que apenas se consideram devidamente comprovados custos que, juntamente com o valor do terreno, ascendem a € 45.168,76. Com efeito, o critério supletivo aplicável é o do valor patrimonial inscrito na matriz.

 

Quanto ao diferente valor de despesas e encargos apurado pela Requerida, ao abrigo do artigo 51.º do Código de IRS, não constitui thema decidendum no âmbito do presente processo arbitral, pois não foi suscitado como tal pelas partes, em especial pelo Requerente.

 

6.            Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em: Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

7.            Valor

 

Fixa-se o valor do processo em € 27.783,01, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

8.            Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de janeiro de 2022

 

A Árbitra

(Adelaide Moura)