Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 777/2020-T
Data da decisão: 2021-12-15  IRS  
Valor do pedido: € 68.226,49
Tema: IRS – Residente não habitual; Registo.
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Sumário:

A inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 22 de Dezembro de 2020, A..., NIF..., residente na Rua ... Lisboa, apresentou
    pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos
    artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º do do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/01), visando a anulação do acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º...2019..., notificado através do Ofício DFLisboa ..., de 24 de Setembro de 2020, e do acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2020..., notificado através do Ofício DFLisboa ..., de 22 de Setembro de 2020, ambos interpostos de actos de indeferimento de reclamações graciosas deduzidas contra os actos de liquidação de IRS de 2016 e 2017 e 2018 e correspondentes juros compensatórios, respectivamente.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que o regime do residente não habitual constitui um benefício fiscal automático, tendo o pedido de inscrição como residente não habitual natureza meramente declarativa, motivo pelo qual o facto de ter entregue o pedido de inscrição para além do prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, não obsta a que beneficie daquele regime.

 

  1. No dia 23-12-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 03-05-2021, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 21-05-2021.

 

  1. No dia 22-06-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação, bem como juntou o processo administrativo.

 

  1. Por despacho de 23-06-2021, convidado a pronunciar-se sobre a questão prévia e a matéria de excepção opostas pela Requerida, o Requerente veio exercer o direito ao contraditório, em 06-07-2021.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Inicialmente anunciada para ser proferida até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º, n.º1, do RJAT, a decisão final viria a ser prorrogada, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, por despacho de 12-11-2021.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1 - O Requerente tem formação em hotelaria e desde há mais de duas décadas tem exercido actividade profissional de gestão operacional e direcção de hotéis, com um percurso académico e profissional que passou por diversos países, tais como Suíça, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Tailândia, Maldivas, Filipinas e Marrocos.

2 – O Requerente foi Director do Hotel ..., nas Filipinas, considerado, em 2007, o Melhor Resort do Sudeste Asiático e o Melhor Hotel do Mundo até 100 quartos pelo guia ... .

3 – O Requerente foi Director do Hotel ..., em Marrocos, que ganhou o prémio de Melhor Resort da África e Médio Oriente da ... e o Melhor Hotel do Mundo do guia ....

4 -  Em 2006, o Requerente solicitou o registo de residência junto da secção consular da Embaixada de Portugal em Manila, nas Filipinas, conforme certificado de inscrição consular n.º .../2006, datado de 7 de Março de 2006, em que indica a residência no Hotel ... e a profissão “Hoteleiro”.

5 - Em 27-02-2008, o Requerente celebrou com a B... Limited um «Employment Agreement» e, em 26-05-2008, com o Hotel ... celebrou um  «Contrat de Travail d’Etranger».

6 - Em 2008, o Requerente solicitou o registo de residência junto da secção consular da Embaixada de Portugal em Rabat, Marrocos, a qual emitiu um certificado de residência, datado de 12 de Abril de 2011, que indica a residência no Hotel ... e a inscrição na secção consular sob o n.º 7276, tendo solicitado igualmente um “Certificat d’Immatriculation” que o Reino de Marrocos emitiu sob o n.º ...T, que indica a residência no Hotel ... e a Profissão Directeur General.

7 - O Requerente regressou a Portugal em 2012, motivado por um convite para assumir a liderança de um projecto hoteleiro, o “Discovery Fund” (Fundo dedicado ao Turismo e Imobiliário), detido pela C... (sociedade portuguesa gestora independente de fundos de investimento), que adquiriu activos turísticos da banca (alguns insolventes), com vista à sua recuperação e rebranding.

8 - Em 06-06-2012, o Requerente celebrou com a C..., S.A. um contrato de trabalho.

9 - Pouco depois de ter regressado a Portugal, o Requerente casou com uma nacional e residente em Portugal.

10 - De 2003 a 2012, o Requerente não apresentou qualquer declaração fiscal em Portugal, seja como residente ou não residente.

11 - Em 2012, a C..., na qualidade de nova entidade empregadora, declarou o Requerente como residente para efeitos fiscais e efectuou as retenções na fonte de IRS como trabalhador dependente e como residente para fins fiscais em Portugal, tendo sido alterado oficiosa e automaticamente o domicílio constante do cadastro fiscal do Requerente.

12 - O Requerente submeteu, no início de 2013, a sua Declaração Modelo 3 de IRS de 2012, conjuntamente com a esposa, não entregando o denominado Anexo L.

13 - Apenas no início de 2014, o Requerente se apercebeu que tendo em conta o extenso período em que residiu e trabalhou no exterior e as funções executivas que desempenhava, podia beneficiar do regime dos residentes não habituais (RNH).

14 - O Requerente submeteu a Declaração Modelo 3 de IRS, com o respectivo anexo L, destinado aos residentes não habituais.

15 - A declaração modelo 3 de IRS foi recusada pelo sistema informático de gestão de divergências da AT, por motivo de ausência de registo no cadastro enquanto residente não habitual.

16 - Em 11-07-2014, o Requerente apresentou um requerimento a solicitar à AT a sua inscrição como residente não habitual e a substituição das liquidações adicionais emitidas.

17 - Tal requerimento veio a ser rejeitado liminarmente pela AT - por despacho do Director de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC), datado de 16 de Dezembro de 2014, notificado ao contribuinte através do Ofício n.º..., que o considerou intempestivo, com base em apresentação extemporânea, por referência ao termo do prazo estabelecido no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS.

18 - Desse acto de indeferimento expresso, interpôs o Requerente competente recurso hierárquico - o qual veio a ser igualmente indeferido com o mesmo fundamento de intempestividade.

19 - O Requerente apresentou a acção administrativa especial, tendo como objecto o referido acto de indeferimento, e actos anteriores do mesmo procedimento, que deu origem ao processo que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../15...1BELRS.

20 - Já na pendência da acção administrativa, o Requerente apresentou as Declarações Modelo 3 de IRS de 2016, 2017 e 2018 e respectivos Anexos L como RNH.

21 - Uma vez que a AT não reconhece o estatuto de residente não habitual (RNH) invocado pelo Requerente, notificou os seguintes actos de liquidação adicional de IRS e correspondentes juros compensatórios de 2016, 2017 e 2018 (juntos ao PPA como documentos n.ºs 3, 4 e 5), num montante global de € 68.226,49:

            IRS 2016, Demonstrações de liquidação n.º 2019 ... e de juros compensatórios n.º 2019 ... - € 37.585,44;

            IRS 2017, Demonstrações de liquidação n.º 2020 ... e de juros compensatórios n.º 2020 ... - € 4.628,88;

            IRS 2018, Demonstrações de liquidação n.º 2020 ... e de juros compensatórios n.º 2020 ... - € 26.012,17.

22 – Não se conformando com tais actos de liquidação, o Requerente apresentou reclamações graciosas (processos n.º ...2019... e n.º ...2020...) e, dos respetivos indeferimentos, recursos hierárquicos (processos n.º ...2019... e n.º ...2020...), de cujos indeferimentos apresenta o presente ppa.

23 - No âmbito do procedimento de reclamação graciosa à qual coube o nº ...2019... foi proferido projeto de decisão, com a seguinte fundamentação:

24 - Após a apresentação do respetivo direito de audição foi proferida decisão final de indeferimento, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., ao abrigo de delegação de competências, na qual mantendo-se a fundamentação constante do projeto de decisão mais se acrescenta o seguinte:

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25 - Desta decisão de indeferimento o Requerente interpôs recurso hierárquico, ao qual coube o nº ...2019..., em cujo âmbito foi proferido despacho de indeferimento de 27-12-2019, pelo Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de subdelegação de competências.

26 – Neste despacho é relevada a seguinte factualidade:

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27 – Com respeito às questões que entendeu haver para resolver, (i) a ilegalidade da liquidação, na medida em que o Requerente considera que devia ter sido tributado ao abrigo do regime fiscal dos residentes não habituais (RFNH) e (ii) a suspensão do recurso hierárquico devido à interposição da ação administrativa especial apresentada pelo Requerente na sequência do indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, a AT defendeu, no sobredito despacho de indeferimento, de 2019-12-20, o seguinte:

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28 – Na reclamação graciosa que obteve o nº ...2020..., contra as liquidações de IRS dos anos de 2017 e 2018, foi proferida decisão de indeferimento (não tendo sido exercido pelo Requerente o direito de audição sobre o respetivo projeto de decisão), por despacho da Chefe deste Serviço de Finanças, ao abrigo da delegação de competências, com a seguinte fundamentação:

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29 - Desta decisão o Requerente interpôs recurso Hierárquico, ao qual coube o nº ...2020..., tendo sido indeferido por despacho do Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de subdelegação de competências, datado de 21-09-2020, com a mesma fundamentação já transcrita nos factos 26 e 27 supra.

30 - Inconformado com tal decisão, o Requerente apresentou o presente ppa, em 22-12-2020.

31 – Relativamente aos sobreditos actos de liquidação adicional (vide facto 21) e com vista a obter a suspensão dos processos de execução fiscal contra si instaurados, no que tange aos dois primeiros, o Requerente procedeu do seguinte modo:

            - Quanto ao IRS de 2016, citado em 19-07-2019, na qualidade de Executado, para o processo de execução fiscal sob o n.º ...2019... que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - ..., sendo que o valor «a garantir» ascendia a € 47.858,34, em 05-08-2019 apresentou uma garantia bancária emitida pelo D... sob o nº..., a 31-07-2019, no montante de € 47.858,34, tendo prestado caução em dinheiro, em 13-09-2019, na quantia de € 422,31, através da Guia Modelo 50 (ID...), conforme solicitado pelo serviço de finanças, com vista à suspensão daquele processo executivo (documento n.º 15, junto com o PPA);

            - Quanto ao IRS de 2017, em 29-01-2020, procedeu ao pagamento do imposto dentro do prazo para pagamento voluntário (documento n.º 16, junto com o PPA).

32 – Já quanto ao IRS de 2018, citado em 05-08-2020, na qualidade de Executado, para o processo de execução fiscal sob o n.º ...2020... que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa -..., sendo que o valor «a garantir» ascendia a € 26.260,19, em 28-07-2020, o serviço de finanças constituiu penhor do direito de crédito de IRS 2019 (2020...), com vista a compensar a dívida exequenda e acrescido do processo executivo com o crédito tributário, mas a extinção do processo só ocorreu em 16-09-2020, tendo o contribuinte suportado os custos advenientes dessa manutenção do processo de execução fiscal mediante o pagamento adicional de € 134,62 (documento n.º 17, junto com o PPA).

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

 

a. Da incompetência material

 

            Na defesa por excepção, a Requerida invoca a incompetência material do Tribunal Arbitral, uma vez que, a seu ver, o que está em causa é um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2012, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa. Na sua óptica, a matéria controvertida nos presentes autos é relativa à não aplicação do regime previsto para os residentes não habituais e, consequentemente, a tributação dos rendimentos do contribuinte à taxa de 20% prevista no n.º 6 do artigo 72.º do CIRS para os rendimentos líquidos das categorias A e B, auferidas em atividades de elevado valor acrescentado por residentes não habituais em território português. Para a AT, o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral, como questão prévia a decidir, ordene a sua inscrição no registo de contribuintes da AT como residente não habitual com efeitos ao ano de 2012, anulando o ato administrativo de indeferimento do pedido formulado nesse sentido “e, consequentemente, no decurso da anulação daquele ato administrativo em matéria tributária, anule os atos tributários de liquidação de IRS para os anos em causa”. Prossegue com a alegação de que “o ato de indeferimento do pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual apresentado pelo Requerente é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação”, concluindo pela incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o pedido, assim pretendendo obstacular ao prosseguimento do processo.

            Em contraposição, o Requerente argumenta que “não pretende que este Colectivo ordene a revogação do acto de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, substituindo aquele por outro acto de deferimento, com impacto nas liquidações adicionais entretanto emitidas nos anos de 2012 e 2013, porquanto desse acto interlocutório, cujo alcance não constitutivo e de mero controlo das condições de aplicações do regime RNH já deixou ... bem claro (no pedido) que se circunscreve a 2012 e 2013, se ocupará o tribunal judicial na acção administrativa. (...) o que se pretende é que o tribunal arbitral declare que a ausência do pedido que desencadeia esse acto de inscrição no ano posterior à aquisição da residência em nada bule com a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas, dado que, para além de esse simples registo cadastral como RNH ser um acto vinculado, de mero controlo, mas sem qualquer efeito confirmativo de direitos ..., foi sempre enquadrado pela AT como instância de fiscalização do exercício das denominadas “actividades de elevado valor acrescentado”, tal como a própria já assumiu na Circular n.º 4/2019, de 8 de Outubro e nas instruções administrativas subsequentes. (...) a referida Circular veio dissipar quaisquer dúvidas ... quanto ao carácter meramente declarativo do pedido de inscrição como RNH, aoclassificá-lo expressamente como “benefício automático”, que prescinde de reconhecimento prévio por parte da AT”.

            O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

            O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art.º 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

            O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, nos termos seguintes:

            “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação,

de retenção na fonte e de pagamento por conta;

            b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não

dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

            Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.

            A competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial. Como se decidiu nos processos n.ºs 262/2018-T e 188/2020-T, “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.” – www.caad.org.pt

            O Requerente formula um pedido muito concreto, no qual pede a anulação dos actos de indeferimento dos recursos hierárquicos e dos actos de indeferimento das reclamações graciosas supra aludidos e, consequentemente, a anulação dos actos de liquidação adicional de IRS dos anos de 2016 e 2017 e 2018 e correspondentes juros compensatórios que lhes subjazem.

            Na esteira da lição do Juiz-Conselheiro Jorge Lopes, “Embora na alínea a) do nº 1 do

artigo 2º do RJAT apenas se faça a referência explícita a competência dos Tribunais Arbitrais

para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, essa competência estende-se também a

atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e atos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões destas reclamações[1]

            O Requerente apresentou reclamações graciosas das liquidações de IRS de 2016, 2017 e 2018 e, na sequência do indeferimento dessas reclamações, apresentou os respectivos recursoshierárquicos que vieram a ser indeferidos, conforme resulta dos pontos 22 a 29 dos factos provados.

            Nas decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos, a AT pronunciou-se sobre a

legalidade dos actos de liquidação.

            Com efeito, o presente pedido arbitral tem como objecto mediato as liquidações de IRS dos anos de 2016, 2017 e 2018 e como objecto imediato as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e das reclamações graciosas que apreciaram as referidas liquidações. Não está, pois, em causa nos presentes autos conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente, de caráter administrativo, como alega a AT.

            Na verdade, o Requerente não apresentou o pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do acto de indeferimento da sua inscrição como residente não habitual, nem as reclamações graciosas e posteriores recursos hierárquicos tiveram esse fundamento.

            No caso em apreço, o Requerente impugnou os actos de liquidação, os quais tiveram

por base, entre outros pressupostos, o não enquadramento do Requerente no regime do residente não habitual.

            Considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como vem exposta no pedido arbitral, o qual versa sobre a impugnação de atos de liquidação de imposto, expressamente prevista no artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela AT.

 

b. Falta de interesse em agir

Alega a AT, na sua resposta, que, devido ao facto de o Requerente ter interposto uma ação administrativa, que se encontra em curso, com vista à anulação do ato de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual e a condenação da AT à prática de outro ato que inscreva o autor como residente não habitual a partir de 2012, inclusive, não tem o Requerente o necessário interesse em agir no presente processo.

Tal falta de interesse em agir assumiria, ainda no entender da AT, a natureza de exceção dilatória inominada, devendo dar lugar a absolvição da instância, ou, em alternativa,  configuraria causa de suspensão da instância.

O interesse em agir ou interesse processual ativo é um pressuposto processual relativo às partes. Enquanto pressuposto processual, o interesse em agir consiste no interesse do autor de uma ação em obter a tutela judicial de uma situação subjetiva através de um determinado meio processual (Teixeira de Sousa, M. As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, Lisboa, 1995, p. 97).

A jurisprudência tem entendido que a falta de interesse em agir ou falta de interesse processual, constitui exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente, como tal, à absolvição da instância.

É manifesto que no presente processo o Requerente tem um objetivo interesse em agir: o Requerente tem uma pretensão jurídica – a anulação parcial de atos de liquidação de impostos nos quais figura como sujeito passivo, que considera lesivos do seu direito – para a qual o recurso ao processo se mostra necessário e o meio processual utilizado é adequado. A pretensão do Requerente é ainda congruente com a factualidade provada.

A AT sustenta, porém, que o Requerente não tem interesse em agir pois está em curso uma outra ação, anterior, em que é autor o Requerente e em que o interesse deste poderá, se a sua pretensão proceder, obter a necessária tutela judicial.

Colocada nestes termos, porém, a questão não pode ser vista em termos de falta de interesse em agir, mas de litispendência, a qual é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (art.º 89.º, n.º 2 CPTA, aplicável ex vi do art.º 29.º, nº 1, al. c) do RJAT).

A litispendência consiste, nos termos do art.º 580.º, n.º 1 do CPC, na repetição de uma causa, estando uma anterior ainda em curso.

E nos termos do n.º 1 do art.º 581.º do CPC, repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Ora, verifica-se que entre o presente processo e a ação pendente não existe repetição do pedido, a qual pressupõe, nos termos do n.º 3 do art.º 581º CPC, a pretensão de obter em ambas as causas o mesmo efeito jurídico.

Na ação anterior, que se encontra pendente, o Requerente pede ao tribunal que anule o ato de indeferimento do seu pedido de registo como “residente não habitual,” enquanto no presente processo o Requerente pede a anulação de várias liquidações de IRS, com base na aplicação do regime tributário dos “residentes não habituais.”

Existe, é certo, uma relação entre os dois pedidos. Contudo, afigura-se-nos com razão o Requerente neste ponto, quando alerta para que a interdependência entre estes dois pedidos pressupõe uma tomada de posição quanto a uma questão, já atinente à matéria de fundo dos presentes autos, que é a da prejudicialidade do registo como “residente não habitual” para a aplicação, ano a ano, desse regime, na liquidação do respetivo imposto.

Ora, como melhor se irá demonstrar adiante, não resulta da lei aplicável (o art.º 16.º, números 8 a 12 do CITS) que o registo do sujeito passivo como “residente não habitual” seja uma condição formal indispensável para a aplicação do regime em cada ano fiscal.

Se o “registo como residente não habitual” – objeto da ação anterior pendente – não se afigura prejudicial em relação à aplicação do regime do “residente não habitual” em cada ano fiscal – objeto do presente processo arbitral – não existe entre os dois pedidos nem a identidade a que se refere o nº 1 do art.º 581º CPC, como é manifesto, nem sequer uma interdependência tal que obste ao julgamento da presente causa.

 

c. Aplicabilidade do regime do residente não habitual aos rendimentos do Requerente dos anos 2016, 2017 e 2018

 

A questão principal a analisar e decidir no presente processo consiste em saber se o Requerente, a despeito de não ter, no prazo previsto na lei, requerido o seu registo como “residente não habitual”, ao abrigo do nº 10 do art.º 16 CIRS, tem o direito de ser tributado ao abrigo do regime dos residentes não habituais nos anos 2016, 2017 e 2018.

O regime dos residentes não habituais encontrava-se, à data dos factos tributários, estabelecido nos números 6 a 10 do art.º 16.º do CIRS, que dispunham:

 

6 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

8 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

9 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 7 depende de o sujeito passivo ser, nesse ano, considerado residente em território português.

10 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

 

O Requerente, conforme a matéria de facto dada como provada, esteve ausente de Portugal durante mais de oito anos, entre janeiro de 2003 e 2012, tendo neste último ano regressado e se tornado residente no território português.

É assim manifesto que o Requerente cumpria, no momento em que regressou a Portugal e aqui passou a residir, o requisito temporal previsto no n.º 8 do art.º 16.º transcrito. É também inequívoco e facto provado que o Requerente cumpria, à data dos factos tributários, o requisito previsto também no nº 6 de se ter tornado “fiscalmente residente” em território português.

Contudo, apenas em 11 de julho de 2014 o Requerente requer à Autoridade Tributária a sua inscrição como “residente não habitual,” e não no prazo estabelecido no n.º 10 do mesmo art.º 16.º.

Tendo esse requerimento sido indeferido, por intempestividade, o Requerente pretende, não obstante, que tal não prejudica o seu direito a ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais,” verificados como estão os requisitos materiais para a aplicação desse regime.

Em conformidade, o Requerente entregou as suas declarações de rendimentos referentes aos anos 2016, 2017 e 2018 acompanhadas, cada uma delas, do respetivo anexo L, referente ao regime dos “residentes não habituais.”

Valendo a junção dos anexos L à declaração de rendimentos como pedido, dirigido à AT, para ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais,” tal pedido foi negado pela Autoridade Tributária, que procedeu a liquidações adicionais de IRS para os anos em causa, de acordo com o regime de tributação dos residentes habituais.

Contra essas liquidações, que consubstanciam decisões de não aplicação do regime dos “residentes não habituais,” o Requerente apresentou reclamação graciosa e, subsequentemente, recurso hierárquico, os quais foram indeferidos.

Sustenta a AT, como fundamento para o indeferimento da pretensão do Requerente, a título principal, que nenhuma ilegalidade afeta os atos de liquidação, uma vez que estes assentam no pressuposto de que o Requerente não se encontrava, à data, registado como “residente não habitual.”

Considera o Requerente, por seu turno, que o facto de não se encontrar registado como “residente não habitual” não é impeditivo de ser tributado pelo respetivo regime, sendo, sim, decisivo e determinante que se preencham os requisitos materiais estabelecidos na lei para esse efeito.

Que o Requerente não se encontra registado como “residente não habitual” é um facto provado. E se foi legal ou ilegal o indeferimento do pedido do Requerente para ser registado como “residente não habitual” é matéria que não cabe analisar nesta instância.

Assim, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.

Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”

O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 6 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem dois requisitos, não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.

São esses requisitos:

  1. Ter-se o sujeito passivo tornado fiscalmente residente num determinado ano;
  2. Não ter o sujeito passivo sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual é requisito para a aplicação do regime.

Tal como conclui a decisão arbitral proferida no processo n.º 188/2020-T, a inscrição como “residente não habitual” prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS é “uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do direito.”

Por se nos afigurar inteiramente acertada, aderimos à fundamentação adotada na decisão referida, a qual passamos a transcrever:

“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não

habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.

(...)

Não tendo, como acima se referiu, o pedido de inscrição como residente não habitual, natureza constitutiva do direito a ser tributado enquanto tal e, cumprindo o Requerente os requisitos materiais de que depende a aplicação daquele regime, sempre deveria o Requerente ser tributado de acordo com aquele regime.”

 

Conclui-se, em suma, que o Requerente cumpre os requisitos previstos nos nºs 6 e 7, os quais sãos os únicos requisitos exigidos pela lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos “residentes não habituais.”

Deste modo, os atos de liquidação que impuseram ao Requerente a tributação pelo regime dos residentes habituais são ilegais por erro nos pressupostos de direito.

 

d. Quanto ao pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada

Pede ainda o Requerente a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização pelo prejuízo sofrido pelo Requerente com a prestação de garantia para suspensão dos processos de execução fiscal das dívidas aqui controvertidas.

Com efeito, em 05-08-2019, o Requerente apresentou à Autoridade Tributária uma garantia bancária, no valor de 47.858,34 euros, emitida em 31-07-2019 pelo D... SA. a fim de suspender o processo de execução fiscal n.º ...2019..., instaurado para cobrança da dívida de IRS do ano 2016 aqui controvertida.

Tal garantia foi aceite pela Autoridade Tributária.

Nos termos do art.º 53º, n.º 1 LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

O prazo mínimo de três anos não se aplicará, contudo, nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 53º, quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que, sendo objetivo da norma o de indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse atuado ilegalmente, a atuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA de 21-01-2015, proc. n.º 632/14). E assim, se a Administração Tributária errou nos pressupostos de direito, como ficou demonstrado acontecer no caso presente, tal erro é um erro imputável aos serviços, para efeitos do nº 2 do art.º 53.º LGT, constituindo-se assim a AT na obrigação de indemnizar o sujeito passivo.

 

C. DECISÃO

No se pedido, o Requerente pede ao Tribunal a anulação das liquidações de IRS referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018.

Contudo, como a Autoridade Tributária bem observa na sua resposta, da causa de pedir indicada resulta que o Requerente não contesta as liquidações na sua totalidade, mas apenas na parte afetada pelo erro nos pressupostos de direito, ou seja, na parte que resulta de não ter sido aplicado ao Requerente o regime dos “residentes não habituais”.

Quando, ainda que não tenha assim sido formulado no pedido, a causa de pedir apenas pode alicerçar a anulação parcial do ato, não deve o tribunal ultrapassar na sua decisão o que resulta da causa de pedir.

Nestes termos, decide-se:

  1. Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de IRS n.º 2019..., referente aos rendimentos do ano 2016, n.º 2020..., referente aos rendimentos do ano 2017 e n.º 2020..., referente aos rendimentos do ano 2018, assim como as correspondentes liquidações de juros compensatórios, anulando-as parcialmente, na parte que resulta de não ter sido aplicado ao Requerente o regime dos residentes não habituais;
  2. Declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos que tiveram as referidas liquidações como objeto, anulando-os;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente uma indemnização pela prestação de garantia da dívida ilegalmente liquidada, nos termos do art.º 53.º, nºs 1, 2 e 3 da LGT, em valor a determinar em execução de julgado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €68.226,49, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT no valor parcial de € 2.040,00, e pelo Requerente no valor parcial de € 408,00, em função dos respetivos decaimentos, e nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de dezembro de 2021

 

O Árbitro Presidente

 

 (Manuel Macaísta Malheiros)

 

O Árbitro Vogal

 

(Sérgio de Matos)

 

O Árbitro Vogal

Nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01 de maio, atesto o voto de conformidade do Árbitro Presidente, Senhor Juiz Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, e do Árbitro Adjunto, Senhor Dr. António Sérgio de Matos.

(Nina Aguiar)

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 121