Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 776/2020-T
Data da decisão: 2021-09-06  IRC  
Valor do pedido: € 89.440,75
Tema: IRC – Cisão; Benefício fiscal; Criação líquida de empregos.
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Sumário:

I – À luz do artigo 19.º, n.º 6 do EBF vigente em 2011 e 2012, aquando da admissão dos trabalhadores em questão, ao serviço da Requerente, estes apenas não poderiam relevar para efeitos do benefício fiscal em causa, se antes tivessem estado ao serviço de outra entidade com a qual existissem relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.

II – Dos autos não constam quaisquer elementos que demonstrem que alguma ou algumas das relações elencadas naquele n.º 4 do art.º 63.º do CIRC se verificavam entre a Requerente e a B... .

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Rui Duarte Morais e Guilherme W. d’Oliveira Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 22-12-2020, "A..., S.A.” (adiante designada por “A...” ou “Requerente”), NIPC..., sociedade anónima com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., freguesia e concelho de..., com o capital social de € 967.500,00 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o mesmo número, veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e, bem assim, ao abrigo do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese alegando:

 

a)            A “A...” assume a forma jurídica de sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal e qualifica-se, em sede do IRC, como um sujeito passivo residente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código daquele imposto.

b)           A Requerente encontra-se sujeita e não isenta de tributação em sede do IRC.

c)            Cumpre referir que a Requerente teve a sua origem no processo de cisão, ocorrido no exercício de 2011, da sociedade “B..., Lda.” (adiante designada por “B...”), a qual beneficiou, em sede de IRC, do regime especial de neutralidade fiscal, consagrado nos artigos 73.º e seguintes, do Código do IRC.

d)           No estrito cumprimento das obrigações declarativas a que se encontra adstrita, a Requerente submeteu as seguintes declarações de rendimentos:

e)           Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) do IRC referente ao exercício de 2011, no dia 18 de Maio de 2012, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais- Doc. n.º 1;

f)            Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) do IRC de substituição referente ao exercício de 2011, no dia 18 de Agosto de 2015, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - Doc. n.º 2;

g)            Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) do IRC referente ao exercício de 2012, no dia 30 de Maio de 2013, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - Doc. n.º 3; e

h)           Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) do IRC de substituição referente ao exercício de 2012, no dia 18 de Agosto de 2015, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - Doc. nº 4.

i)             Na sequência de uma revisão interna de procedimentos aos exercícios de 2011 e de 2012, os responsáveis da “A...” concluíram que, aquando do apuramento dos resultados tributáveis referentes àqueles exercícios, foram cometidas imprecisões que teriam necessariamente de ser corrigidas.

j)             De facto, os lucros tributáveis apurados nas Declarações periódicas (Modelo 22) do IRC, da A..., relativamente àqueles exercícios, não tiveram em linha de conta o benefício fiscal associado à criação líquida de emprego para jovens e desempregados de longa duração, previsto, atualmente, no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

k)            Neste contexto, a Requerente apresentou, em 28 de Março de 2016, um Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários, contra a liquidação do IRC, em particular relativamente à consideração daquele benefício fiscal, por referência aos exercícios de 2011 e de 2012, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – Doc. n.º 5.

l)             Posteriormente, a ora Requerente foi notificada do projeto de deferimento parcial daquele Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários, não tendo exercido direito de audição, isto apesar de discordar com o conteúdo daquela decisão.

m)          Em 12 de Julho de 2018, a “A...” foi notificada da decisão final relativamente ao Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários, por referência à liquidação do IRC relativa aos exercícios de 2011 e de 2012, a qual deferiu parcialmente as suas pretensões, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – Doc. n.º 6.

n)           De facto, a AT não aceitou a totalidade do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego para jovens e desempregados de longa duração nos períodos de tributação de 2011 e 2012, por considerar que “entre os trabalhadores (…) que serviram de base ao apuramento das CLE dos períodos de 2006 a 2012, apenas podem ser aceites, os que alteraram o seu vínculo laboral para com a Requerente passando a efetivos, por transformação do contrato de trabalho a termo para sem termo, no período de tributação de 2011 e 2012”,

o)           Defendendo que “ficam afastados do benefício os trabalhadores transferidos para a Requerente que já detinham um vínculo contratual sem termo na B...”.

p)           Dessa decisão a “A...” interpôs Recurso Hierárquico, em 10 de Agosto de 2018, tendo em vista contestar os fundamentos apresentados pela AT para o deferimento parcial do Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – Doc.º n.º 7,

q)           Em 25 de Setembro de 2020, a Requerente foi notificada, por ofício, da decisão final de deferimento parcial do referido Recurso Hierárquico, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - Doc. n.º 8, com a qual não concorda e vem impugnar.

r)            Cálculo do benefício fiscal na petição inicial

i.             A título preliminar, importa esclarecer a metodologia utilizada pela Requerente para o cálculo do benefício fiscal com a criação de emprego relativamente aos exercícios de 2011 e de 2012, em particular, no que se refere ao apuramento das entradas e saídas elegíveis de colaboradores nos exercícios de 2006 a 2010, na esfera da “B...”.

ii.            Num primeiro momento, procedeu-se ao apuramento da CLE verificada na esfera da “B...” relativamente aos exercícios de 2006 a 2010, considerando a totalidade das entradas e saídas de colaboradores efetivos na esfera da “B...”, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - Doc. n.º 9.

iii.           Assim, de acordo com o apuramento do benefício fiscal em apreço, na esfera da “B...” foi apurada a criação líquida de postos de trabalho, conforme apresentado no quadro seguinte:

B..., Lda.

Exercício              Entradas Elegíveis           Saídas Elegíveis Criação Líquida de Emprego

2006      2             0              2

2007      5             0              5

2008      6             0              6

2009      7             0              7

2010      17           0              17

 

iv.           Numa segunda fase, a “A...” procedeu à identificação dos trabalhadores que (i) tinham sido considerados elegíveis para efeitos de apuramento da CLE na esfera da “B...” nos exercícios de 2006 a 2010 (cfr. doc. n.º 9) e (ii) tinham sido transferidos para a “A...” no âmbito do processo de cisão, conforme consta do Projeto de Cisão, que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – Doc. n.º 10.

v.            Deste modo, concluiu que, relativamente à CLE de 2006, existia um saldo entre entradas e saídas elegíveis de 2 colaboradores na “B...”, sendo que os 2 colaboradores cuja remuneração foi objeto de majoração correspondem aos 2 colaboradores considerados como elegíveis na esfera da “B...” e que, no âmbito da fusão, passaram para a “A...”.

vi.           Concretizando, relativamente a 2006, a “A...” majorou, em 2011, os encargos associados aos seguintes colaboradores (i) C... e; (ii) D... .

 

vii.          Relativamente à CLE de 2007, existia um saldo entre entradas e saídas elegíveis de 5 colaboradores na esfera da “B...”, sendo que os 5 colaboradores cuja remuneração foi alvo de majoração correspondem apenas aos 5 colaboradores transferidos para “A...” (e, naturalmente, considerados como elegíveis na esfera da “B...”).

viii.         Ou seja, relativamente a 2007, a “A...” majorou, em 2011 e a 2012, os encargos, por referência aos respetivos períodos, associados aos seguintes colaboradores: (i) E...; (ii) F...; (iii) G...; (iv) H...; e (v) I... .

ix.           Por último, relativamente à CLE de 2008, existe um saldo entre entradas e saídas elegíveis de 6 colaboradores na esfera da “B...”, sendo que os 6 colaboradores cuja remuneração foi objeto de majoração correspondem aos 6 colaboradores considerados como elegíveis na esfera da “B...” e transferidos para a “A...”.

x.            Relativamente a 2008, a “A...” majorou, em 2011 e em 2012, os encargos, por referência aos respetivos exercícios, associados aos seguintes colaboradores: (i) J...; (ii) K...; (iii) L...; (iv) M...; (v) N...; e (vi) O... .

xi.           Relativamente à CLE de 2009, existe um saldo entre entradas e saídas elegíveis de 7 colaboradores na esfera da “B...”, sendo que a remuneração que foi alvo de majoração em 2011 e 2012, corresponde aos 7 colaboradores transferidos para a “A...” (e, naturalmente, considerados como elegíveis na esfera da “B...”), que se encontravam nos quadros da empresa nos referidos exercícios.

xii.          Ou seja, em 2011, a “A...” majorou os encargos associados aos seguintes colaboradores (que efetivaram em 2009 na “B...”): (i) P...; (ii) Q...; (iii) R...; (iv) S...; (v) T...; e (vi) U...; e (vii) V... .

xiii.         No exercício de 2012, as remunerações dos colaboradores U... e  V... (admitidos na esfera da “B...” em 2009, e transferidos para a esfera da “A...” em 2011) não foram alvo de majoração, uma vez que os colaboradores em apreço saíram dos quadros da Empresa no decurso do exercício de 2011.

xiv.         Cumpre referir que relativamente ao colaborador O..., a Requerente cometeu um lapso ao considerar, no pedido inicial, como entrada elegível no exercício de 2009, apesar deste colaborador ter efetivado, na “B...”, no exercício de 2008 (e não no exercício de 2009) – efeito já refletido no montante do benefício fiscal e nos saldos supra referidos.

xv.          Por último, relativamente a 2010, existe um saldo entre entradas e saídas elegíveis de 17 colaboradores na esfera da “B...”, sendo que a remuneração que foi alvo de majoração em 2011 e 2012, corresponde a 17 (2011) e 13 (2012) colaboradores transferidos para a “A...” (considerados como elegíveis na esfera da “B...”), que se encontravam nos quadros da empresa naqueles exercícios, respetivamente – a este respeito, importa salientar que a colaboradora W... foi transferida no âmbito da cisão, mas só se tornou efetiva em 2011, já na “A...” (ao invés do considerado inicialmente pela “A...”) – efeito refletido no cálculo do benefício em apreço e nos saldos supra referidos].

xvi.         Ou seja, em 2012, a “A...” majorou os encargos associados aos seguintes colaboradores (que efectivaram em 2010 na “B...”): (i) X...; (ii) Y...; (iii) Z...; (iv) AA...; (v) BB...; (vi) CC...; (vii) DD...; (viii) EE...; (ix) FF...; (x) GG...; (xi) HH... (xii) II...; e (xiii) JJ... .

xvii.        Adicionalmente aos colaboradores referidos, em 2011, a “A...” majorou ainda os encargos relativos a: (xiv) KK...; (xv) LL...; (xvi) MM...; e (xvii) NN..., uma vez que aqueles colaboradores saíram dos quadros da A... no decorrer do exercício em questão.

xviii.       Concluindo, entende a “A...” que se encontra provada a legitimidade do direito à majoração dos encargos associados à CLE verificada na esfera da “B...”, nos exercícios de 2006 a 2010, relativamente aos colaboradores que no âmbito da cisão se transferiram para a “A...”.

xix.         Considerando que a “A...” possui “elementos de prova (…) vinculativos para a entidade empregadora, envolvendo, pelo menos, as partes do contrato” e, aliás, “que vinculam externamente a entidade”, conforme dispõe a Ficha Doutrinária emitida no âmbito do processo nº 1979/2008, com despacho concordante do substituto legal do Diretor – Geral, de 2008.09.10,

xx.          Então, considera-se que a Requerente pode usufruir do benefício fiscal à CLE, no montante de € 185.008,82, em 2011, e no montante de € 171.205,37, em 2012, conforme consta dos documentos que se juntam e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – Docs. n.ºs 11 e 12.

xxi.         A este respeito, importa referir que os montantes de benefício fiscal supra referidos diferem dos montantes peticionados em sede de Recurso Hierárquico, na medida em que os montantes agora solicitados se encontram a considerar o entendimento proferido no âmbito do Acórdão emitido por parte de STA (processo 01054/17.6BALSB, de 8 de maio de 2019) – posição que, aliás, também foi adotada pela AT na análise do Recurso Hierárquico que agora se encontra a ser objeto de contestação por via da presente petição.

xxii.        De facto, de acordo com aquele entendimento, o limite máximo aplicável ao benefício fiscal em análise não deverá ser corrigido pelo proporcional associado ao período de tempo em que o contrato de trabalho dos colaboradores elegíveis esteve vigente.

xxiii.       Adicionalmente, cumpre, uma vez mais, salientar que a AT reconheceu já o deferimento parcial, tanto em sede de Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários, como em sede de Recurso Hierárquico, no que respeita aos montantes relativos à criação líquida de emprego apurada relativamente ao exercício de 2011, para os períodos de 2011 e de 2012.

xxiv.      Deste modo, a AT propôs em sede de deferimento parcial do Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários que fosse “inscrito no campo 774 do quadro 07 da declaração Mod. 22 e no campo 401 do quadro 04 do anexo D”, “no período de 2011, o montante de EUR 6.187,99, relativo à CLE 2011” e “no período de 2012, o montante de EUR 18.568,69 relativo à CLE de 2012”, tendo sido o montante relativo ao período de 2011 revisto em sede de deferimento parcial do Recurso Hierárquico para EUR 17.008,82, em virtude da revisão do ajustamento proporcional conforme Instrução de Serviço nº .../2019, de 21 de agosto de 2019.

xxv.       A este respeito, cumpre referir também que a AT já procedeu ao reembolso de parte do imposto suportado em excesso nos exercícios de 2011 e 2012 (por referência ao deferimento parcial do Pedido de Revisão Oficiosa dos Atos Tributários), de, respetivamente € 1.855,25 e de € 4.455,10, não tendo, no entanto, sido efetuado qualquer reembolso adicional em consequência do deferimento parcial do Recurso Hierárquico apresentado, nos termos anteriormente descritos.

xxvi.      Neste sentido, aqueles montantes deverão ser deduzidos ao montante final a reembolsar, caso o presente pedido de pronuncia arbitral seja (como se espera!) atendido.

 

s)            Aplicação do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego na esfera da “A...”

i.             Tal como mencionado anteriormente, a origem da “A...” remonta à operação de cisão simples, pelo qual se destacou parte do património da “B...”, constitutivo de uma unidade economia autónoma, (i.e., um conjunto de bens aptos a, de um ponto de vista organizacional, funcionar autonomamente), para dar origem a uma nova entidade (“A...”).

ii.            Como é sabido, a lei não prevê uma definição de cisão em concreto, apenas se limita a estabelecer as modalidades possíveis no artigo 118º do Código das Sociedades Comerciais.

iii.           Por conseguinte, o referido preceito legal prevê a possibilidade de uma sociedade destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade. Ou seja, na cisão simples, a sociedade cindida subsiste e parte dos seus bens (e colaboradores…) dão origem a uma nova sociedade.

iv.           Do exposto resulta que, antes de qualquer entendimento ou de qualquer análise em termos fiscais, é necessária uma análise do conceito, resultante da interpretação das normas constantes no Código das Sociedades Comerciais e do próprio Código do Trabalho.

v.            Neste sentido, como previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 118.º do Código das Sociedades Comerciais, mediante uma operação de cisão, parte do património da sociedade cindida passa para a esfera da nova sociedade, o que implica que todos os direitos e obrigações inerentes àquela unidade económica/ atividade económica autónoma se transferem para a nova sociedade.

vi.           Como unidade económica deve entender-se o “conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica principal ou acessória” (cfr. nº 5 do artigo 285º do Código do Trabalho).

vii.          Ora, facilmente se depreende que para a criação de uma unidade económica, conforme supra definido, se deverão incluir, naturalmente, os recursos humanos necessários para o desenvolvimento da atividade daquela unidade económica,

viii.         Sem os quais, os meios destacados não serão capazes de “exercer uma atividade económica”.

ix.           Assim, se por definição, conforme disposto no artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, a propósito de uma operação de fusão, mas igualmente aplicável a uma operação de cisão, nos termos do artigo 120.º do mesmo Código, no âmbito desta operação passam todos os direitos e obrigações inerentes à unidade económica cindida, só por mero lapso de raciocínio não se poderá equacionar que os benefícios fiscais associados ao ramo de negócio destacado e, em concreto, aos recursos humanos destacados não serão, igualmente, transferidos para a nova sociedade.

x.            Efetivamente, com a cisão, transmite-se a universalidade de todos os direitos e obrigações inerentes, sendo de todo legítimo (e, inquestionável) o entendimento de que os benefícios fiscais se incluem no elenco das relações jurídicas ativas e passivas objeto de transmissão!

xi.           De facto, e nesse sentido que a diversa Jurisprudência aponta, considerando que um benefício fiscal é um direito adquirido até o final do termo previsto na lei.

xii.          Ou seja, a interpretação da AT não pode de modo algum ser aceite, na medida em que, sendo o benefício fiscal em apreço um direito integrante da universalidade transmitida, não pode ser separado e ser-lhe conferido um tratamento diferente.

xiii.         Deste modo, se os colaboradores continuam a desempenhar a atividade no âmbito da mesma unidade económica (nos mesmos moldes e condições), mas na esfera da “A...”, não será de todo percetível as motivações que sustentem a rejeição da possibilidade de a “A...” não poder continuar a usufruir do benefício fiscal relativamente àqueles colaboradores no prazo remanescente, até completar cinco exercícios desde a sua admissão aos quadros da “B...”, como corolário do principio da continuidade das operações subjacente às operações de fusão ou cisão, nos termos, quer da legislação comercial, quer da legislação fiscal, com especial enfoque, neste último caso, para as operações que, como é o caso, beneficiam do regime especial de neutralidade fiscal em IRC.

xiv.         Aliás, conforme bem conclui o Acórdão citado, “não se pode argumentar com base na intransmissibilidade do benefício fiscal, (…) [o qual] continua a bafejar a sociedade a quem foi atribuído, agora na sua nova forma jurídica”.

xv.          Caso assim não fosse, estaria “o princípio da neutralidade fiscal [aplicado à operação de cisão] (…) [a ser] desrespeitado se [da cisão] resultasse a perda do incentivo em apreço”.

xvi.         Em face do exposto, entende a “A...” que se encontra desprovida de qualquer sentido a argumentação utilizada pela AT na decisão final do Pedido de Revisão Oficiosa dos Actos Tributários, ao defender que os colaboradores transmitidos para a esfera da Requerente, no âmbito da operação de cisão, não podem usufruir do benefício fiscal associado à Criação Líquida de Emprego, na medida em que nem o Código do IRC, bem o EBF continham disposições relativas à transmissibilidade de benefícios fiscais de forma automática em consequência da cisão, não sendo o benefício transmissível da “B...” para a Requerente.

xvii.        De facto, conforme se demonstrou, tal entendimento é absolutamente desnecessário e redundante, na medida em que o princípio da continuidade das operações, isto é, como se não tivesse ocorrido qualquer operação de cisão, resulta do próprio enquadramento societário da operação e é um dos pilares do regime especial de neutralidade fiscal previsto no Código do IRC.

xviii.       Com efeito, a AT autolimita a sua análise à inexistência (aparente) de qualquer possibilidade expressa de transmissão de benefícios fiscais no âmbito da operação de cisão que aproveita do regime da neutralidade fiscal em IRC.

xix.         De acordo com o princípio da neutralidade fiscal e, bem assim, do princípio da continuidade das operações, os efeitos da operação de cisão devem ser considerados neutros e, como tal, a parte da atividade da sociedade cindida (“B...”), destacada no âmbito da operação de cisão simples, passa a ser exercida pela “A...”, nos exatos termos em que era anteriormente exercida na sociedade cujo património é dividido, como se a cisão não tivesse ocorrido – na concretização plena do regime e do princípio subjacente à neutralidade fiscal.

xx.          Ou seja, o benefício fiscal adquirido na “B...” relativo aos colaboradores que contratou sem termo e que, posteriormente, foram transferidos para a esfera da “A...”, por via da operação de cisão simples (que beneficiou do regime de neutralidade fiscal em IRC), deve, naturalmente, acompanhar a unidade económica, assumindo as condições existentes (nomeadamente a limitação temporal) na esfera da sociedade originária – na verdade, apenas desta forma é possível cumprir os desígnios do regime de neutralidade fiscal em IRC e, bem assim, o espírito subjacente às próprias normas laborais.

xxi.         Com efeito, nos termos do Código do Trabalho, na transmissão de parte de empresa ou estabelecimento em que, como é o caso, aquela constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente (leia-se, sociedade constituída no âmbito da cisão) a posição de empregador no contrato de trabalho anteriormente vigente.

xxii.        Na verdade, e por referência à legislação à data dos factos, está atualmente assente na Jurisprudência que os benefícios fiscais, como é o caso da criação líquida de emprego, que ainda não tenham sido totalmente utilizados pela sociedade cindida ou contribuidora deverão ser utilizados pela sociedade beneficiária para a qual sejam transferidos os postos de trabalho.

xxiii.       Por conseguinte, e em particular no que respeita à criação líquida dos postos de trabalho, no caso dos trabalhadores em que a “A...” assumiu a posição de empregador, o benefício fiscal em apreço mantém-se pelo período ainda não decorrido, nos termos do nº 5 do artigo 19.º do EBF (ou seja, “durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho”, o qual ocorreu, sem margem para dúvidas, na esfera da “B...”, em 2006, 2007, 2008, 2009 ou 2010, conforme os casos).

xxiv.      Aliás, se dúvidas subsistissem, atente-se à decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do processo nº 15/2011-T – em tudo semelhante ao caso em discussão, i.e., transmissibilidade do benefício fiscal à CLE no âmbito de uma operação de cisão simples, – suportada no já citado Acórdão nº 01265/04, de 13 abril de 2005, que refere que “todos os bens daquela [sociedade fundida], não se deixaram de manter na sociedade, agora fundida com as demais, como também não o deixaram, por obra da fusão, de continuar afetos à atividade em que eram utilizados”.

xxv.       Conclui que “o benefício fiscal continua a bafejar a sociedade a quem foi atribuído, agora na sua nova forma jurídica (sociedade fundida)”.

xxvi.      Em face do exposto, bem como ao espírito do regime da neutralidade fiscal em IRC, entende a Requerente que não se verifica, no caso em apreço, uma verdadeira transmissão do benefício fiscal da criação líquida de emprego, na medida em que, na verdade, este se mantem afeto à mesma unidade económica, ainda que numa entidade distinta.

xxvii.     Foi, aliás, neste sentido que decidiu o CAAD, quando afirma “podemos concluir que, no caso em análise, não se verificou a transmissão do benefício fiscal, que continua afeto à mesma atividade, só que numa entidade distinta”, ou seja, conclui no sentido de se considerar que a sociedade beneficiária pode usufruir do benefício fiscal à CLE relativamente aos colaboradores transferidos da sociedade cindida para a sociedade beneficiária, pelo período ainda não decorrido.

xxviii.    Ou seja, no caso em apreço não se verifica uma transferência do benefício fiscal, na medida em que, sendo a unidade económica a mesma, ainda que agora na esfera da A..., o benefício fiscal associado aos colaboradores afetos a essa unidade económica segue esses mesmos colaboradores.

xxix.      Dito isto, a questão que se coloca, interpretando de forma restritiva a conclusão da AT e aceitando como válido que o benefício fiscal é concedido à Empresa (o que apenas se admite aqui por mero exercício de explanação do raciocínio), é: porque razão as unidades económicas que se mantêm na sociedade cindida poderiam continuar a aproveitar do benefício fiscal (em relação aos colaboradores afetos àquelas unidades económicas) e, relativamente às unidades de negócio destacadas, esse aproveitamento fica vedado, apesar dessa divisão ocorrer ao abrigo do princípio da continuidade das operações e aproveitar do regime especial de neutralidade em IRC?

 

t)            Da decisão emitida pelo CAAD no âmbito do processo nº 365/2018-T

i.             Finalmente, importa chamar à colação a decisão emitida pelo CAAD, no âmbito do processo nº 365/2018-T, com aplicação direta ao caso em discussão, na medida em que se trata de uma decisão dirigida (e favorável) à Requerente, sobre a mesma situação concreta, mas aquela relativa à apreciação do benefício fiscal à CLE do exercício de 2013 (onde, naturalmente, esteve em análise a criação líquida de postos de trabalho decorrente da cisão ocorrida em 2011).

 

u)           Da violação dos princípios consagrados constitucionalmente

i.             Por último, e sem prescindir dos argumentos acima expostos, a Requerente entende que o entendimento da AT, na medida em que não permite o aproveitamento do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego na esfera da “A...”, viola os princípios previstos na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente da segurança e certeza jurídicas (artigo 2.º).

 

v)            Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, requer-se que seja o presente julgado procedente e, em consequência, i) se proceda à anulação da decisão da AT na parte em que indeferiu o pedido da Requerente relativo à (não) aceitação do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego, ou, em alternativa, se dê eco ao entendimento preconizado pelo CAAD no âmbito do processo n.º 365/2018-T e, bem assim, pela AT, retirando-se daí as consequências práticas desse entendimento, nomeadamente no que diz respeito à criação de postos de trabalho, na esfera da “A...”, no exercício de 2011, e, ii) por consequência, se mande restituir os montantes de IRC pagos em excesso, no montante, respetivamente de € 47.172,09 e de € 40.914,32, ou, em alternativa, e respetivamente de € 47.183,60 e de € 42.257,15 (considerando o efeito dos montantes já reembolsados pela AT a este respeito).

 

4.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese:

a)            O presente pedido de pronúncia arbitral vem apresentado contra a decisão de deferimento parcial proferida pela SDG no RH com nº SICAT ...2019..., interposto da decisão de deferimento parcial proferido pela Diretora de Serviços na RO nº ...2016..., relativa às liquidações nºs 2015... e 201... para os períodos de tributação de 2011 e 2012.

b)           A Requerente pede a anulação da decisão da AT na parte em que indeferiu o pedido da Requerente relativo à (não) aceitação do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego, ou, em alternativa, se dê eco ao entendimento preconizado pelo CAAO no âmbito do processo n.º  365/2018-T e, bem assim, pela AT, retirando-se daí as consequências práticas desse entendimento, nomeadamente no que diz respeito à criação de postos de trabalho, na esfera da "A...", no exercício de 2011, e, ii) por consequência, se mande restituir os montantes de IRC pagos em excesso, no montante, respetivamente de € 47.172,09 e de € 40.914,32, ou, em alternativa, e respetivamente de € 47.183,60 e de € 42.257,15 (considerando o efeito dos montantes já reembolsados pela AT a este respeito).

c)            A AT, por sua vez, entende que as liquidações não estão feridas de ilegalidade, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.

 

POR IMPUGNAÇÃO

d)           Em causa nos presentes autos está o benefício fiscal de dedução à coleta dos lucros retidos e reinvestidos ao abrigo do CFI.

e)           Quanto aos factos com interesse para a boa decisão da causa, atento o alegado pelas partes e a prova documental junta, máxime o processo administrativo, será de considerar assente no probatório o seguinte:

a.            A Requerente encontra-se sujeita, e não isenta, a tributação em IRC e teve a sua origem no processo de cissão, ocorrido no período de tributação de 2011, da sociedade B..., SA, NIF ... .

b.            No estiro cumprimento das obrigações fiscais, apresentou tempestivamente as suas declarações de rendimentos.

c.            Interpôs pedido de revisão oficiosa, cuja matéria é o benefício fiscal de criação de emprego, e em que contestou os atos tributários de autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2011 e 2012, sendo controvertida a questão da transmissibilidade do benefício quanto às divergências da criação de emprego, o qual foi deferido parcialmente, porquanto:

i.             Em 31/10/2010, foi efetuado um pedido de registo, na Conservatória do Registo Comercial de ..., de uma operação de cisão simples, mediante o destaque de parte do património da sociedade B..., S.A., NIF: ..., correspondente à atividade associada à cadeia de Lojas... .

ii.            Da análise conjugada do projeto de cisão simples com a informação constante no Portal da Justiça - Publicação On-Line de Ato Societário e de outras entidades conclui-se que o património destacado da B..., constituiu uma “unidade económica”, isto é, um conjunto de bens aptos a, de um ponto de vista organizacional, funcionar autonomamente, dando origem à constituição de uma nova sociedade ( a Requerente ), a qual foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de .... ( Insc.1 - AP. .../2010...).

 

iii.           A cisão em questão, obedeceu à modalidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 118.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e à definição constante da alínea a) do n.º 2 do art.º 73.º do Código do IRC.

iv.           A parte do património da B..., referente à atividade associada à cadeia de loja ..., corresponde à definição de ramo de atividade prevista no n. º4 do art.º 73.º do Código do IRC: “um conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”. (cfr. projeto de cisão, junto ao processo).

v.            O projeto de cisão refere igualmente que a composição e organização individual do ramo de atividade que deu origem à Requerente, corresponde aos:

             Ativos associados à comercialização dos produtos ... (…)

             Recursos humanos afetos na esfera da B... à gestão desses ativos;

             Meios patrimoniais adequados ao suporte do exercício da atividade ( v.g., ativos fixos tangíveis ) ; e

             Passivo associado a esses ativos.

             O anexo IV do supra mencionado projeto de cisão contém a “relação nominal dos trabalhadores afetos à B... (sociedade cindida) que passarão a estar afetos à Nova SOCIEDADE”.

             Mais é referido que “Com a inscrição do registo definitivo da cisão simples na competente Conservatória do Registo Comercial, transmite-se a universalidade dos direitos e obrigações relativos à presente unidade económica para a esfera da NOVA SOCIEDADE”.

vi.           Verifica-se que com a constituição da Requerente os trabalhadores elencados no Anexo IV do Projeto de cisão simples deixaram de exercer funções na B... tendo sido transmitidos a globalidade dos seus direitos e obrigações para a esfera da Requerente.

vii.          Assim, de entre os trabalhadores elencados pela Requerente que serviram de base ao apuramento das CLE dos períodos de 2006 a 2011, apenas podem ser aceites, os que alteraram o seu vínculo laboral para com a Requerente passando a efetivos, por transformação do contrato de trabalho a termo para sem termo, no período de tributação de 2011 tendo em conta que : A aplicação da regra da sucessão universal ao estatuto jurídico dos trabalhadores, em resultado do processo de cisão por constituição de nova sociedade, garante a manutenção da posição de cada um deles, significando que a entrada dos mesmos na esfera jurídica da Requerente não deu lugar à celebração de novos contratos de trabalho.

viii.         Ou seja, a relação contratual laboral que existia entre a B... e os trabalhadores é a mesma que passou a ter a Requerente, após a operação de cisão.

ix.           Recorde-se que, nos termos do art.º 15.º do EBF, o benefício fiscal “criação de emprego” não é transmissível entre entidades juridicamente diferentes.

x.            Assim, ficam afastados do benefício os trabalhadores transferidos para a Requerente que já detinham um vínculo contratual sem termo na B....

xi.           Pelo que, com referência à operação de cisão em causa, é de concluir que na esfera da Requerente, apenas houve lugar a novas admissões suscetíveis de aproveitamento do benefício do art.º 19.º do EBF, relativamente aos funcionários transferidos da B... que detinham naquela entidade um contrato de trabalho a termo certo, cuja conversão para contrato de trabalho sem termo, ocorreu na Requerente enquanto entidade empregadora, desde que reúnam os pressupostos de acesso ao benefício.

xii.          Com efeito, a transmissão da posição de empregador para a Requerente originou, quanto aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da B... à data da cisão, a garantia da manutenção na Requerente do estatuto que os mesmos já detinham anteriormente, conforme prevê o §.16.ºdo Projeto de Cisão “a sociedade a constituir assumirá a posição contratual da B... nos contratos de trabalho em vigor, não existindo qualquer alteração aos direitos já adquiridos dos trabalhadores em causa”.

xiii.         Uma vez que a Requerente iniciou a sua atividade em 2011, não se verificaram quaisquer CLE entre 2006 e 2010 na sua esfera. Assim, foi negado o benefício fiscal solicitado, conforme quadro seguinte:

 

Período BF solicitado

xiv.         Ora, a Requerente não usufruiu de incentivos à Contratação de Jovens à Procura do primeiro emprego e de Desempregados de Longa Duração durante os períodos de 2010 a 2013, de acordo com informação do Instituto da Segurança Social, I.P. (cfr. informação prestada pela Direção de Finanças de ...., junto ao processo).

xv.          Concluiu - se, assim, que no período de tributação de 2011, ocorreu uma CLE em número de 4, nas condições previstas no art.º 19.º do EBF, tendo a Requerente selecionado, de entre as entradas elegíveis, os trabalhadores OO..., PP..., QQ... e RR... para aproveitar a majoração dos encargos suportados com estes trabalhadores para efeitos do benefício fiscal, aplicável durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho por tempo indeterminado ( cfr. n.º 1 e n.º 5 do art.º 19.º do EBF .

xvi.         Foi assim, efetuado o apuramento do benefício fiscal “criação de emprego” a considerar em 2011 e 2012, devendo ser inscrito no campo 774 do quadro 07 da declaração Mod. 22 e no campo 401 do quadro 04 do Anexo D no período de 2011, o montante de € 6.187,99 relativo à CLE 2011 e no período de 2012, o montante de € 18.568,69 relativo à CLE 2011.

xvii.        Desta decisão apresentou em 18.08.2018, recurso hierárquico, no qual foi confirmada a proposta de indeferimento para os períodos de 2011 e 2012, quanto à transmissibilidade do benefício e quanto às divergências da criação de emprego, e o deferimento, quanto ao período de 2011, no sentido do cumprimento da Instrução de serviço n.º .../2019.

 

IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA

f)            À data dos factos, não havendo no Código do IRC qualquer disposição acerca da transmissibilidade de benefícios fiscais de forma automática, em consequência da cisão e não existindo também qualquer dispositivo especial no artigo 17º do EBF ( atual artigo 19º ) que estatui o benefício fiscal aqui em causa, a solução deste caso teria de ser encontrada no âmbito da disposição específica que o legislador reservou sobre esta matéria, isto é, o artigo 15º do EBF, intitulado “Transmissão dos benefícios fiscais”.

g)            De acordo com o nº 1 desse artigo, o direito aos benefícios fiscais não é, em princípio, transmissível intervivos, admitindo, no entanto, algumas exceções, as previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo.

h)           Esta exceção abrange os benefícios fiscais objetivos que são inerentes ao regime jurídico de certos bens e respetivos rendimentos em que a transmissão do benefício opera para o adquirente, situação que aqui não se põe.

i)             A outra exceção ao princípio de intransmissibilidade dos benefícios fiscais está prevista no n.º 3 do artigo 15.º do EBF, nos seguintes termos: “é igualmente transmissível inter vivos, mediante autorização do Ministro das Finanças, o direito aos benefícios fiscais concedidos, por ato ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou coletivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos.

j)             Ora, sabendo - se que o benefício relativo à criação líquida de emprego para jovens e desempregados de longa duração, é atribuível de forma automática, não dependendo de reconhecimento nem resultando de qualquer contrato fiscal, está o mesmo também excluído desta última exceção ao artigo 15.º do EBF.

k)            Assim sendo, o direito a efetuar a majoração prevista no artigo 17.º (atual artigo 19.º) do CIRC não é transmissível da sociedade cindida B... para a Requerente.

l)             A Requerente defende no presente Pedido Arbitral que, com a cisão da sociedade “B...”, a unidade económica existente transferiu - se para a sociedade nova criada (A...), sendo que assim, o benefício fiscal “criação líquida de emprego “associado aos colaboradores afetos a essa unidade económica segue esses mesmos trabalhadores.

m)          Não nos parece que assim seja, pois, conforme se concluiu no Ponto 16 da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 201/2013 - T, citada por várias vezes pela Requerente no seu pedido:

a.            Uma sociedade que receba trabalhadores, quer por cedência de contratos de trabalho quer por transmissão com estabelecimento, de uma outra sociedade que, relativamente àqueles trabalhadores, vinha deduzindo encargos laborais majorados, por os ter recrutado de acordo com os requisitos previstos no referido artigo 19º ( antes 17º ) do EBF, não poderá continuar a deduzir os encargos laborais relativos aos trabalhadores em causa com o mesmo regime de majoração que lhes vinha sendo aplicado e pelo período de vigência do benefício de que a empresa transmitente usufruía;

b.            . O facto de a transferência de trabalhadores ter ocorrido num contexto de fusão-cisão, efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto no art. 67º e seguintes do CIRC, não tem influência sobre a solução, porque o regime previsto no art. 19º (no caso, 17º) do EBF “ não acompanha o trabalhador ”, independentemente de continuar afeto à mesma atividade e ao mesmo estabelecimento - trata-se de um benefício que visa a criação de postos ( novos ) de trabalho e não beneficiar a transmissão de trabalhadores entre empresas.»

n)           Este entendimento, subscrito na integra pela AT, já foi dado a conhecer à Requerente aquando da apreciação à sua petição de recurso hierárquico, explicitando - se que :

o)           “O artigo 19º do EBF trata-se de um benefício concedido a uma empresa por criar empregos, o cálculo do saldo do número de postos de trabalho é feito no momento do início da vigência do contrato de trabalho e é específico relativamente àquela empresa. O trabalhador “não transporta” o benefício consigo. Qualquer outra empresa para onde ele seja transferido terá ou não direito a benefício idêntico conforme cumpra ou não, por sua vez, os pressupostos exigidos no artigo do EBF sobre criação de empregos.

p)           O legislador não pretendeu, no artigo. 19º ( anteriormente 17º e 48º ) do EBF, que uma criação de postos de trabalho por uma empresa continuasse a propiciar o benefício atribuído essa entidade patronal, às empresas por onde esses trabalhadores viessem posteriormente a passar mas sim que as empresas que criaram os postos de trabalho os mantivessem por um período mínimo; outras empresas, para auferirem o mesmo benefício, terão, ao recrutar trabalhadores, ainda que por transferência, que realizar uma “ criação líquida de postos de trabalho ”. Ou seja, o incentivo é criar postos de trabalho, não transferi-los.”

q)           No entanto, o direito ao benefício fiscal estipulado atualmente no artigo 19º do EBF (e antes no artigo 17º), não é transmissível da sociedade cindida “B...” para a Requerente A... .

r)            E assim sendo, esta última entidade não pode beneficiar nos exercícios de 2011 e 2012 da majoração pretendida.

s)            Insurge - se a Requerente contra o facto de não ter sido apreciado em sede de recurso hierárquico o argumento referido no Artigo do pedido arbitral, em virtude do mesmo não ter sido invocado no pedido de revisão oficiosa.

t)            Ora, consistindo em o recurso hierárquico num pedido de reexame da matéria objeto de decisão anterior, não faz sentido os contribuintes alegarem novos pedidos nessa fase.

u)           No caso em apreço, tratou - se efetivamente de um novo pedido, e não de contra - argumentação, conforme se quer fazer crer, pois o mesmo requereu que : “ Caso a AT entenda serem inválidos os argumentos apresentados a propósito dos trabalhadores transferidos para A..., por via da cisão da B..., o beneficio fiscal em causa deve ser atribuído nos montantes respetivamente de 177.642,24 € para 2011, e de 172.747,02 € para 2012, pois que, os mesmos constituem entradas elegíveis na esfera daquela entidade, no ano de 2011, na medida em que nenhum dos colaboradores foi efetivamente elegível para tal benefício fiscal na esfera da B... .”

v)            Face ao exposto, também aqui não se mostram válidas as razões apresentadas pela Requerente.

w)          A Requerente refere que a decisão proferida pelo CAAD no processo nº 365/2018 - T lhe foi favorável quanto ao exercício de 2013, requerendo que a mesma seja considerada na apreciação do caso sub judice.

x)            Ora, consultado o referido Acórdão, verifica - se a partir da página 7, onde se refere “Subsidiariamente (…) “, que a decisão em apreço, foi proferida em função ainda, da questão mencionada no ponto anterior desta Informação.

y)            Com efeito, solicita o sujeito passivo se “as novas entradas de colaboradores na esfera da A... correspondendo a criação de postos de postos de trabalho, cumprem ou não as condições impostas no atual artigo 19º do EBF.”.

z)            Ora, no caso sub judice, o que se está a analisar é a situação da transmissibilidade do benefício fiscal “Criação líquida de emprego “da sociedade cindida “B...” para uma nova sociedade, a Requerente “A...”, e não se esta última pode beneficiar de forma independente do benefício em causa.

 

5.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 22-12-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-12-2020.

 

6.            Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, e 1-A/2021, de 13 de janeiro, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de fevereiro de 2021 e 5 de abril de 2021.

 

7.            A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excecional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, atos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no artigo 6.º-B da suprarreferida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a apresentação do pedido e a constituição do Tribunal.

 

8.            Em 03-05-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

9.            As partes devidamente notificadas dessa designação, em 03-05-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21-05-2021.

 

10.          Na sua resposta veio a AT defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral reiterando a legalidade dos atos de liquidação impugnados pela Requerente, tendo junto Processo Administrativo (PA).

Em 27-06-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«1. Não tendo sido suscitada matéria de exceção e não havendo prova a produzir, dispensa-se a realização da audiência (art. 18.º do RJAT).

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.

3. Designa-se o dia 21 de novembro de 2021 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, devendo, até essa data, a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.»

 

POSTO ISTO:

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

a.            A Requerente encontra-se sujeita, e não isenta, a tributação em IRC e teve a sua origem no processo de cissão, ocorrido no período de tributação de 2011, da sociedade B..., SA, NIF... .

b.            No estiro cumprimento das obrigações fiscais, apresentou tempestivamente as suas declarações de rendimentos (cfr. docs nºs 1 a 4 juntos com o Pedido e que se dão por reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos).

c.            Interpôs pedido de revisão oficiosa, cuja matéria é o benefício fiscal de criação de emprego, e em que contestou os atos tributários de autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2011 e 2012, sendo controvertida a questão da transmissibilidade do benefício quanto às divergências da criação de emprego, o qual foi deferido parcialmente, porquanto:

i.             Em 31/10/2010, foi efetuado um pedido de registo, na Conservatória do Registo Comercial de ..., de uma operação de cisão simples, mediante o destaque de parte do património da sociedade B..., S.A., NIF:..., correspondente à atividade associada à cadeia de Lojas ... .

ii.            Da análise conjugada do projeto de cisão simples com a informação constante no Portal da Justiça - Publicação On-Line de Ato Societário e de outras entidades conclui-se que o património destacado da B..., constituiu uma “unidade económica”, isto é, um conjunto de bens aptos a, de um ponto de vista organizacional, funcionar autonomamente, dando origem à constituição de uma nova sociedade ( a Requerente ), a qual foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de .... ( Insc.1 - AP. .../2010...).

iii.           A cisão em questão, obedeceu à modalidade prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 118.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e à definição constante da alínea a) do n.º 2 do art.º 73.º do Código do IRC.

iv.           A parte do património da B..., referente à atividade associada à cadeia de loja ..., corresponde à definição de ramo de atividade prevista no n. º4 do art.º 73.º do Código do IRC: “um conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento”. ( cfr. projeto de cisão, junto ao processo).

v.            O projeto de cisão refere igualmente que a composição e organização individual do ramo de atividade que deu origem à Requerente, corresponde aos:

1.            Ativos associados à comercialização dos produtos ... (…)

2.            Recursos humanos afetos na esfera da B... à gestão desses ativos;

3.            Meios patrimoniais adequados ao suporte do exercício da atividade ( v.g., ativos fixos tangíveis ) ; e

4.            Passivo associado a esses ativos.

5.            O anexo IV do supramencionado projeto de cisão contém a “relação nominal dos trabalhadores afetos à B... (sociedade cindida) que passarão a estar afetos à Nova SOCIEDADE”.

6.            Mais é referido que “Com a inscrição do registo definitivo da cisão simples na competente Conservatória do Registo Comercial, transmite-se a universalidade dos direitos e obrigações relativos à presente unidade económica para a esfera da NOVA SOCIEDADE”.

vi.           Verifica-se que com a constituição da Requerente os trabalhadores elencados no Anexo IV do Projeto de cisão simples deixaram de exercer funções na B... tendo sido transmitidos a globalidade dos seus direitos e obrigações para a esfera da Requerente.

vii.          Assim, de entre os trabalhadores elencados pela Requerente que serviram de base ao apuramento das CLE dos períodos de 2006 a 2011, apenas podem ser aceites, os que alteraram o seu vínculo laboral para com a Requerente passando a efetivos, por transformação do contrato de trabalho a termo para sem termo, no período de tributação de 2011 tendo em conta que : A aplicação da regra da sucessão universal ao estatuto jurídico dos trabalhadores, em resultado do processo de cisão por constituição de nova sociedade, garante a manutenção da posição de cada um deles, significando que a entrada dos mesmos na esfera jurídica da Requerente não deu lugar à celebração de novos contratos de trabalho.

viii.         Ou seja, a relação contratual laboral que existia entre a B... e os trabalhadores é a mesma que passou a ter a Requerente, após a operação de cisão.

ix.           Recorde-se que, nos termos do art.º 15.º do EBF, o benefício fiscal “criação de emprego” não é transmissível entre entidades juridicamente diferentes.

x.            Assim, ficam afastados do benefício os trabalhadores transferidos para a Requerente que já detinham um vínculo contratual sem termo na B... .

xi.           Pelo que, com referência à operação de cisão em causa, é de concluir que na esfera da Requerente, apenas houve lugar a novas admissões suscetíveis de aproveitamento do benefício do art.º 19.º do EBF, relativamente aos funcionários transferidos da B... que detinham naquela entidade um contrato de trabalho a termo certo, cuja conversão para contrato de trabalho sem termo, ocorreu na Requerente enquanto entidade empregadora, desde que reúnam os pressupostos de acesso ao benefício.

xii.          Com efeito, a transmissão da posição de empregador para a Requerente originou, quanto aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da B... à data da cisão, a garantia da manutenção na Requerente do estatuto que os mesmos já detinham anteriormente, conforme prevê o §.16.ºdo Projeto de Cisão “a sociedade a constituir assumirá a posição contratual da B... nos contratos de trabalho em vigor, não existindo qualquer alteração aos direitos já adquiridos dos trabalhadores em causa”.

xiii.         Uma vez que a Requerente iniciou a sua atividade em 2011, não se verificaram quaisquer CLE entre 2006 e 2010 na sua esfera. Assim, foi negado o benefício fiscal solicitado, conforme quadro seguinte:

 

1.            Período BF solicitado

xiv.         Ora, a Requerente não usufruiu de incentivos à Contratação de Jovens à Procura do primeiro emprego e de Desempregados de Longa Duração durante os períodos de 2010 a 2013, de acordo com informação do Instituto da Segurança Social, I.P. (cfr. informação prestada pela Direção de Finanças de ...., junto ao processo).

xv.          Concluiu - se, assim, que no período de tributação de 2011, ocorreu uma CLE em número de 4, nas condições previstas no art.º 19.º do EBF, tendo a Requerente selecionado, de entre as entradas elegíveis, os trabalhadores OO...,  PP..., QQ... e RR... para aproveitar a majoração dos encargos suportados com estes trabalhadores para efeitos do benefício fiscal, aplicável durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho por tempo indeterminado ( cfr. n.º 1 e n.º 5 do art.º 19.º do EBF .

xvi.         Foi assim, efetuado o apuramento do benefício fiscal “criação de emprego” a considerar em 2011 e 2012, devendo ser inscrito no campo 774 do quadro 07 da declaração Mod. 22 e no campo 401 do quadro 04 do Anexo D no período de 2011, o montante de € 6.187,99 relativo à CLE 2011 e no período de 2012, o montante de € 18.568,69 relativo à CLE 2011.

b)           Desta decisão apresentou em 18.08.2018, recurso hierárquico, no qual foi confirmada a proposta de indeferimento para os períodos de 2011 e 2012, quanto à transmissibilidade do benefício e quanto às divergências da criação de emprego, e o deferimento, quanto ao período de 2011, no sentido do cumprimento da Instrução de serviço n.º .../2019.

c)            Em 22-12-2020 o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal arbitral.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

A questão que se coloca nos presentes autos de processo arbitral, prende-se com o regime do benefício fiscal que a Requerente alega ter direito, relativo à criação líquida de emprego, previsto no artigo 19º do EBF aplicável, dos anos de 2011 e 2012, apurados na esfera tributária da Sociedade B..., S.A., por cisão da qual a Requerente foi criada.

Efetivamente, e como resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente foi criada por um processo de cisão, ocorrido no exercício de 2011, da sociedade B..., S.A., a qual beneficiou, em sede de IRC, do regime especial de neutralidade fiscal, consagrado nos artigos 73.º e seguintes, do Código do IRC aplicável.

Por via do referido processo de cisão, foi transmitido da B..., S.A., para a Requerente um ramo de atividade daquela, constitutivo de uma unidade económica autónoma integrada por uma cadeia de lojas de venda de vestuário de marca “...”, incluindo-se aí um conjunto de trabalhadores afetos à unidade económica destacada, que tinham sido considerados elegíveis para efeitos de apuramento do Benefício Fiscal relativo à Criação Líquida de Empregos (CLE), previsto no art.º 19.º do EBF aplicável, na esfera da "B...", nos exercícios de 2008, 2009 e 2010.

A Requerente sustenta o seu direito ao benefício fiscal referidos, essencialmente em três ordens de argumentos, a saber:

a)            com a cisão da sociedade “B...”, a unidade económica existente transferiu - se para a sociedade nova criada (A...), sendo que assim, o benefício fiscal “criação líquida de emprego “associado aos colaboradores afetos a essa unidade económica segue esses mesmos trabalhadores.

 

b)           mesmo que assim não se entenda, a referida transmissão deve ser admitida, porquanto “com a cisão, transmite-se a universalidade de todos os direitos e obrigações inerentes, sendo de todo legítimo (e, inquestionável) o entendimento de que os benefícios fiscais se incluem no elenco das relações jurídicas ativas e passivas objeto de transmissão!”;

Subsidiariamente, a Requerente refere que a decisão proferida pelo CAAD no processo nº 365/2018 - T lhe foi favorável quanto ao exercício de 2013, requerendo que a mesma seja considerada na apreciação do caso sub judice. Ora, consultado o referido Acórdão, verifica - se a partir da página 7, onde se refere “Subsidiariamente (…) “, que a decisão em apreço, foi proferida em função ainda, da questão mencionada no ponto anterior desta Informação. Com efeito, solicita o sujeito passivo se “as novas entradas de colaboradores na esfera da A... correspondendo a criação de postos de postos de trabalho, cumprem ou não as condições impostas no atual artigo 19º do EBF.”.

 

c)            não permitir “o aproveitamento do benefício fiscal relativo à criação liquida de emprego na esfera da "A...", viola os princípios previstos na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente da segurança e certeza jurídicas (artigo 2.º)”.

 

Vejamos, então.

 

B.1. Quanto à transmissibilidade do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF

Relativamente ao primeiro argumento acima elencado, crê-se não assistir, manifestamente, razão à Requerente e para tal seguimos de perto a decisão proferida no processo n.º 365/2018-T , que transcrevemos:

«Com efeito, no caso, estamos perante uma cisão simples, em que foi destacada uma parte do património da Requerente, para com ela constituir outra sociedade (cfr. art.º 118.º/1/a) do Código das Sociedades Comerciais).

Nestes casos, não se verifica qualquer analogia ou semelhança com as situações de fusão por incorporação, a que se refere a esmagadora maioria da jurisprudência em que a Requerente se louva.

Com efeito, não obstante, afirmar recorrentemente que o expendido “a propósito de uma operação de fusão por incorporação” é “igualmente aplicável a uma operação de cisão simples”, a verdade é que não é assim.

Efetivamente, se na fusão por incorporação, se pode afirmar que “A fusão de uma sociedade com outra, para a qual se transfere todo o seu património, implica a perda da personalidade jurídica daquela, mas não implica, necessariamente, o desaparecimento da realidade económica e empresarial que ela constituía.”[2], na cisão simples, tal não ocorre, por definição, na medida em que não se verifica a transferência de todo o património da sociedade cindida para a sociedade beneficiária.

Esta circunstância, não pode deixar de se considerar decisivamente relevante, sobretudo no que concerne a tutela dos interesses de terceiros, onde se inclui a Administração Tributária, e, consequentemente, nos condicionalismos e efeitos próprios de cada um daqueles tipos de operação.

No caso, e como se referiu, a cisão simples consiste, essencialmente, no destaque de uma parte do património da sociedade cindida, que se torna autónomo do património que se queda na sociedade cindida.

Nestes termos, a operação em causa terá de ser encarada como uma verdadeira transferência de património (ativos e passivos, direitos e obrigações), não podendo, em caso algum, julga-se, ser enquadrada como uma mera continuidade da situação jurídica existente pré-cisão.

Que assim é, torna-se evidente, crê-se, por exemplo, se se atentar no regime da tutela dos interesses dos credores, o qual impõe, nos processos de cisão, que quer a sociedade cindida, quer a sociedade beneficiária da cisão, sejam solidariamente responsáveis pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade (cfr. art.º 122.º do CSC).

O que está em causa, no que para o caso releva, é a realidade de que, com a cisão haver uma separação de patrimónios, com a afetação de parte destes a uma entidade terceira, circunstância que, como é notório, contende com a consistência das posições jurídicas dos terceiros que se relacionaram com o ente jurídico originário.

Em todo caso, e por ora, o que será de sublinhar é que no caso da cisão simples, ao contrário do que acontece na fusão por incorporação, não se verifica uma continuidade da realidade económica preexistente, que foi cindida, passando a dividir-se entre a entidade cindida e a sociedade incorporante ou a nova sociedade.

Deste modo, não se poderá deixar de enquadrar o processo de cisão simples como uma transferência de uma parte do património da sociedade cindida, para sociedade incorporante ou a nova sociedade beneficiária de tal transmissão.

Assente que, no processo de cisão em causa, se verifica uma transmissão de elementos patrimoniais da sociedade cindida, para a sociedade beneficiária da cisão, fica claro que a situação sub iudice, reportando-se a um benefício fiscal, se haverá de dirimir face às normas próprias que regulam a transmissão daqueles benefícios.»

 

Na verdade, o que está em causa é a aplicação do art.º 15.º do EBF, que na versão aplicável dispõe que:

«1 - O direito aos benefícios fiscais, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é intransmissível inter vivos, sendo, porém, transmissível mortis causa se se verificarem no transmissário os pressupostos do benefício, salvo se este for de natureza estritamente pessoal.

2 - É transmissível inter vivos o direito aos benefícios fiscais objetivos que sejam indissociáveis do regime jurídico aplicável a certos bens, designadamente os que beneficiem os rendimentos de obrigações, títulos de dívida pública e os prédios sujeitos ao regime de renda limitada.

3 - É igualmente transmissível inter vivos, mediante autorização do Ministro das Finanças, o direito aos benefícios fiscais concedidos, por ato ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou coletivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos.»

 

De acordo com o artigo 15.º do EBF em causa, o benefício fiscal, em regra, por ser concedido intuitu personae, é intransmissível, quer inter vivos, quer mortis causa.

 

Isso resulta da própria natureza do benefício – pense-se, designadamente, nos benefícios constantes dos artigos 21.º, número 2 (regime à entrada de dedução à colecta no IRS dos valores aplicados em planos poupança-reforma), 28.º (empréstimos externos e rendas de locação de equipamento importados) e até mesmo os benefícios fiscais de natureza contratual de apoio ao investimento.

 

Esta regra da intransmissibilidade cede, porém:

a)            apenas para a tranmissão inter vivos, sempre que os benefícios sejam indissociáveis de um regime jurídico aplicável a determinados bens, de acordo com o 15.º, número 2 do EBF – veja-se, a título de exemplo, os benefícios aplicáveis aos Organismos de Investimento Coletivo;

b)           quanto aos benefícios concedidos por ato ou por contrato, sempre que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício fiscal e o interesse público a este subjacente, fazendo depender, contudo, a transmissibilidade inter vivos, de um requisito adicional – a autorização do Ministro das Finanças, de acordo com o 15.º, número 3.

 

Quanto a esta última derrogação da regra da intransmissibilidade, será útil salientar que é meramente aparente, quando não assuma o carácter mortis causa, porque faz depender a transmissibilidade inter vivos da concessão de um novo benefício, mediante um processo de reconhecimento decidido, em última instância pelo Ministro das Finanças, que produz efeitos próprios e cuja usufruição poderá ficar suspensa, pela aplicação do artigo 13.º do EBF. Daí que defendamos a vigência quase plena da regra da intransmissibilidade inter vivos na usufruição dos benefícios fiscais, salvo nos casos em que estes sejam indissociáveis de um regime jurídico aplicável a determinados bens.

 

Ora, no caso concreto, face a este normativo:

             não será, manifestamente aplicável ao caso o n.º 1 da norma referida, na medida em que prevê a transmissibilidade de benefícios mortis causa, o que não está em questão nestes autos arbitrais;

             nem será de convocar para o caso o n.º 3 daquela norma, na medida em que a mesma postula a existência de autorização do Ministro das Finanças, o que, no caso não se apura, nem é sequer alegado, que tenha ocorrido.

 

Daí que apenas no n.º 2 da norma em causa se pudesse lobrigar algum acolhimento para a pretensão da Requerente.

Todavia, aquele n.º 2 apenas consente transmissão inter vivos do “direito aos benefícios fiscais objetivos que sejam indissociáveis do regime jurídico aplicável a certos bens, designadamente os que beneficiem os rendimentos de obrigações, títulos de divida publica e os prédios sujeitos ao regime de renda limitada”, sendo que, no caso, não estamos, manifestamente, perante um benefício fiscal do tipo dos elencados.

Deste modo, haverá que concluir que manifestamente, face ao referido art.º 15.º do EBF, não é permitida a transmissão do benefício fiscal do qual a Requerente pretende usufruir.

 

B.2. Quanto à neutralidade fiscal sob a égide do qual a cisão operada se realizou

Ainda no âmbito da transmissão do benefício fiscal em questão, pretende a Requerente que a mesma seja autorizada pelo regime da neutralidade fiscal, sob a égide do qual a cisão operada se realizou. Esta questão também já foi analisada processo n.º 365/2018-T , que concordamos e acolhemos na presente decisão.

Na verdade, conforme resulta, desde logo, da Diretiva 2009/133/CE do Conselho, de 19 de Outubro de 2009, o regime fiscal da neutralidade de fusões e cisões “deverá evitar a tributação das fusões, cisões, cisões parciais, entradas de ativos e permutas de ações, salvaguardando os interesses financeiros do Estado-Membro da sociedade contribuidora ou adquirida.”, notando-se, desde logo, que o regime comunitário regulador da matéria não contém qualquer previsão específica relativamente aos benefícios fiscais.

Por outro lado, compulsadas as disposições dos artigos 73.º e ss. do CIRC aplicável (versão 2011), não se descortina nenhuma disposição da qual resulta, minimamente, que no âmbito do regime da neutralidade fiscal das cisões, se deverão ter por transmitidos para a entidade beneficiária da cisão, benefícios fiscais titulados pela sociedade cindida, fora das normas constantes do art.º 15.º do EBF vigente.

Também não resulta, ao contrário do que invoca a Requerente, da natureza, ou da ratio legis, própria do regime da neutralidade das cisões que os benefícios fiscais não enquadráveis no art.º 15.º do EBF aplicável, se deverão ter por transmitidos para a entidade beneficiária da cisão.

Assim, e desde logo, conforme se referiu já, as disposições comunitárias relativas a tal matéria não contêm qualquer previsão específica relativa aos benefícios fiscais.

Por outro lado, a teleologia própria do regime dos benefícios fiscais opõe-se a que opere a transmissão do benefício fiscal em questão, por força da mera ocorrência de uma cisão simples, como a que está em questão nos presentes autos de processo arbitral.

Com efeito, e como resulta do art.º 14.º do EBF aplicável, os benefícios fiscais, ainda que automáticos, como é o caso, deixam de operar nos casos em que:

             O sujeito passivo tenha deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento;

             A dívida tributária não tenha sido objeto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível.

Ora, a permissão, pura e simples de transmissão de benefícios fiscais, por via de um processo de cisão simples, como o que está em causa nos autos, redundaria numa via aberta para a fraude à lei, podendo uma entidade que tivesse deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantivesse na situação de incumprimento, cindir parte ou partes do seu património, de modo a nelas manter benefícios fiscais de que usufruísse, sem que lhe fossem infligidas as penalizações próprias da situação de incumprimento fiscal em que se tivesse constituído.

Daí que no regime da neutralidade fiscal das fusões e cisões, instituído no CIRC em vigor a partir do exercício de 2014, se tenha estatuído, no art.º 75.º-A, que passou a regular expressamente a matéria em questão, que, ao contrário das fusões realizadas ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, as cisões apenas acarretariam a transmissão dos benefícios fiscais titulados pela sociedade cindida, mediante, para além do mais, autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças, conforme estatuído pelo art.º 75.º-A do CIRC vigente a partir do exercício de 2014, controle este que se justifica, precisamente, em ordem a assegurar que a transmissão dos benefícios fiscais por via dos processos de cisão não tenha subjacente a lesão de qualquer interesse fiscalmente atendível.

Daqui decorre, sem margem para dúvidas, crê-se, que ao contrário do que pretende a Requerente, a transmissão de benefícios fiscais da natureza do que está em causa nos presentes autos de processo arbitral, no contexto de um processo de cisão simples, não ocorre nem de forma automática, nem da natureza do regime fiscal de neutralidade de que aquelas operações (de cisão simples) possam usufruir, nem estava autorizada no quadro do regime legal vigente à data da cisão sub iudice.

Esta matéria, de resto, foi já igualmente analisada com pertinência e profundidade no âmbito do processo arbitral n.º 83/2013-T , do CAAD, com cujos fundamentos, na generalidade, se concorda, e que aqui, por brevidade, se opta por não transcrever.

 

B.3. Quanto à verificação ex novo do benefício fiscal constante do artigo 19.º do EBF na A...

Subsidiariamente, a Requerente refere que a decisão proferida pelo CAAD no processo n.º 365/2018 - T lhe foi favorável quanto ao exercício de 2013, requerendo que a mesma seja considerada na apreciação do caso sub judice.

Ora, consultado o referido Acórdão, verifica - se a partir da página 7, onde se refere “Subsidiariamente (…) “, que a decisão em apreço, foi proferida em função ainda, da questão mencionada no ponto anterior desta Informação. Com efeito, solicita o sujeito passivo se “as novas entradas de colaboradores na esfera da A... correspondendo a criação de postos de postos de trabalho, cumprem ou não as condições impostas no atual artigo 19º do EBF.”

A Requerida quanto a esta alegação foi parca em argumentação, referindo apenas que, “no caso sub judice, o que se está a analisar é a situação da transmissibilidade do benefício fiscal “Criação líquida de emprego “da sociedade cindida “B...” para uma nova sociedade, a Requerente “A...”, e não se esta última pode beneficiar de forma independente do benefício em causa.”

Não podemos, contudo, e mais uma vez seguindo de perto a decisão n.º 365/2018-T , que merece a nossa concordância, deixar de nos pronunciar sobre este ponto.

Tal questão, centra-se no regime do art.º 19.º do EBF aplicável, cujo teor era o seguinte:

«1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) 'Jovens' os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com exceção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) 'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses; (Redação da Lei n.º10/2009-10/03)

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respetiva entidade patronal.

5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.»

Conforme decorre da norma transcrita, para o benefício fiscal em questão apenas são elegíveis os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para:

             jovens; e

             desempregados de longa duração.

 

Entendendo-se pelos primeiros, “os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com exceção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino”.

No presente caso, estão apenas situações relativas a este tipo de trabalhadores, não estando em causa a contratação de desempregados de longa duração.

A Requerente foi criada, conforme resulta dos factos dados como provados, no ano de 2011, por cisão da sociedade B... .

E, desde a altura da sua criação, no ano de 2011 e 2012, em causa nos presente autos, começou a ter ao seu serviço, por contrato de trabalho sem termo, os trabalhadores constantes do quadro que integra o ponto 6 dos factos dados como provados, tendo, igualmente, terminado a relação laboral com os trabalhadores como tal indicados no mesmo quadro, e suportado com aqueles trabalhadores os encargos também ali discriminados.

Concluindo-se, como se viu supra, que não se verificou qualquer transferência do benefício em questão, da esfera da B... para a da Requerente, porquanto, para além do mais, e como a AT reiteradamente afirmou, são entidades juridicamente distintas e autónomas, concluir-se-á, como consta da decisão proferida no processo arbitral 201/2013T, do CAAD, que a Requerente “terá ou não direito a benefício idêntico conforme cumpra ou não, por sua vez, os pressupostos exigidos no artigo do EBF sobre criação de empregos”.

Ou seja, considerando-se que tem sustentado a AT, e acima se ratificou, ter havido uma transmissão da relação laboral da sociedade cindida, para a sociedade criada, em termos de cessar o enquadramento jurídico fiscal que correspondia a tal relação, ter-se-á de considerar que estamos perante uma relação com relevância jurídico-fiscal renovada.

Por outro lado, dúvidas não haverá, que se encontra preenchido, no que diz respeito à Requerente, o pressuposto do n.º 1 do art.º 19.º do EBF aplicável, referente a terem sido “admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”, ao seu serviço, os trabalhadores anteriormente ao serviço da B... .

Daí que, de entre os vários requisitos e exclusões legalmente previstos no regime do benefício fiscal em questão, apenas no quadro da norma do n.º 6 do art.º 19.º EBF, se possa discutir a existência do direito ou não da Requerente ao benefício fiscal.

À data vigorava a seguinte redação, introduzida pela Lei n.º 55-A/2010 de 31/12, e entrada em vigor em 2011: “O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.”.

Esta norma sucedeu a uma redação, em vigor até 2010, que dispunha, até aí que “O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal”.

Ou seja,

a)            se até aí, dúvidas não haveria que a Requerente não teria direito a usufruir do benefício fiscal em questão, dado que os trabalhadores que o fundariam tinha já sido qualificados para efeitos do mesmo benefício, na esfera da anterior empregadora (a B...);

b)           à luz da norma vigente aquando da admissão dos trabalhadores em questão, ao serviço da Requerente, estes apenas não poderiam relevar para efeitos do benefício fiscal em causa, se antes tivessem estado ao serviço de outra entidade com a qual existissem relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.

Sendo que o n.º 4 do referido artigo 63.º do Código do IRC dispunha, à data que:

«Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, direta ou indiretamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respetiva atividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1) O exercício da atividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;

2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3) Uma parte substancial da atividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transacionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de ato jurídico, na titularidade da outra;

5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheias à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.»

Ora, dos autos não constam quaisquer elementos que demonstrem, não obstante tal ser provável, que alguma ou algumas das relações elencadas naquele n.º 4 do art.º 63.º do CIRC se verificavam entre a Requerente e a B... .

Ou seja, e tendo em conta inclusivamente que a Requerente tem invocado este argumento ao longo do processo administrativo, a AT teve, quer em sede administrativa quer em sede arbitral, onde a Requerente formulou o pedido subsidiário agora em apreço, todas as condições e elementos para, sendo caso disso, invocar e demonstrar que se verificava, efetivamente, alguma ou algumas das relações elencadas no n.º 4 do art.º 63.º do CIRC aplicável, entre a Requerente e a B..., o que nunca o fez.

Não o tendo feito, não poderá, crê-se, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, este Tribunal presumir ou inferir a existência de tais relações e aplicar-lhes as normas jurídicas correspondentes.

Assim, e face ao exposto, não poderá este Tribunal concluir de outra forma senão pela procedência do pedido subsidiário, no valor de € 47.183,60 para 2011 e de € 42.257,15 para 2012, no que diz respeito à criação líquida de postos de trabalho na esfera da Requerente no exercício de 2011.

Note-se, ainda, que a presente decisão apenas faz caso julgado relativamente ao ano de 2011 e 2012, pelo que não prejudica que, relativamente a outros períodos que estejam ou venham a estar em discussão, a AT alegue e demonstre a existência de relações especiais entre a Requerente e a B..., daí retirando as devidas consequências legais.

Face ao ora decidido, fica prejudicado o conhecimento da questão colocada pela Requerente relativamente à violação dos princípios previstos na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente da segurança e certeza jurídicas (artigo 2.º).

 

C. DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

a)            Julgar integralmente improcedente o pedido arbitral principal formulado pela Requerente;

b)           Julgar integralmente procedente o pedido arbitral subsidiário formulado pela Requerente e, em consequência, anular parcialmente a autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2011 e 2012 da Requerente, tal como subsiste após o deferimento parcial da reclamação graciosa, na medida em que não considera o benefício fiscal previsto no art.º 19.º do EBF aplicável, no montante de € 89.440,75, e, consequentemente e na mesma medida, anular também as decisões de indeferimento do Recurso Hierárquico, e de deferimento parcial da Reclamação Graciosa;

c)            Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, por força do ato de autoliquidação de imposto, ora parcialmente anulado;

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €89.440,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido subsidiário foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 6 de setembro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Vogal

(Rui Duarte Morais)

 

O Árbitro Vogal

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)