Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 766/2020-T
Data da decisão: 2021-10-18  IRS  
Valor do pedido: € 9.235,71
Tema: IRS – Mais-Valias imobiliárias obtidas por não residente; aplicabilidade directa da redução de 50% prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS
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SUMÁRIO:

 

  1. É diretamente aplicável na determinação do rendimento tributável das mais-valias realizadas por residentes comunitários e residentes no EEE o n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS, mesmo que o sujeito passivo não tenha exercido o direito de opção previsto no art.º 72º do CIRS.
  2. Não é de considerar sanada a incompatibilidade da legislação interna com o normativo comunitário concretizada pelo aditamento ao art.º 72.º do Código do IRS de disposição que confere a possibilidade de opção pela equiparação ao regime aplicável aos residentes, porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes domiciliados na U.E. ou no EEE, com prejuízo para estes últimos.

 

 

Decisão Arbitral

 

I. RELATÓRIO:

 

1. A..., contribuinte fiscal n.º..., residente em ..., Madrid- ... Espanha, (doravante, Requerente), apresentou, em 14.12.2020, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto no art.º 2.º e  10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), o Requerente optou por não designar árbitro.

 

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 3.5.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

 

5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21.5.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na: i) Declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente (n.º ...2019...), nos termos e em conformidade com o disposto nos art.ºs 68.º e seguintes do CPPT (em 5.5.2020 foi apresentado pelo Requerente um Recurso Hierárquico  - n.º ...2010... - suscitando aquele o indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta, o qual não foi remetido à Direcção de Finanças de Lisboa uma vez que foi proferida decisão expressa que recaiu sobre a aludida reclamação graciosa); e ainda na consequente declaração de ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação de IRS e JC, reportados ao ano de 2018, por desconsideração indevida do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, ao prever a redução em 50%, da matéria coletável correspondente a mais-valias imobiliárias apenas para as mais-valias realizadas por residentes, constituindo violação do art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e ainda violação do princípio da não discriminação; ii) Em consequência do eventual decretamento parcial da ilegalidade daquele acto de liquidação, na restituição à Requerente do valor do IRS pago indevidamente, no montante de 9.235,71 €; iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos previstos no n.º 5 do art.º 24º do RJAT, por remissão para o art.º 43.º da LGT, contados desde a data do pagamento indevido até à restituição do imposto pago em excesso com referência àquele período de tributação (Cfr. n.º 5 do art.º 61º do CPPT).

 

7. Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Breve síntese das alegações dO Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral:

 

7.1.  Começa o aqui Requerente por aduzir no sentido de que A liquidação supra enunciada padece de ilegalidade na medida em que estabelece um regime diferenciado para tributação das mais valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional.”

 

7.2 E daqui retira a asserção de que “(...) a alienação de imóvel efetuada por um não residente está sujeita a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

 

7.3 Fundamentando-a como segue: “A legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para residentes em Portugal, e não para os não residentes constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

 

7.4 Perspectivando o Requerente a existência de conflito de norma interna com norma de Direito da União, devendo aquela ser desaplicada se contrária a esta, de acordo com o Princípio do Primado do Direito Comunitário (Acórdão Costa/ENEL). Dizendo mais o Requerente: “(...) a AT estava obrigada à desaplicação da norma interna quando esta viola o Direito da União Europeia (cf., por exemplo, Acórdão Fratelli Constanzo (103/88)).” E Ainda: “De acordo, com o primado do Direito Comunitário, as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia, prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional veja-se o que preceitua o artigo 8.º no n. º4 da CRP “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.”.”

 

7.5 Prossegue o Requerente com o argumentário esgrimido no PPA, aduzindo no sentido de que “[A] requerida (AT) convoca no seu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, o novo quadro normativo introduzido no artigo 72.º n.º 9 e n.º 10 do CIRS que passou a prever um regime opcional, permitindo-se aos não residentes em Portugal, mas residentes em algum dos Estados membros da União Europeia, a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal.”

7.6 E Mais: “Assim, segundo a AT o Requerente poderia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valia) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluídos os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez.”

 

7.7 Dizendo ainda o Requerente que “A AT considera que a opção pela tributação ao abrigo do regime geral das taxas previstas no art.º 68.º do CIRS, repõe a necessária igualdade de tratamento, bastando para tal que o Requerente tivesse optado pela tributação nestes termos (...)”, trazendo à colação o ponto 15 do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

 

7.8 Claro está que em clara divergência com o entendimento defendido pela AT na decisão que consubstanciou o indeferimento da reclamação graciosa, defende o Requerente que “(...) essa opção não seria suficiente para eliminar o carácter discriminatório do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, nem a ilegalidade da referida liquidação, na verdade a referida opção apenas permite a um contribuinte não residente escolher um regime fiscal menos discriminatório, mas que não deixa de o ser.” Prosseguindo, continua a aduzir: “Este regime facultativo, faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é suscetível de excluir a discriminação em causa, a qual continua a subsistir.

 

7.9 Prossegue o Requerente ao afirmar que “Na falta de opção, o regime previsto por defeito é o do n.º 1 do artigo 72.º que é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.”

 

7.10 Intuindo no sentido de que [N]a realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do CIRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º n.º 2 CIRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.”

 

7.11 Repisando o Requerente no sentido de que: “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo na União Europeia entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto no art.º 63º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.”

 

7.12 E não se detendo diz o Requerente que “(...) se o legislador tivesse intenção de eliminar o carácter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais valias decorrentes de alienação de imóveis, deveria ter optado pela via da eliminação direta da discriminação contida na norma do artigo 43.º n.º 2 CIRS, ou seja, suprimindo a referência a “residentes”.”

 

7.13 E partindo do exposto, conclui o Requerente como segue: “(...) o regime de tributação das mais valias, decorrente do disposto nos artigos 10.º e 43.º n.º 2 CIRS, é incompatível com o direito Europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento do 72.º n.º 9 (Orçamento de Estado 2015) porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos, ainda que residam em país da UE.”

 

7.14 E não se detendo, finaliza o Requerente: “(...) revela-se irrelevante que o Requerente não tenha optado pelo regime de tributação a que se refere o n.º 9 e n.º 10 do artigo 72.º do CIRS, na medida em que tal opção não seria suscetível de afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais valia apurada no ano em causa, e não de apenas de 50% do seu valor, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º CIRS.”

 

7.15 E no sentido de ancorar tal exegese, traz o Requerente à colação o Acórdão do TJUE de 18 de Março de 2010, caso "Gielen", Processo C-440/08 que em parte transcreve e ainda o Acórdão do Supremo Administrativo de 20.2.2019, Processo n.º 0901/11.0 BESNT que igualmente em parte transcreve. O Requerente traz ainda à discussão o Acórdão Tribunal de Justiça da União Europeia (T.J.U.E.) de 11.10,2017, “Acórdão Hollmann, Processo C-443/0); o Acórdão do T.J.C.E. Trummer e Mayer de 16/3/1999 (Processo C- 222/97), aduzindo ainda o Requerente que estas decisões do TJUE constituem fonte de Direito imediata, permitindo a aplicação do Direito da União no Território dos Estados Membros; os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22/3/2011 (Processo n.º 1031/10), de 16/01/2008 (Processo n.º 0439/06), de 30/4/2013 (Processo n.º 01374/12), de 3/2/2016 (Processo n.º 01172/14); os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 8/5/2019 (Processo n.º 1358/08.9); e ainda as decisões arbitrais tiradas nos seguintes processos: 89/2017 de 5/7/2017; 644/2017 de 30/5/2018; 520/2017 de 4/6/2018; 617/2017 de 22/6/2018; 370/2018 de 18/01/2019; 548/2018 de 8/4/2019; 600/2018 de 8/4/2019; 613/2018 de 29/5/2019; 74/2019 de 22/5/2019; 63/2019 de 18/6/2019; 590/2018 de 8/7/2019; 55/2019 de 10/7/2019; 577/2018 de 12/7/2019; 562/2018 de 24/7/2019; 67/2019 de 27/8/2019; 594/2018 de 30/09/2019; 762/2019 de 27/7/2020; 785/2019 de 11/05/2020 e 904/2019 de 30/7/2020.

 

8. A Requerida não apresentou resposta.

 

9. Em 29.9.2021 o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho que foi devidamente notificado às partes:

“Considerando que:

 

- Face aos articulados apresentados pelas partes se afigura que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito, estando os factos relevantes provados documentalmente;

- Não foi apresentada prova testemunhal pelo Requerente;

- A Requerida não apresentou Resposta;

- Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se;

- Até à presente data, o processo administrativo a apresentar pela entidade demandada em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, não foi junto aos autos, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do art.º 110.º do CPPT.

 

DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) convidar a Requerida a juntar aos autos, no prazo de cinco dias, o aludido processo administrativo, devendo aquele integrar prova sobre os dados cadastrais do Requerente, nomeadamente, aqueles que permitiram à AT tratar a declaração de rendimentos de 2018 como respeitante a contribuinte não residente; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.° do RJAT; iii) facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas simultâneas, podendo o Requerente e a Requerida fazê-lo no prazo de dez dias, contados da notificação do presente despacho.

A decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo o Requerente, até à data da prolação da decisão arbitral, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

NOTIFIQUE-SE.

Lisboa, 29 de Setembro de 2021.”

10. Em 30.9.2021, foi junto aos autos pela entidade demandada o Processo Administrativo Tributário, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

II. THEMA DECIDENDUM:

 

11. A questão de fundo a apreciar no presente processo é a de saber se a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente (n.º ...2019...), nos termos e em conformidade com o disposto nos art.ºs 68.º e seguintes do CPPT, com vista à contestação parcial do acto tributário de liquidação de IRS, reportado ao ano de 2018, está eivada de ilegalidade por desconsideração indevida do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, ao prever a redução em 50%, da matéria coletável correspondente a mais-valias imobiliárias apenas para as mais-valias realizadas por residentes, constituindo violação do art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e ainda violação do princípio da não discriminação.

 

 

 

III. SANEAMENTO:

 

12. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação de IRS à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

13. Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o Tribunal Arbitral Singular que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina, que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos - i.e., actos de segundo grau -  poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.

 

14. Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.

 

15. Assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular considera-se competente para a apreciação da pretensão do Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação Graciosa n.º ...2019... despoletada pelo Requerente com referência ao acto tributário de liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2018, tendo a AT, nessa mesma decisão de deferimento, apreciado a legalidade daquele acto de liquidação.

 

16. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

17. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

18. O processo não enferma de nulidades.

 

19. Não existem excepções a apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

20. Antes de entrarmos na apreciação das questões acima elencadas, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

  1. O Requerente era residente fiscal em Espanha, mais concretamente em..., Madrid- ... e estava registado, com efeitos a partir de 4.2.2014([1]), como não residente fiscal em Portugal. (Cfr. fls. 16 a 22 do Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e em cumprimento do acima transcrito despacho arbitral datado de 29.9.2021).
  2. No dia 14 de Junho de 2018, o Requerente e os restantes comproprietários, procederam à alienação, em Portugal, pelo valor de 590.000,00 €, do prédio urbano sito na União de freguesias de ..., ... e G..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória com o n.º ... . (Cfr. Escritura pública de compra e venda, cuja cópia está junta ao PPA como Doc. n.º 3).
  3. Em resultado da venda, o Requerente recebeu a quantia de 73.750,00 € correspondentes à sua quota parte (12,5%) da contraprestação total recebida (Cfr. Escritura pública de compra e venda, cuja cópia está junta ao PPA como Doc. n.º 3).
  4.  O aludido prédio urbano foi adquirido em compropriedade pelo Requerente em Julho de 2012 (a quota parte indivisa daquele era de 1/8), pelo valor de 7.500,00 € (Cfr. Anexo G da Declaração Modelo 3 junta ao PPA como Doc. n.º 1 e junta ao PA a fls. 10/59).
  5. Dando cumprimento à obrigação declarativa que sobre si impendia, entregou o aqui Requerente a respectiva declaração de rendimentos Modelo 3, do IRS, identificada como..., respeitante ao ano de 2018, juntamente com o respectivo Anexo G, relativo aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com a alienação da parte indivisa do aludido imóvel (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e ainda fls. 10 a 14 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021), tendo declarado, no Quadro 4, do citado Anexo G àquela declaração, os montantes relativos aos valores de realização e de aquisição em função da respectiva quota-parte (de 12,5%) que cabia ao aqui Requerente na aludida compropriedade.
  6. Na referida declaração de rendimentos Modelo 3, foi inscrita a condição de não residente do aqui Requerente, mais concretamente no Quadro 8B, Campo 04, da sua folha de rosto (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e ainda fls. 10 a 14 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021)
  7. Na declaração Modelo 3 de IRS apresentada, foi assinalada indicação quanto ao circunstancialismo do aqui Requerente residir, à data, na União Europeia, tendo sido indicado no Campo 06, do Quadro 8B, quanto à “Residência em país da UE ou EEE”, o código correspondente de Espanha, ou seja, o código 724; tal como foi igualmente indicado, quanto a saber se aquela pretendia a tributação pelo regime geral (Campo 07) ou optava por um dos regimes abaixo indicados (Campo 08) de “Opção pelas taxas gerais do art.º 68º. do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – art.º 72º, n.º 9, do CIRS” (Campo 09) ou de “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17º-A do CIRS” (Campo 10), que o aqui Requerente pretendia a tributação pelo regime geral, assinalando o  referido campo 7 do Quadro 8B da Declaração de Rendimentos Modelo 3 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e ainda fls. 10 a 14 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021)
  8.  Na referida declaração Modelo 3 do IRS foi apenas declarado rendimento no Anexo G, i.e, o aqui Requerente só auferiu no território nacional rendimentos decorrentes da vinda de referir alienação imobiliária que se subsumem na categoria G de rendimentos do CIRS, donde, aquele, só obteve em Portugal rendimentos de mais-valias imobiliárias (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e ainda fls. 10 a 14 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021)
  9.  Do anexo G consta que o aqui Requerente alienou 12,5% do aludido imóvel em Julho de 2018, indicando-se ali um valor de realização de 73.750,00 €, ao qual foi subtraído o valor de aquisição de 7.500,00 € e ainda as despesas e encargos de 130,60 €, tendo-se apurado uma mais-valia imobiliária que se cifrava em 65.969,40 € e que, tal como se pode ver pela leitura da “Demonstração da Liquidação de IRS” junta ao PPA como Doc. n.º 1, coincide com o “Rendimento Global” obtido pelo aqui Requerente.
  10. Tratada a referida declaração de rendimentos Modelo 3, a AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos e em conformidade com o estatuído no n.º 1 do art.º 43º do CIRS, ou seja, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias (que in casu simplesmente inexistiam, já que, como já implicitamente aventado, o aqui Requerente só realizou uma alienação onerosa de imóvel onde apurou ganho e não perda, donde, não havia qualquer menos-valia a deduzir à mais-valia realizada), desconsiderando, naquele cálculo, a aplicação da regra prevista no n.º 2 do mesmo normativo que permite a tributação em apenas 50% do valor do saldo referido
  11. Tal como se pode intuir da leitura da “Demonstração da Liquidação de IRS” (junta ao PPA como Doc. n.º 1 e ainda fls. 9 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021 ), a AT, na determinação do imposto a dirigir à aqui Requerente, aplicou a taxa de 28% à mais-valia imobiliária apurada de 65..969,40 €, i.e., à totalidade do valor das mais-valias apuradas aplicou a taxa de 28% prevista na lei, obtendo o imposto apurado de 18.471,43 €.
  12. O aqui Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2019..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2018, no valor de 18.471,43 € (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e ainda fls. 9 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021);
  13. Em 5.5.2020 foi apresentado pelo Requerente um Recurso Hierárquico - n.º ...2020... - suscitando aquele o indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta, o qual não foi remetido à Direcção de Finanças de Lisboa uma vez que foi proferida decisão expressa que recaiu sobre a aludida reclamação graciosa. (Cfr. fls. 38 e 48 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021);
  14. A fls. 2 do PPA, alega o Requerente que procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2019..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2018, no valor de 18.471,43 €. (Esta é factualidade não controvertida face à ausência de apresentação de resposta por parte da Requerida. Não obstante, a fls. 15 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021, está junto “print screen” que identifica a Nota de cobrança de IRS n.º 2019... e alude à circunstância de ela se mostrar regularizada, indicando-se ali o montante regularizado de 18.471,43 €); 
  15. O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 14.11.2020 (Cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA e ainda fls. 58 e 59 do PA junto aos autos pela Requerida em cumprimento dos despacho arbitral datado de 29.9.2021);
  16.  Em 14.12.2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

 

IV.B) Factos não provados:

 

21. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

22. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

23. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

 

24. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se na posição assumida pelo Requerente no PPA; na prova documental junta aos autos pelo Requerente; no Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; e, ainda, nas alegações aduzidas pelo Requerente que não foram impugnadas pela parte contrária que, aliás, não apresentou contestação.

 

IV.D) DO DIREITO:

 

IV.D1) DA ILEGALIDADE PARCIAL DE QUE ENFERMA O ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO SINDICADO DE IRS DE 2018 POR INCOMPATIBILIDADE DO QUADRO NORMATIVO QUE A ESTÁ A ANCORAR COM O ARTIGO 63º DO TFUE, NOMEADAMENTE, POR VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS E TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO ENTRE O REGIME TRIBUTÁRIO APLICÁVEL ÀS MAIS-VALIAS OBTIDAS POR SUJEITOS PASSIVOS RESIDENTES VERSUS NÃO RESIDENTES:

 

25. Adequado se mostrando começar por se explicitar o quadro normativo que enforma a tributação das mais-valias e constante do CIRS na sua redacção à data dos factos no que concretamente tange aos ganhos com a alienação de imóveis.

 

26. Estatui o nº 1 do art.º 10º do Código do IRS, no sentido de que “[C]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”

 

27. Nos termos do nº 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.

 

28. O valor de realização está conceituado no art.º 44º do CIRS e, in casu, coincide com a quota-parte do Requerente do valor da respectiva contraprestação pela alienação do imóvel transmitido em conformidade com o disposto na alínea f) do n.º 1 do aludido art.º 44º do CIRS. 

 

29. Já o valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis, aparece-nos referido no art.º 46º do CIRS. Sobre o valor de aquisição a título gratuito dispõe o art.º 45º do CIRS.

 

30. Ali se diz: “No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).”

 

31. Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 50º do CIRS, o valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, para o efeito aprovados – tais coeficientes - por Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. Para o exercício de 2018 vigorava a Portaria n.º 371/2018, publicada no Diário da República n.º 238/2019, Série I, de 11.12.2018, que pode ser consultada in https://dre.pt/home/-/dre/117343900/details/maximized .

 

32. Nos termos do que dispõe o art.º 51º do CIRS, para determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel.

 

33. Dispõe o n.º 1 do art.º 13º do CIRS no sentido de que “[F]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”.

 

34. No que respeita à tributação de não residentes em território português, como, in casu, o aqui Requerente, estatui o n.º 2 do art.º 15º do CIRS no sentido de que o IRS incide “(...) unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.

 

35. O art.º 18º do CIRS é normativo que dispõe sobre que rendimentos se consideram obtidos em território português.

 

36. De acordo com o disposto na alínea h) daquele normativo legal, consideram-se aqui obtidos “[O]s rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.”

 

37. Isto dito, sai meridianamente intuitivo que o rendimento obtido pelo Requerente com a alienação da sua quota parte do imóvel aqui em causa, uma vez que aquele é não residente em Portugal, considera-se obtido em Portugal, estando assim submetido às regras de incidência real do IRS por subsunção naquele normativo.  

 

38. Tal como se pode inferir do estatuído no n.º 1 do art.º 43º do CIRS, “[O] valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas  o mesmo ano (...)”, sendo certo que, no caso de transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do art.º 10º do CIRS, e de entre elas, por subsunção na referida alínea a), a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, efectuadas por sujeitos passivos residentes (di-lo expressamente o n.º 2 do art.º 43º do CIRS), o saldo positivo ou negativo é apenas considerado em 50% do seu valor (Cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS).

 

39. Ademais e no que tange aos sujeitos passivos residentes, sobre o valor de rendimento apurado nos termos do ponto anterior, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do Código do IRS, eventualmente submetido (o rendimento) a um encargo efectivo progressivo por aplicação da estrutura de taxas prevista naquele normativo. 

 

40. Já quanto aos sujeitos passivos não residentes em território português, a alínea a) do art.º 72º do CIRS, prevê a aplicação, à totalidade das mais-valias apuradas, de uma taxa especial e proporcional de 28%.

 

41. Resultando daqui que, relativamente aos não residentes e de iure constituto, parceria[2] não ter aplicação o n.º 2 do art.º 43º do CIRS, ou seja, não beneficiariam aqueles da redução em 50% do valor do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas. 

 

42. Ainda assim e não obstante, em conformidade com o disposto no n.º 9 do art.º 72º do CIRS, “[O]s residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, (...), exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 72º do Código do IRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º daquele Código seria aplicável no caso de tais rendimentos serem auferidos por residentes em território português.”

 

43. Por outro lado e em conformidade com o disposto no n.º 10 do referido art.º 72º do Código do IRS, “[P]ara efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

44. E sendo o aqui Requerente residente em Espanha, é bem verdade que poderia beneficiar da aplicabilidade daquele regime optativo de tributação das mais-valias obtidas por não residente.

 

45. Sendo que, importa não olvidá-lo, o que o aqui Requerente pretendia era ver reconhecida a aplicabilidade aos rendimentos que obteve em território português do n.º 2 do art.º 43º do CIRS, só assim entendendo que, por essa via, se colocava cobro à efectiva e vedada discriminação na tributação dos rendimentos obtidos por residentes e não residentes.  

 

46. A questão que o Requerente traz à colação é a de saber se ao tributar-se a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis por sujeitos passivos não residentes em Portugal, mas que são residentes noutro Estado-membro da UE ou residentes no EEE, interpretando-se e aplicando-se, assim, o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, se está em desconformidade com o direito comunitário, particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constituindo uma situação de discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado-membro da União Europeia, ou seja, se com o aditamento ao art.º 72º do CIRS dos nºs 9 e 10 (na sua redacção à data dos factos), concretizado pela entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, se afastou a incompatibilidade da norma interna com o direito comunitário, sobejamente explicitada pelo TJUE com a prolação do “Acórdão Hollmann”, com o estabelecimento de um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, desde que aqueles sejam residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.    

 

47. O Tribunal Arbitral Singular entende que a existência do aludido regime optativo não afasta a invalidade daquele regime (discriminatório), ou seja, a intervenção legislativa acima referida não logrou afastar a aventada incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário, continuando o ordenamento jurídico português a violar frontalmente o direito comunitário, nomeadamente, o princípio da liberdade de circulação de capitais.

 

48. E dizemo-lo louvados na jurisprudência do Tribunal Arbitral, prolatada no Processo n.º 590/2018, de 8 de Julho de 2019, que pode ser consultada in

 https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA4MDUxNjA0MzYwLlA1OTBfMjAxOC1UIC0gMjAxOS0wNy0wOCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D que a dado passo diz: “Na verdade, a alteração legislativa operada assenta em pressupostos inquinados pela intenção de manter uma tributação mais onerosa sobre os sujeitos passivos não residentes, mesmo que estes residam no espaço da EU ou do EEE (tendo em consideração a complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao principio da territorialidade previsto artigo 15º do Código do IRS, às condições de pessoalização e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro Estado-membro, no estado actual do direito comunitário), o que se afigura inaceitável aos olhos da acima referida jurisprudência do TJUE.

 

49. Sendo que, esta concreta questão de saber se com a referida intervenção legislativa (que equiparou o regime fiscal aplicável aos residentes aos não residentes domiciliados na UE ou no EEE) logrou ou não afastar-se a aventada incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário, já foi sobejamente tratada pela jurisprudência arbitral e até pela jurisprudência do STA[3], tal como adiante se demonstrará.

 

50. Desde logo e para além da já acima identificada, traga-se aqui a jurisprudência arbitral firmada no Processo n.º 45/2012-T, de 5.7.2012 e que pode ser consultada in  https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODA3MDYxNTI1MTMwLlA0NV8yMDEyVCAtIDIwMTItMDctMDUgLSBKVVJJU1BSVURFTkNJQSBEZWNpc2FvIEFyYml0cmFsRi5wZGY%3D e que a dado passo diz: Para além de, como bem assinalam os Requerentes, a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa 14 . Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Salienta aquele órgão jurisdicional que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais 15 . E continua aquele tribunal revelando o paradoxo: “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório” 16 . Conclui o TJUE que o Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.”

 

51. Mas também a jurisprudência arbitral firmada no Processo n.º 127/2012-T, de 14.5.2013 e que pode ser consultada in

https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODA3MTAxNzIyMDcwLlAxMjcgVCAyMDEyIC0gMjAxMy0wNS0xNCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBIERlY2lzYW8gQXJiaXRyYWwucGRm e que a fls. 14 daquela douta decisão dispõe: Assim, a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art.º 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. E, consequentemente, ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.”

 

52. E quanto à enunciação de jurisprudência arbitral, importa ainda trazer à colação a vertida na decisão arbitral, proferida no processo nº 74/2019-T,  de 22 de Maio de 2019, que pode ser lida in

 https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA2MjUxNjUxMzUwLlA3NF8yMDE5LVQgLSAyMDE5LTA1LTIyIC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e na qual se refere: “(…) atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu (…), coexistem dois regimes fiscais: 1. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e 2. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS. Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa. Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte: 1. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.». 2. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49° TFUE em razão do seu carácter discriminatório». 3. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes» (…)”, concluindo que “(…) a existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor (…)” (sublinhado nosso). Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no Acórdão de 08-06-2016, processo C479/14 ao referir que “relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).”

 

53. Adequado se mostrando ainda trazer à colação a recentíssima decisão arbitral tirada no processo n.º 238/2020-T que pode ser vista in

  https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDExMjYxNzE3NDEwLlAyMzhfMjAyMC1UIC0gMjAyMC0xMC0xNiAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e que  vai exactamente naquele mesmo sentido.

 

 

54. E ainda a firmada no Acórdão do STA, de 20.2.2019, prolatado no processo 0901/11.0BEALM 0692/17, in

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45c0e711bf83a53c802583bc005bb3ac?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 e cujo sumário diz: “I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art.º 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. III - O acto impugnado, que aplicou o referido art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art.º 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo).

 

55. O Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a matéria num recurso de uniformização de jurisprudência (Acórdão do STA, de 09.12.2020, processo no 075/20.6BALSB), tendo confirmado o entendimento de que a norma da alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, continua a ser incompatível com o normativo comunitário vigente.

 

56. Diz-se, a dado passo, no referido Acórdão: “Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.

Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS).

O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art.º 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável.

Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art.º 68.º do CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável).

A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art.º 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art.º 43.º do CIRS.

Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 (...) em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE de 28 de Setembro de 2006 (...) julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».

É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art.º 72.o do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».

Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (...) após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um beneficio fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Ou seja, o regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art.º 63.o do TFUE que dela resulta.

Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.o do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.”

 

57. Concluía como segue o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: “2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado- membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”

 

58. Isto dito, aderindo à jurisprudência aqui amplamente referenciada mas mais especificamente à que uniformiza jurisprudência sobre a matéria em discussão, conclui o Tribunal Arbitral Singular no sentido de que o regime de tributação incidente sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias obtidas por sujeitos passivos não residentes em Portugal (residentes noutro Estado-membro da UE ou residentes no EEE), interpretando-se o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS como sendo unicamente aplicável a sujeitos passivos residentes em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, maxime, com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constituindo uma situação de manifesta discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado- membro da EU ou do EEE, donde e porque expressamente fundada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e até de forma mediata a liquidação sindicada, na interpretação de que tal discriminação deixou de existir com a intervenção legislativa que aditou os nºs 9 e 10 ao art.º 73º do CIRS, está aquele acto de liquidação, em parte, enfermado de ilegalidade que aqui se declara.

 

59. O Tribunal Arbitral Singular sintetiza a sua posição como segue: i) É diretamente aplicável na determinação do rendimento tributável das mais-valias realizadas por não residentes o n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS, mesmo que o sujeito passivo não tenha exercido o direito de opção previsto no art.º 72º do CIRS, sob pena de violação do art.º 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);  ii) Não é de considerar sanada a incompatibilidade da legislação interna com o normativo comunitário concretizada pelo aditamento ao art.º 72.º do Código do IRS de disposição que confere a possibilidade de opção pela equiparação ao regime aplicável aos residentes, porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes domiciliados na U.E. ou no EEE, com prejuízo para estes últimos.

IV.D2) Dos Juros Indemnizatórios:    

 

60. Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

 

61. Por outro lado, o n.º 4 do art.º 61.º do CPPT dispõe no sentido de que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

62. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.

 

63. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

 

64. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.

 

65. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

66. O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação parcial do acto de liquidação de IRS de 2018, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

 

67. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

68. Na sequência da anulação parcial da liquidação sindicada, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias indevidamente pagas[4], ou seja, concretamente do montante de 9.235,71 €.

 

69. O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.

 

70. Diz o n.º 3 do art.º 43.º da LGT que: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

  1. (...)
  2. (...)
  3. (...)
  4. Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”

 

71. Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que a alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, se mostra incompatível com o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente por subsunção na referida alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, já que a liquidação sub judice se mostra em parte enfermada de ilegalidade, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido[5] até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.

 

72. É, por isso, o Requerente credor da AT do montante correspondente ao IRS de 2018 indevidamente pago, de 9.235,71 €, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

 

 

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:

 

  1. Julgar in totum procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por provado e com fundamento em ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRS DE 2018, anulando-se o montante de 9.235,71 €;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da requerida à restituição à Requerente do valor correspondente à parte anulada do acto de liquidação por o mesmo haver sido indevidamente pago;
  3. Julgar Procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT.

 

tudo com as legais consequências.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixo o valor do processo em 9.235,71 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 918,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido e não contraditado pela AT, a cargo da Requerida por decaimento, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

VIII. Notificação ao Ministério Público:

 

Atendendo a que o Ministério Público não tem representação especial perante os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público), comunique-se esta decisão à Procuradoria-Geral da República, para os fins que tiver por convenientes.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Outubro de 2021.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

 

O árbitro,

 

(Fernando Marques Simões)

 

 



[1] Sendo que, por isso, também registado como não residente à data do facto gerador do imposto aqui em causa, i.e., em 31.12.2018.

[2] Não fora a eventual violação da liberdade de circulação de capitais e a vinculação ao princípio do primado, do que cuidaremos adiante.

[3] Sobejamente identificada no PPA.

[4] Cfr. Ponto N) do probatório.

[5] Cfr. Ponto N) do probatório.