Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 764/2019-T
Data da decisão: 2020-04-30  IRS  
Valor do pedido: € 11.798,66
Tema: IRS–Mais-valias – Residente em Estado-Membro da União Europeia; Artigo 43.º, n.º 2 do CIRS vs. Artigo 63.º do TFUE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1 - Relatório

1.1 – A..., contribuinte n.º..., casada no regime da comunhão de adquiridos com B..., residentes em ..., ... em ..., França, doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 13 de novembro de 2019, tem por objeto a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 30 de julho de 2019, no montante de 23 597,33€ (vinte e três mil, quinhentos e noventa e sete euros e trinta e três cêntimos), com data limite de pagamento em 04 de setembro de 2019. 

 

1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente juntou dois documentos, além da procuração forense e do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral inicial.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 20 de novembro de 2019.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 6 de janeiro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 5 de fevereiro de 2020.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 9 de março de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, com a consequente absolvição do pedido, optando por não juntar o PA.

 

1.12 – Subsidiariamente requereu a suspensão da instância até à notificação da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) a proferir no âmbito do Processo arbitral n.º 598/2018-T do CAAD, reenviado a este tribunal a título prejudicial, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

1.13 – Em 16 de abril de 2020 foi proferido despacho, concedendo à Requerente o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciar sobre a necessidade ou não da suspensão da instância pelos motivos antes referidos.

 

1.14 – O que a mesma fez por requerimento de 22 de abril de 2020, concluindo pela desnecessidade de suspensão da instância nos termos peticionadas pela Requerida.

 

1.15 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 22 de abril de 2020, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma bem como a produção de alegações, uma vez que as questões estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes 

 

1.16 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Os sujeitos passivos não residentes em território português apenas estão sujeitos a tributação em sede de IRS em Portugal relativamente aos rendimentos de fonte portuguesa (artigo 15.º, n.º 2 do Código do IRS).

Para o efeito, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS, consideram-se rendimentos de fonte portuguesa, designadamente, os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

Relativamente à tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis, os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, enquanto os sujeitos passivos não residentes estão sujeitos a tributação à taxa especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, o referido saldo, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

Porém a AT considera que este preceito não se aplica a cidadãos não residentes, pelo que procedeu ao cálculo do imposto através da aplicação da taxa especial de 28% sobre a totalidade do valor da mais-valia obtida.

Este entendimento consagra uma discriminação entre cidadãos residentes e cidadãos não residentes, além de uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Para sustentar a sua posição, a Requerente faz referência, entre outros, aos seguintes acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE):

- de 18-03-2010, processo n.º C-440-08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), segundo o qual “O artigo 49.º TFUE opõe-se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”;

- de 11-10-2007, processo n.º C-443-06 (Erika Waltraud Ilse Hollmann contra Fazenda Pública), segundo o qual “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”; e

- de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) segundo o qual “a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua”.

Bem como, entre outros, aos seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA):

- de 03-02-2016 (Processo n.º 01172/14), segundo o qual “I - As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional”; e

- de 30-04-2013 (Processo n.º 01374/12), segundo o qual “Julgada incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE, o acto de liquidação que a desaplicou encontra-se ferido de ilegalidade na medida do excesso, devendo ser anulado apenas nessa parte, num caso, como o dos autos, em que a matéria colectável do imposto é constituída exclusivamente pela mais-valia e a taxa aplicável é fixa (25%)”.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação parcial do ato de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2018, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pelo artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 (posteriormente renumerados em 9 e 10) veio adequar plenamente a legislação nacional ao direito comunitário, isto porque os referidos preceitos, em consonância com o ponto 40 do acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo n.º C-443-06 (Erika Waltraud Ilse Hollmann), que refere “Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE”, passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Razão pela qual, a referida alteração ao artigo 72.º do Código do IRS, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão, conforme artigo 61 do decisório, a saber: «61 - Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Assim a Requerida entende que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão Hollmann, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.° do Código do IRS pelo artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, vindo deste modo permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

Que a referida alteração legislativa não foi alvo, ainda, de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A Requerente poderia ter optado pelo regime previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º e não o fez. 

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos ou, a título subsidiário, a suspensão da instância até à prolação de uma decisão do TJUE a proferir no Processo do CAAD n.º 598/2018-T, no âmbito do reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE.

 

2. Saneamento

2.1 – Nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º do CPC, deverão as mesmas ser oficiosa e prioritariamente conhecidas.

 

2.2 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

                

2.3 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é casada no regime da comunhão de adquiridos com B..., cfr. artigo 5.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  2. Ambos são cidadãos portugueses e no ano de 2018 residiam na ..., ... em ..., na França, cfr. artigo 6.º do ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  3. Em Outubro de 2018 a Requerente e cônjuge venderam as frações autónomas identificadas pelas letras “L” e “M” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia da ... (código ...), concelho de Loulé (código...), distrito de Faro (código...), sob o artigo..., pelo preço de 400 000,00€, cfr. anexo “G” à declaração modelo 3 de IRS relativo ao ano de 2018, apresentada com o ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e códigos das freguesias de Portugal, consultável em https://sites.google.com/site/codigosdasfreguesiasdeportugal/lista;
  4. Estas frações haviam sido adquiridas em julho de 2003, sendo o valor de aquisição o de 159 615,32€, cfr. anexo “G” antes referido;
  5. Em 25 de junho de 2019 a Requerente procedeu à entrega, em separado, da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, com a identificação ..., bem como do anexo “G” relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais, cfr. declaração e anexo apresentados com o ppa, cujo teor se dão por integralmente reproduzidos;
  6. A declaração foi entregue pela Requerente no estado civil de “casada” (quadro 4,  campo 01), sem opção pela tributação conjunta dos rendimentos (quadro 5, campo 02) e na condição de não residente em território português (quadro 8-B, campo 04), porque residente em país da EU (União Europeia) ou EEE (Espaço Económico Europeu), ou seja, na França, a que corresponde o código “250” (quadro 8-B, campo 06). Mais declarou pretender ser tributada pelo regime geral (quadro 8-B, campo 07), cfr. declaração apresentado com o ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  7. No quadro 4 do anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS) fez constar o seguinte:

Que os bens imóveis inscritos sob os artigos ... e ... na freguesia com o código ..., a que corresponde o distrito de Faro, concelho de Loulé, freguesia da ..., conforme consulta em https://sites.google.com/site/codigosdasfreguesiasdeportugal/lista, na quota-parte de 50,00%, foram adquiridos em julho de 2003 pelo valor unitário de 39 903,83€, a que corresponde o valor global de 79 807,66€ e alienados em outubro de 2018 pelo valor unitário de 100 000,00€, a que corresponde o valor global de 200 000,00€. Foi ainda declarado o montante de 8 780,20€ correspondente a despesas e encargos de cada prédio, a que corresponde o montante global de 17 560,40€, cfr. anexo “G” à declaração modelo 3 antes referida, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

  1. Em 30 de julho de 2019 a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do IRS respeitante à declaração apresentada, relativa ao ano de 2018, no montante de 23 597,33€, com o n.º 2019..., sendo emitida a respetiva nota de cobrança com data limite de pagamento de 04 de setembro de 2019, cfr. documento n.º 2 anexo ao ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  2. Em 23 de agosto de 2019 a Requerente procedeu ao pagamento da referida nota de cobrança, conforme vinheta com o n.º ... aposta na mesma, cfr. documento n.º 1 anexo ao ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
  3. Em 13 de novembro de 2019 a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação parcial da liquidação antes referida, com a consequente anulação no montante de 11 798,66€.

 

3.2 Factos não provados 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou o processo administrativo nem questiona quaisquer dos factos alegados pela Requerente, pelo que os mesmos se consideram assentes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada; e

- Da suspensão da instância até decisão do TJUE a proferir no Processo do CAAD n.º 598/2018-T, no âmbito do reenvio prejudicial.   

 

*

- Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada

No ano de 2018, a Requerente e B..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residiam na França, mais precisamente em ... em ..., ... em Brie.

Em Outubro desse ano, a Requerente e cônjuge venderam as frações autónomas identificadas pelas letras “L” e “M” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia da ..., concelho de Loulé, de eram proprietárias, pelo valor unitário de 200 000,00€, a que corresponde o valor global de 400 000,00€.

Tais frações autónomas haviam sido adquiridas em julho de 2003, com o unitário de 79 807,66€, a que corresponde o valor global de 98 163,42€.

O montante de despesas e encargos com as mesmas frações, no referido ano de 2018, foi de 35 120,80€.

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reis sobre bens imóveis.

O ganho sujeito a IRS é constituído, nos termos da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 10.º do referido código, pela diferença entre os valores de realização e o de aquisição, previstos, respetivamente, nos artigos 44.º e 45.º a 49.º do mesmo código, sendo que este valor é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação, conforme n.º 1 do artigo 50.º do CIRS.

A Portaria n.º 317/2018, de 11 de dezembro, fixou em 1,23 o coeficiente de desvalorização da moeda a aplicar aos bens e direitos alienados durante o ano de 2018 e adquiridos no ano de 2003.

 Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

Porém no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, o referido saldo, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

No caso de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, cfr. preceitua o n.º 2 do artigo 15.º do mesmo código, considerando-se rendimentos de fonte portuguesa, nos termos da alínea h), do n.º 1 do artigo 18.º deste código, os respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

   Os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, enquanto os sujeitos passivos não residentes estão sujeitos a tributação à taxa autónoma especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

Quanto às taxas especiais dos não residentes, ou melhor, dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, como a França, o artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, aditou ao artigo 72.º do Código do IRS os n.ºs 7 e 8, posteriormente renumerados em 9 e 10, com o seguinte teor: 

“N.º 9 – Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia (…) podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) (...), (esta alínea refere-se às mais-valias), pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 – Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.    

 

Assim, considerando a existência de rendimentos de fonte portuguesa (mais-valias resultantes da transmissão de imóveis situados em território português), a Requerente, em 25 de junho de 2019, procedeu à apresentação, em separado, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 13.º e n.º 1 do artigo 59.º, ambos do Código do IRS, a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, com a identificação..., bem como do anexo “G” relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais.

Na declaração modelo 3 fez constar o seu estado civil de casada (quadro 4, campo 01); que não optava pela tributação conjunta dos rendimentos (quadro 5, campo 02);  e que não sendo residente em território português (quadro 8-B, campo 04), tinha a residência em país da EU (União Europeia), ou seja, na França, a que corresponde o código “250” (quadro 8-B, campo 06). Mais declarou pretender ser tributada pelo regime geral (quadro 8-B, campo 07).

No quadro 4 do anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS), e face ao disposto no artigo 19.º do Código do IRS, respeitante à contitularidade de rendimentos, conjugado com o n.º 1 do artigo 1730.º do Código Civil, segundo o qual, no regime da comunhão de adquiridos, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão (a meação, definida por Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[1] como “património coletivo sobre o qual recai num único direito de que ambos os cônjuges são titulares”), bem como na sua imperatividade, uma vez que será nula qualquer estipulação em sentido diverso, declarou os valores de realização e aquisição e as despesas e encargos pela quota-parte de 50% (metade).

Pelo que fez constar da declaração que, em outubro de 2018, alienou os bens imóveis inscritos sob os artigos ... e ... na freguesia com o código ..., a que corresponde o distrito de Faro, concelho de Loulé, freguesia da ..., conforme consulta em https://sites.google.com/site/codigosdasfreguesiasdeportugal/lista) pelo valor unitário de 100 000,00€, a que corresponde o valor global de realização de 200 000,00€; que os referidos imóveis foram adquiridos em julho de 2003 com o valor unitário de 39 903,83€, a que corresponde o valor global de aquisição de 79 807,66€; e que as despesas e encargos de cada prédio, previstas no artigo 51.º do Código do IRS, ascendem ao montante de 8 780,20€, a que corresponde o montante global de 17 560,40€.

A liquidação do IRS, no montante de 23 597,33€, foi efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 30 de julho de 2019, nos seguintes termos:

[200 000,00€ «valor de realização» – (98 163,42€ «valor de aquisição atualizado pelo coeficiente de desvalorização da moeda fixado pela Portaria n.º 317/2018, de 11-12, em 1,23» + 17 560,40€ «despesas e encargos») x 28% (taxa prevista na alínea a), n.º 1 do artigo 72.º) = 23 597,33€]

Porém se a Requerente residisse no território português a mais-valia de 84 276,18€ seria considerada para efeitos de tributação em IRS, em 50% (metade) do seu valor, por força do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, aplicando-se as taxas previstas no artigo 68.º do mesmo código.

Verifica-se, deste modo, uma indubitável discriminação negativa entre os sujeitos passivos residentes num Estado Membro (no caso Portugal) e os residentes noutro Estado Membro, como a França, proibida pelo Direito Comunitário.

Refira-se que tanto Portugal como a França são Estados-Membros da União Europeia. Como se sabe a adesão de Portugal ocorreu em 1 de janeiro de 1986 e a da França em 1 de janeiro de 1958, sendo esta um dos seis estados fundadores da então Comunidade Económica Europeia (CEE), criada pelo Tratado de Roma, de 25 de março de 1957.

O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ex-artigo 56.º TCE) estabelece o seguinte:

“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

Por acompanharmos a decisão de 08-04-2019, proferida no Processo Arbitral n.º 600/2018-T do CAAD, respeitante a matéria idêntica à dos presentes autos, passamos a transcrever o seguinte excerto da mesma:

“O TJUE considerou incompatível com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), (e em 2018 também), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais ( ) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redacção do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007.

Assim, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há jurisprudência específica do TJUE sobre a compatibilidade do regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, nos n.ºs 7 e 8 do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

No entanto, o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais-valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável» (§ 54).

Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua».

Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado.

O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo”.

Na verdade, à matéria tributável da Requerente, no valor de 84 276,18€, correspondeu IRS no valor de 23 597,33€ à taxa de 28%, aplicável aos não residentes, enquanto aplicando as taxas previstas no artigo 68.º do Código do IRS a metade daquela matéria tributável, o IR a pagar seria de 13 005,47€ (36 856,00€ x 28,838%) + (5 282,09€ x 45%).

Continuando a transcrição de parte da referida decisão arbitral: (…) Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória prevista no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017 (e em 2018 também), é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado nas liquidações impugnadas.

O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.

Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

62. Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida)”.

Alega a AT que a solução adotada no artigo 72º, nºs 8 a 10 é suficiente, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.

Assim, não temos dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes de alienação de imóveis.

Também por acompanharmos a decisão de 15-04-2019, proferida no Processo Arbitral n.º 583/2018-T do CAAD, respeitante a matéria idêntica à dos presentes autos, passamos a transcrever o seguinte excerto da mesma:

39. É certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão, introduziu, através da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

40. Sobre esta alteração legislativa, já se pronunciou igualmente a jurisprudência, concretamente a decisão arbitral proferida no processo n.º 748/2015-T, à qual se adere, “Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para contornar a discriminação contida na supra mencionada norma nacional, fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes. A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização do imposto e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário.”. (…) “Alega a AT que a solução adotada no artigo 72.º, n.ºs 8 a 10 é bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.”.

41. Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63º e 18º do TFUE.

42. Em face do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8º número 4 da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário, vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente da já decidida, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação, pelo TJUE.

43. Nestes termos, dúvidas não restam de que a liquidação impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pelo Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal, concluindo-se pela incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, com o artigo 63.º, do TFUE, o que determina a ilegalidade das liquidações ora impugnadas, e como procedente o pedido de pronúncia arbitral”.

 

No mesmo sentido foram proferidas decisões nos processos arbitrais do CAAD n.ºs 332/2019-T, 208/2019-T, 111/2019-T, 74/2019-T, 67/2019-T, 65/2019-T, 63/2019-T, 55/2019-T, 687/2018-T, 684/2018-T, 617/2018-T, 613/2018-T, 594/2018-T, 590/2018-T, 577/2018-T, 562/2018-T, 548/2018-T, 370/2018-T, 307/2018-T, 644/2017-T, 520/2017-T, 89/2017-T, 45/2012-T e 127/2012-T.

 

Bem como, entre outros, nos seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), sumariados como se refere:

- de 20-02-2019 (Proc. n.º 0901/11.0BEALM 0691/17), relacionado com mais-valias realizadas no ano de 2010;

“I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo)”.  

 

- de 03-02-2016 (Proc. n.º 01172/14); e

“- As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional”.

 

- de 30-04-2013 (Proc. n.º 01374/12).

“III – Julgada incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE, o acto de liquidação que a desaplicou encontra-se ferido de ilegalidade na medida do excesso, devendo ser anulado apenas nessa parte, num caso, como o dos autos, em que a matéria colectável do imposto é constituída exclusivamente pela mais-valia e a taxa aplicável é fixa (25%)”.

 

Pelo exposto, considerando que, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”, é de concluir que é ilegal a tributação nos termos em que foi efetuada na liquidação impugnada, o que justifica a sua anulação parcial, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias.

 

**

- Da suspensão da instância até decisão do TJUE a proferir no Processo do CAAD n.º 598/2018-T, no âmbito do reenvio prejudicial -

Na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a AT vem requerer, a título subsidiário, que se “suspenda a instância até à prolação de uma decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo 598/2018-T”.

Refira-se, desde já, que nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Assim, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados, nos termos da alínea a) do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ex-artigo 234.º do Tratado de Roma).

Este instituto do reenvio prejudicial pode ser utilizado por este Tribunal Arbitral como, aliás, já foi reconhecido pelo TJUE no processo C-377/13, de 12 de junho de 2014.

Nestes termos, e de acordo com o referido artigo 267.º, os tribunais nacionais – onde se incluem os Tribunais Arbitrais, face ao disposto no n.º 2 do artigo 209.º da CRP – devem proceder ao reenvio de questões prejudiciais quando se coloquem questões ou dúvidas relativas à validade, interpretação e compatibilidade das normas de direito interno com direito da União Europeia.

No referido processo arbitral foi submetida ao TJUE a seguinte questão prejudicial: “As disposições conjugadas dos artigos 12.º, 56.º, 57.º e 58.º do Tratado da Comunidade Europeia [atuais 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no presente processo (n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442.º-A/88, de 30 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67.º-A/2007, de 31/12, com aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS, por forma a permitir que as mais-valias resultantes da alienação de imóveis situados num Estado-Membro (Portugal), por um residente de um outro Estado-Membro da União Europeia (França) não fiquem sujeitos, por opção, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde estão situados os imóveis?”.

Porém, como referido no Processo n.º 600/2018-T do CAAD, que acompanhamos, “(...) tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia ( ). E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro).

No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE (refere-se ao acórdão do TJUE (Quarta Secção) de 11-10-2007, proferido no processo C-443/06 (Erika Waltraud Ilse Hollmann contra Fazenda Pública) apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por decisão de 28 de Setembro de 2006 e ao despacho do TJUE (Sétima Secção) de 06-09-2018, proferido no Processo n.º C-184/18 (Fazenda Pública contra Carlos Manuel Patrício Teixeira e Maria Madalena da Silva Moreira Patrício Teixeira) apresentado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Portugal), por decisão de 19 de setembro de 2017) que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial.

Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência do recurso da Lei n.º 67-A/2007”.

Sem necessidade do recurso ao reenvio prejudicial ou à suspensão da instância nos termos peticionados nos presentes autos, se pronunciaram as decisões do CAAD proferidas, nomeadamente, nos processos do CAAD supra referidos.

 

Assim, concluímos que a pretensão da AT de suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do TJUE, no processo n.º 698/2018-T, mostra-se desnecessária.

 

 

***

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2018, efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 30 de julho de 2019, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliária;
  2. Julgar improcedente o pedido formulado pela AT, a título subsidiário, de suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do TJUE, no processo n.º 698/2018-T, no âmbito do reenvio prejudicial previsto na alínea a) do artigo 267.º do TFUE;
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente cobrado, no montante de 11 798,66 €; e  
  4. Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 11 798,66€ (onze mil, setecentos e noventa e oito euros e sessenta e seis cêntimos).

 

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, CAAD, 30 de abril de 2020.

 

 

 

O Árbitro,

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 



[1] Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito de Família” vol I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2001, pág. 405