Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 763/2020-T
Data da decisão: 2021-09-15  Selo  
Valor do pedido: € 1.171.715,20
Tema: IS - Imposto do Selo de 2016. Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee e Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos (ATMs). Verba 17.3.4 da TGIS. Isenção da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS.
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Decisão Arbitral

Os árbitros Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Dra. Cristina Aragão Seia e Dr. Augusto Vieira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., no Porto (...-...), doravante referido como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo em vista a: i) anulação parcial do acto liquidação adicional de imposto do selo (“IS”) nº 2020..., demonstração nº 2020... no valor de € 1 503 640,64 e liquidações de juros compensatórios nºs  2020... e 2020..., no valor de € 203 281,04, relativas ao Imposto do Selo de 2016, apurando-se um total a pagar de € 1 706 921,68,  ii) a anulação parcial do despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2020... .

Peticiona apenas a anulação parcial do Imposto do Selo da verba 17.3.4 da TGIS que foi liquidado sobre a “taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s”, no valor de € 1 032 173,07, e da liquidação da correspondente liquidação de juros compensatórios no valor de € 139 542,13, num total de € 1 171 715,20.

Termina pedindo a “... anulação das liquidações adicional de IS e de juros compensatórios em apreço, nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT, assim como do despacho de indeferimento da respetiva reclamação graciosa, com as demais consequências legais, nomeadamente, a extinção do processo de execução fiscal nº ...2020..., nos termos do artigo 176.º, n.º 1, al. b), do CPPT, a devolução da garantia bancária nº E9... apresentada, e a condenação ao pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida”.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-12-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A AT apresentou resposta em 13.07.2021 e juntou o PA em 04.08.2021, após prorrogação do prazo para responder de 20 dias, não tendo suscitado excepções nem questões prévias, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

As partes não apresentaram alegações escritas nem foi realizada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT, uma vez que o Tribunal reputou não serem necessárias.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

A)           O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica à atividade de comércio bancário e, como tal, é sujeito à supervisão do Banco de Portugal, de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro e encontra-se registado para efeitos fiscais, pelo exercício da atividade principal de "outra intermediação monetária", a que corresponde o código da atividade económica (CAE) 64190 – conforme artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral (PPA) e artigos 6º, 7º e 8º da Resposta da AT;

B)           Com referência ao exercício de 2016, a coberto da OI 2018..., de âmbito geral, foram realizadas várias correções, estando em causa nos presentes autos apenas a correção feita no âmbito do imposto do selo no montante total de € 1.032.173,07 e respectivos juros compensatórios no valor de € 139 542,13, num total de € 1 171 715,20, com referência à tributação em Imposto do Selo da verba 17.3.4 da TGIS sobre a Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee e sobre as Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos (ATMs) – conforme artigo 9º do PPA e artigo 13º da Resposta;

C)           Por ofício de 28/11/2019, o Requerente foi notificado para, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPIT”), exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, o que fez, por escrito, em 19/12/2019, tendo, após o exercício do direito de audição, sido notificado, em 08/01/2020, do relatório final de inspeção tributária (“RIT”) que manteve as alterações referidas na alínea anterior -conforme artigos 10º e 11º do PPA e documentos nºs 3 e n.º 4 em anexo ao PPA e artigo 15º da Resposta da AT; 

D)           Segundo o RIT, as correções efetuadas com referência ao exercício de 2016, no que respeita ao IS foram as seguintes:

 - conforme artigo 12º do PPA e artigo 13º da Resposta da AT;

E)            Consta do RIT a seguinte fundamentação quanto às correcções propostas ao nível da liquidação do IS do ano de 2016 (no que interessa a este caso):

“111.2-2.2 - Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's (n.º 1 do artº 1º, nº 1 do artº 9º e nº 1 do artº 22º, todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS), no montante de € 1.032.173,07

Por forma a validar a liquidação de Imposto do Selo sobre a comissão designada por Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) também conhecida por Multilateral Interchange Fee, bem como sobre as comissões cobradas pelos bancos detentores das caixas automáticas (adiante também designadas por caixas multibanco ou ATM) aos bancos emissores de cartões bancários, relativamente às operações (com os cartões bancários) efetuadas pelos clientes dos bancos emissores dos cartões bancários nos acima referidos ATM, foram solicitadas ao A... diversos elementos, através do ponto 9 da notificação de 2018-06-26, que passamos a transcrever:

"9 Tendo presente as operações efetuadas com cartões (conforme definidas no Caderno nº  10 do Banco de Portugal — "Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos"), relativamente a pagamentos de bens e/ou serviços que são efetuados através da utilização de cartões bancários, seja em Terminais de Pagamento Automático (TPA) (existentes nos estabelecimentos comerciais, seja em caixas automáticos (caixas multibanco ou ATM) e as correspondentes comissões cobradas pelos serviços prestados, solicita-se, relativamente ao período de tributação de 2016, os seguintes elementos:

"9.2 Indicar, por mês de cobrança, o valor das comissões cobradas pelo A..., enquanto emitente de cartões, aos adquirentes ou "acquirers", relativas à utilização dos serviços de pagamento através dos TPA 's;

9.3 Quanto às operações realizadas através das Caixas Automáticos (ATM detidos pelo A..., relativamente às quais é cobrada uma comissão pelo serviço prestado ao Banco detentor do cartão bancário, relativas a pagamentos com cartões (de débito e de crédito), levantamentos em numerário, e todas as outras operações em que seja cobrada comissão ao Banco detentor do cartão (como sejam consultas de saldos, transferências, consulta de NIB, cancelamento de débitos diretos, etc.), indicar, por mês de cobrança, o valor das comissões cobradas pelo A...;

9.4. Discriminar, por mês de cobrança, e por tipo de comissão, o valor do imposto do Selo que o Banco teria apurado, tendo por base a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, caso não tivesse considerado que as comissões referidas nos pontos 9.2, e 9.3, estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do artº 7.º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação elou sujeição a este imposto;

9.5. Indicar as contas de rédito onde são refletidas as comissões referidas nos pontos 9.2 e 9.3, e apresentar um exemplo de contabilização relativamente a cada uma delas;

9.6. Indicar se foi liquidado Imposto do Selo em 2016, relativamente a cada uma das comissões referidas, e qual o enquadramento fiscal em sede de IVA e imposto do Selo considerado pelo Banco relativamente a cada uma das situações;

9.7. Apresentar um contrato de adesão/renovação do serviço de TPA onde discrimina as “acondiçoes gerais e particulares", celebrado no ano de 2016.

Relativamente às comissões em referência no ponto 9.2 (cobradas pelo A... enquanto emitente de cartões aos adquirentes ou "acquirers", relativas à utilização dos serviços de pagamento através dos TPA s), através de correio eletrónico datado de 2018-09-28, o A... apresentou os valores totais mensais de comissões, conforme o seguinte quadro:

 

 

Refira-se que o somatório das 2 colunas do quadro anterior perfaz o montante de € 9.152.713,26.

Em resposta ao solicitado no ponto 9.3 (operações realizadas através das Caixas Automáticas (ATM) detidos pelo A...), o Requerente apresentou, através de e-mail datado de 2018-06-19, a seguinte informação, refletida nos dois (2) quadros que se seguem:

 

 

 

Assim, o total das comissões cobradas no ano de 2016, registadas nas duas rubricas contabilísticas 8139920 e 8139924, ascende a € 16.651.613,54

Em complemento às respostas aos pontos 9.2 e 9 3 (e-mail da mesma data - 2018-06-19) disse que “fazemos, contudo, notar que a informação acima indicada não considera os seguintes dados, que não nos foi possível apurar até este momento, mas que pretendemos transmitir-vos ainda durante a inspecção tributária em curso — discriminação, dentro do valor acima indicado, dos montantes que correspondem às seguintes realidades:

1.            Montante cobrado de 01.01.2016 (inclusive) a 30.03.2016 (inclusive) e montante cobrado de 31.03.2016 (inclusive) até 31.12.2016 (inclusive), tendo em consideração que a redacção da verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo foi alterada pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), a qual apenas entrou em vigor a 31 de Março desse ano;

2.            Montante correspondente a IFs de valor unitário inferior a 0,125 e, sobre as quais da aplicação da taxa de 4% prevista na verba 17.3 4 da Tabela Geral não resulta qualquer Imposto do Selo a pagar;

3.            Montante correspondente a IFs cobradas a clientes isentos de Imposto do Selo,

4.            Montante correspondente a IFS autocobradas ".

 

Contudo, ..., o banco não apresentou qualquer informação adicional relativamente às realidades mencionadas nos pontos I, 2, 3 e 4 da sua resposta.

 

Em resposta ao ponto 9.4, relativamente a ambas as comissões (referidas nos pontos 9.2 e 9.3) o banco prestou o seguinte esclarecimento:

"Tendo o Banco A... considerado, no exercício em questão, que as taxas discriminadas se encontram fora do âmbito de incidência de imposto do selo, não foi efetuado qualquer cálculo relativo ao apuramento do imposto correspondente. Note-se que a legislação tributaria não prevê qualquer obrigação de cálculo de imposto sobre realidades não sujeitas. Nesse sentido, não é possível providenciar o cálculo solicitado."

 

Quanto à solicitação formulada no ponto 9.5, nomeadamente indicação das contas de rédito e apresentação de um exemplo de contabilização relativamente a cada uma das comissões mencionadas nos pontos 9.2 e 9.3, o banco indicou o que de seguida se expõe.

- Relativamente às comissões em referência no ponto 9.2 (cobradas pelo A... enquanto emitente de cartões, aos adquirentes ou "acquirers", relativas à utilização dos serviços de pagamento através dos TPA's):

"Conta contabilística onde são refletidas as comissões referidas no ponto 9.2 Interchange fees de compras: 813500 - COM-FACT.NAC-CARTOES DEBITO E DUAL e 813501 - COM-FACT.NAC-CARTOES CRÉDITO E P/LABEL; A conta 813500 recebe as IF Multibanco e Visa dos Cartões de Débito e as IF Multibanco dos Cartões de Crédito e a conta 813501 recebe as IF Visa/Mastercard dos cartões de Crédito. Na Conta 813501 para além das IF de compras é também contabilizada a comissão de "Compra em postos de combustível" cobrada ao Cliente.

Interchange fees de pagamento de serviços: 8139921 COM./NTERB-ATM-PREST.SERV.CARTOES B A...;”

Complementarmente, através de e-mail datado de 3 de maio de 2019, o banco esclareceu que “(... o total das Interchange fees de TPAs (ponto 9.2. da notificação de 26 de Junho de 2016) corresponde à soma de apenas parte da rubrica - COM-FACT. NAC-CARTOES DEBITO E DUAL com também apenas parte da rubrica 813501 - COMGACT.NAC-CARTOES CRÉDITO E P/LABEL, as quais registam não só Interchange fees de TPAs, como também operações de diferente natureza, entre as quais as comissões de "Compra em postos de combustível" cobradas a Clientes."

- Quanto às operações realizadas através dos Caixas Automáticos (ATM) detidos pelo A..., o banco indicou, através de e-mail datado de 2018-08-27, o seguinte:

"Comissões referidas no ponto 9.3.

Levantamentos em ATM A.... 8125920 - COM./NTERB-ATM-LEVANT.-CARTOES

Pagamentos e Outras Operações em ATM A... . 8139924 - COM.INTERB-ATM-OUT.OP.-CARTOES OIC"

Não apresentou qualquer exemplo de contabilização.

Em resposta ao ponto 9.6, 0 banco indicou que “não foi liquidado imposto de selo em 2016 em nenhuma das comissões em questão."

Face a todo o exposto, apresentam-se no quadro abaixo um resumo mensal de todas as comissões em causa, registadas nas contas de registo contabilístico antes referenciadas:

 

 

Estamos, assim, perante comissões auferidas pelo sujeito passivo na qualidade de emitente de cartões de crédito e débito (no caso dos TPA) ou de detentor de caixas automáticos (no caso dos ATM), com a particularidade de que as contrapartes nas operações são instituições financeiras, pelo que importa antes de tudo fazer o enquadramento fiscal destas operações.

O A..., conforme já referido, não liquidou Imposto do Selo sobre qualquer uma destas comissões, nem efetuou o apuramento do imposto sobre as mesmas, conforme solicitado: caso não tivesse considerado que as comissões referidas nos pontos (...) 9.1, 9.2. e 9.3, estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto.

...

Em virtude de as contrapartes nas operações serem instituições financeiras e por forma a ter uma melhor compreensão das comissões "multilateral interchange fee" (ou taxa multilateral de intercâmbio) - taxa cobrada pelo emissor dos cartões bancários [A...) ao detentor banco de apoio terminal do TPA - e das comissões/taxas cobradas pelo detentor dos ATM (A...) ao banco emissor do cartão bancário (relativamente às operações efetuadas com cartões bancários junto dos referidos ATM, pelos clientes do banco emissor do cartão bancário), dever-se-ão ter presentes os seguintes aspetos:

 

A)           Terminais de Pagamento Automático (TPA) e Caixas automáticos (CA)

O Banco de Portugal (BdP) como entidade de supervisão e de regulação das instituições de crédito e outras entidades financeiras, publicou no seu sítio, na área de «Publicações», os "Cadernos do Banco de Portugal', que tem por finalidade exclusiva prestar informações específicas do setor bancário ao público em geral, o Caderno nº IO, intitulado “Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos"

 

A1) Terminais de Pagamento Automático (TPA)

Naquele documento consta a definição de Terminal de Pagamento Automático como “(...) um dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via eletrónica. Efetua a leitura dos dados do cartão para autorização da operação e recolha dos elementos da transação para processamento. Possibilita ainda a autenticação eletrónica da operação (digitação do código secreto) e a emissão de talões com informações sobre os dados da transação."

Em traços gerais, trata-se de um terminal que permite fazer pagamentos por via eletrónica em estabelecimentos comerciais, através de cartões bancários, em alternativa ao pagamento através de numerário.

Nessa publicação, o Banco de Portugal vem esclarecer a forma como é efetuado um pagamento no TPA, passando pelas seguintes etapas:

1.            O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA, que autentica através da marcação de um código secreto ou assinatura;

2.            A informação é transmitida pelo adquirente (ou "acquirer") ao emissor do cartão, pedindo a respetiva autorização;

3.            O emissor do cartão dá uma "garantia" de pagamento através de uma autorização;

4.            O adquirente paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão, chamada de "taxa de serviço do comerciante”;

5.            O adquirente é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (ou "multilateral interchange fee");

6.            O emissor do cartão cobra o valor da transação ao titular do cartão.

 

Por igualmente abordar esta matéria e entrecruzar-se com os conceitos aqui abordados, recordamos o disposto no Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, que "deverá aplicar-se à emissão e à aceitação de operações de pagamento com cartões a nível transfronteiriço e nacional". (cfr. preâmbulo, Ponto I5).

O Regulamento (UE) 201 5/751 estabelece uma definição para esta taxa multilateral de intercâmbio. Assim, no nº 10 do seu art 2º podemos ler que «taxa de intercâmbio» consiste numa taxa “(...) paga direta ou indiretamente (ou seja, através de terceiros), por cada operação realizada entre o emitente e o adquirente das operações de pagamento baseadas em cartões. A compensação líquida ou qualquer outra remuneração acordada faz parte da taxa de intercâmbio."

De acordo com o ponto 10 do preâmbulo do Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2015 “As taxas de intercâmbio são habitualmente aplicadas entre os prestadores de serviços de pagamento a adquirentes e os prestadores de serviços de pagamento emitentes de cartões pertencentes a um determinado sistema de pagamento com cartões. As taxas de intercâmbio constituem uma parte importante das taxas cobradas aos comerciantes pelos prestadores de serviços de pagamento adquirentes por cada operação de pagamento associada a um cartão. Por sua vez, os comerciantes incorporam esses custos do cartão, tal como todos os seus outros custos, nos preços dos bens e serviços."

A cobrança deste tipo de comissão nasce no âmbito de operações de pagamento baseadas em cartões e suportadas nos dois principais modelos de negócio, os chamados sistemas tripartidos de pagamento com cartões (titular do cartão-adquirente e emitente-comerciante) e sistemas quadripartidos de pagamento com cartões (titular do cartão-banco adquirente-banco emitente-comerciante).

O ponto 9 do preâmbulo do citado Regulamento refere que “(o) serviço de emissões baseia-se numa relação contratual entre o emitente do instrumento de pagamento e o ordenante, independentemente da circunstância de o emitente deter ou não os fundos em nome do ordenante. O emitente coloca cartões de pagamento à disposição do ordenante, autoriza a realização de operações em terminais ou dispositivos equivalentes e pode garantir ao adquirente o pagamento das operações que estejam em conformidade com as regras do sistema em causa. Por conseguinte, não constitui emissão a mera distribuição de cartões de pagamento ou a prestação de serviços técnicos, tais como o mero processamento e armazenamento de dados."

O emitente, neste âmbito, é claramente um prestador de serviços de pagamento (cfr. nº 24 do artº 2º do Regulamento já citado).

 

A2) Caixas Automáticos (CA)

Um Caixa Automático (CA), também vulgarmente designado de ATM, de acordo com o Caderno n.º 10 — "Terminais de pagamento e Caixas Automáticos", do Banco de Portugal, é "um terminal de uma rede do sistema bancário que permite ao cliente efetuar diversos tipos de operações em regime de autosserviço, sem necessidade de recorrer aos balcões das agências bancárias.

Os Caixas Automáticos permitem que operações correntes, como levantamentos, consultas, pagamentos e depósitos, ou outras operações normalmente realizadas junto do caixa do banco, possam ser realizadas pelos Clientes, mesmo que o banco esteja aberto. Isso possibilita o acesso a esses serviços de forma mais rápida e cómoda, evitando filas de espera nos balcões."

“Em Portugal existem dois tipos de CA: os pertencentes a redes partilhadas (como a Rede Multibanco) e os pertencentes a redes privativas. Nos CA de redes partilhadas, o acesso faz-se através de um cartão de pagamento de uma marca aceite no terminal (Multibanco, American Express, Maestro, MasterCard, Visa, Visa Electron, entre outros), emitido por qualquer entidade devidamente autorizada para tal. Na maioria das operações é exigida a introdução do código secreto.

Nos CA pertencentes a redes privativas, a utilização é restrita aos clientes do banco proprietário do Caixa Automático, podendo o acesso ser efectuado através de um cartão emitido pelo próprio banco ou, em alguns bancos e para alguns CA, através de caderneta. Na maioria das operações é exigida a introdução do código secreto."

Refira-se que no Glossário do Banco de Portugal consta, para Caixa Automático a seguinte definição: "Equipamento automático que permite aos titulares de cartões bancários com banda magnética e/ou chip aceder a serviços disponibilizados a esses cartões, designadamente, levantar dinheiro de contas, consultar saldos e movimentos de conta, efetuar transferências de fundos e depositar dinheiro. Os caixas automáticos podem funcionar em sistema real-time, com ligação ao sistema automático da entidade emitente do cartão ou em online, com acesso a uma base de dados autorizada que contém informação relativa à conta de depósitos à ordem associado ao cartão de débito."

 

B)           Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee e Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos em operações efetuadas com cartões bancários

Na continuidade das operações de pagamento de compras realizadas através de TPA - conforme já se referiu -, o adquirente (ou “acquirer”), uma vez efetuado o pagamento da compra ao comerciante, é depois reembolsado pelo emissor do cartão bancário e paga-lhe uma comissão intitulada Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee.

Por outro lado, existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, é cobrada uma comissão pelo banco detentor do ATM ao banco emissor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) pelo serviço prestado; e, de igual modo, quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro banco (banco detentor do ATM) este  cobra uma comissão ao banco emissor do cartão bancário pelo serviço prestado com aquela operaçã0. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de CA em operações de pagamentos com cartões, de levantamentos de numerário, de consultas de saldos ou de movimentos, de carregamentos de telemóveis, de compra de bilhetes, de adesões a serviços, etc.

(...)

 

D)  Sujeição a Imposto do Selo da comissão Taxa Multilateral de Intercâmbio e das Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos

De acordo com o nº 1 do artº 1º do Código do Imposto do Selo (CIS), "O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens"

Relativamente à incidência do Imposto do Selo, salienta-se que o próprio Preâmbulo do CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, refere que “(...) a reforma de 2000 marcou uma tendência para a alteração de uma das suas mais ancestrais características, que de imposto sobre os documentos se tende a afirmar cada vez mais como imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza".

Por sua vez o nº 2 do art. 1º do mesmo normativo estabelece que "Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas", afastando deste modo da incidência deste tributo as operações sujeitas ao IVA e dele não isentas.

Ou seja, na “(...) definição do âmbito de incidência do imposto do selo nas operações financeiras importa ter-se presente o disposto no nº 2 do artigo 1º do Código, que no sentido de evitar a sobreposição de tributações, afasta da incidência deste tributo as operações sujeitas ao IVA e dele não isentas"

Pelo que, em concreto, a comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (TMI) e as comissões interbancárias em análise (cobradas pela utilização de Caixas Automáticos), encontram-se sujeitas a Imposto do Selo nos termos do n.º 1 do artº 1ºdo respetivo código (não sendo de aplicar o nº 2 do artº 1º do CIS).

Assim, constituindo normas de incidência objetiva do Imposto de Selo as verbas previstas na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), importa primeiramente analisar as verbas aí constantes. E, dessa análise, rapidamente se conclui que a verba "17 Operações financeiras", mais concretamente e verba "17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

Assim, como bem referem João Espanha e Marta Gaudêncio (“Sobre o Imposto do Selo: Algumas especificidades do crédito ao consumo” in Fiscalidade nº 44 Out-Dez de 2010 pág. 85-86), são sujeitas a imposto “(...) b) as comissões auferidas em razão da prestação de serviços financeiros; c) todas as demais contraprestações auferidas em razão da prestação de serviços financeiros, desde que as comissões e contraprestações sejam relativas a operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras (e ainda entidades legalmente equiparadas e, bem assim, quaisquer outras instituições financeiras) ou por elas intermediadas".

Deste modo, a verba 17.3.4. da TGIS prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões, nomeadamente as decorrentes das prestações de serviços financeiros (aqui em estudo) cobradas pelo A... .

Ainda a propósito da verba 17.3.4 da TGIS, convém referir que "diversamente do que dispunha o artigo 120º-A da Tabela anterior, que limitava o âmbito de incidência às comissões, a norma atual alarga-o, pois, a todas e quaisquer contraprestações por serviços financeiros, desde que, naturalmente, não se trate de serviços sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado e não isentos deste”.

Estando preenchidos tanto o pressuposto de natureza objetiva que se prende com a natureza de "serviços financeiros” atribuída às comissões aqui em crise, como o pressuposto de natureza subjetiva que tem a ver com a qualificação de "instituição de crédito" que resulta do artº 3º do RGlCSF, de que gozam os prestadores de serviços de pagamento/transferências (instituições de crédito e instituições de pagamento), não subsistem quaisquer dúvidas de que encontram cabimento na verba 17.3 4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, da TGIS.

Estando sujeitas a Imposto do Selo, também se dirá que estas comissões não se encontram isentas.

Com efeito, estando estas comissões sujeitas à verba 17.3.4 da TGIS como vimos supra, às mesmas não é aplicável a isenção a que alude a alínea e) do nº 1 do artº 7 do CIS, na medida em que as comissões em apreços, embora cobradas por e entre bancos, não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre eles.

De facto, quanto ao alcance da alínea e) do nº 1 do art 7º do CIS, o mesmo vai no sentido de que só estarão isentos de Imposto do Selo aqueles juros e comissões que estejam “diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida palas instituições e entidades referidas naquele normativo. "

Historicamente, a redaçã0 do artº 7.º do CIS (antigo artº 6º) sofreu sucessivas alterações.

Nestes termos, com a aprovação do Código do Imposto do Selo e tabela anexa pela Lei nº 150/99, de 1 1 de setembro, o artº 6º do CIS, com a epigrafe "Outras isenções", apresentaria duas importantes e inovadoras isenções relativamente ao regime anterior, dispondo na alínea e) que "Os juros cobrados e a utilização do crédito concedido por Instituições de crédito." e na alínea f) que "As comissões cobradas por instituições de crédito ...” estabelecendo o nº 2 do preceito que "O disposto nas alíneas f) e g) não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional".

Já o artº 37º da Lei 30-C/2000, de 29 de dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2001, introduziu importantes novidades, a saber:

“Artigo 6º

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas Instituições e entidades referidas naquelas alíneas.

3- O disposto nas alíneas g) e h) não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional".

Observa-se nesta alteração (nº 2, inegavelmente similar ao nº 7 atualmente vigente) a preocupação do legislador em proceder a uma delimitação material da isenção concedida, fazendo, podemos dizer, uma interpretação autêntica das alíneas e) e f), ao precisar que as isenções previstas nestas duas normas se restringiam especificamente “às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito"

E por se presumir que esta foi sempre a vontade do legislador, a técnica legislativa empregue manteve-se na Lei nº 109-B/2001, de 27 de dezembro, que não tocou nos preceitos indicados.

Só decorridos dois anos sobre a alteração introduzida ao artº 6º (atual 7º) entendeu o legislador que o sentido interpretativo dado às alíneas e) e f) estaria suficientemente consolidado, tendo, através da Lei n. 0 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei Orçamento do Estado para 2003), reposto no nº 2 0 texto inicial introduzido com a Lei n.º 150/99 (alterado pelas Leis n 0 176-A/99, de 30 de dezembro e nº 109-B/2001, de 27 de dezembro) e renumerado o artigo.

Nestes termos, temos de concluir que, a norma agora introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 (o seu caráter interpretativo) não constitui qualquer novidade.

O legislador fiscal, no âmbito da sua liberdade conformadora, acrescentou, através do artº 152º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, 0 nº 7 ao artº 7º do CIS, o qual estabelece que "(o) disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea". As comissões em apreço, embora cobradas por e entre "bancos", não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre eles, pelo que se encontram sujeitas e não isentas do Imposto do Selo.

Conforme resulta do texto legal, o legislador não se limitou a alterar o artº 7 º do CIS introduzindo-lhe o novo n.º 7. Foi mais além e, sob a epigrafe "disposição interpretativa no âmbito do Código do Imposto do Selo", estabeleceu no artº 154.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 que as redações dadas ao nº 1, n.º 3 e alínea b) do nº 5, todos do artº 2º, ao nº 8 do artº 4.º, ao nº 7 do artº 7º, todos do Código do Imposto do Selo e à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo têm caracter interpretativo. Sob a epigrafe "Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas" estatui a 1ª parte do nº 1, do art 13º do Código Civil que "(a) lei interpretativa integra-se na lei interpretada", retroagindo os seus efeitos à entrada em vigor da antiga lei, como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada, ressalvando-se os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada, por transação ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.

...

Aliás, sobre esta matéria. podemos atentar na decisão proferida no Acórdão nº 2754/08, de 2010-09-21, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, onde é dito, quanto à questão da isenção da alínea e) do nº1 do artº 7º do Código do Imposto do Selo que " (...) a única  leitura que se nos afigura legitima, por coerente, do preceito em questão é que o mesmo se reporta: aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do  estipulado no normativo em análise,  tal como o considerou a Mm. juiz recorrida".

Em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 2016-06-15 (processo nº 0770/15), refere-se ainda que «Concordamos com o que foi expresso no AC. do TCA Sul acima referido de que:

“(...) De facto, não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos das  instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias.

-Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observado do, ali determinado, estariam isentas.

-Mas mais relevantemente do que isto é que se tornaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições. (...)

Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilizaçã0, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a sentença recorrida pelo que se torna despiciendo analisar a verificação ou não dos requisitos subjetivos alegados nas conclusões de recurso pois que temos logo de concluir que não se tratando, no caso, da concessão de qualquer tipo de crédito, nem, muito menos, o tipo de instituições elencadas na lei, não estavam as comissões aqui em causa isentas de Imposto de Selo, a coberto do mencionado artº 7º nº 1, al.  e), do CIS.

(...)

Preparando a decisão formulam-se as seguintes proposições:

a)            A isenção concedida pelo artº  7º nº 1 al. e) do  CISelo, na redacção do DL n.º 287/2003NOV12, alterada pela lei nº 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo e por isso dela não beneficia o Banco recorrente quando está em causa a tributação de comissões por si recebidas pela actividade de mediação/angariação de seguros aos seus balcões a favor de uma determinada Seguradora.

b)           Os proventos desta actividade para efeitos de tributação enquadram-se, atualmente, na verba 22.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).».

E, em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 2016-06-29 (processo nº 1630/15), refere-se que “Com o Orçamento de Estado para o corrente ano de 2016, Lei nº 7-A/016, de 30.03, cfr. artigo 152º, o legislador introduziu um nº 7 naquele artigo 7º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cfr. artigo 153.º [artº 154.º].

Face à dúvida interpretativa existente em torno do disposto naquele artigo 7º, nº 7, veio o legislador restringir a sua aplicação às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, excluindo, assim, expressamente, as comissões recebidas pelos Bancos a título de actividade de mediação de seguros.

E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13º, nº 1, do Código Civil. Na verdade, "...a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado (e efetivamente adoptaram no caso concreto) ...", cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 246.

Não há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13º do Código Civil, uma vez que à lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer "novidade" no próprio texto da norma.

Sendo certo, também, que não se verifica qualquer uma das excepções a que aludem a 2ª parte desse preceito legal, pelo que, o regime a aplicar ao caso concreto é o do disposto naquele artigo 7º, n.º 7, mas com o sentido que lhe foi atribuído pela Lei Interpretativa, ou seja, de que aí não cabem as operações de mediação de seguros efetuadas pelos Bancos e, consequentemente, as mesmas não estão isentas da incidência e pagamento do Imposto de Selo nos termos desse mesmo preceito legal.».

Donde, e tendo-se sempre presente o enunciado no artº 9º do Código Civil e no artº 11º. da Lei Geral Tributária, temos de presumir que o legislador fiscal, conhecedor desta matéria (como vimos), consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ao (re)introduzir, com carácter interpretativo, o novo 7 no artº 7 do CIS., norma essa que, ao abordar o alcance da alínea e) do nº 1 do mesmo artigo, não obstante não introduza qualquer "novidade no próprio texto da norma, acaba por esclarecer as dúvidas que eventualmente ainda houvesse sobre a sua interpretação.

Face ao exposto, somos a concluir que:

1.            As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos (detentores de ATM ou emissores de cartões bancários);

2.            O A... não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões TMI ou sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários;

3.            As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários encontrando-se sujeitas a IVA, encontram-se deste isentas, nos termos da subalínea c) da alínea 27) do artº 9º do CIVA;

4.            Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do nº 2 do artº 1.º do CIS;

5.            Nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 2.º do CIS – “Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "[e]ntidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo nº 1 do artº 23º, 41º, 43º e nº 1 do artº 44º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado.

6.            De acordo com o disposto na alínea g) do nº 3 do artº 3º do CIS, nas “(...) restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...”, quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito);

7. Por sua vez, ao abrigo da h) do nº 1 do artº 5º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas “(...) operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações (...)»

8.            Nos termos do nº 1 do artº 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS.

9.            O nº 1 do artº 22º do CIS, remete as taxas de imposto para a TGIS;

10. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4 da TCIS;

11. As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela isenção contemplada na alínea e) do nº 1 do artº 7º do CIS.

Face ao que antecede, na medida em que, ... tendo-se questionado o A... sobre se, relativamente ao ano de 2016, foi liquidado Imposto do Selo sobre o valor das comissões acima referidas e tendo o A... respondido que aquelas comissões se encontravam excluídas de tributação em sede de Imposto do Selo, e uma vez que, conforme acima demonstrado, o A... deveria ter liquidado Imposto do Selo relativamente as estas comissões, foi, ao abrigo do principio de colaboração plasmado nos números 1 e 4 do artº 59º da Lei Geral Tributária e principio de cooperação consagrado nos art.ºs 9º e 48º do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributaria e Aduaneira (RCPITA), o banco convidado a apurar o montante de Imposto do Selo a liquidar mensalmente relativamente a estas comissões.

Com efeito, e como já se disse,  na medida em que os diversos elementos (dados/informações) que possibilitam o cálculo estavam na posse do A..., conforme já referido,  f0i solicitado ao sujeito passivo, relativamente às comissões em análise, que efetuasse uma discriminação: por mês de cobrança, do valor de Imposto do Selo que o A... teria apurado, tendo por base a verba 17.3.4 da TGIS, caso não tivesse considerado que as comissões acima referidas estavam (i) Isentas de Imposto do Selo ao abrigo do artº 7.º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto.

Contudo, o banco não procedeu à discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo, alegando que “tendo o Banco A... considerado, no exercíci0 em questão, que as taxas discriminadas, se encontram fora do âmbito de incidência de imposto do selo, não foi efetuado qualquer cálculo relativo ao apuramento do imposto correspondente. Note-se que a legislação tributária não prevê qualquer obrigação de cálculo de imposto sobre realidades não sujeitas. Nesse sentido, não é possível providenciar o cálculo solicitado."

Deste modo, tendo o banco informado que em 2016 não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões aqui em apreço e não efetuou o cálculo do imposto de selo em falta, conforme lhe foi solicitado, outra solução não restou aos Serviços de Inspeção Tributária que não fosse, com base na discriminação mensal das comissões (acima referidas) cobradas em 2016, informação esta que foi facultada pelo A..., proceder ao apuramento do Imposto do Selo a liquidar.

Face ao que antecede, tendo por base a informação mensal das comissões ... cobradas em 2016, apurou-se o Imposto do Selo em falta, no montante de € 1.032.173,07, em resultado da aplicação da taxa de 4% prevista na verba 17.3.4. da TGIS, à base tributável das comissões (melhor identificadas supra e no quadro infra) cobradas pelo A..., no valor total de € 25.804.326,80.

De forma a dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 44º do CIS, o Imposto do Selo apurado em falta deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído. O Imposto do Selo apurado em falta, repartido mensalmente por mês de cobrança, é apresentado no quadro infra:

 

 

Esta correção é efetuada nos termos e com os fundamentos acima melhor explanados.

O sujeito passivo pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto à correção proposta no Projeto de Relatório, tendo a mesma sido mantida, de acordo com os fundamentos descritos no ponto IX 2 do presente documento”.

- conforme páginas 69 a 85 do RIT (Documento nº 4 RIT 2016 – corpo - junto com o PPA – páginas 72 a 88 e PA (2) RIT junto pela AT com a resposta – páginas 73 a 89);

F)            Na sequência das correções propostas no RIT, o Requerente foi notificado, em 27/01/2020, do ato tributário de liquidação aqui parcialmente impugnado, que apurou um montante de IS a pagar de € 1.503.640,64, acrescido de juros compensatórios no valor de € 203.281,04, cujo cômputo perfaz o valor total de € 1.706.921,68 (um milhão setecentos e seis mil, novecentos e vinte e um euros e sessenta e oito cêntimos), tendo apresentado reclamação graciosa (RG), a qual foi instaurada sob o nº ...2020..., foi notificado para audição prévia quanto ao projecto de decisão, direito que não exerceu e veio a ser notificado do despacho final de indeferimento pelo ofício nº ... de 11.09.2020 – conforme artigos 15º a 17º do PPA e artigos 16º e 18º da Resposta da AT e documentos nºs 7 e 8 juntos com o PPA;

G)           O Requerente foi citado no processo de execução fiscal nº ...2020..., cuja dívida exequenda respeita ao valor da demonstração de liquidação do IS e dos respetivos juros compensatórios apurados, supra referidos, tendo apresentado a garantia bancária E9..., com data de 29.04.2020, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira - Unidade dos Grandes Contribuintes, no valor de € 2.158.899,64, acompanhada de requerimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 169.º, n.º 2 do CPPT, que foi por esta aceite, por ofício n.º..., de 23/05/2020 – conforme artigo 14º do PPA e  documentos n.º 5 e 6 juntos com o PPA;

H)           Em 15.12.2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

2.2.  Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas partes e no processo administrativo. Por cada alínea dos factos provados são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento entre as partes e que foram considerados relevantes.

Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provados.

 

3. Matéria de direito

A questão principal objecto deste pedido arbitral – (i)legalidade da liquidação emitida na sequência de correcções efectuadas pela AT no que respeita ao IS relativo à taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s - não é nova e já foi debatida em outros processos do CAAD, designadamente no processo nº 433/2020-T e no processo nº 101/2020-T, cujas decisões acompanharemos de perto.

Seguindo a ordem pelas quais são invocadas pela Requerente as desconformidades com a lei, passamos a apreciar as questões que ao Tribunal cumpre decidir.

3.1 - Da inexistência de responsabilidade na esfera do Impugnante

Em primeiro lugar, importa estabelecer o enquadramento legal da questão em apreciação.

O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIS estabelece o seguinte:

Artigo 2.º

Incidência subjectiva

1 - São sujeitos passivos do imposto:

(...)

c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes;

O artigo 3.º n.º 3, alínea g), do CIS estabelece o seguinte:

Artigo 3.º

Encargo do imposto

1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º

(...)

3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

(...)

f) Na concessão do crédito, o utilizador do crédito;

g) Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas;

Este artigo foi alterado pela Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, que lhe aditou uma alínea h) , mas que não é aplicável a factos ocorridos em 2016, como decorre do artigo 12.º, n.º 1, da LGT.

A primeira questão colocada pelo Requerente, no ponto III.2. do pedido arbitral, é a de saber se pode ser responsabilizado pelo pagamento do Imposto do Selo.

O Requerente reconhece, no artigo 27º do pedido arbitral, que é sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 2.º do CIS, mas defende que:

– à data dos factos (2016) os titulares desse interesse económico eram os clientes do Requerente no âmbito da Taxa Multilateral de Intercâmbio, por força do disposto nos artigos 1º e 3º, n.ºs 1 e 3, alínea g), do CIS, que considera titular do interesse económico nas “(…) restantes operações financeiras realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas.”;

- a atual redação da alínea h) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IS, foi introduzida pela Lei n.º 22/2017, de 23 de maio, entrada em vigor no dia 24 de Maio de 2017, sem quaisquer efeitos interpretativos, pelo que apenas é suscetível de ser aplicada ao IS cujo facto gerador tenha ocorrido de 24 de Maio de 2017 em diante;

– o pagamento do imposto deverá ser exigido aos clientes titulares do interesse económico, e não ao Requerente;

– está-se, no caso concreto, perante uma situação de substituição tributária sem retenção, à qual não se aplica o regime constante do artigo 28.º da LGT;

– o responsável pelo pagamento do imposto nos casos de substituição sem retenção deverá ser o substituído – no caso em apreço, todos os clientes a quem foram cobradas as comissões em causa;

– nem há responsabilidade tributária direta do substituto tributário por este não ter empregado na tarefa da cobrança a diligência que dele se deve esperar, pois a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento do encargo tributário de outrem sempre dependeria da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), culpa essa a demonstrar pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo que não assiste razão ao Requerente.

Vejamos então.

O Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, não questiona sequer o enquadramento da sua situação nestas normas, reconhecendo expressamente no seu artigo 27º que, «de facto, o impugnante será o sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2º do CIS».

Assim, sendo sujeito passivo do imposto, compete ao Requerente a sua liquidação, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 23º do CIS, invocado pela AT (artigo 25º da Resposta), se se encontrar em alguma das situações em que é devido Imposto do Selo.

Não é relevante para afastar a incidência subjetiva, apurar se o Requerente é sujeito passivo na qualidade de contribuinte direto ou substituto (duas das categorias previstas no n.º 3, do artigo 18.º da LGT), pois, em qualquer caso, independentemente de se saber quem detém a titularidade do interesse económico da operação, é sobre o Requerente que recai o ónus de liquidar e é apenas a este e não aos titulares dos cartões ou aos comerciantes que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode exigir o pagamento do imposto.

Por outro lado, de harmonia com o disposto na alínea h), do artigo 5.º do CIS, nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a estas legalmente equiparadas, a obrigação tributária considera-se constituída no momento da cobrança das comissões e contraprestações, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia exigir ao Requerente o pagamento do Imposto do Selo.

Resulta deste regime que se está, nas relações entre o banco e as entidades a quem cobra comissões ou contraprestações, não perante situação de substituição tributária (que se efetua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), mas antes perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto, sendo este, por facilidade de cobrança, exigido a quem não é o titular do interesse económico, mas está numa situação em que lhe é possível transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas com este, ficando na disponibilidade do sujeito passivo efetuar ou não essa transferência, através da inclusão ou não do valor do imposto nos preços dos bens que lhe transmite ou dos serviços que lhe presta. 

Em situações deste tipo, «o único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico (acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 496/2017-T e 431/2018-T).

Assim, nem a alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nem o artigo 28.º da LGT são obstáculo à exigência do imposto ao Requerente (se se apurar que deve existir tributação).

Este regime não se afigura ser incompatível com o princípio da tributação com base na capacidade contributiva que é corolário do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), pois, como se referiu, não exclui a possibilidade de o Requerente transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas, designadamente meios cíveis.

De resto, a entender-se que era o Requerente quem tinha o dever de liquidar o Imposto do Selo nas situações em causa e tinha a consequente possibilidade de repercutir nos seus clientes as quantias pagas, através dos preços dos serviços que presta, a omissão de liquidação e repercussão serão condutas imputáveis apenas ao Requerente, pelo que não haverá qualquer fundamento para transferir para o Estado, com o afastamento da tributação, as consequências daquelas omissões.

Para além disso, a exigência do imposto ao Requerente e não aos seus clientes justifica-se por evidentes considerações de praticabilidade e a eficiência da tributação, que são também valores com relevo constitucional, em matéria tributária.

Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma do vício que o Requerente lhe imputa, por hipotética violação das normas sobre a incidência subjectiva do Imposto do Selo.

3.2 - Do erro de Direito pela não sujeição a Imposto do Selo

As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos (ATM ou multibanco), relativas a operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos (detentores de ATM ou emissores de cartões bancários).

O regime dos pagamentos em terminais de pagamento e caixas automáticos está descrito no

 Caderno 10 do Banco de Portugal, que pode consultar-se em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/10_terminais_de_pagamento_e_caixas_automaticos.pdf

 

O pagamento através de cartões bancários efetuados em Terminais de Pagamento Automático (TPA) inclui as seguintes etapas, sintetizadas no Relatório da Inspeção Tributária, com base no que consta da página 7 do referido Caderno 10 (alínea E) dos factos provados):

a) O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA e para a sua autenticação marca um código secreto ou é solicitada a sua assinatura;

b) A informação é transmitida pelo adquirente (ou "acquirer") ao emissor do cartão, pedindo a respetiva automação;

c) O emissor do cartão dá uma "garantia" de pagamento através de uma autorização;

d) O adquirente (ou "acquirer") paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão, geralmente chamada de "taxa de serviço do comerciante".

e) O adquirente (ou "acquirer") é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão geralmente intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (ou "multilateral interchange fee");

f) O emissor do cartão cobra o valor da transação ao titular do cartão.

Assim, no âmbito dos procedimentos originados pelo pagamento de compras em TPA, depois do pagamento pelo adquirente (acquirer)  ao comerciante, aquele é reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão (taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee).

No que concerne às operações em caixas automáticos, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, tal como referido aquando da análise dos TPA, também aqui é cobrada uma comissão - neste caso, pelo Banco detentor do ATM ao Banco detentor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) - pelo serviço prestado. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA e ATM ou caixas automáticas em operações de pagamentos com cartões, de levantamentos de numerário, de consultas de saldos ou de movimentos, de carregamentos de telemóveis, de compra de bilhetes, de adesões a serviços, etc.».

O Requerente não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões TMI, nem sobre as comissões interbancárias que cobrou pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção relativamente a estas comissões, por entender que elas também se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS, dizendo o seguinte, em conclusão:

• 1. As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários];

• 2. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários estando sujeitas a IVA, encontram-se deste imposto isentas, nos termos da alínea c) do n.º 27) do art º 9.º do CIVA;

• 3. Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1.º do CIS;

• 4. O Requerente não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões TMI ou sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários;

• 5. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art º 2º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art. º44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;

• 6. De acordo com o disposto no n.º 1 e na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito) na medida em que é o titular do interesse económico;

• 7. Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações...)"'.

• 8. Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;

• 9. O n.º 1 do art.º 22.º do CIS remete as taxas de imposto para a TGIS;

• 10. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4da TGIS;

• 11. As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, atento o disposto no n.º 7 do mesmo artigo.

3.2.1. Erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS

O Requerente defende que «é errónea a interpretação dada pelos serviços de inspeção tributária à norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, dela se extraindo que as operações que estejam isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, utilizando de novo essa premissa como ponto de partida para a sujeição a Imposto do Selo, desta feita, da TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s» (artigo 53º do pedido arbitral).

Do artigo 1.º, n.º 2, do CIS apenas pode concluir-se que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo.

A interpretação adequada do Relatório da Inspecção Tributária é a de que a Autoridade Tributária e Aduaneira não entendeu que as operações estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas por não serem tributadas em IVA, mas sim que, para além desta condição (delimitação negativa de incidência) era necessária a incidência resultante de previsão na Tabela Geral.

Confirmando que é esta a interpretação correcta, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira se esforça por demonstrar, invocando normas do CIS, que há lugar a tributação, incluindo uma norma de incidência objectiva da Tabela Geral, que é a verba 17.3.4.

Por isso, devidamente interpretado o Relatório da Inspecção Tributária, não ocorre o erro de interpretação da lei que o Requerente invoca.

3.2.2. Questão do erro de enquadramento das comissões TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários na verba 17.3.4

Como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as comissões TMI (taxa multilateral de intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS.

Trata-se de quantias cobradas entre entidades financeiras de cuja atividade concertada decorre a disponibilização aos seus clientes da possibilidade de efetuarem pagamentos em Terminais de Pagamento Automático e realizarem várias operações em Caixas Automáticos (multibanco).

Contrariamente ao sustentado pela AT, o Requerente entende que a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM´s não se reconduzem a contraprestações de serviços financeiros sujeitas a IS. Alega, em suma, que as quantias em causa decorrem de convenção interbancária de colaboração recíproca e destinam-se a repartir custos, suportados por toda e qualquer instituição bancária, associados à tecnologia utilizada para pôr à disposição dos seus clientes operações automatizadas e que, entre bancos, não existe um específico vínculo jurídico, mas apenas a prática de actos de cooperação material, sustentados na convenção interbancária de colaboração recíproca celebrada, que não configura prestação de serviços e mais não visa do que uma repartição de custos nas relações interbancárias (artigos 93º-94º do pedido arbitral).

Defende ainda o Requerente que, a entender-se que as taxas referidas remuneram serviços realizados entre entidades bancárias, apenas a compensação líquida poderia assumir relevância e não todos os feixes multilaterais das taxas interbancárias (artigos 96º-97º e 143º do pedido arbitral).

O Requerente defende também que, estando-se perante factos ocorridos em 2016, não podem ser aplicadas aos ocorridos até 30-03-2016 as alterações legislativas posteriores, designadamente as introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016), por força da proibição constitucional da retroactividade de normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP).

Na redação vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a verba 17.3.4. da TGIS estabelecia o seguinte:

17 - Operações financeiras:

(..)

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros ... 4%.

A Lei n.º 7-A/2016 deu a esta verba a seguinte redacção:

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%

O artigo 154.º da mesma Lei atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção.

Posteriormente, a Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, veio aditar uma alínea h) ao n.º 3 do artigo 3.º do CIS estabelecendo o seguinte:

3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;

 

3.2.2.1. Apreciação da questão à face do regime vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30de Março

À face da redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, afigura-se que as comissões em causa, cobradas entre entidades bancárias, não eram enquadráveis na verba 17.3.4. da TGIS.

Na verdade, fazia-se referência a «operações financeiras» e a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» e o artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS estabelecia que «considera-se titular do interesse económico» «nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas».

Do conjunto destas normas, inferia-se que as «operações financeiras» a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, que eram os titulares do interesse económico que, neste tipo de actos sujeitos a Imposto do Selo, constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º do CIS.

Sendo assim, não haveria fundamento para tributar as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI), pois é manifesto que nesses pagamentos interbancários não havia qualquer relevância do interesse dos clientes.

Por outro lado, no que concerne à utilização de cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, «cobrar quaisquer encargos diretos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de Janeiro). Isto é, se é certo que, no que concerne às operações em caixas automáticas (ATM ou multibanco), havia prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias, também o é que, pela prestação destes, não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4.

Neste contexto, é de concluir que a verba 17.3.4., na redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n. º7-A/2016, não abrangia nem a TMI, nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Sendo assim, tem de se concluir que as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016 e pela Lei n.º 22/2017, atento o seu carácter inovador, não podiam ser aplicadas à situação em apreço, por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos.

Na verdade, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa.

Recentemente o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 751/2020, de 16-12-2020, proferido no processo n.º 843/19, afastou a admissibilidade de leis interpretativas em matéria de criação de impostos, decidindo «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, da norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado a este Código pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7,em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos».

Embora este acórdão tenha por objeto a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, a sua fundamentação afasta generalizadamente a aplicação de normas interpretativas em matéria de interpretação de normas fiscais, ao dizer que «a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroactividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição».

Assim, na linha desta jurisprudência, por força do disposto no artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados», tem de ser recusada a aplicação daquele artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, bem como da nova redação que nesta se deu à verba 17.3.4 da TGIS.

Estando afastada a possibilidade de aplicar a nova legislação, é de concluir, pelo que se referiu, que não se podem enquadrar na verba 17.3.4 da TGIS, vigente até à entrada em vigor da Lei n. 7-A/2016, a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Pelo exposto, a correção relativa à TMI e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários é ilegal, por enfermar de vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação de Imposto de Selo na parte em que tem como pressuposto as comissões que o Requerente cobrou entre 01-01-2016 e 30-03-2016, inclusive, a título de TMI e comissões interbancárias relativas à utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

As liquidações de juros compensatórios, enfermam de idêntica ilegalidade pelo que se justifica também a sua anulação, na parte em que tem como pressuposto a parte da liquidação de Imposto do Selo agora anulada.

Assim, fica prejudicado, por ser inútil [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT] o conhecimento das restantes questões relativas a estas liquidações, nas partes em que tem como pressuposto comissões cobradas até 30-03-2016.

3.2.2.2. Apreciação da questão à face do regime vigente após a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março

Como se referiu, a Lei n.º 7-A/2016 deu à verba 17.3.4. da TGIS a seguinte redacção:

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%

À face desta nova redacção, as «taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões» passaram a estar incluídas no âmbito de incidência desta norma, sendo englobadas no conceito de «outras comissões».

A fórmula utilizada aponta no sentido de o único elemento relevante para determinar a incidência objectiva é a relação das «taxas» ou «comissões» com operações de pagamento baseadas em cartões.

Afigura-se que essa relação existe quer quanto à TMI, que tem subjacente o pagamento com cartões em TPA’s, quer quanto às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Por isso, é de concluir que as comissões referidas estão sujeitas a Imposto do Selo desde a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que ocorreu em 31-03-2016 (artigo 218.º desta Lei).

Por outro lado, resulta do texto da lei que a taxa prevista se aplica ao montante das comissões, não havendo qualquer suporte textual para aplicar a taxa apenas à compensação líquida que o Requerente aufere com as comissões referidas.

3.3 - Da inconstitucionalidade da verba 17.3.4. da TGIS por violação do princípio da capacidade contributiva

Incidindo o Imposto do Selo, à face da nova redacção da verba 17.3.4. da TGIS, sobre a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, a sua aplicação poderá ser afastada pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103º e 104º da CRP, sendo isso que o Requerente defende, pelas seguintes razões, em suma:

- na tributação nesta cédula das operações financeiras é necessária a existência de uma realidade económica de base que a sustente e se reconduza à tributação de “despesa” / “consumo” de serviços financeiros;

- não existe verdadeiramente um consumo ou despesa, pelo menos no que se circunscreve ao elemento da compensação, pelo que não se verifica a materialidade que sustenta o pressuposto impositivo concreto do IS;

- não se está em presença de uma especial manifestação de capacidade contributiva que seja visada pelo CIS quando se trate de uma mera compensação de custos de processamento com as operações em causa.

Esta tese do Requerente assenta em pressupostos errados.

Na verdade, inserem-se no âmbito de incidência do Imposto de Selo situações de natureza completamente distinta, que inviabilizam que seja qualificado como imposto sobre o consumo, como pretende o Requerente.

Com efeito, a norma geral de incidência estabelece que «o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens» (n.º 1 do artigo 1.º do CIS), e as situações incluídas na Tabela Geral do Imposto do Selo nem se limitam sequer a situações desses tipos, como sucede, por exemplo, com a mera detenção de património (verbas 28. e 29., vigentes em 2016, relativas à detenção de património imobiliário e mobiliário).

Incluindo tributação de realidades manifestamente heterogéneas, o Imposto do Selo tem sido generalizadamente qualificado como um imposto de natureza residual, que inclui todas as situações reveladoras de capacidade contributiva que legislativamente se pretendem tributar que não são, como tal, incluídas no âmbito de incidência de outros impostos. Isto é, «através do imposto do selo, propriamente dito, visa-se tributar circulações de riqueza, de bens, de valores; sobretudo quando tais valores, ou bens, não tenham podido ser tributados por outra via».  

Por isso, não valem em relação ao Imposto do Selo preocupações de coerência sistemática a que alude o Requerente, designadamente derivadas do facto de a tributação destas comissões não ser tributação do consumo, pois o âmbito de incidência objectiva do Imposto do Selo não se restringe a este tipo de tributação.

Por outro lado, como se disse, embora o Imposto do Selo seja utilizado sobretudo para tributar valores ou bens que não tenham podido ser tributados por outra via, não há qualquer obstáculo constitucional a que seja utilizado para tributar factos que podiam ser tributados por outras vias.

No que concerne ao princípio da tributação, tendo em atenção a capacidade contributiva, que é afloramento do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), o Tribunal considera que não é violado pela tributação das referidas comissões, pois elas revelam que quem as aufere dispõe de uma capacidade contributiva superior a quem não as recebe.

Por outro lado, não há qualquer indício de que o montante dessas comissões seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações.

Neste contexto, não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva.

No que concerne ao artigo 104.º da CRP, não se coloca a questão da violação dos seus n.ºs 3 e 4, pois reportam-se à tributação do património e do consumo.

No caso destas comissões, incidindo o Imposto do Selo sobre os proventos que advêm da realização de operações com cartões, está-se perante uma forma especial de tributação de rendimento. Ora, esta tributação não é incompaginável com o n.º 2 do artigo 104.º da CRP, pois estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», não proibindo outras formas de tributação do rendimento, não baseadas no lucro tributável, inclusivamente com natureza de impostos de sobreposição.

Pelo exposto, a norma constante da verba 17.3.4, quando interpretada no sentido de que inclui no seu escopo a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM´s, não é materialmente inconstitucional.

3.4 - Da aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS

A Administração Tributária entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que «não é aplicável a isenção a que alude a alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS na medida em que as comissões em apreço, embora cobradas por e entre bancos não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre eles».

O Requerente defende que «as comissões ora em análise estão isentas por se aplicar a isenção prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, incorrendo também aqui em erro os serviços da administração tributária».

A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31de Dezembro, estabelece o seguinte:

1 - São também isentos do imposto:

(...)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, aditou o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, sendo atribuída a esta norma natureza interpretativa, pelo artigo 154.º daquela Lei:

7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.

Esta norma interpretativa não pode ter aplicação retroactiva, pelo que já se referiu, e foi decidido pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 751/2020, de 16-12-2020, proferido no processo n.º 843/19, que afastou a admissibilidade de leis interpretativas em matéria de criação de impostos.

Mas, esta norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS é aplicável a partir da sua entrada em vigor, em 31-03-2016.

Como resulta do teor expresso desta norma, a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 7.ºapenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito.

Relativamente às TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATMs até à entrada em vigor da lei n.º 7-A/2016, já se decidiu que não incide Imposto do Selo, pelo que não tem qualquer utilidade apreciar se se seria aplicável a isenção. Por isso, sendo proibido praticar actos inúteis [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT] fica prejudicado o conhecimento da questão da aplicabilidade e da isenção a comissões cobradas até 30-03-2016.

No que concerne à TMI e comissões interbancárias cobradas a partir de 31-03-2016, o novo n.º 7 do artigo7.º do CIS afasta manifestamente a possibilidade de aplicação da isenção, pois a restringe às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, o que não é o caso.

3.5 – Ilegalidade parcial da liquidação do imposto.

3.5.1 - Da aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, na redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março

É certo que, posteriormente, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, veio aditar ao artigo7.º do CIS um n.º 7 com a seguinte redacção:

7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.

O artigo 154.º desta Lei n.º 7-A/2016 atribuiu a este n.º 7 do artigo 7.º do CIS natureza interpretativa.

Porém, pelo que se referiu, esta restrição não constava da redacção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que se está perante uma norma de natureza inovadora.

Assim, este artigo 154.º manifesta uma interpretação de aplicação retroactiva, aditando uma nova restrição à referida isenção, que é incompaginável com a proibição constitucional da retroactividade das normas criadoras de impostos, que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, como vem entendendo reiteradamente o Tribunal Constitucional, relativamente àquele artigo 154.º  e à norma semelhante do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016.

Por isso, tem de ser recusada a aplicação desta norma do artigo 154.º da lei n.º 7-A/2016 (artigo 204.º da CRP) a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, ou seja, 31.03.2016.

Pelo exposto, não assiste razão à AT ao não considerar as comissões cobradas pelo Requerente isentas de Imposto de Selo, em conformidade com o disposto no artigo 7º, nº 1, alínea e) do CIS, no período de 1 de janeiro a 30 de março de 2016.

3.5.2 - Da não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões interbancárias de valor inferior a € 0,125

Alega o Requerente que não assiste razão à AT, ao sujeitar a IS as TMI e comissões interbancárias de valor inferior a € 0,125. Para esse efeito, disponibilizou à AT a prova possível, demonstrativa das realidades que deveriam conduzir a uma redução parcial da correcção sub judice. A Requerida considerou a informação prestada pelo Requerente, em sede de audição prévia, imperceptível, o que impedia a sua análise, abstendo-se, no entanto, de solicitar outros esclarecimentos.

Ora, fazer prova PLENA, em 2018, de milhares de operações ocorridas em 2016, como a AT pretende, é algo que o Tribunal não pode deixar de relevar. Segundo o Requerente, este entregou “o possível”. A AT invoca, v.g. “documento em texto”, “sem cabeçalho nem separação de colunas”, sem, contudo, impugnar os valores apurados pelo Requerente.

Em boa verdade a AT não refuta que essas realidades existam, nem contesta especificadamente os valores liquidados relativos a esta situação, no montante de € 128.253,56, o que favorece a aplicação do regime do nº 7 do artigo 110º do CPPT.

Ora, em processo e em procedimento tributário, em matéria de juízo ou convicção na apreciação da prova (livre apreciação da prova), tal como no processo civil, afigura-se-nos que vigora a regra da probabilidade prevalecente.

Face às dúvidas sobre os documentos (os valores indicados pelo Requerente estarão contabilizados) ou alguns dos seus elementos, não vemos como v.g., não se convidou a Requerente a apresentar outros meios de prova, incluindo prova testemunhal (quem é responsável pelo programa informático do banco), quer em sede de procedimento de inspecção, quer em sede de procedimento de reclamação graciosa.

Pretendendo colocar-se em causa, valores contabilizados (relevados na sua contabilidade como não sujeitos a imposto) pelo Requerente, afigura-se que se impunha, à AT outra intervenção para apurar a realidade em causa. 

Não vemos, pois, que o standard da prova relevante em processo e procedimento tributário deva ser o da prova clara e convincente e muitos menos o da prova para além de toda a dúvida razoável (frequente em processo penal), como parece defender-se quando se refere que não foi feita pelo Requerente, nos procedimentos de inspecção e de impugnação graciosa, prova inequívoca.

Cremos que, o Requerente, face ao standard da prova aplicável, face às circunstâncias do caso (em que a AT exige uma prova que parece de facto impossível) cumpriu o ónus da prova.

De facto, a AT o que solicitou ao Requerente, quanto a este aspecto, foi para (9.4) “discriminar, por mês de cobrança, e por tipo de comissão, o valor do imposto do Selo que o Banco teria apurado, tendo por base a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, caso não tivesse considerado que as comissões referidas nos pontos 9.2, e 9.3, estavam

(i)           isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou

(ii)          fora do âmbito de aplicação elou sujeição a este imposto”.

 

Ao que respondeu o Requerente: “tendo o Banco A... considerado, no exercício em questão, que as taxas discriminadas se encontram fora do âmbito de incidência de imposto do selo, não foi efetuado qualquer cálculo relativo ao apuramento do imposto correspondente. Note-se que a legislação tributaria não prevê qualquer obrigação de cálculo de imposto sobre realidades não sujeitas. Nesse sentido, não é possível providenciar o cálculo solicitado”.

 

O Requerente, ainda a solicitação da AT quanto à indicação das contas de rédito e apresentação de um exemplo de contabilização relativamente a cada uma das comissões, informou a AT onde estavam contabilizadas comissões segundo a sua contabilidade, sendo possível extrair dos registos da mesma (e seus suportes), ainda que indirectamente, como se liquidou ou não liquidou o imposto do selo.

 

A AT não coloca em causa a regularidade ou legalidade da contabilidade do Requerente, pelo que terá de partir-se do princípio que ela reflete correctamente a verdade dos factos.

 

Poderia a AT, com base no princípio do inquisitório, visando a busca da verdade material, através do procedimento de inspecção (ou outro novo procedimento de inspecção), analisar por técnicos especializados, a contabilidade do Requerente, onde constam os elementos disponíveis para apurar as situações de não sujeição ou isenção de imposto do selo, dado tratar-se, como parece consensual, de muitos milhares de operações.

 

A solicitação da AT ao Requerente, que consta em 9.4 da fundamentação acima transcrita, configura-se ser de execução impossível por parte do Requerente, uma vez que se trata de operações de 2016 (a OI do procedimento é de 2018).

Assim sendo, e face à ausência de contestação especificada quanto a este ponto por parte da AT, decide este Tribunal impor-se a redução da liquidação de imposto em epígrafe em € 128.253,56, anulando-se, consequentemente, parcialmente a liquidação efectuada em sede de IS.

3.5.3 - Da não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões interbancárias cobradas a entidades isentas

O Requerente pretende também a anulação das liquidações de IS e juros compensatórios nas partes em que as taxas foram cobradas a entidades isentas (artigo 349.º do pedido arbitral).

Nos termos do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, estão isentas de Imposto do Selo, designadamente, o Estado e seus organismos públicos, as pessoas coletivas de utilidade pública e as IPSS, e também, nos termos do artigo 66.º-A, n.º 12 (actual n.º 13), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), estão isentas de Imposto do Selo as cooperativas. Por isso, entende a Requerente que não tinha de liquidar IS quanto às TSC cobradas a estas entidades.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que o Requerente, A..., labora em erro, porquanto «o imposto, que incide sobre cada ato, independentemente da taxa a pagar no âmbito do sistema de pagamento de cartões, é devido pela entidade que cobra as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões, pelo que será pago pela instituição financeira/de crédito, uma vez que é esta a destinatária dos fundos pagos em cada ordem de pagamento.

O Requerente identifica no pedido arbitral (artigo 350º) as entidades isentas, designadamente o B... e as C... . Acontece que estas isenções são subjectivas e aplicam-se ex lege e é o Requerente que verifica os seus pressupostos (pede a prova da qualidade), nos termos do artigo 8º do CIS.

Assim sendo, o B... está isento ex lege, por força das alíneas c) e d) do artigo 6º do CIS porque é pessoa colectiva de utilidade pública e IPSS. Já as C... são cooperativas isentas subjectivamente nos termos do artigo 8º do Estatuto Fiscal Cooperativo.

Logo, não pode haver sujeição a IS sobre estas entidades.

Pelo que não há justificação para a correcção efectuada pela AT em relação a transacções com clientes isentos de IS, devendo a mesma ser reduzida no montante de € 23.754,01, de acordo com os elementos fornecidos pelo Requerente, de que resulta que, durante o ano de 2016 foram cobradas TMI a clientes isentos de IS no montante total de € 593.850,18.

Procede, o pedido de pronúncia arbitral de anulação parcial da liquidação quanto ao montante de € 23.754,01, resultante da aplicação da taxa de 4%, prevista na Verba 17.34. da TGIS, sobre a comissão TSC cobrada pelo Banco A..., no montante de € 593.850,18, a clientes que subjectivamente se encontram isentos de IS.

3.5.4 - Da não sujeição a Imposto do Selo da TMI e comissões auto-cobradas

Por força do automatismo do sistema de compensação SIBS, são cobradas taxas, mesmo em operações com cartões em que o banco emissor e o banco adquirente são a mesma entidade, neste caso, o Requerente, A... .

Entendendo a AT estarem em causa “serviços financeiros”, não poderão ser consideradas para efeitos da correcção em causa estas operações, uma vez que o Requerente não pode prestar serviços a si próprio.

De novo, o Requerente forneceu à Requerida os elementos que reputou necessários, mas que foram desconsiderados por a Requerida ter considerada a informação neles contida imperceptível e de difícil leitura. Certamente a AT poderia pedir os dados informáticos e suscitar nos seus serviços informáticos que lessem correctamente os ficheiros. Não mostra a AT ter feito um esforço visível no sentido de apreciar a prova tal como foi apresentada, uma vez que se trata de milhares de operações ocorridas em 2016 apreciadas em 2018.

Acresce que a AT não impugna que o Requerente tem razão quanto à questão de fundo.

Também aqui será de aplicar o regime do nº 7 do artigo 110º do CPPT, uma vez que a AT não contestou especificadamente o alegado pelo Requerente no pedido arbitral.

Pelo que, perante a existência de cobranças consigo mesmo, deveria a AT ter-se abstido de proceder à correcção, no que se refere a TMI e comissões auto-cobradas, impondo-se a anulação parcial da liquidação efectuada em sede de IS no montante de € 23.838,19.

4. Do direito do Requerente a indemnização por prestação de garantia indevida

Por fim, veio o Requerente peticionar o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, arguindo e provando para o efeito que procedeu à prestação de garantia bancária, no valor de € 2.158.899,64, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2020....

Relativamente ao pagamento desta indemnização, dispõe-se na LGT que:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

Não se verificando a aplicabilidade do n.º 1, caberia determinar a existência de erro imputável aos serviços que fundamentasse o pagamento da referida indemnização nos termos do n.º 2, daquele mesmo artigo.

A este respeito, referiu-se na decisão arbitral de 16 de Fevereiro de 2017, proferida no âmbito do processo n.º 239/2016-T, que a “expressão «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo», abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação”.

Assim sendo, e tendo presente que nos termos conjugados dos artigos 171.º, do CPPT, e 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o processo arbitral constitui um meio processual próprio para requerer o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, uma vez que poderá ter enquanto objecto a apreciação de pretensões referentes à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos, considera-se parcialmente procedente o pedido de indemnização pelas despesas suportadas para prestação de garantia bancária, porquanto apenas se verificou a existência de erro imputável aos serviços na concreta parte do acto de liquidação adicional de IS que concretizou correcções ao período de 1 de janeiro a 31 de março de 2016.

Em todo o caso, não tendo sido indicado na petição inicial o montante de despesas que o Requerente efectivamente suportou com a prestação da garantia, deverá o montante de indemnização a pagar ao Requerente ser fixado em sede de execução do presente julgado.

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil.

 

5. Decisão

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2020..., na parte em que tem subjacente as comissões de taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's com cartões cobradas até 30-03-2016, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020... a 2020..., na parte em que têm como pressuposto aquelas comissões;

c) Anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2020..., na parte em que tem subjacente as comissões de taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas de valor inferior a € 0,125, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020... a 2020..., na parte em que têm como pressuposto aquelas comissões;

d) Anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2020..., na parte em que tem subjacente as comissões de taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas a entidades isentas, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020... a 2020..., na parte em que têm como pressuposto aquelas comissões;

e) Anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2020..., na parte em que tem subjacente as comissões de taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias auto-cobradas, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... a 2020..., na parte em que têm como pressuposto aquelas comissões;

f) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia indevida, a determinar em execução do presente julgado, na parte em que aquela garantia respeite ao IS e juros parcialmente anulados;

g) Condenar as partes nas custas do processo, em conformidade com o respectivo decaimento.

h) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral nas partes restantes e absolver a Administração Tributária dos respectivos pedidos.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor é fixado em € 1 171 715,20.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 15.912,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente e da Requerida, na proporção do respectivo decaimento, sendo 55% para o Requerente e 45% para a Requerida (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).

8. Comunicação ao Ministério Público

Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável."

 

Lisboa, 15.09.2021

 

Os Árbitros

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

(Cristina Aragão Seia)

(Augusto Vieira)