Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 762/2019-T
Data da decisão: 2020-07-27  IRS  
Valor do pedido: € 11.798,65
Tema: IRS – Mais valias imobiliárias, não residente, artigos 43.º n.º 2 e 72.º n.º 9 do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            RELATÓRIO

1.            A..., casado no regime de comunhão de adquiridos com B..., portador do Cartão de Cidadão com o número de identificação civil n.º..., emitido pela República Portuguesa, válido até ..., NIF ..., residente ..., França, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT) e 99.º e seguintes do Código de Procedimento Tributário (CPPT), no qual solicitou a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2019..., correspondente à liquidação de IRS do ano de 2018, requerendo a sua anulação parcial, e o reembolso do imposto pago a mais.

 

2.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

3.            Em janeiro de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-02-2020.

 

5.            A Autoridade Tributária, doravante designada de Requerida ou AT, notificada por despacho de 02-05-2020 para apresentar a sua resposta, defendeu-se por impugnação, invocando tratar-se de matéria exclusivamente de direito, e requereu a suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no processo 598/2018-T, caso o tribunal não julgue o pedido improcedente.

 

6.            A AT não juntou documentos, nem o processo administrativo por não dispor de mais elementos de prova para além dos indicados pelo Requerente, nem requereu a produção de outros meios de prova.

 

7.            Por despacho de 17-03-2020, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, com carácter sucessivo.

 

8.            Neste mesmo despacho, o Tribunal convidou o Requerente para se pronunciar sobre a requerida suspensão do processo até à prolação de uma decisão pelo TJUE.

 

9.            O Requerente pronunciou-se pelo prosseguimento do processo arbitral, por terem sido proferidas decisões que concluíram pela ilegalidade do regime vigente, e subsidiariamente, caso assim o Tribunal não entenda, pela suspensão do processo até à prolação de uma decisão pelo TJUE no processo 598/2018-T.

 

10.          A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde qualificou a doença COVID -19 como uma pandemia internacional e, no seguimento do mencionado reconhecimento pela OMS, o nosso Governo determinou a suspensão dos atos processuais e procedimentais a praticar nos tribunais arbitrais, com a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, cujos efeitos retroagiram a 13 de março de 2020.

 

11.          A requerimento do Requerente, por despacho de 26-03-2020, o Tribunal Arbitral confirmou a suspensão dos prazos no processo, enquanto decorrer a situação epidemiológia, consideram-se suspensos os prazos, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica.

 

12.          Nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o regime previsto neste diploma cessaria em data a definir por Decreto-Lei, no qual se declarasse o termo da situação excecional.

 

13.          O que veio a acontecer com a publicação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que determinou o fim a suspensão dos prazos, com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020.

 

14.          O requerente submeteu as suas alegações escritas a 22-05-2020, tendo junto o comprovativo do pagamento a taxa subsequente.

 

15.          Notificada a 22-05-2020, das alegações do Requerente, a AT manteve-se silente.

 

2.            Objeto dos autos

2.1 Posição do Requerente

 

O Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

16.          O Requerente e o seu cônjuge, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, são ambos cidadãos portugueses residentes em França.

 

17.          No ano de 2018 o Requerente alienou dois imóveis, tendo apresentado a declaração de IRS-modelo 3, respeitante ao ano de 2018, juntamente com o Anexo G, referente às mais valias imobiliárias.

18.          A AT procedeu ao cálculo do imposto devido, aplicando a taxa de 28% sobre a totalidade do ganho obtido, único rendimento declarado na Modelo 3 oportunamente entregue.

 

19.          A AT notificou o Requerente da liquidação de IRS n.º 2019..., bem como para pagar a quantia de € 23.597,22 (vinte e três mil quinhentos e noventa e sete euros e trinta cêntimos).

 

20.          A liquidação é ilegal, uma vez que a AT, na liquidação, deveria ter considerado apenas o saldo positivo 50% do valor das mais valias imobiliárias, e não a totalidade, pois entende que o artigo 43.º n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado Membro da União Europeia.

 

21.          O reenvio prejudicial para o TJUE é desnecessário face à jurisprudência mais recente, nomeadamente do STA, que sem necessidade de reenvio concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º n.º 2 com o artigo 72.º do CIRS, caso assim não se entenda, deveria a presente instância ser suspensa até à prolação de uma decisão no processo 598/2018-T.

 

2.2.        Posição da AT

 

Por impugnação defendeu que:

 

22.          Os acórdãos aludidos pelo Requerente, no sentido de fundar a ilegalidade da liquidação, não têm aplicação à liquidação em apreço no presente processo, porque foram proferidos antes da entrada em vigor da atual redação do artigo 72.º do CIRS, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 67-A/2007.

 

23.          O regime inicial do artigo 72.º do CIRS foi considerado incompatível com o Direito da União Europeia pelo acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-443/06 (acórdão Hollmann).

 

24.          Com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do CIRS prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não APENAS para os residentes em Portugal, mas TAMBÉM para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu

 

25.          Por força dessa alteração legislativa, que aditou um n.º 7 e 8 (à data dos factos n.ºs 9 e 10) as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de janeiro de 2009) e seguintes, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68.º do CIRS (regime dos residentes).

 

26.          O Requerente optou pela tributação segundo o regime dos não residentes, razão pela qual, não foram tidas em conta apenas 50% da mais valia, mas sim uma taxa autónoma de 28% sobre a totalidade do rendimento.

 

27.          A alteração legislativa introduzida ao do artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

28.          Por isso, a AT requereu ainda a suspensão da instância até à prolação de uma decisão por parte do TJUE, no processo 598/2018-T, defendendo que a jurisprudência invocada pelo Requerente, anterior à alteração legislativa introduzida pelo OE de 2008, não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional.

 

3.            Saneamento

 

29.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

30.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

31.          O processo não enferma de nulidades.

 

32.          Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir Decisão

 

4.            Matéria de facto

 

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

33.          O Requerente é um cidadão português residente em França, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com B... .

 

34.          No ano de 2018 alienou dois imóveis sitos em Portugal.

 

35.          Em 25 de junho de 2019, o Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS – Modelo 3, juntamento com o anexo G, referente ao rendimento das mais valias imobiliárias obtidas com a alienação dos imóveis. (Doc. n.º 3)

 

36.          Nessa declaração o Requerente declarou a sua quota-parte (50%), do valor de realização, que se traduz num rendimento total de € 200.000,00 (duzentos mil euros). (Doc. n.º 3)

 

37.          Tendo o Requerente optado pela tributação segundo o regime geral aplicável aos não residentes. (Doc. n.º 3)

 

38.          Ao rendimento declarado, após aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, foi deduzido o valor das despesas e encargos no montante de € 17.560,40 (dezassete mil quinhentos e sessenta euros e quarenta cêntimos, tendo a AT apurado uma mais valia de € 83.478,12 (oitenta e três mil quatrocentos e setenta e oito euros e doze cêntimos) (Doc n.º 1).

 

39.          A AT aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade do rendimento declarado, ou seja, das mais valias (Doc. n.º 1).

 

40.          A AT notificou o Requerente da liquidação n.º 2019..., bem assim, como para pagar a quantia de € 23.597,33 a título de imposto (Doc n.º 1).

 

41.          O Requerente pagou o montante de € 23.597,33. (Doc. n. 2)

 

4.1.b. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

4.2.        Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

5.            Questão decidenda

 

Em face da posição das partes, a questão a decidir consiste em determinar, face ao quadro normativo vigente em 2018, se as mais valias obtidas com a alienação de bens imóveis, sitos em Portugal, por cidadãos residentes em país da União Europeia, devem ser tributadas em apenas 50% do seu valor, ou à taxa de 28%, sobre a totalidade da mais valias obtida.

 

6.            Do Direito

Tributação das mais valias obtidas em Portugal por cidadão residente num país membro de União Europeia – Regime legal

 

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis»

 

                De acordo com a redação do n.º 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.

 

                O valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel (artigos 50.º e 51.º do CIRS).

 

                O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º, n.º 1, do CIRS), mas, no caso de transmissões efetuadas por residentes o saldo «é apenas considerado em 50 % do seu valor» (n.º 2 do mesmo artigo, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

                Relativamente a residentes, sobre esse valor incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.

 

                Relativamente a não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.

 

Porém, «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» (n.º 9 do artigo 72.º na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, vigente em 2018). De harmonia com o n.º 10 deste artigo «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».

 

No caso em apreço, o Requerente não fez esta opção prevista no n.º 9 do artigo 72.º e a AT, na liquidação de IRS, impugnada, efetuou a aplicação da taxa especial de tributação autónoma de 28% à totalidade do valor da mais-valia apurada no montante de € 83.478,12.

 

O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte:

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

                1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

                2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Constitui entendimento consolidado, amplamente aceite e replicado na diversa jurisprudência do TJUE, secundada pelos tribunais nacionais, a proibição de discriminação entre os sujeitos passivos residentes num Estado Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado Membro.

 

Efetivamente o TJUE considerou incompatível com o direito da União Europeia, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.

 

                Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais (   ) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».         

 

                Esta jurisprudência foi recentemente confirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, no qual defende que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

 

                Também o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 02-02-2019, prolatado no âmbito do processo n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17, na apreciação que fez do ato tributário praticado na vigência do quadro legal normativo introduzido com o OE 2008, defende que a tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50% evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver reconhecida, como aliás resulta do sumário, cujo teor de transcreve (em parte):

(…)

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).

                              

                A introdução da possibilidade de o contribuinte poder optar por diferentes regimes de tributação, em nada altera o vertido nos acórdãos Hollman e Gielan do TJUE, porque o que essencialmente releva é apurar se o atual regime consubstancia uma discriminação negativa na aplicação ao caso do Requerente. 

 

                 O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º  é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.

 

                Assim, é evidente que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.

 

                A previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não afastando a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes

 

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

 

                Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».

 

                Neste sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:

 

 “(…) a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.”

 

                Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:

 

(…) Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).

 

Nesta linha, vejam-se, nomeadamente, os seguintes acórdãos do CAAD: Processos 500/2017-T, 644/2017-T, 600-2018-T; 613/2018-T; 74/2019-T; 438/2019-T.

 

Da Suspensão da instância

 

É à luz da jurisprudência acima enunciada, e da redação do artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que há que apreciar a suspensão da instância pedida pela AT.

 

Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

Por seu turno, e hoje entendimento comummente aceite que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

 

Atento tudo quanto fica acima dito, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, bem assim como o recente acórdão do STA, de 02-20-2019, sobre esta matéria, o regime facultativo introduzido pelo orçamento de estado para 2008, ao fazer impender sobre os não residente um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, mantém a discriminação entre residentes e não residentes.

 

Ademais, conforme decidido no processo 600-T/2018, “(…) quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro).

 

  No caso em apreço, conclui-se com segurança, da reiterada jurisprudência do TJUE, secundada pela jurisprudência nacional, que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanda pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial, ou da suspensão da presente instância até que seja proferida decisão no processo 598/2018-T.

 

                Acresce referir que a suspensão da instância, determinada por outro Tribunal, não obriga este Tribunal a determinar tal reenvio ou suspensão, uma vez que este é um poder discricionário do julgador.

 

Pelo que, se indefere o pedido de suspensão da instância requerida pela AT.

 

7.            Decisão

 

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

 

a.            declarar a ilegalidade e anular parcialmente a liquidação de IRS com o n.º 2019..., na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;

b.            condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago.

 

8.            Valor do processo:

 

Fixa-se em € 11.798,65 (onze mil setecentos e noventa e oito euros e sessenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

9.            Custas:

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de julho de 2020

 

O Árbitro Singular

Cristina Coisinha