Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 753/2020-T
Data da decisão: 2021-11-15  IRS  
Valor do pedido: € 157.576,30
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias de não residentes. Artigos 63.º do TFUE e 43.º, n.º 2, b) do CIRS.
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SUMÁRIO:

1.            Tributação direta. Incompatibilidade entre princípio europeu e norma nacional.

2.            Tributação das mais valias imobiliárias obtidas por não-residentes.

3.            Violação do artigo 63.º do TFUE. Norma nacional incompatível com princípio da livre movimentação de capitais.

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

O Tribunal Arbitral coletivo constituído pela Árbitro Presidente Dra. Alexandra Martins, pelo Vogal Professor Doutor Jónatas Machado e o Vogal Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães, árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, deliberam o seguinte:  

1. Relatório

A... e B..., ids. nos autos, NIF..., e ..., respetivamente, residentes na Suíça, (doravante designados por “Requerentes”), apresentaram, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a: 1.º declaração de ilegalidade da não pronúncia sobre pedidos de revisão oficiosa de liquidação  do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2017 identificadas nas liquidações de IRS sob o n.ºs 2018... no montante de 78.788,15 Euro emitida em nome de A... e 2018... no montante de 78.788,15 Euro, emitida em nome de B... e, bem assim, a anulação desses atos de liquidação;  2.º Reembolso do imposto pago em excesso pelo Reclamante, no montante que vier a ser apurado, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-12-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os signatários acima indicados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-05-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira devidamente notificada em 25-05-2021 ao abrigo do artigo 17.º do RJAT não apresentou resposta nem o processo administrativo.

Por despacho de 07-10-2021, foram as partes convidadas a apresentar alegações com vista a garantir o pleno contraditório neste processo. As partes não apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A)           Os Requerentes são casados e residentes na Suíça.

B)           Em 6 de fevereiro de 2017 os Requerentes alienaram um imóvel de sua propriedade em partes iguais sito em Sintra, Portugal que está devidamente identificado nos autos.

C)           Em 2018 apresentaram separadamente as suas declarações Modelo 3 de rendimentos, reportadas ao ano 2017, onde incluíram os ganhos recebidos nesta alienação.

D)           A declaração referida deu origem às liquidações de IRS sob os n.ºs 2018..., no montante de 78.788,15 Euro, emitida em nome de A..., e 2018..., no montante de 78.788,15 Euro, emitida em nome de B... que foram pagas pelos Requerentes em 2018.

E) Estas liquidações tributaram o saldo integral das mais-valias dos Requerentes, não tendo sido aplicado o regime previsto no artigo 43.º, n.º 2, alínea b) do CIRS, que prevê a tributação daquele saldo em apenas 50%.

F)            Os Requerentes solicitaram em 13-05-2020 revisão oficiosa das referidas liquidações ao abrigo dos artigos 78.º e 100.º da LGT não tendo obtido resposta até à impugnação arbitral.

G)           Face à não resposta ao pedido de revisão oficiosa, em 11-12-2020, impugnaram a liquidação no Tribunal Arbitral tributário.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelos Requerentes.

Não se retiram outros factos relevantes do articulado por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.

 

3. Matéria de direito

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são:

 

1.            Saber se a AT podia ter liquidado o imposto nos termos em que o fez.

2.            Saber se são devidos juros aos requerentes.

 

3.1. Posições das Partes

Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

- Que a declaração apresentada não podia ter sido liquidada pela totalidade da mais-valia por violar o artigo 63.º do TFUE.

                A AT não apresentou qualquer posição porque não se pronunciou nem apresentou o PA.

 

3.2. Apreciação da questão

 

3.2.1. Objeto do processo no caso de impugnação de liquidação.

Em princípio, a fundamentação dos actos tributários a atender nos processos arbitrais é a que consta desses actos, pois está-se perante um contencioso de mera anulação com fundamento em ilegalidade (artigos 99.º e 124.º do CPPT), em que se visa apreciar a legalidade da actuação da Administração Tributária tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. Ora, a AT não explicou a decisão que tomou nem o critério que aplicou, o que inviabiliza uma defesa coerente da sua posição que, no caso, inexiste.

Para todos os efeitos, a situação fáctica presente nos autos foi já objeto de decisão no TJUE que declarou como ilegal o tratamento discriminatório dos não residentes na tributação das mais-valias imobiliárias sendo a legislação portuguesa incompatível com os princípios fundamentais da criação do mercado único europeu em particular o artigo 63.º do TFUE, também aplicável fora da União, em relação a residentes em países terceiros – cfr. Acórdãos dados nos processos C-184/18, Fazenda Pública, 06.09.2018 e C-388/19, MK, 18.01.2021.

Importa recordar que aí se sustentou, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal.

Para o TJUE, a situação em que se encontra um contribuinte não residente é comparável à de um contribuinte residente, não sendo esta constatação posta em causa pela ratio legis do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.

Relativamente à alegação segundo a qual, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva, o TJUE já havia considerado que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais valias realizadas, excedia a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos.

De acordo com o TJUE, a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é, sendo que essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

Como já havia sido sublinhado pelo TJUE (cfr. C 440/08, Gielen,18.03.2018), o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório. Ora, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo TFUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa.

O CAAD, enquanto tribunal de 1ª instância na ordem jurídica portuguesa, está obrigado à aplicação da Jurisprudência europeia, por força do primado do direito da União Europeia.

Acórdão:

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos julgam os Árbitros por unanimidade o pedido arbitral procedente e, em consequência:

a.            Anulam as liquidações de IRS sob o n.º 2018... no montante de 78.788,15 Euro (setenta e oito mil setecentos e oitenta e oito Euro e quinze cêntimos) emitida em nome de A... e 2018... no montante de 78.788,15 Euro (setenta e oito mil setecentos e oitenta e oito Euro e quinze cêntimos), emitida em nome de B... por violação do artigo 63.º do TFUE;

b.            Condenam a AT no pagamento dos juros indemnizatórios à taxa legal a contar a partir de 13.05.2021 até efetivo pagamento, de acordo com o artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT.

c.            Condenam a AT nas custas processuais por ter dado origem à causa e nela ter decaído.

 

Valor do processo: 157.576,30 Euro (cento e cinquenta e sete mil quinhentos e setenta e seis Euro e noventa e oito cêntimos).

 

Custas processuais no valor de 3.672,00 Euro (três mil seiscentos e setenta e dois).

 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

 

Lisboa, 15-11-2021

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

A Árbitro-Presidente

(Dra. Alexandra Coelho Martins)

 

O Árbitro-Vogal

(Professor Doutor Jónatas Machado)

 

O Árbitro- Vogal Relator

(Professor Doutor Vasco Branco Guimarães)