Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 752/2020-T
Data da decisão: 2021-09-24  IRS  
Valor do pedido: € 31.324,66
Tema: IRS - Mais-valias imobiliárias. Residentes em Estado terceiro.
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SUMÁRIO:

1.            Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que uma operação relativa à liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, abrangido pelo âmbito do artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, aplicável aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2.            Da tributação da totalidade dos rendimentos de mais-valias realizados por sujeitos passivos não residentes, à taxa especial de 28%, resulta, sistematicamente, uma carga fiscal mais elevada do que a que incide sobre rendimentos da mesma natureza, obtidos por sujeitos passivos residentes, tributados em apenas 50% do respetivo valor, pelas taxas gerais a que se refere o artigo 68.º, do Código do IRS, cujo escalão máximo era, no ano a que respeita o imposto, de 48%.

3.            A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 10 de dezembro de 2020, A..., com o NIF ... e mulher,  B..., com o NIF..., residentes no Canadá e com representante fiscal designado em Portugal (adiante designados por Requerentes), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ) e 10.º e seguintes, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

Os Requerentes pretendem a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, no valor global de € 107 663,84, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objeto a anulação parcial da referida liquidação, na parte em que considerou, na determinação do rendimento coletável, a totalidade dos rendimentos de mais-valias obtidos com a alienação de um imóvel sito em território nacional.

 

Mais pedem os Requerentes a condenação da Requerida no reembolso da quantia de € 31 324,66, por si paga em excesso em 9 de setembro de 2019, acrescida de juros indemnizatórios.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido, invocam os Requerentes o seguinte:

1.            O rendimento coletável considerado na liquidação de IRS referente ao ano de 2018, objeto do pedido de pronúncia arbitral, inclui a totalidade dos rendimentos de mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado em território nacional, ao invés de incidir sobre apenas 50% do respetivo valor, por aplicação do previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS;

2.            Aquela liquidação enferma de erro de direito, consubstanciando uma violação ao disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao artigo 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia), em virtude do seu efeito discriminatório;

3.            Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que uma operação relativa à liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa nos autos, constitui um movimento de capitais;

4.            O artigo 63.º do TFUE proíbe qualquer restrição à circulação de capitais entre os Estados-Membros, bem como entre Estados-Membros e países terceiros, decorrendo, assim, que a alienação onerosa de um bem imóvel situado num Estado-Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes é abrangida pelo âmbito da aplicação do artigo 63.º TFUE;

5.            Nos termos do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes em resultado da alienação de bens imóveis sitos em Portugal são apenas consideradas em 50% do seu valor, enquanto para os não residentes, o CIRS prevê que a tributação dessas mesmas mais-valias incide sobre a totalidade desse valor;

6.            Assim, relativamente à venda de um mesmo imóvel situado em Portugal, no caso da realização de mais-valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada aos residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que aqueles.

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta, na qual veio defender a legalidade e a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            O atual regime de tributação das mais valias para não residentes, em vigor em Portugal, está conforme ao direito da União Europeia, pelo que não se verifica qualquer violação dos princípios comunitários, nomeadamente, da discriminação ou da livre circulação de capitais;

2.            A tributação das mais-valias imobiliárias, auferidas por residentes na União Europeia, foi objeto de apreciação, no que respeita à conformidade do direito fiscal português com as disposições do Direito da União, e particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º TFUE, no Acórdão Hollmann - Proc. C 433/06;

3.            Todavia, o quadro legal vigente à data do processo Hollmann não é o que atualmente vigora, porquanto, na sequência daquela decisão do TJUE, foram introduzidas, pela Lei n. º 67-A/2007, de 31 de dezembro, as alterações ao Código do IRS que constavam do artigo 72.º n.ºs 12 e 13;

4.            Atento o facto de os ganhos de mais-valias serem tributáveis apenas no momento da sua obtenção e não resultarem do exercício continuado e planeado de uma atividade económica, o ganho obtido constitui um rendimento anormal fortuito no ano em que é efetuada a transmissão do imóvel, circunstância que determinou que o saldo positivo das mais-valias de bens imobiliários fosse englobado em 50% do seu valor, para efeito de determinação da taxa progressiva (vide artigo 43.º n. º 2 do Código do IRS):

5.            Assim, a consideração do saldo em 50% só fazer sentido para os contribuintes tributados de acordo com as taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, isto é, para os contribuintes residentes, obrigados a englobar aquele saldo (cf. artigo 22.º do Código do IRS) ou para os residentes na União Europeia que escolham ser tributados nos termos previstos e permitidos pelo regime introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, vertido no artigo 72.º, atuais n.ºs 12 e 13;

6.            Uma interpretação que defenda que ao cálculo das mais valias imobiliárias dos não residentes seria aplicável a taxa de 28% prevista no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, com a exclusão de 50% do saldo das mais-valias imobiliárias, a que se refere o artigo 43.º n. º 2, do Código do IRS, representaria uma injustificada discriminação à luz do Direito da União Europeia;

7.            Deve o pedido ser julgado improcedente, não sendo devidos juros indemnizatórios, pois não foi cometida, pelos serviços da AT, qualquer ilegalidade.

 

Pediu ainda a Requerida a dispensa de envio do Processo Administrativo, remetendo para os documentos já juntos pelos Requerentes ao pedido de pronúncia arbitral.

 

Sendo as questões suscitadas essencialmente de direito e não tendo sido requerida a produção de prova adicional, foi, pelo despacho arbitral de 16 de junho de 2021, dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, com informação de que a decisão arbitral seria prolatada até ao termo do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, e advertindo-se os Requerentes de que deveriam, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Não foram apresentadas alegações.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 3 de maio de 2021, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que ao tribunal arbitral cumpra apreciar e decidir.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as

suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral

tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA), fixa-se como segue:

 

1.            Em 29 de junho de 2019, os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2018, registada sob o n.º..., integrando um anexo G – Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais (cfr. Doc. 1 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

2.            No rosto da declaração antes mencionada, os Requerentes assinalaram, no quadro 8, a situação de não residentes, indicando o NIF do seu Representante fiscal (cfr. Doc. 1 junto ao PPA, que se dá por integralmente reproduzido);

3.            No anexo G da declaração, os Requerentes declararam os rendimentos obtidos com a alienação, em 2018, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de Loulé sob o artigo ..., a cuja construção procederam no lote de terreno adquirido em 2015, anteriormente inscrito na matriz da mesma freguesia e concelho, sob o artigo ... (facto não contestado pela Requerida);

4.            Com base na declaração apresentada pela Requerente, foi emitida, em 26 de julho de 2019, a liquidação de IRS n.º 2019 ... referente ao ano de 2018, no valor global de € 107 663,84, com data limite de pagamento em 9 de setembro de 2019 (cfr. Doc. 1 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

5.            No valor do imposto apurado respeitante ao rendimento global e ao rendimento coletável de € 384 513,73, objeto de tributação autónoma à taxa de 28%, inclui-se a totalidade do rendimento de mais-valias auferido pelos Requerentes no ano de 2018 (facto não contestado pela Requerida);

6.            Os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2019 ... em 9 de setembro de 2019 (cfr. Doc. 2 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

7.            Em 7 de janeiro de 2020, os Requerentes apresentaram, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., reclamação graciosa tendo em vista a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019..., pela quantia de € 31 324,66, que alegaram corresponder a 50% da tributação autónoma sobre as mais-valias realizadas no ano de 2018 (cfr. Doc. 3 junto ao PPA, que se dá por reproduzido);

8.            O procedimento de reclamação graciosa n.º ...2020... foi objeto de decisão de indeferimento, conforme o Despacho do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto, notificada aos Requerentes por ofício da mesma unidade orgânica da AT, datado de 10 de setembro de 2020 (cfr. Doc. 4 junto ao PPA, que se dá por reproduzido).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

Face à inexistência de ónus de alegação da Requerida e ao princípio da livre valoração da prova (artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), consideram-se provados os factos não contestados, enunciados em 3. e 5. supra, que se não revelam controvertidos ou contraditórios com a contestação no seu conjunto.

 

III.2 DO DIREITO

1.            A questão decidenda

Os Requerentes, de nacionalidade portuguesa e residentes no Canadá, pedem ao tribunal

arbitral a apreciação da legalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, que entendem enfermar

do vício de violação de lei, por violação do direito da União Europeia, máxime, do princípio da liberdade de circulação de capitais ínsito nos artigos 63.º a 65.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida em que, na determinação do rendimento coletável que serviu de base a essa liquidação, está incluída a totalidade da mais-valia obtida com a alienação, naquele ano, de um imóvel sito em território nacional, rendimento tributado autonomamente, à taxa especial de 28%, prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

Embora os Requerentes não sejam residentes em território nacional, ficam sujeitos a IRS pelos rendimentos aqui obtidos (artigo 15.º, n.º 2 do Código do IRS), entre os quais os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão (artigo 18.º, n.º 1, alínea h), do Código do IRS).

 

Constituem rendimentos de mais-valias, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, ficando sujeita a imposto a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos da alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo.

 

A questão a decidir consiste em saber se a norma do n.º 2 do artigo 43.º, que, na redação que lhe foi dada pelo artigo 30.º, da Lei n.º 109B/2001, de 27 de dezembro, em vigor à data dos factos, previa a exclusão da tributação de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, é aplicável na determinação da matéria coletável das mais-valias imobiliárias obtidas por residentes em Estados terceiros, apesar do seu teor literal fazer referência expressa às transmissões efetuadas por residentes e se, não o tendo sido, o regime resultante da tributação pela totalidade daquele saldo, à taxa especial de 28%, prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, aplicado na liquidação impugnada, se revela desfavoravelmente discriminatório e, portanto, contrário ao Direito da União Europeia.

 

A Requerida invoca as alterações legislativas introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que entende terem sanado a desconformidade entre a legislação nacional e o direito da União Europeia, assinaladas pelo TJUE no Acórdão Hollmann (processo C-443/06).

 

Tais alterações, no que respeita à tributação das mais-valias obtidas por não residentes, consistiram na nova redação atribuída ao n.º 3 do artigo 22.º, no sentido do não englobamento dos rendimentos auferidos por não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º, então aditados (n.ºs 9 e 10 à data dos factos e atuais n.ºs 14 e 15).

 

No ano a que respeitam os rendimentos que originaram a liquidação ora impugnada, era a seguinte a redação dos n.ºs 1, alínea a), 9 e 10, do artigo 72.º, do Código do IRS:

 

“Artigo 72.º - Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(…)”.

 

Porém, o novo quadro normativo fixado na sequência do já citado Acórdão Hollmann, não tem aplicação à situação em análise, porquanto os Requerentes residem no Canadá, país que não integra nem a União Europeia, nem o Espaço Económico Europeu.

 

A Requerida reconhece, em sede de Resposta, que “coexistem dois regimes de tributação das mais-valias imobiliárias para os não residentes em Portugal” – o dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que podem optar por “um regime de tributação similar ao aplicável aos residentes” e os residentes em Estados terceiros, a quem não é conferida a possibilidade dessa opção.

 

Entende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que “uma interpretação que defenda que ao cálculo das mais valias imobiliárias dos não residentes seria aplicável a taxa de 28% prevista no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS com a exceção de 50% do saldo, mas mais-valias imobiliárias, a que se refere o artigo 43.º n.º 2 do Código do IRS, confere uma opção aos não residentes que nem sequer é facultada aos residentes em território nacional, o que representaria uma injustificada discriminação à luz do Direito da União.”.

 

O n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos e aplicável à determinação da matéria coletável dos rendimentos de mais-valias, dispunha que os rendimentos assim qualificados (correspondentes ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano), resultantes das “transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor”, donde resulta que o mesmo tipo de operação – a alienação de um imóvel situado em território nacional, gera rendimentos coletáveis distintos, consoante o alienante seja ou não residente em Portugal.

 

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), uma operação relativa à liquidação de um investimento imobiliário, constitui um movimento de capitais (cfr. entre outros, o Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C443/06, EU:C:2007:600, n.º 31 e jurisprudência aí citada), abrangida pelo âmbito do artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, aplicável aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Da tributação da totalidade dos rendimentos de mais-valias realizados por sujeitos passivos não residentes, à taxa especial de 28%, resulta, sistematicamente, uma carga fiscal mais elevada do que a que incide sobre rendimentos da mesma natureza, obtidos por sujeitos passivos residentes, tributados em apenas 50% do respetivo valor, pelas taxas gerais a que se refere o artigo 68.º, do Código do IRS, cujo escalão máximo era, no ano a que respeita o imposto, de 48%.

 

Essa maior carga fiscal que impende sobre os sujeitos passivos não residentes, constituirá uma restrição à liberdade de circulação de capitais, caso não haja lugar às justificações previstas no artigo 65.º, do TFUE, designadamente a que permite aos Estados Membros que “estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” (n.º 1, alínea a), desde que não constituam “um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos” (n.º 3).

 

O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias resultantes da alienação por não residentes de um bem imóvel situado em território nacional foi objeto de análise pelo TJUE no citado Acórdão Hollmann, em data anterior à das alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro e, após essas alterações, no processo C-388/19, tendo o TJUE concluído, em ambos os casos, pela sua incompatibilidade com o Direito Europeu.

 

Também no seu Despacho de 6 de setembro de 2018, no processo C-/184/2018, Sétima Secção, em que estava em causa a alienação de um bem imóvel situado em território nacional por sujeitos passivos residentes num Estado terceiro (Angola), o TJUE refere que “não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes em causa no processo principal [residentes e não residentes] que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de maisvalias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal, pois não resulta da letra do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.º 109B/2001, que este estabeleça uma distinção entre contribuintes não residentes em função do seu local de residência”, concluindo que “uma legislação de um EstadoMembro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as maisvalias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse EstadoMembro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as maisvalias realizadas por um residente naquele EstadoMembro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE.”

 

No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 9 de dezembro de 2020, processo 075/20.6BALSB, decidindo:

“(…) III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”.

 

Estando em causa nos presentes autos uma situação análoga às tratadas no processo C-184/2018 e no Acórdão do STA antes citado, cuja jurisprudência se acolhe, conclui-se que a liquidação de IRS do ano de 2018, que deles é objeto, padece de vício de violação de lei, por violação do artigo 63.º, do TFUE, o que justifica a sua anulação parcial, nos termos peticionados, assim como a anulação da decisão da reclamação graciosa que a manteve.

 

2. Dos pedidos de restituição do indevido e juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

Por outro lado, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, fica a AT vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

 

De igual modo, o n.º 1 do artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º da LGT, de acordo com cujo n.º 1 estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Padecendo a liquidação de IRS n.º 2019... de vício de violação de lei, por violação do artigo 63.º do TFUE, que consubstancia erro sobre os pressupostos de direito, imputável aos serviços, há que reconhecer o direito dos Requerentes à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

3. Comunicação ao Digno Magistrado do Ministério Público

Declarada a desconformidade do normativo nacional relativo à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por não residentes com o Direito da União Europeia (artigo 63.º, TFUE), deverá ser dado conhecimento da presente decisão arbitral ao Digno Magistrado do Ministério Público.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

a.            Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial, pela quantia de € 31 324,66;

b.            Condenar a AT na restituição aos Requerentes do imposto pago em excesso;

c.            Reconhecer aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios sobre o valor do imposto a restituir, calculados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 31 324,66 (trinta e um mil, trezentos e vinte e quatro euros e sessenta e seis cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de setembro de 2021.

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.