Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 744/2019-T
Data da decisão: 2020-12-09  IRC  
Valor do pedido: € 1.555.310,41
Tema: IRC – EBF: SGPS; Gastos financeiros com participações sociais; Revogação do art.º 32.º do EBF.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 27 de janeiro de 2022, recurso n.º 11/21.2BALSB que uniformiza jurisprudência.
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SUMÁRIO:

I. O direito da União opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado‑Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade em questão.

II. O direito da união faz parte do bloco de legalidade, enunciado no art. 3.º do CPA, quer na sua formulação positiva, nos termos da qual não é apenas um limite à actuação da Administração, mas também o fundamento da acção administrativa.

III. O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

IV. O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

V. Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.

 

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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros José Pedro Carvalho, Carlos Alberto Monteiro da Silva e Carla Castelo Trindade, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral colectivo, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., com sede social em ..., n.º..., ..., ..., Alemanha, titular do número de identificação de pessoa colectiva ... e do número de identificação fiscal ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

             Declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa n.º ...2019...;

             Declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de retenção na fonte indevida de IRC, que foram efectuados a título definitivo, sobre juros auferidos de fonte portuguesa no exercício de 2018, no valor global de € 1.555.310,41;

             Condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) ao pagamento de juros indemnizatórios que se mostrem devidos.

 

                2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 7 de Novembro de 2019 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Requerida.

 

                3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

                Em 26 de Novembro de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

                4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 27 de Janeiro de 2020.

 

                5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

                A Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português e que está legalmente autorizada a desenvolver actividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços.

                No decurso da sua actividade, e em virtude da reestruturação do Grupo B...,

 a Requerente adquiriu, no dia 13 de Maio de 2016, um portefólio de créditos ao C... AG tendo passado, em consequência, a auferir juros de fonte portuguesa.

                No período compreendido entre 16 de Janeiro de 2018 e 31 de Dezembro de 2018 a Requerente auferiu um montante total de juros de € 10.368.736,41, tendo sofrido retenções na fonte sobre esse montante, a título definitivo, ao abrigo do regime legal da substituição tributária, no valor total de € 1.555.310,41.

                Neste seguimento, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em 11 de Abril de 2019, na qual solicitou a anulação dos referidos actos tributários de retenções na fonte de IRC, bem como o reembolso do imposto indevidamente retido, por considerar que aqueles actos violavam os artigos 56.º e 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e, por conseguinte, o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

                Posição essa que a Requerente reforçou no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral no qual começou por referir que, enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, apenas seria tributada pelos rendimentos que auferisse em território português, conforme o artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC. Ao abrigo da cláusula residual constante no ponto 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º, do Código do IRC, a Requerente seria tributada pelos rendimentos de aplicação de capitais obtidos em Portugal, designadamente pelos juros pagos por devedores que tenham residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento aí situado.

                Por seu turno, o artigo 87.º, n.º 3, alínea b), conjugado com o artigo 94.º, n.º 5, ambos do Código do IRC, estabelecia a sujeição daqueles rendimentos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, aplicado sobre o montante bruto dos juros auferidos, sendo que essa taxa poderia ser reduzida para 15% em virtude da aplicação do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea b), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e a Alemanha.

                Ainda que a Requerente tivesse sofrido as retenções na fonte à taxa de 15%, nem por isso os actos tributários de retenção na fonte deixariam de ser ilegais porquanto desconformes com o Direito da União Europeia. Isto na medida em que o Código do IRC estabelecia um tratamento diferenciado entre as entidades não residentes e as entidades residentes, já que tributava os juros auferidos pelas primeiras sem permitir a dedução dos encargos relacionados com a sua obtenção e que estivessem conexos com a actividade desenvolvida, enquanto que conferia essa possibilidade quanto aos juros auferidos por entidades residentes.

                Aquele tratamento diferenciado constituía um tratamento desigual e discriminatório, violador das liberdades fundamentais que enformam o ordenamento jurídico da União Europeia, designadamente a liberdade de prestação de serviços e a liberdade de circulação de capitais, previstas no artigo 56.º e 63.º, do TFUE. Por conseguinte, este tratamento discriminatório resultava num vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º, da CRP, uma vez que as normas de Direito da União Europeia têm supremacia em relação às normas de direito interno e, nessa medida, a norma contida no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, por ser totalmente discriminatória face ao disposto no artigo 94.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, não deveria ser aplicada a este concreto caso, tal como havia entendido o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) e o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em acórdãos recentes.

                E caso subsistissem dúvidas quanto à interpretação das referidas disposições do TFUE, deveria o Tribunal Arbitral efectuar o reenvio prejudicial para o TJUE nos termos do artigo 267.º, do TFUE.

               

                6. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por impugnação, tendo concluído pela improcedência da presente acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

                Não se verificou qualquer discriminação negativa da Requerente por esta ser entidade não residente, uma vez que não foi ultrapassado, pelas retenções na fonte efectuadas, o limite de 15% previsto no artigo 11.º, n.º 2, alínea b), da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha. Pelo contrário, a Requerente, enquanto entidade não residente, foi beneficiada com a aplicação de uma taxa mais reduzida em comparação com aquela que se encontra prevista para as entidades não residentes, pelo que a tributação de que foi alvo através de retenção na fonte a título definitivo em nada afectou a sua liberdade de prestação de serviços em Portugal, antes a facilitou.

                Quanto às entidades residentes, uma vez que o imposto incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, nos quais se incluem os obtidos fora desse território, o IRC apenas é liquidável após o decurso do período de tributação, visto que apenas no final deste se completa o facto tributário, pelo que só nesse momento pode ser conhecido com exactidão o quantum sobre o qual o imposto deve incidir. Assim sendo, só nesse momento se determina o lucro tributável, pelo que só nesse momento podem ser dedutíveis os gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter os rendimentos sujeitos a IRC.

                Já as entidades não residentes apenas ficam sujeitas a IRC quanto aos rendimentos obtidos em território português, justificando-se a sua tributação através do mecanismo de retenção na fonte por razões de praticabilidade e eficiência, traduzidas na inviabilidade ou dificuldade de efectuar a sua tributação com base no lucro tributável. Por outro lado, o regime fiscal aplicável aos não residentes seria mais favorável, pelo que não se poderia considerar verificada qualquer restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

                Para além de a medida legislativa de distinção de tratamento fiscal dos juros não implicar qualquer discriminação arbitrária, a AT também não poderia ter procedido de outra forma, dado que não poderia deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está adstrita ao princípio da legalidade.

                 Acresce que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado de entidades não residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. E tal como reconheceu o TJUE, a situação dos residentes e dos não residentes apresenta diferenças objectivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes.

                Para que se pudesse concluir pela existência de uma discriminação do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a Requerente teria que demonstrar que suportou uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se teria verificado.

                Assim, não se poderia admitir que as normas comunitárias prevalecessem sobre as normas de direito ordinário nacional, por força do Primado do Direito Comunitário, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, desde logo porque não se comprovou o carácter discriminatório das normas controvertidas. Por outro lado, a norma do artigo 56.º, do TFUE, não teria efeito directo, na medida em que não consubstanciava uma norma “self executing”, pelo que não prevaleceria nem tornaria inaplicável as normas de direito interno português.

                Referiu ainda a AT que a Requerente não referiu se o IRC retido na fonte sobre os juros obtidos em Portugal foi deduzido, total ou parcialmente, ao imposto sobre o rendimento devido na Alemanha. Isto porque, no caso de ter sido eliminada, total ou parcialmente, a dupla tributação jurídica internacional, o imposto suportado, em definitivo, sobre os rendimentos de juros, é determinado de acordo com a legislação fiscal Alemã, pelo que um eventual reembolso do IRC pela AT representaria um enriquecimento sem causa.

                Por seu turno, segundo a jurisprudência do TJUE o estabelecimento de um mecanismo que previsse que a consideração das despesas profissionais conexas com a obtenção dos juros fosse materializada após ter sido efectuada a retenção na fonte, mediante a apresentação, junto da AT, de um pedido de reembolso da totalidade ou de uma parte do imposto retido na fonte, não colidiria com as liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais. Em todo o caso, sempre recairia sobre o interessado o ónus de oferecer as provas necessárias para demonstrar o montante das despesas que pretende deduzir.

                Na reclamação graciosa e no pedido arbitral a Requerente omitiu qualquer referência à recuperação total ou parcial do imposto na Alemanha, não tendo referido nada quanto a eventuais despesas e encargos suportados relacionados com os rendimentos de juros obtidos em Portugal. Pelo contrário, a Requerente cingiu o objecto do seu pedido à anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC a título definitivo sobre os juros auferidos de fonte portuguesa, com o consequente reembolso dos montantes indevidamente retidos e, bem assim, o pagamento de juros indemnizatórios.

                Por tudo o exposto, concluiu a Requerida pela improcedência dos argumentos invocados pela Requerente, devendo ser indeferida a sua pretensão.

 

                7. Por despacho proferido em 9 de Março de 2020, foram as partes notificadas para, querendo, manifestarem oposição quanto ao aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo arbitral n.º 535/2019-T, que decorreu entre as mesmas partes e no qual foi produzida prova testemunhal sobre matéria de facto análoga à que está em causa nos presentes autos.

                Notificou-se ainda a Requerente para informar se, caso se procedesse ao sugerido aproveitamento, mantinha interesse na produção de prova testemunhal nos presentes autos, e em caso de resposta afirmativa, informasse quais os concretos pontos do requerimento inicial que seriam objecto da prova a produzir.

 

8. Mediante requerimento datado de 11 de Maio de 2020, veio a Requerente manifestar que não se opunha ao aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo arbitral n.º 535/2019-T, requerendo ainda a dispensa da inquirição da testemunha que havia arrolado. Desta feita, mediante requerimento datado de 1 de Setembro de 2020, veio igualmente a Requerida manifestar que não se opunha ao aproveitamento da referida prova testemunhal.

 

9. Em 2 de Setembro de 2020 foi proferido despacho arbitral no qual se determinou, ao abrigo do disposto no artigo 421.º, do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo arbitral n.º 535/2019 T.

Ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT e, bem assim, dos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º, do RJAT.

As partes foram igualmente notificadas naquele despacho para, querendo, apresentarem alegações escritas, indicando-se que a decisão final seria proferida até 30 dias após a apresentação das alegações escritas da Requerida, ou o termo do prazo concedido para o efeito, devendo a Requerente, até 10 dias antes do fim de tal prazo, proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente e comunicá-lo ao CAAD.

 

10. Por fim, tendo em conta que o processo de elaboração da decisão final ainda não se encontrava terminado, tendo em conta a tramitação processual verificada, os períodos de férias judiciais decorridos na pendência do presente processo, o disposto no art. 17.º-A, do RJAT, bem como a pública situação de pandemia que assola o país, foi determinada, por despacho arbitral datado de 18 de Outubro de 2020, a prorrogação por dois meses do prazo para emissão e notificação da decisão nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

                11. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram alegadas pelas partes, nem existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

12. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha que não possui estabelecimento estável em território português;

b)           A Requerente está legalmente autorizada a desenvolver actividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira em regime de livre prestação de serviços;

c)            Enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável a Requerente detém número de identificação fiscal para efeitos de retenção na fonte sobre os rendimentos auferidos em território português;

d)           No decurso da sua actividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo B..., a Requerente adquirido, no dia 13 de Maio de 2016, um portefólio de créditos à instituição C... AG (cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido arbitral e depoimento prestado pela testemunha D... no processo arbitral n.º 535/2019-T, aproveitado nos presentes autos);

e)           No período compreendido entre 16 de Janeiro de 2018 e 31 de Dezembro de 2018, a Requerente auferiu juros no montante total bruto de € 10.368.736,07;

f)            Nesse mesmo período, por referência aos juros auferidos no valor global de € 10.368.736,41, a Requerente efectuou retenções na fonte, a título definitivo, no montante total de € 1.555.310,41, em virtude da aplicação da taxa reduzida de 15% prevista no artigo 11.º, n.º 2, alínea b), da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha (cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido arbitral);

g)            Neste contexto a Requerente apresentou, em 11 de Abril de 2019, reclamação graciosa, na qual solicitou a anulação dos actos tributários de retenções na fonte de IRC acima indicados, bem como o reembolso do imposto indevidamente retido, por entender que os mesmos violavam os artigos 56.º e 63.º, do TFUE e, consequentemente, o artigo 8.º, da CRP (cfr. Documento n.º 1 junto com o pedido arbitral);

h)           A AT não decidiu a reclamação graciosa dentro do prazo previsto para o efeito;

i)             A Requerente incorreu em custos de financiamento e honorários relacionados com o portefólio de créditos português (cfr. depoimento prestado pela testemunha D... no processo arbitral n.º 535/2019-T, aproveitado nos presentes autos).

 

III.1.2. Factos não provados

 

13. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

14. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Retenção na fonte sobre o montante bruto de juros obtidos por não residente sem Estabelecimento Estável em território português

 

                15. A título prévio cumpre estabelecer o enquadramento jurídico-tributário da Requerente, enquanto instituição financeira não residente e sem estabelecimento estável em Portugal a que fossem imputáveis os rendimentos de capitais por si obtidos no território português.

                A este respeito dispõe-se no artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC, que “As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos”, estabelecendo-se no n.º 3 daquele preceito que “consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam”. Ao que importa, refere-se no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 3), do Código de IRC, que serão tributáveis os rendimentos de capitais auferidos por não residentes sem estabelecimento estável em Portugal desde que o respectivo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou desde que o respectivo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado.

                Nestes termos, os juros auferidos pela Requerente em virtude da aquisição do portefólio de créditos à instituição C... AG seriam tributados por via do mecanismo de retenção na fonte, com carácter definitivo, tal como decorre do artigo 94.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, e n.º 3, alínea b), do Código do IRC. A estas retenções na fonte seria aplicável uma taxa de 25% nos termos conjugados do artigo 94.º, n.º 5 e do artigo 87.º, n.º 4, ambos do Código do IRC contudo, em virtude da aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da CDT celebrada entre Portugal e Alemanha, a referida taxa seria reduzida para 15% do montante bruto dos juros auferidos pela Requerente.

                Em face deste enquadramento, sustentou a Requerente que teria sido alvo de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes em território português, em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º, do TFUE, uma vez que não lhe teria sido permitido deduzir as despesas profissionais e de funcionamento incorridas para a obtenção dos rendimentos de capitais. Dito de outro modo, enquanto os residentes seriam tributados com base no seu lucro tributável, isto é, com base no montante líquido de juros obtidos, os não residentes seriam tributados, de forma discriminatória, sobre o montante brutos de juros auferidos em Portugal.

                 Por sua vez, retorquiu a Requerida que a tributação das entidades não residentes sem estabelecimento estável através do mecanismo de retenção na fonte se encontra justificada pela dificuldade de realizar a sua tributação com base no respectivo lucro tributável sendo que, de todo o modo, sempre seria mais favorável o regime fiscal que lhes é aplicável quando comparado com o regime das entidades residentes, razão pela qual não se poderia considerar verificada uma restrição à livre circulação de capitais. Isto sem esquecer que as duas categorias de sujeitos passivos apresentam diferenças objectivas, seja do ponto de vista da origem dos rendimentos, seja quanto à possibilidade de fixação do lucro tributável atendendo à efectiva capacidade contributiva dos contribuintes demonstrada no período tributário, não se podendo considerar violadas as liberdades fundamentais de prestação de serviços e de circulação de capitais pela imposição ao interessado do ónus da prova do montante das despesas que entende serem dedutíveis.

 

                16. A questão de que cumpre decidir nos presentes autos foi já analisada por jurisprudência anterior em casos idênticos, designadamente no acórdão do STA, de 8 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0298/13, que desencadeou por via do mecanismo do reenvio prejudicial o acórdão do TJUE, de 13 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º C-18/15; no acórdão do STA, de 22 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0165/13 e, mais recentemente, no acórdão arbitral, de 16 de Abril de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 535/2019-T.

                Dispõe-se no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. Apesar de parte da jurisprudência anteriormente mencionada respeitar a uma redacção anterior das normas jurídicas aplicáveis ao presente caso, a verdade é que tais normas correspondem em termos idênticos àquelas que se encontravam vigentes à data dos factos, razão pela qual deverá a referida jurisprudência ser tida em consideração por este tribunal arbitral tendo em vista a obtenção de uma “interpretação e aplicação uniformes do direito”.

               

                17. No âmbito do acórdão do STA, de 8 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0298/13, suscitou-se o reenvio prejudicial para o TJUE para que este se pronunciasse, entre outras, quanto à questão de saber se o artigo 56.º, do TFUE se opunha a uma legislação fiscal interna segundo a qual as instituições financeiras não residentes em território português estão sujeitas a imposto sobre o rendimento de juros auferidos nesse território e retido na fonte à taxa definitiva de 20% sobre o rendimento ilíquido, sem possibilidade de dedução das despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade financeira exercida, ao passo que os juros auferidos por instituições financeiras residentes são incorporados no rendimento global tributável, procedendo‑se à dedução das despesas associadas à actividade exercida quando se determina o lucro para efeitos de tributação em IRC, incidindo, assim, a taxa geral de 25% sobre o rendimento de juros líquido.

                A este respeito, começou o TJUE por referir, no acórdão de 13 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º C-18/15, que:

 

“21 (…) decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a retenção na fonte aplicada aos prestadores de serviços não residentes, enquanto técnica de cobrança de imposto, quando os prestadores residentes não estão sujeitos a essa retenção, mesmo que constitua uma restrição à livre prestação de serviços, pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, como, por exemplo, a necessidade de assegurar a eficácia da cobrança do imposto (v., neste sentido, acórdãos de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.º 35, e de 18 de outubro de 2012, X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.º 39).

 

22 Por conseguinte, o artigo 49.º CE [que corresponde actualmente ao artigo 56.º, do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional (…), por força da qual a remuneração das instituições financeiras não residentes no Estado‑Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes desse Estado‑Membro não está sujeita a essa retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte (…) seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo prosseguido.”

 

                Assim, enquanto ponto de partida, considerou o TJUE que, perante situações imperiosas de interesse geral, seria admissível a aplicação do mecanismo de retenção na fonte aos rendimentos auferidos por não residentes, estabelecendo no entanto que a tributação efectuada por aquele mecanismo não poderia discriminar as entidades não residentes em face das entidades residentes. Nas suas palavras:

 

“23 (…) há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à tomada em consideração das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, que os prestadores residentes e os prestadores não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.º 27; de 6 de julho de 2006, Conijn, C‑346/04, EU:C:2006:445, n.º 20; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

 

24 O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.º CE [que corresponde actualmente ao artigo 56.º, do TFUE] se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas (acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.os 29 e 55; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.º 42; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

 

(…) 27 Por conseguinte, em princípio, as prestações de serviços efetuadas por instituições financeiras não podem, à luz do princípio da livre prestação de serviços consagrado no artigo 49.º CE [que corresponde actualmente ao artigo 56.º, do TFUE], ser tratadas de maneira diferente das prestações de serviços noutros domínios de atividade.

 

28 Daqui decorre que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual as instituições financeiras não residentes são tributadas pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado‑Membro em causa, sem lhes ser dada a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em causa, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, por força do artigo 49.º CE [que corresponde actualmente ao artigo 56.º, do TFUE]”.

 

                Em todo o caso, também esta restrição à liberdade fundamental de prestação de serviços poderia ser justificada, conquanto existissem razões imperiosas de interesse geral para a sua existência e desde que a mesma não ultrapassasse o necessário para alcançar o objectivo prosseguido. Declarou assim o TJUE que:

 

“29 (..) como decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre prestação de serviços pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Neste caso, é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.º 36).

 

30 Importa, pois, verificar se uma restrição como a que está em causa no processo principal pode ser validamente justificada pelas razões invocadas no caso vertente.

 

31 A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes.

 

32 No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, EU:C:2010:397, n.º 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.º 31).

 

33 Daqui decorre que uma restrição à livre prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes.

 

34 Por outro lado, no âmbito do processo no Tribunal de Justiça, a República Portuguesa sustentou que a regulamentação em causa no processo principal se justifica simultaneamente pela exigência de preservar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros, pela vontade de evitar a dupla dedução das despesas profissionais em causa e pela necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto.

 

35 Em primeiro lugar, no que respeita à repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros, há que recordar que o Tribunal de Justiça reconheceu, efetivamente, que a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros constitui um objetivo legítimo e que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adotadas pela União Europeia, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário, de modo a eliminarem as duplas tributações (acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.º 42).

 

36 Todavia, também decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando os Estados‑Membros utilizam esta liberdade e fixam, no âmbito de convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, os fatores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União (v., neste sentido, acórdão de 19 de novembro de 2015, Bukovansky, C‑241/14, EU:C:2015:766, n.º 37).

 

37 Ora, como observou a advogada‑geral nos n.os 59 a 62 das suas conclusões, não há, no caso em apreço, nenhum elemento que permita explicar em que medida é que a repartição dos poderes de tributação exige que as instituições financeiras não residentes devem, no que respeita à dedução das despesas profissionais diretamente relacionadas com os seus rendimentos tributáveis nesse Estado‑Membro, ser tratadas de maneira menos favorável do que as instituições financeiras residentes.

 

38 Em segundo lugar, quanto à intenção de prevenir a dupla dedução das despesas profissionais, que pode ser associada à luta contra a fraude fiscal, basta salientar que, ao limitar‑se a evocar, sem mais explicações, a eventual existência de um risco de que as despesas em causa possam ser deduzidas uma segunda vez no Estado de residência do prestador dos serviços, sem demonstrar em que medida a aplicação do disposto na Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO 1977, L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), conforme alterada pela Diretiva 2001/106/CE do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO 2004, L 359, p. 30), em vigor à data dos factos no processo principal, não teria permitido evitar esse risco, a República Portuguesa não coloca o Tribunal em condições de apreciar o alcance deste argumento (v., neste sentido, acórdão de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C‑559/13, EU:C:2015:109, n.º 52).

 

39 Em terceiro lugar, quanto à necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que esse objetivo constitui uma razão imperiosa de interesse geral que pode justificar uma restrição à livre prestação de serviços (v., nomeadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.os 35 e 36, e de 18 de outubro de 2012, X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.º 39), é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C‑498/10, EU:C:2012:635, n.º 36).

 

40 Ora, há que constatar que uma restrição como a que está em causa no processo principal não é necessária para garantir a eficácia da cobrança do IRC”.

 

                Tendo deixado assente a incompatibilidade com o Direito da União Europeia de uma legislação nacional que impusesse a tributação dos não residentes pelos juros ilíquidos auferidos num Estado que não o da residência, referiu ainda o TJUE que:

 

“(…) um Estado‑Membro que concede aos residentes a faculdade de deduzirem essas despesas [profissionais directamente associadas aos rendimentos de juros auferidos] não pode, em princípio, excluir a tomada em consideração dessas mesmas despesas para os não residentes (acórdão de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

 

45 Daqui resulta que, no que respeita à tomada em consideração das referidas despesas, os não residentes devem, em princípio, ser tratados da mesma maneira que os residentes e devem poder deduzir as despesas da mesma natureza que as que estes últimos são autorizados a deduzir.

 

46 Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, por despesas profissionais diretamente relacionadas com as receitas recebidas no Estado‑Membro onde a atividade é exercida, há que entender as despesas causadas por essa atividade e, portanto, necessárias ao respetivo exercício (v., neste sentido, acórdão de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C‑559/13, EU:C:2015:109, n.º 30 e jurisprudência referida).

 

47 Quanto à prestação de serviços em causa no processo principal (…) importa constatar que a execução dessa prestação origina necessariamente despesas profissionais, como, por exemplo, despesas de viagem, de alojamento, de aconselhamento jurídico ou fiscal, que é relativamente fácil relacionar diretamente com o empréstimo em questão e cujo montante efetivo também é fácil de provar. Uma vez que os sujeitos passivos parcialmente tributados devem poder beneficiar do mesmo tratamento que os sujeitos passivos integralmente tributados, devem ser‑lhes concedidas, no que respeita a essas despesas, as mesmas possibilidades de dedução, sujeitando‑os às mesmas exigências no que diz respeito, nomeadamente, ao ónus da prova.

 

48 Há que acrescentar que o exercício desta atividade também origina custos de financiamento que devem, em princípio, ser considerados necessários ao exercício da referida atividade, mas cuja relação direta com um determinado empréstimo financeiro ou cujo montante efetivo se pode revelar mais difícil de estabelecer. A mesma observação é válida, como sublinhou a advogada‑geral no n.º 39 das suas conclusões, quanto à parte dos custos gerais da instituição financeira que pode ser considerada necessária à concessão de um empréstimo financeiro particular.

 

49 Contudo, a simples circunstância de esta prova ser mais difícil de produzir não autoriza um Estado‑Membro a recusar de modo absoluto aos não residentes, sujeitos passivos parcialmente tributados, a dedução que concede aos residentes, sujeitos passivos integralmente tributados, uma vez que não se pode excluir a priori que um não residente esteja em condições de fornecer provas pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza das despesas profissionais cuja dedução é solicitada (v., por analogia, acórdãos de 27 de janeiro de 2009, Persche, C‑318/07, EU:C:2009:33, n.º 53, de 26 de maio 2016, Kohll et Kohll‑Schlesser, C‑300/15, EU:C:2016:361, n.º 55).

 

50 Com efeito, nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao não residente as provas que considerarem necessárias para apreciar se os requisitos de dedutibilidade das despesas previstas pela legislação em questão estão preenchidos e, consequentemente, se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., por analogia, acórdãos de 27 de janeiro de 2009, Persche, C‑318/07, EU:C:2009:33, n.º 54, e de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll‑Schlesser, C‑300/15, EU:C:2016:361, n.º 56).

 

(…) 52 Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, a quem foi submetido o litígio no processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, determinar, no âmbito desse litígio, por um lado, quais as despesas declaradas (…) que podem ser consideradas despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em questão, nos termos da legislação nacional, e, por outro, qual a parte das despesas gerais que pode ser considerada diretamente relacionada com essa atividade (v., por analogia, acórdão de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 26).”

               

                A respeito desta remissão para o órgão jurisdicional de reenvio da aferição das concretas despesas que devem ser consideradas para efeitos do exercício do direito de dedução, e da exigência por parte da AT da sua prova pela entidade não residente, referiu o STA no acórdão de 8 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0298/13, que:

 

“É certo que o TJUE não se furtou a enumerar algumas despesas de instituições não residentes que devem ser passíveis de dedução (…) sugerindo mesmo, como forma de obviar a esta dificuldade por parte dos Estados da fonte, que seja criado um mecanismo que permita que a dedução seja efetuada a posteriori (parágrafo 50). Mecanismo que terá de ser criado por via legislativa, de forma a ser accionado perante a administração tributária, não podendo ser os tribunais a criá-lo e a estabelecer quando e como podem tais despesas ser deduzidas, sob pena de afronta do núcleo essencial da função legislativa. E não constituindo os tribunais órgãos com competência para a tributação, não podem igualmente assumir a função de mecanismo ou aparelho primário de indagação oficiosa de eventuais despesas dedutíveis ou a função de recepção e selecção das despesas que as entidades não-residentes queiram apresentar e deduzir de forma a serem tributadas pelo rendimento líquido, sob pena de afronta do núcleo essencial da função administrativa-tributária.

(…) Com efeito, não cabe aos tribunais, substituindo-se à administração, fixar a matéria tributável ajustada ao caso e proceder ao acto tributário de liquidação ou de retenção do imposto. Tal violaria o núcleo essencial dos limites da competência dos tribunais tributários, dado que assim se deslocaria para a protecção jurídica destes tribunais a actividade administrativa da esfera da administração tributária, violando grosseiramente os princípios da indisponibilidade e da tipicidade de competências, bem como o princípio da separação de poderes constitucionalmente garantido”.

 

                18. Em virtude da concordância com os argumentos expressos na jurisprudência citada, que foi igualmente seguida no acórdão do STA, de 22 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0165/13 e no acórdão arbitral, de 16 de Abril de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 535/2019-T, já referidos, e pela proibição da prática de actos no processo inúteis e desnecessários nos termos do artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos quais se incluiria a repetição daqueles argumentos, concluiu-se que as normas constantes dos artigos 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 3, alínea b) e n.º 5, ambos do Código do IRC são incompatíveis com o disposto no artigo 56.º, do TFUE, que consagra a liberdade fundamental de prestação de serviços. Assim sendo, tais normas deverão ser desaplicadas em virtude do primado do Direito Europeu que determina a prevalência das normas de Direito da União sobre as disposições de direito interno que com ele sejam incompatíveis.

                Neste sentido, a tributação da Requerente sobre o montante ilíquido de juros auferidos em território português, sem possibilidade de dedução das despesas efectivamente incorridas para a sua obtenção tal como é reconhecido às entidades residentes, implica que os actos de retenção na fonte a título definitivo pelos quais aquela tributação ocorreu, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, padeçam de vício de violação de lei, porquanto contrários ao Direito Europeu, razão pela qual deverão ser anulados.

 

 III.2.2. Da extensão da decisão anulatória

 

                19. Assente que deve ser anulado o acto tributário sub iudice, cumpre indagar da extensão do efeito da decisão anulatória.

                O primeiro passo de tal operação, é compreender o sentido e efeitos do juízo do Tribunal de Justiça, referente à incompatibilidade da norma de direito nacional – no caso a que emerge dos termos conjugados do artigo 94.º, n.ºs 3/b), 4 e 5, e do artigo 87.º, n.º 4, ambos do Código do IRC aplicável, e da qual resultava a tributação a taxa liberatória do Requerente, sem possibilidade de deduzir os encargos necessários à obtenção dos rendimentos tributáveis.

                Para tal, é necessário desde logo ter presente que o Direito da União Europeia, não se deverá ter por análogo ao Direito Constitucional nacional.

                Com efeito, este último tem uma aplicabilidade directa muito mitigada , que se reconduz, na sua vertente mais prática, ao reconhecimento aos “tribunais o direito de acesso directo à Constituição — sobretudo às normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias —, a fim de «fiscalizarem» («direito de exame», «direito de fiscalização») a conformidade da lei com as normas e princípios da Constituição” .

                Daí que, por regra, como se explica no Ac. do STA de 20-11-2014, proferido no processo 0438/14: “Segundo a doutrina, a declaração de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de normas é equivalente, em geral, à declaração de nulidade, considerando-se que as mesmas se encontram feridas de nulidade desde a sua entrada em vigor, com a consequente atribuição de carácter declarativo e não constitutivo à decisão do Tribunal Constitucional.”.

                Ou seja, e em suma, a desconformidade de uma norma infraconstitucional com as normas e princípios constitucionais gera, por regra, a invalidade daquela, retirando-a, em princípio (mas não necessariamente) com efeitos ex tunc, do ordenamento jurídico, tudo se passando como se a mesma nunca tivesse existido.

                Já não assim se passam as coisas com o Direito da União Europeia. Com efeito, e como se detalha no acórdão do STA, de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0678/16, “o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados Membros [vinculação esta que abrange as administrações desses Estados] aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE”.

                Ou seja, as normas do Direito da União Europeia fazem parte do bloco de legalidade, conformador do princípio da legalidade, vinculante da actuação administrativa, nos termos do artigo 3.º do CPA , conforme desde logo prescreve o art.º 8.º, n.º 4, da Constituição.

                Daí que, no que para o caso importa, e para a matéria ora sob análise, em sede de reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça decida “sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições” (art.º 19.º, n.º 3, al. b) do Tratado da União Europeia).

                Ou seja: a pronúncia do TJUE em sede de reenvio prejudicial, não integra um juízo de desconformidade de uma norma nacional com o direito da União, mas fixa a interpretação deste, de onde decorre, que do julgamento daquele Tribunal não decorre qualquer invalidade das normas de direito nacional, mas a fixação do sentido e conteúdo impositivo de normas do direito da União, que integram o bloco da legalidade conformador da actividade administrativa, e que tem de ser respeitado pelas autoridades nacionais.

 

                20. Aqui chegados, cumpre concluir, portanto, no que ao caso interessa, que da decisão do TJUE no processo C-18/15, não resultou a retirada da ordem jurídica de qualquer norma do ordenamento português, mas, antes, a vinculação das autoridades portuguesas respeitarem o sentido e conteúdo do direito da União ali declarado.

                Será isso que cumprirá, aos Tribunais e à Administração nacional, fazer.

                Cumprirá, em suma, aplicar as normas nacionais, conjugadas com, e no respeito do Direito da União, enunciado pelo TJUE.

                Neste sentido, e ressalvado o respeito devido a outras opiniões, não será correcto afirmar que “não existia, pura e simplesmente, no ordenamento jurídico português, qualquer norma que permitisse efetuar a dedução das despesas no caso de retenções na fonte sobre juros pagos a entidades financeiras não residentes. Com efeito, tendo o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 80.º do Código do IRC sido considerado incompatível com o Direito da UE, e sendo o mesmo afastado por força do princípio do primado, inexistia, à data dos factos, qualquer norma que legitimasse a atuação de qualquer tribunal no sentido de selecionar as despesas dedutíveis e efetuar essa dedução ao montante sujeito a retenção na fonte.” , nem que “A admitir-se tal opção, estar-se-ia a admitir que o tribunal se substituísse (...) ao próprio legislador, o que, naturalmente, seria inadmissível e inconstitucional, por violação do princípio da separação de poderes e do princípio da legalidade.”.

                Com efeito, e como se vem de ver, não só as normas do direito nacional não foram invalidadas, e persistem na ordem jurídica, como as normas do Direito da União, vigoram igualmente, concorrendo todas para a definição do Direito a aplicar no caso, não constituindo a incompatibilidade daquelas com este, mais que uma antinomia normativa a resolver de acordo com os princípios gerais (no caso, da hierarquia), não se gerando, em caso algum, um vazio ou lacuna legal.

                Será este, portanto, o ponto de partida, para a definição da extensão dos efeitos da decisão anulatória ora a proferir.

 

                21. No caso, está em causa, como se referiu já, a aplicação conjugada do artigo 87.º, n.º 4 e do artigo 94.º, n.ºs 3/b), 4 e 5, ambos do Código do IRC aplicável, que dispõem, respectivamente:

                - “Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 %”;

                - “3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo: (...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis;

    4 - As retenções na fonte de IRC são efetuadas à taxa de 25 %, aplicando-se aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 1 a taxa de 21,5 %.

    5 - Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham caráter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º”.

As referidas normas têm de ser conjugadas com o Direito da União, tal como declarado pelo TJUE no processo C-18/15, designadamente no sentido de que aquele se opõe a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado‑Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais directamente relacionadas com a actividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, e com a aplicação do artigo 11.º, n.º 2, da CDT celebrada entre Portugal e Alemanha, que prevê uma taxa reduzida para 15%.

O que incumbe fazer, portanto, não reconhecer a ausência de um vazio legal, mas definir o resultado da aplicação de todas as referidas normas que ao caso são convocadas.

 

22. O regime normativo emergente dos preceitos referidos, impõe, desde logo, a tributação dos rendimentos do Requerente obtidos em Portugal, à taxa de 15%.

O direito nacional, abstraindo das imposições do Direito da União, imporia que as retenções na fonte operadas sobre aqueles rendimentos pagos ao Requerente, tivessem a natureza de definitivas, de onde resultaria a impossibilidade de se considerarem as despesas do Requerente directamente relacionadas com a actividade exercida em Portugal.

Não obstante, como se viu, o Direito da União proscreve tal entendimento, afirmando que deverá ser concedida, no caso, ao Requerente, a possibilidade de deduzir, ao rendimento sujeito a tributação, as despesas profissionais directamente relacionadas com a sua actividade.

Por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, as normas do direito da União serão de considerar como hierarquicamente às leis ordinárias nacionais, como as que estão, no caso, em questão, pelo que devem prevalecer sobre estas, afastando o seu conteúdo, que com aquelas seja incompatível.

Assim, e sempre ressalvada melhor opinião, o que haverá que declarar, no caso, é que não tem aplicação, por força do direito da União, tal como declarado pelo TJUE no processo C-18/15, o disposto no art.º 94.º, n.º 3 do CIRC aplicável, na parte em que impõe, imperativamente, que as retenções na fonte de que foram objecto os rendimentos pagos ou colocados à disposição do Requerente no ano de 2018, tenham carácter definitivo, tudo se passando, então, como tendo as mesmas a natureza de imposto por conta.

Assim sendo, como se julga que é, apenas se poderá concluir pela liquidação de imposto em excesso na medida em que haja sido liquidado imposto superior ao que resulta da taxa de imposto aplicável, aos rendimentos auferidos pelo Requerente em território nacional, deduzidos das despesas profissionais directamente relacionadas com a sua actividade, tal como definidas pelo TJUE, no acórdão proferido no processo C-18/15, em interpretação do direito da União, a que deve ser dada obediência.

 

                23. Aqui chegados, verifica-se que o TJUE, no aresto que se vem a acompanhar, referiu que “Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, com base no seu direito nacional, quais as despesas profissionais que podem ser diretamente relacionadas com a atividade financeira em questão.”.

                Numa leitura mais perfunctória, poder-se-ia considerar que o TJUE estava a impor ao órgão jurisdicional de reenvio o encargo de verificar e aferir quais as concretas despesas, no caso do processo, que podiam ser directamente relacionadas com a sua actividade do sujeito passivo.

                Não obstante, não é essa a leitura que se opera.

                Assim, o que está, no fundo, a dizer o TJUE na passagem do dispositivo ora em apreço, é que não é ao próprio TJUE que cabe a competência para definir concretamente o que sejam despesas directamente relacionadas com a sua actividade do sujeito passivo, e não a impor – como de resto não foi feito – ao órgão jurisdicional de reenvio o dever de, no processo, determinar quais eram, concretamente, aquelas.

                O que o TJUE está a declarar, efectivamente, é que a definição concreta do que sejam as despesas, no caso, directamente relacionadas com a actividade do sujeito passivo, não é matéria da sua competência, mas das autoridades nacionais, no quadro, obviamente, do direito nacional que regula a respectiva actividade, devendo sempre, e em última análise, ser assegurado um controlo jurisdicional.

                Daí que, não incumba ao presente Tribunal arbitral definir quais as concretas despesas directamente relacionadas com a actividade do Requerente que devem concorrer para o cômputo dos rendimentos sujeitos a tributação, mas, unicamente declarar que o devem ser, e que a AT está obrigada a considerá-los, mediante as provas que o Requerente apresentar.

 

                24. Do quanto vem de se dizer, conclui-se, então que deverão ser anulados parcialmente os actos objecto da presente acção arbitral, na medida em que dos mesmos resulta a tributação do rendimento bruto obtido pelo Requerente em território nacional, e não o seu rendimento líquido, ou seja, deduzido das despesas directamente relacionadas com a sua actividade neste país.

Não obstante, por do presente processo não constarem os elementos necessários à quantificação do valor a sujeitar a tributação, e porquanto tal é uma tarefa que, em primeira linha assiste à AT, conjugada com a circunstância de o contencioso arbitral tributário ser de mera anulação, como afirmado no Ac. do TCA-Sul de 09-07-2020, proferido no processo n.º 9655/16.3BCLSB, “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”.

Deste modo, e pelo exposto, ao presente Tribuanal arbitral incumbirá, unicamente, anular, total ou parcialmente, os actos tributários objecto do presente processo.

Ora, como se escreveu no Acórdão do STA de 30-01-2019, proferido no processo 0436/18.0BALSB:

“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.”

                Em conformidade com o decidido pelo STA no processo que se acaba de citar, julga-se que que os actos tributários da presente acção arbitral devem ser parcialmente anulados, sem prejuízo de posterior acertamento por parte da AT, se necessário a sindicar em sede de execução de julgado, de modo a conformar a parte remanescente dos actos com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorre a diminuição ao valor da matéria colectável previamente apurada.

                Desta forma, caberá à AT, em sede de execução de julgados, apurar o concreto montante das despesas directamente relacionadas com a actividade do Requerente e que foram incorridas para a obtenção dos rendimentos auferidos em território português, em cumprimento do disposto no artigo 24.º, do RJAT e do artigo 609.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

                Não cumprirá anular o acto de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa, conforme peticionado pelo Requerente, dado tratar-se de uma mera ficção jurídica, destinada a abrir a via contenciosa, servindo, no caso do processo arbitral tributário, para a fixação do dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º/1/a) do RJAT, e não integrando tal acto o objecto do processo arbitral tributário, tal como definido no art.º 1.º, também do RJAT.

 

III.2.3 Juros Indemnizatórios

 

                25. A Requerente peticionou ainda a condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrassem devidos nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, do artigo 43.º, da LGT e do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.

                Conforme disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e do artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, ao não caber recurso ou impugnação da decisão arbitral sobre o mérito da causa, a AT fica vinculada nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, incumbindo-lhe o restabelecimento da situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

                Por seu turno, estabelece o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, dispondo-se no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

                No presente caso, verificou-se que a Requerente apresentou pedido de reclamação graciosa quanto aos actos de retenção na fonte de IRC já prontamente identificados, não tendo obtido resposta ao seu pedido. Assim sendo, e tal como se firmou no acórdão do STA, de 18 de Janeiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”, pelo que o erro passou a ser imputável à AT em virtude da decisão de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente.

                A este respeito, cumpre ainda referir que não procede o argumento invocado pela Requerida de que não poderia deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, maxime os Códigos Fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, em virtude da sua vinculação ao princípio da legalidade. Isto porque, tal como se referiu no acórdão do STA, de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0678/16, e já citado, “o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados Membros [vinculação esta que abrange as administrações desses Estados] aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE”.

                Deste modo, em face de declaração de ilegalidade parcial dos actos de retenção na fonte de IRC a título definitivo, consideram-se devidos juros indemnizatórios à Requerente, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente que venha a ser apurada nos termos acima descritos, à taxa dos juros legais em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.

 

III.2.4. Reenvio prejudicial

               

                26. A Requerente peticionou ainda, a título subsidiário, o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da conformidade com o Direito da União Europeia das questões controvertidas nos autos.

                Tal como se referiu, o TJUE já teve oportunidade de se pronunciar sobre a temática ora em análise no acórdão de 13 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º C-18/15, cujo teor foi parcialmente transcrito nos presentes autos.

                Desta forma, não subsistem dúvidas interpretativas quanto à interpretação da liberdade fundamental de prestação de serviços constante do artigo 56.º, do TFUE, aplicando-se, pelo contrário, a teoria do acto claro.

                Nestes termos, julga-se desnecessário o recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

                a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, anular parcialmente os actos tributários impugnados nos autos, na parte em que sujeitaram a tributação o rendimento bruto obtido pelo Requerente em território nacional, e não o seu rendimento líquido, ou seja, deduzido das despesas directamente relacionadas com a sua actividade neste país;

                b) Condenar a Autoridade Tributária na devolução do imposto indevidamente pago por força dos actos parcialmente anulados, acrescido de juros indemnizatórios nos termos acima determinados;

c) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, abaixo fixado.

 

V. VALOR DO PROCESSO

               

                Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de € 1.555.310,41.  

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 20.808,00, conforme decorre do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, ficando aquele valor a cargo de Requerente e Requerida, em partes iguais, dado o pedido ter sido parcialmente procedente, e inexistirem elementos que permitam a fixação concreta da respectiva medida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Dezembro de 2020.

 

Os Árbitros

 

José Pedro Carvalho

Carlos Alberto Monteiro da Silva

Carla Castelo Trindade

(Relatora)