Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 737/2020-T
Data da decisão: 2021-07-10  IRS  
Valor do pedido: € 92.761,71
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias. Não residente em território nacional.
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Sumário:

 A norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., contribuinte fiscal n.º..., residente em...,  ..., ... Pontevedra, Espanha, B..., contribuinte fiscal n.º..., residente em..., ..., ..., ..., Espanha, C..., contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., ..., ..., ... Vigo, Espanha, D..., contribuinte fiscal n.º..., residente em..., ..., ..., ..., Espanha, E..., contribuinte fiscal n.º..., residente em ..., ..., ..., ..., Espanha, F..., contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., ..., ..., Espanha, G..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na ..., ..., Vigo, Espanha e H..., contribuinte fiscal n.º..., residente na ..., n.º..., ... ... Pontevedra, Espanha, vêm requerer, em coligação, a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de  IRS n.os 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020..., relativas ao ano de 2019, no montante global de € 187.393,43, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

Em 25 de Fevereiro de 2019, os Requerentes eram comproprietários dos imóveis a seguir identificados: prédio urbano sito em ..., ..., n.º ... e ... n.os 4 e 6, freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...; prédio urbano sito em ...,  ..., n.os 43 e 45, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...; prédio urbano sito em ..., ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...; prédio urbano sito em ...,  ..., n.os 35 e 39, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...; e  prédio urbano sito e..., ..., n.º 9 e ... n.º ARC, freguesia de..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .

 

Por escritura pública datada de 25 de Fevereiro de 2019, os Requerentes permutaram os imóveis pela fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado em ..., ..., ..., freguesia..., concelho de Odivelas, inscrito na matriz da união das freguesias de ... e ... sob o artigo ... .

 

Nessa mesma data, por escritura pública, os Requerentes venderam o imóvel adquirido através da permuta.

 

                As mais-valias decorrentes da alienação dos direitos reais que detinham sobre os referidos imóveis foram incluídas nos anexos G das declarações Modelo 3 de IRS entregues pelos Requerentes, na qualidade de não residentes, relativamente ao ano de 2019.

 

Na sequência da submissão desta declaração de rendimentos, a Administração Tributária emitiu as liquidações de IRS que são objeto de impugnação através do presente pedido arbitral.

 

Essa liquidação corresponde ao resultado da aplicação da taxa de imposto à totalidade do ganho realizado pelo Requerente.

 

Não obstante, o Requerente entende que os atos de liquidação de IRS são parcialmente ilegais porque resultam da aplicação da taxa de imposto ao valor total da mais-valia realizada, sem recurso à norma de tributação de apenas 50% aplicável aos residentes em território nacional, consagrada no artigo 43.º do Código do IRS.

 

De acordo com esta norma, os residentes em território nacional apenas são tributados sobre 50% das mais-valias originadas pela alienação de imóveis em Portugal, mas a redução do valor tributável não se estende aos não residentes.

 

E, sendo assim, a norma de direito nacional que exclui os não residentes de uma redução de tributação – e, nessa medida, agrava a sua tributação – restringe a liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nesse sentido se tendo pronunciado a Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2007, Processo n.º C- 443/06 (Caso Hollmann).

 

Os Requerentes acrescentam que a alteração do regime legal, introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, na sequência do Acórdão Hollmann, concedendo a possibilidade de os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia optarem pela tributação dos rendimentos à taxa que seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, mediante o aditamento dos n.os 7 e 8 ao artigo 72.º do CIRS (a que correspondem, na actual redacção, os n.os 13 e 14),  não é susceptível de eliminar o carácter discriminatório do regime interno de tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que o actual quadro legal já não é o vigente à data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência, foi efectuada uma alteração legislativa mediante o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, alteração essa que veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2, e, por conseguinte, da consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas por não haverem quaisquer outros elementos sobre que as partes de se devessem pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 3 de Maio de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           Em 25 de Fevereiro de 2019, os Requerentes eram comproprietários dos seguintes imóveis:

(i)           Prédio urbano sito em ..., ..., n.º 5 e ... n.os 4 e 6, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

(ii)          Prédio urbano sito em ...,  ..., n.os ... e ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

(iii)         Prédio urbano sito em ..., ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

(iv)         Prédio urbano sito em ..., ..., n.os 35 e 39, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...; 

(v)          Prédio urbano sito em ..., ..., n.º 9 e ... n.º ARC, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .

B)           Por escritura pública datada de 25 de Fevereiro de 2019, os Requerentes permutaram os imóveis acima identificados pela fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado em ..., ..., lote ..., freguesia da ..., concelho de Odivelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º ... e inscrito na matriz da união das freguesias de ... e ... sob o artigo ... .

C)           Na mesma data, por escritura pública, os Requerentes venderam o imóvel adquirido através da permuta.

D)           No ano de 2019, todos Requerentes eram residentes fiscais em Espanha.

E)            Os ganhos decorrentes da alienação dos direitos reais que detinham sobre os referidos imóveis, que constituíam mais-valias sujeitas a imposto, foram incluídos nos anexos G das declarações Modelo 3 de IRS n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., entregues pelos Requerentes, na qualidade de não residentes, relativamente ao ano de 2019, conforme o quadro abaixo:

Valores em EUR

Sujeito passivo Declaração          Rendimento colectável Rendimento colectável

da categoria G

1.º Requerente ...            41.371,36            40.768,84

2.º Requerente ...            41.408,95            40.769,34

3.ª Requerente ...            41.408,95            40.769,34

4.ª Requerente ...            15.145,89            13.227,06

5.ª Requerente ...            113.453,52          113.453,52

6.º Requerente ...            114.833,06          113.873,70

7.ª Requerente ...            114.833,16          113.873,80

8.ª Requerente ...            186.807,46          185.848,10

                Totais:  669.262,34          662.583,67

 

F)            Na sequência das declarações entregues pelos Requerentes, foram emitidas as liquidações de IRS n.os 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., das quais resultou um valor total de imposto a pagar de € 187.393,43, sendo € 185.523,43 correspondentes à tributação das mais-valias realizadas pelos Requerentes através da alienação dos imóveis sitos em Portugal, conforme o quadro abaixo:

Valores em EUR

Sujeito passivo Liquidação          Total de

imposto a pagar               Imposto relativo à tributação das mais-valias

1.º Requerente 2020...   11.583,98            11.415,27

2.º Requerente 2020 ... 11.594,50            11.415,41

3.ª Requerente 2020 ... 11.594,50            11.415,41

4.ª Requerente 2020 ... 4.240,85               3.703,58

5.ª Requerente 2020 ... 31.766,98            31.766,98

6.º Requerente 2020 ... 32.153,25            31.884,63

7.ª Requerente 2020 ... 32.153,28            31.884,66

8.ª Requerente 2020 ... 52.306,09            52.037,47

                Totais:  187.393,43          185.523,43

 

G)           As liquidações acima referidas refletem a tributação pela Administração Tributária da totalidade das mais-valias realizadas pelos Requerentes, na qualidade de não residentes em território português.

H)           As liquidações tinham como data limite para pagamento do imposto o dia 8 de Setembro de 2020.

I)             Os Requerentes, à exceção da 7.ª Requerente, procederam ao pagamento do imposto, no montante total de € 76.819,38, nos dias 17 e 21 de Agosto e 3 de Setembro de 2020, conforme o quadro abaixo:

Valores em EUR

Contribuinte      Liquidação          Imposto a pagar               Data de pagamento do imposto

1.º Requerente 2020 ... 11.583,98            17-08-2020

2.º Requerente 2020 ... 11.594,50            03-09-2020

3.ª Requerente 2020 ... 11.594,50            03-09-2020

4.ª Requerente 2020 ... 4.240,85               21-08-2020

5.ª Requerente 2020 ... 31.766,98            21-08-2020

6.º Requerente 2020 ... 32.153,25            17-08-2020

8.ª Requerente 2020 ... 52.306,09            17-08-2020

                Total:    76.819,38            

J)            Não tendo a 7.ª Requerente procedido ao pagamento voluntário da liquidação n.º 2020..., foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2020..., tendente à cobrança coerciva da respetiva dívida de imposto dele emergente.

K)           O pedido arbitral deu entrada em 7 de Dezembro de 2020.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.

 

               

Matéria de direito

 

5. O Requerente não contesta a sujeição a imposto, para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, dos rendimentos decorrentes da transmissão de imóveis, mas unicamente a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.

 

A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (atuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

 

Esta questão foi já analisada, em situação similar, em diversas decisões arbitrais (cfr., a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 208/2019-T, 830/2019-T, 846/2019-T e 86/2020-T), e, quanto a ela, o STA tem igualmente mantido uma orientação uniforme (acórdãos de 16 de Janeiro de 2008, Processo n.º 439/06, de 22 de Março de 2011, Processo n.º 01031/10, de 10 de Outubro de 2012, Processo n.º 0533/12, de 30  de Abril de 2013, Processo n.º 01374/12, de 18 de Novembro de 2015, Processo n.º 0699/15, de 3 de Fevereiro de 2016, Processo n.º 01172/14, e de 20 de Fevereiro de 2019, Processo n.º 0901/11).

 

E não há motivo para alterar o entendimento então sufragado, que de seguida se procurará sintetizar.

 

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.

 

Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (Código do IRS, artigos 18.º, n.º 1, alínea h)), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (Código do CIRS, artigos13.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2).

 

Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código. 

 

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º 1, do citado Código.

 

No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”

 

Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

 

Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

 

A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo STA (acórdão de 28-09-2006, Processo n.º 0439/06).

 

Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Processo C-443/06 (Hollmann), declarou que “ O artigo 56º CE   deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

 

Foi na sequência dessa decisão, que o STA proferiu o já citado acórdão de 16-01-2008 (Processo 439/06), em que veio a decidir que “ O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”

 

Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:

 

“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

 

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.

 

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

 

Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

 

Com efeito, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, em decisão arbitral de 14-05-2013, Processo 127/2012-T, considerou-se que  “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário».

 

Essa orientação tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral, e, designadamente, nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T e 74/2019-T.

 

E no mesmo sentido se pronunciou o STA, no acórdão de 20-02-2019 (Processo n.º 0901/11), reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, e, portanto, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, em que se refere o seguinte:

 

“O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRC, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.

Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objeto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.

E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.

Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.

Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Processo 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.

 

Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas às liquidações impugnadas.

 

A Autoridade Tributária sustenta, todavia, que uma interpretação segundo  a qual a legislação nacional, após o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, continua a violar o artigo 63.º do TFUE consubstancia uma discriminação positiva que viola o princípio constitucional da igualdade e  o direito europeu.

 

No entanto, a consideração de que a norma do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS opera uma discriminação a nível de tributação em relação a não residentes é a que se mostra ser conforme com o direito europeu, segundo a própria jurisprudência do TJUE e, por outro lado, é essa interpretação que elimina a diferenciação de tratamento e restabelece um critério de igualdade na sujeição ao imposto, não podendo falar-se numa discriminação positiva, visto que o que está em causa é a liberdade de circulação de capitais e não um qualquer favorecimento da posição jurídica dos contribuintes não residentes.

 

Nestes termos, declara-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

6. Os Requerentes pedem o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

Essas disposições estabelecem que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

                  No entanto, no presente caso, apenas é feita prova de ter sido paga a quantia liquidada por parte dos primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e oitavo Requerentes, constatando-se que a sétima Requerente, G..., não procedeu ao pagamento voluntário da liquidação, tendo sido instaurado, em consequência, o competente processo de execução fiscal tendente à cobrança coerciva do imposto (alínea J) da matéria de facto).

 

Há, assim, fundamento para condenar a Administração no reembolso de imposto e na liquidação de juros indemnizatórios relativamente aos Requerentes que efetuaram a prova do pagamento do imposto devido, e não em relação à Requerente que não demonstrou ter realizado o pagamento, uma vez que a liquidação de juros indemnizatórios apenas tem lugar  em caso de pagamento indevido do imposto e desde a data desse pagamento, e, por identidade de razão, o reembolso apenas se justifica se o imposto tiver sido indevidamente  desembolsado .

 

Nestes termos, é procedente o pedido de condenação em reembolso de imposto e juros indemnizatórios em relação ao primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e oitavo Requerentes, e improcedente relativamente à Requerente G... .

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de IRS n.os 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020..., relativas ao ano de 2019, no valor parcial de € 92.761,71, correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;

b)           Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e oitavo Requerentes, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;

c)            Julgar improcedente o pedido de reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios relativamente à sétima Requerente, G... .

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 92.761,71, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 10 de Julho de 2021,

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

Marisa Almeida Araújo

 

O Árbitro vogal

Jesuíno Alcântara Martins