Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 724/2019-T
Data da decisão: 2020-12-08  IRC  
Valor do pedido: € 95.486,04
Tema: IRC – Gastos não documentados; Avaliação indireta.
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SUMÁRIO:

I.             O lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado.

II.            Os custos cuja existência possa ser confirmada mas cujo valor não possa ser directamente determinado por falta de documentação devem ser apurados por métodos indirectos, como decorre dos artigos 87.º, n.º 1, alínea b), 88.º e 90.º, n.º 1, alínea f), da Lei Geral Tributária.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 28 de Outubro de 2019, A..., Lda., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ... – ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, no valor de € 95.486,04:

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

a.            A violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva;

b.            A violação do princípio da legalidade;

c.            A violação do princípio da verdade material

d.            A violação do princípio da proporcionalidade e adequação.

 

3.            No dia 29-10-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Ex.ª Sr.ª Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como árbitro-presidente, e o Ex.º Sr. Dr. António Alberto Franco e a Ex.ª Sr.ª Dr.ª Maria Alexandra Mesquita, como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 18-12-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 17-01-2020.

 

7.            Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 20-01-2020, e por razões justificativas, foi aceite a renúncia às funções arbitrais da Ex.ª Sr.ª Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, e a sua substituição pelo ora relator, que aceitou a nomeação no prazo aplicável.

 

8.            Em 21-01-2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

9.            No dia 03-06-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta suscitando uma questão prévia e defendendo-se por impugnação.

 

10.          Por despacho de 05-06-2020, foi facultado à Requerente o contraditório relativamente à questão prévia suscitada pela Requerida.

 

11.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

12.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

13.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações eventualmente determinadas.

 

14.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente, é uma sociedade por quotas tributada pelo exercício da actividade de natureza comercial ou industrial, com o CAE 02200 (exploração florestal).

2-            Esta sociedade dedica-se essencialmente à actividade de exploração florestal, nomeadamente compra de madeira em lotes e troncos de árvores, extracção e venda da mesma, isto é, compra os lotes de árvores, subcontrata os serviços de outras empresas para o abate das mesmas e depois transporta-as para os clientes.

3-            A Requerente foi objecto de uma ação inspectiva a coberto das ordens de serviço externas n.ºs OI2018..., OI2018..., OI2018... e OI2018..., emitidas em 2018.10.01, nos termos do artigo 46.º do RCPITA, cujo procedimento inspectivo foi iniciado em 17-10-2018, com a assinatura das referidas Ordens de Serviço, e finalizado com a notificação do Relatório de Inspecção (RIT).

4-            Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:

 

5-            Em resultado das correcções efectuadas, foram emitidas as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2015, 2016 e 2017, respectivamente nos valores totais de € 32.067,80, € 32.889,88 e € 15.848,21.

6-            A ora Requerente deduziu Reclamação Graciosa – n.º ...2019... – contra as liquidações adicionais de IRC, pedindo a final a anulação das referidas liquidações.

7-            A ora Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, através de despacho de 03/07/2019 do Director de Finanças de ... (ofícios n.º ... e ... de 03/07/2019).

8-            Tendo terminado o prazo para o exercício do direito de audição, foi a Requerente notificada da decisão final do indeferimento, com despacho de 28/07/2019 do Director de Finanças de ..., e notificada à Requerente através dos ofícios n.º ... de 29/07/2019 e n.º..., igualmente de 29/07/2019.

9-            Da referida decisão consta, para além do mais, que:

“De facto, não se colocou em causa, em nenhum momento, que as operações não configurassem transações reais ou respeitassem a negócios simulados ou falsos, aliás, e tal como referido no RIT no Capítulo IX - análise do direito de audição, se essa situação estivesse em causa, o procedimento inspetivo teria desencadeado um processo crime, ou teria sido efetuado a coberto de um.”

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

i. da questão prévia

                A título prévio, vem a Requerida arguir que deveria a Requerente ter apresentado o pedido de pronuncia arbitral contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa.

                Como explica Carla Castelo Trindade , “Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação (...)”.

Deste modo a competência dos tribunais arbitrais tributários, tal como delimitada pelo RJAT, está limitada à apreciação dos actos elencados no art.º 2.º, n.º 1, daquele diploma, norma que toma como objecto da competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como elementos proporcionadores da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º, n.º  1, al. a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Daí que, em primeira linha, se esteja no processo arbitral tributário a sindicar a legalidade dos actos elencados no referido n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a (i)legalidade dos actos tributários de segundo e terceiro graus – cuja função principal no processo arbitral tributário é a de garantir a tempestividade da impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada (consequente ) da (i)legalidade daquele.

Assim, no processo arbitral tributário, os pedidos anulatórios dos actos de segundo e terceiro graus não constituirão pedidos autónomos, não concorrendo, por exemplo, para o cômputo do valor da causa, mas meros pedidos acessórios (idênticos ao pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, ou ao da atribuição de juros indemnizatórios), por constituírem um efeito necessário e automático da decisão anulatória, por força do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 24.º RJAT, bem como do art.º 172.º do CPA.

                Daí que não se reconheça razão à Requerida quando conclui ter a Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa.

*

ii. do fundo da causa

                Como se viu já, as questões que se apresentam a decidir, tal como formuladas pela Requerente, são as seguintes:

a.            A violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva;

b.            A violação do princípio da legalidade;

c.            A violação do princípio da verdade material

d.            A violação do princípio da proporcionalidade e adequação.

Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

Deste modo, seguir-se-á, na apreciação do presente caso, a ordem indicada pela Requerente.

 

*

                Relativamente à primeira questão suscitada pela Requerente, após prolixa e nem sempre linear exposição, acaba aquela por reconhecer que resulta claro que a contabilidade da Requerente não espelha de forma confiável o rendimento efectivo real .

                Nessa sequência, conclui a Requerente que a única forma de a AT ter conhecimento da matéria tributável correspondente ao rendimento do Requerente, ainda que presumido, seria através da aplicação de métodos indirectos, porquanto os factos invocados para proceder às correcções da matéria tributável, com recurso a métodos directos, não são válidos para esse fim e apontam em sentido oposto, pelo que terá sido incumprido o disposto nos art.ºs 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º da LGT.

                A propósito desta concreta questão, a Requerida, na sua resposta, não emite qualquer pronúncia.

                A questão em causa, reconduz-se, no fundo, a determinar se, verificados os respectivos pressupostos, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos é uma obrigação ou uma faculdade da Administração Fiscal. Ou seja, e dito de outro modo, se a determinação da matéria tributável por métodos indirectos é um poder vinculado ou discricionário.

 

*

                A propósito desta matéria, escreveu-se no Acórdão do TCA-Sul de 28-04-2016 que “a aplicação do método de avaliação indirecta pode configurar-se como um direito do contribuinte”.

                Também no Acórdão do TCA-Norte de 29-05-2014, proferido no processo 00018/02-Mirandela, se escreveu que “O lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado”.

                No acórdão do mesmo Tribunal superior, de 11-01-2013, proferido no processo 00739/05.4BEPRT, esclareceu-se já que “A administração tributária só tem o dever de recorrer a métodos indiretos para presumir custos não declarados e não documentados se a sua existência for evidenciada ou demonstrada e o seu valor não puder ser diretamente determinado”.

                Podendo, ainda, ler-se neste último aresto:

“A este respeito, deve assinalar-se que, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. O que significa que, na avaliação direta ou indireta da matéria tributável de uma empresa individual ou coletiva (o dispositivo também se aplica a rendimentos comerciais, industriais e agrícolas de pessoas singulares), a administração tributária deve procurar o rendimento realmente auferido. Sendo que a aferição dos créditos realmente verificados no seio da empresa se deve fazer considerando tanto as componentes positivas da riqueza gerada como as suas componentes negativas.

Não se aceita, por conseguinte, uma interpretação das regras de incidência respetivas ou de determinação da matéria coletável que suporte a desconsideração de custos evidenciados, apenas porque não estão documentados. Ao invés, deve entender-se que a exigência de documentação do custo tem em vista precisamente a sua confirmação e que a administração tributária não pode desconsiderar os custos indocumentados cuja ocorrência seja apurada ou constitua uma incontornável evidência. Dizendo de outro modo: à luz deste princípio, deve entender-se que a não dedutibilidade de custos indocumentados – atualmente consignada no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aplicável aos rendimentos empresariais das pessoas singulares por força do artigo 33.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – diz respeito aos custos cuja existência não possa ser confirmada por falta de documentação.

Por outro lado, os custos cuja existência possa ser confirmada mas cujo valor não possa ser diretamente determinado por falta de documentação devem ser apurados por métodos indiretos, como decorre do artigo 90.º, n.º 1, alínea f), da Lei Geral Tributária.

Ora, o que o Recorrente veio dizer ao tribunal foi precisamente que a administração tributária incorreu em erro na interpretação daqueles preceitos ao considerar os proveitos omitidos sem ter em conta os custos necessários para os gerar, apenas porque não estão documentados.

No entanto, a administração tributária só poderia ter incorrido em tal erro ao desconsiderar custos cuja existência confirmou ou deveria ter confirmado à face dos elementos que apurou.”.

 

*

                Também aqui se seguirá de perto os entendimentos jurisprudenciais expostos.

                Efectivamente, julga-se que quer a determinação da matéria colectável por métodos directos, quer a determinação daquela matéria por métodos indirectos, são poderes vinculados da Administração Fiscal.

                A este propósito, de resto, deve notar-se que, em caso algum se podem verificar os pressupostos de aplicação de ambos, em termos de se poder configurar a possibilidade de à Administração Tributária ser deferido um poder de escolha, entre a aplicação de um e de outro.

                Efectivamente, e nos termos do art.º 83.º, n.º 1 da LGT, é pressuposto impreterível da avaliação directa “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, sendo, correspectivamente, igual pressuposto da avaliação indirecta, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, al. b), da mesma Lei, para além do mais, a “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

                Daí que, ou efectivamente, é possível “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, ou se verifica a “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável d[o] imposto”.

                Verificada a primeira das situações, será ilegal a aplicação de métodos indirectos.

                E, verificada a segunda daquelas descritas situações, será, evidentemente, ilegal a aplicação de métodos directos, na medida em que, necessariamente, em tal situação, não é possível “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”.

                Daí que, e em suma, em consonância com a jurisprudência atrás citada, se julgue que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado.

 

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                Descendo ao caso concreto, verifica-se que a AT, no caso, não tem dúvida da existência de custos suportados pela Requerente, subjacentes às facturas que desconsiderou.

                Nesse sentido, a Requerida admite mesmo que “não se coloca em crise a efetiva realização das operações que as faturas titulam” , tendo o mesmo sido reconhecido em sede de decisão da reclamação graciosa, onde se pode ler que “De facto, não se colocou em causa, em nenhum momento, que as operações não configurassem transações reais ou respeitassem a negócios simulados ou falsos”.

                Ou seja: a própria AT não questiona a efectividade de operações nas quais a Requerente incorreu em custos, mas, não obstante, não considera, por qualquer forma, tais custos, que admite terem ocorrido, no cômputo da matéria tributável que opera.

                Se, como entendeu a AT, não era possível a consideração de tais custos no quadro da avaliação directa, então, necessariamente, que esta não permite “a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, ou seja, a “quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável d[o] imposto”, uma vez que deixa de fora do cálculo do imposto, custos que, assumidamente, se verificaram.

                Citando o Acórdão do TCA-Norte de 11-01-2013, acima referido, “os custos cuja existência possa ser confirmada mas cujo valor não possa ser diretamente determinado por falta de documentação devem ser apurados por métodos indiretos, como decorre do artigo 90.º, n.º 1, alínea f), da Lei Geral Tributária”.

                Deste modo, e pelo exposto, ao não proceder a AT da maneira indicada, determinando os custos que considerou que não podiam ser directamente determinados, por insuficiente documentação, mas que não duvidou terem existido, através da avaliação indirecta, apartando-os do cálculo da matéria tributável da Requerente, e não procedendo, consequentemente, à “determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, e à “quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável d[o] imposto”, enfermam as liquidações objecto da presente acção arbitral em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo por isso ser anuladas, e procedendo, dessa forma, o pedido arbitral.

                Face ao decidido, fica precludido o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)            Anular os actos de liquidação de IRC e juros compensatórios, com os n.ºs 2019..., 2019... e 2019...;

b)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 95.486,04, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Dezembro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(António Alberto Franco)

 

O Árbitro Vogal

(Maria Alexandra Mesquita)