Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 723/2020-T
Data da decisão: 2021-06-27  ISP  
Valor do pedido: € 59.956,95
Tema: Contribuição Extraordinária para o Setor Energético (CESE): natureza jurídica; Constitucionalidade.
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 SUMÁRIO

 

I- A CESE reveste a natureza jurídica de contribuição financeira.

II – Mesmo admitindo estar em causa um tributo sujeito ao regime jurídico dos impostos, a sua criação e manutenção em vigor não ofenderiam os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da segurança jurídica, da proporcionalidade da lei, nem o princípio orçamental da não-consignação.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., S.A., NIPC..., com sede em ..., ..., ...-... ..., apresentou, nos termos legais, pedido de constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I - RELATÓRIO

A)           O pedido

 

A Requerente peticiona a anulação da autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) relativa ao ano de 2019, no montante de € 59.956,95.

 

1-            Posição das partes

 

A Requerente sustenta que a CESE tem, hoje, carácter essencialmente unilateral, pelo que lhe é aplicável o regime constitucional dos impostos.

Partindo deste pressuposto, imputa à CESE (considerando o regime vigente após diversas alterações legislativas, nomeadamente as introduzidas pela LOE 2019) os seguintes vícios de inconstitucionalidade (nº 331 do requerimento inicial):

-  violação do princípio da tributação pelo lucro real,;

- violação do princípio da segurança jurídica, na sua vertente de proteção da confiança;

 - violação do princípio da proporcionalidade;

- violação do princípio da não-consignação orçamental.

 

Na sua resposta, a Requerida:

- exceciona, alegando a incompetência material do tribunal arbitral (CAAD), por assumir que a CESE tem a natureza de contribuição financeira e pressupor que tal competência, por força do disposto no RJAT (art. 2.º e 4.º) e na “Portaria de Vinculação” (art. 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT.

- entende que, mesmo admitindo existirem normas integrantes do regime da CESE materialmente inconstitucionais, a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com tal fundamento, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 3.º,  n.º 1, do CPA e 55.º da LGT.

- sustenta que a CESE não é materialmente inconstitucional, não ofende quaisquer dos princípios constitucionais invocados pela Requerente, concluindo pela improcedência total do pedido.

 

B)           Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 03-12-2020.

 A Requerente não procedeu à indicação de árbitro, tendo a sua designação (árbitro singular) competido ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição.

O árbitro designado aceitou tempestivamente a nomeação.

 O tribunal arbitral ficou constituído em 03-05-2021.

 Por despacho arbitral de 01-06-2021, foi decidido prescindir da realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, por falta de objeto, e não haver lugar a alegações por as questões a apreciar serem exclusivamente de direito e as partes terem bem expressado os seus entendimentos nos respetivos articulados.

As partes não se opuseram a tal despacho, tendo a Requerente apresentado um requerimento suplementar concretizando as conclusões já constantes do seu requerimento inicial.

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal encontra-se regularmente constituído. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas. A ação é tempestiva .O processo não enferma de nulidades.

 

II. 1 – Competência em razão da matéria

 

É jurisprudência pacífica que a competência em razão da matéria de um tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, independentemente do mérito ou demérito da pretensão deduzida. É na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer (ac. STJ proc. 3777/08, de 06/05/2010).

 

A Requerente sustenta que, em razão da evolução legislativa mais recente, a CESE se tornou um tributo essencialmente unilateral, como tal sujeito ao regime jurídico dos impostos; e que, enquanto imposto, algumas das suas normas ofendem vários princípios constitucionais.

Sendo esta causa de pedir e o pedido o de anulação de uma liquidação relativa a um tributo havido, pela Requerente, como sendo imposto, resulta da lei (arts. 2.º e 4.º do RJAT e artº 2 da Portaria de Vinculação) a competência material dos tribunais arbitrais (CAAD) para conhecer do presente litígio.

A natureza jurídica da CESE (se deve continuar ou não a ser qualificada como contribuição financeira) é uma questão de direito com relevo para a apreciação do mérito da causa, implica uma conclusão fundamentadora da decisão arbitral, mas não pode ser assumida como um dado apriorístico que, por si só, obste à prolação de uma decisão de mérito.

Improcede, pois, a alegada exceção.

 

Não havendo mais exceções de que cumpra conhecer, há que apreciar o mérito da causa.

 

 

III – PROVA

III.1 - Factos provados

 

a)            A Requerente é uma sociedade que detém um centro electroprodutor, com recurso a fontes de energia renovável

b)           A Requerente autoliquidou a CESE relativa ao ano de 2019, no montante de € 59.956,95, tendo procedido ao pagamento de tal valor.

c)            A Requerente apresentou, a 26.03.2020, a reclamação graciosa necessária de tal autoliquidação, a qual foi expressamente indeferida.

 

Os factos provados resultam da documentação junta aos autos, não tendo sido objeto de controvérsia.

 

III.2 - Factos não provados

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

 

 

IV- O DIREITO

 

Identificadas acima as causas de pedir, as questões sobre as quais a Requerente pede a pronúncia do tribunal arbitral, notamos que a este é vedado conhecer de outros vícios (incluindo de inconstitucionalidade) de que, eventualmente, considere enfermar a CESE, sob pena de excesso de pronúncia - art.º 125º, n.º 1, parte final do CPPT.

 

Em primeiro lugar, há que salientar que, em acórdão relativamente recente (ac. 7/2019, de 8 de janeiro), o Tribunal Constitucional, não sufragando o entendimento da então recorrente  de que a CESE reveste a natureza de imposto, concluiu estar em causa uma contribuição financeira.

Citamos: Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.

O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.

(…)

Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.

(…)

E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral.

(…)

As contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».

Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida.

 

O árbitro signatário não pode deixar de partilhar esta conclusão do Tribunal Constitucional de que a CESE revestia a natureza de contribuição financeira, desde logo porque subscreveu a decisão arbitral subjacente ao recurso que conduziu à prolação de tal acórdão, onde se concluiu, também, por tal natureza . Sendo que – cumprirá desde já esclarecer – as alterações legislativas posteriores a 2014 não lhe parecem suficientes para alterar esse entendimento.

Não obstante, porque o quadro legislativo se alterou e são, em parte, diferentes os «vícios de inconstitucionalidade» invocados pela ora Requerente, apreciar-se-ão as diferentes causas de pedir.

 

a)            Violação do princípio da tributação pelo lucro real

 

A Requerente sustenta que a incidência real da CESE, tal como prevista no art.º 3º. n.º 1, do respetivo regime, viola o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

 

O TC, no seu já citado acórdão 7/2019, em razão da natureza de contribuição financeira que reconheceu a este tributo, considerou precludida a análise dos argumentos da então recorrente que sustentavam a inconstitucionalidade das normas que criaram e estabeleceram o regime da CESE à luz de princípios constitucionais que regulam os impostos, como   a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real.

 

Não obstante se partilhar tal conclusão, sempre se acrescentará o seguinte:

Independentemente da natureza jurídica que se atribua à CESE (imposto, contribuição especial, contribuição financeira), a conclusão seria sempre a mesma, ou seja, a de que a existência deste tributo não importa qualquer violação do princípio da tributação pelo lucro real.

Muito embora a quantificação do lucro tributável seja, em última análise o resultado da aplicação das pertinentes normas, contabilísticas e fiscais, o CIRC apresenta um referencial da manifestação de riqueza que pretende tributar, que se tem por suficiente para o ora em causa: o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no exercício do período de tributação (art.º 3º, n.2 do CIRC). Está em causa a noção (económica) de rendimento-acréscimo.

Ora, a incidência real da CESE é   o valor de determinados elementos do ativo dos sujeitos passivos, como, aliás, reconhece a Requerente.

Assim sendo, certo é que a CESE, independentemente na natureza jurídica que se considere ter, não incide sobre o lucro.

Admitindo por mera hipótese – que não se partilha - estarmos perante um imposto (ou uma contribuição especial), a capacidade contributiva decorreria da propriedade de determinados bens (do valor destes), independentemente do facto de gerarem ou não rendimento. Estaríamos sempre perante um imposto (ou um tributo sujeito ao regime legal dos impostos) incidente sobre o património, pelo que o princípio da tributação pelo rendimento real nunca estaria em causa.

Acresce que as empresas, para além da sua sujeição a IRC, estão sujeitas a impostos sobre o património (caso do IMI) e que esta dualidade de tributos nunca foi tida por inconstitucional, sendo aliás inerente à “lógica” de um sistema fiscal.

É certo que a inexistência de “compabilização” entre a CESE e o IRC pode suscitar reparos, mesmo de índole constitucional. Porém, a Requerente não os invoca, pelo que ao Tribunal está vedado o seu conhecimento oficioso.

 

Improcede, pois, este vício de inconstitucionalidade.

 

b)           Violação do princípio da segurança jurídica

 

A Requerente alega violação do princípio da segurança jurídica por a CESE ter sido anunciada como sendo um tributo extraordinário e ter, em razão da sua permanência, deixado de revestir tal carácter.

Trata-se de um vício de que o referido acórdão do TC, deliberadamente, não conheceu porquanto a análise que efetuou se situava, temporalmente, no primeiro ano de vigência da CESE.

 

Apreciando:

Assumimos, como ponto de partida, a jurisprudência consolidada, quer do TC (nomeadamente, o ac. n.º 309/2018, quer do STA, sobre a prevalência do princípio constitucional da segurança jurídica, em termos de afastar a aplicação da lei ordinária.

Tal prevalência pressupõe – com a própria Requerente refere – a verificação cumulativa de quatro requisitos: : (i) que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; (ii) as expectativas criadas devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii), devem os contribuintes ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual;  (iv) não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

Começamos por notar que a factualidade subjacente às decisões jurisprudenciais, que nos servem de referência, consiste na existência de medidas fiscais favoráveis aos sujeitos passivos (benefícios fiscais), que, «inopinadamente», foram revogados.

O que não é, manifestamente, o que a Requerente invoca relativamente à CESE. A questão que coloca é, de certo modo, inversa, pois o que questiona é continuidade de um tributo assumido pelo legislador, aquando da sua criação, como sendo extraordinário.

 

Ora, mesmo admitindo a existência de uma expetativa legítima (que teria que ser juridicamente protegida, o que consideramos não ser o caso) quanto à revogação da CESE, o certo é que a Requerente não alega quaisquer factos capazes de integrar o terceiro dos mencionados pressupostos, ou seja, que o tenha adotado um qualquer seu comportamento ditado pela expetativa da revogação da CESE que tenha resultado frustrado em razão da continuidade deste tributo.

Falta assim a alegação de factos suscetíveis de integrar o terceiro dos requisitos acima enumerados, pelo que improcede a arguição deste vício de inconstitucionalidade.

 

c) Violação do princípio da proporcionalidade, nas respetivas vertentes enquanto necessidade e proibição do excesso.

 

A Requerente, no nº 363 do requerimento inicial, citando Filipe de Vasconcelos Fernandes, afirma: se, pese embora a criação da CESE, e não obstante a ausência reiterada de transferência de receitas do FSSSE para o SEN, o volume da dívida tarifária tem sofrido uma efetiva redução e consequente inversão da trajetória anterior, encontrando-se atualmente numa fase descendente, será legítimo indagar em que termos o tributo em causa é efetivamente necessário, enquanto solução estrutural, mormente atendendo à «condição de extraordinariedade» sobre a qual radicou a sua criação.

 

A interrogação é legítima, em contexto doutrinário e de política fiscal, mas – repetimos - não cabe a este tribunal apreciá-la em outros termos que não os da invocada violação do princípio da proporcionalidade.

A Requerente sustenta, em suma (389 do requerimento inicial), que não existe mais o contexto de excecionalidade que poderia justificar (constitucionalmente) a criação e vigência da CESE e que não surgiu um novo contexto de excecionalidade capaz de justificar a sua continuidade.

               

Importa começar por salientar que, sendo a CESE, segundo o entendimento do TC no acórdão citado, uma contribuição financeira, a sua legitimidade assenta na existência de um benefício grupal, tal qual ficou expressamente afirmado em tal aresto (ver transcrição acima). O que – ainda que contraditoriamente com a afirmação legislativa da excecionalidade deste tributo – leva a concluir pela legitimidade da manutenção em vigor deste tributo por tal «benefício grupal» não ter, ele próprio, natureza excecional.

 

Mas, mesmo partindo do entendimento da Requerente – que não sufragamos - de se estar perante um tributo com a natureza de imposto, cuja justificação última seria a necessidade (excecional) de redução do défice tarifário, temos que tal necessidade se mantém bem presente. Apesar de ter conhecido alguma redução, relativamente a 2015 e 2016, o défice tarifário, segundo o noticiado pela imprensa, rondaria em 2020 os 2,7 mil milhões de euros.

Pelo que – mesmo assumindo os pressupostos adotados pela Requerente - continua presente a circunstância que levou á criação deste tributo, pelo que a sua manutenção em vigor nunca resultaria ofensiva de princípio da proporcionalidade, nas vertentes de necessidade e proibição do excesso (legislativo).

 

Sustenta, ainda, a Requerente que a eliminação da isenção que se encontrava prevista para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis, em vigor há cinco anos, também viola o princípio da segurança jurídica, na sua vertente enquanto proteção da confiança.

 

Temos dificuldade em compreender este argumento: uma das caraterísticas próprias dos benefícios fiscais é a sua precariedade (nesse sentido, cfr. o art.º 3 do EBF).

Os benefícios fiscais, nomeadamente os «dinâmicos», são exceções às regras normais de tributação, cuja manutenção depende - deve depender- de uma periódica revisão da atualidade e prevalência das razões extra fiscais que o motivaram a sua criação, bem como da reanálise periódica do seu custo/benefício.

A criação e manutenção de benefícios fiscais são opções do legislador ordinário, de política fiscal, que – respeitados que sejam os princípios constitucionais – não são passível de sindicância judicial.

O certo é que nunca a revogação de um benefício fiscal pode ser havida como violação do princípio da segurança jurídica, na sua vertente de proteção da confiança, pela simples razão que, pelas razões sumariamente apontadas, nunca se poderá falar de um “direito” ou de “uma expetativa juridicamente protegida” à manutenção em vigor de um benefício fiscal, pelo menos dos de carácter não estrutural.

 

Improcedem, pois, os alegados vícios de inconstitucionalidade.

 

c)            Violação do princípio da não-consignação

 

Esta questão foi apreciada pelo TC, no acórdão já citado, nos seguintes termos: relativamente à consignação de receitas, uma vez encontrada no caráter sinalagmático da relação entre a sujeição ao tributo e a prestação/benefício presumido para o sujeito passivo, a razão para o lançamento daquele e, tendo em conta o que vem de ser dito sobre o equilíbrio da adoção deste tributo, devendo a bilateralidade identificada ser considerada como argumento suficientemente atendível, então, há que concluir que também a opção pela consignação desta receita, que é por lei, em si mesma, excecional, não merece censura, não pondo em causa o princípio da equivalência ou da proporcionalidade.

 

Embora partilhando tal afirmação, assumindo, mais uma vez, o entendimento da Requerente de ser a CESE um tributo com as caraterísticas de imposto, teríamos que concluir que, sendo um tributo excecional (o que, como vimos, não implica o ter já acontecido a sua revogação), configuraria uma das exceções que, doutrinariamente, se admitem relativamente ao princípio da não consignação (como referido pela própria requerente no seu requerimento inicial).

Acresce que, em nosso entender, a alegada «inconstitucionalidade indireta», resultante da pretensa violação do princípio orçamental da não consignação, nunca seria capaz de ferir a legitimidade constitucional a criação de um imposto (ou de um tributo com a mesma natureza), porquanto a «inscrição orçamental» é uma (outra) questão logicamente situada à jusante da criação do tributo que irá gerar tal receita.

Improcede, pois, o alegado vício de inconstitucionalidade.

 

V -Decisão

 

Pelo exposto, decide-se pela total improcedência do pedido principal e, consequentemente, pela improcedência do pedido relativo ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor: € 59.956,95.

 

Custas pela Requerente, uma vez que foi total o seu decaimento (art. 12º do RJAT)

 

27 de junho de 2021

 

O árbitro

Rui Duarte Morais