Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 720/2020-T
Data da decisão: 2021-10-29   
Valor do pedido: € 21.452,02
Tema: IVA - Anulação de Liquidação de juros; inutilidade superveniente da lide
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Sumário:

I – Considerando a causa de pedir e o pedido formulado pelos Requerentes no pedido arbitral e a redução posterior do pedido, formulada na reunião do artigo 18º do RJAT, conclui-se que o objeto do processo que subsistiu se reduz à ilegalidade de liquidações de juros compensatórios, todas consequentes das mesmas liquidações de imposto (IVA) que se encontram impugnadas num outro processo arbitral, em relação às quais a requerente veio a apresentar a redução do pedido.

II- Ora, assim sendo, face à concreta situação dos presentes autos, também não faz sentido manter o pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios, pois que, elas terão necessariamente de ser anuladas se vier a ser considerado procedente o pedido formulado no processo 488/2020-T. Conclui-se que o objeto dos presentes autos se tornou inútil, porquanto sendo as liquidações de juros compensatórios uma consequência das liquidações impugnadas nesse outro processo, nenhum sentido útil se extrai da sua anulação nestes autos, já que não se afigura possível nem adequado ser este tribunal a decidir sobre a eventual ilegalidade de liquidações de juros compensatórios, as quais são por natureza, obrigações acessórias das liquidações de imposto que estão da sua base.

III - Verifica-se, pois, no caso concreto dos presentes autos uma causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que sucede sempre que o seu objeto deixa de existir ou sempre que, por outra razão, a sua continuação se revele impossível ou desprovida de utilidade.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 02-12-2020, A..., SA, sociedade comercial com o NIPC nº..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...., ..., ...-... Paço de Arcos (doravante designada por Requerente), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante RJAT) e do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. O pedido arbitral tem por objeto a impugnação e anulação das seguintes liquidações de Imposto sobre o valor Acrescentado (IVA):

- Liquidação nº 2020 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2019/12;

- Liquidação nº 2020 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios referente ao período 2020/01;

- Liquidação nº 2020 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios referente ao período de 2020/05;

- Liquidação nº 2020 ..., referente ao período 2020/06.

 

No valor total de €21.452,02, correspondente ao valor de €21.087,41 relativo a IVA, acrescido do montante total de €364,61 de juros compensatórios.  

 

  1. A Requerente não se conforma com estas liquidações que alega padecerem de ilegalidade.

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 02-12-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 03-12-2020 e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou, em 25-01-2021, como árbitro do tribunal arbitral singular, a ora signatária, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 03-05-2021. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

  1. A AT apresentou Resposta em 07-06-2021, na qual alega a exceção de litispendência, por se encontrar em curso um outro pedido de pronúncia arbitral no CAAD (como bem refere a própria Requerente no pedido arbitral) para anulação das liquidações oficiosas de IVA, resultantes da mesma ação inspetiva. Assim, alega a Requerida que as liquidações de juros impugnadas nestes autos terão o mesmo destino das liquidações de imposto já previamente impugnadas no processo nº 488/2020-T, a correr termos em tribunal arbitral. Juntou aos autos Processo Administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral proferido e notificado às partes no dia 05-07-2021, foi agendada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, para o dia 21-10-2021, pelas 14 horas e 30 minutos.

 

  1. Na data prevista realizou-se a reunião prevista no artigo 18ºdo RJAT. Iniciada a reunião, no uso da palavra, a representante da Requerente declarou pretender ditar para a ata o seguinte requerimento:

 

“Verificando-se que o que está em apreciação nos presentes autos se reporta às notas de liquidação identificadas no artigo 7.º do requerimento inicial que consubstanciam liquidação de juros compensatórios referentes a atos de liquidação de IVA de 2016, que estão a ser objeto de apreciação neste tribunal sob o número 488/2020-T, requer a retificação do pedido formulado nos seguintes termos: Nestes termos requerer-se a V. Exa. Que se digne a declarar a ilegalidade das liquidações referidas no artigo 7.º do requerimento inicial relativas a liquidações de juros compensatórios, com a sua consequente anulação, tudo com as necessárias consequências legais.”

 

Igualmente, no uso da palavra, o representante da Requerida declarou pretender ditar para a ata o seguinte requerimento:

“A Autoridade Tributária prescinde do prazo de vista e pronuncia sobre o requerimento da Requerente dizendo o seguinte:

- Desde logo, a pretensão da Requerente é desistir de parte do pedido;

- A parte do pedido que permanece para apreciação do Tribunal prende-se apenas com juros;

- Tem sido entendimento do Tribunal apreciar as liquidações de juros, no entanto sempre com relação à apreciação de atos de liquidação de imposto;

- Tem a Requerida também conhecimento de que noutros casos em que se verifique uma inutilidade superveniente da lide relativamente a atos de liquidação de imposto, alguma jurisprudência, não maioritária, entende ainda assim que o CAAD mantem a competência para apreciação do pedido de juros;

- No entanto, no caso em apreço, o que se verifica é que a ser deferida a pretensão da Requerente o pedido passar-se-á a conter na apreciação de juros compensatórios, como se assim tivesse sido desde que o PPA foi proposto;

- Assim, entende a Requerida que um PPA proposto com a mera pretensão de ver apreciadas liquidações de juros sem que sejam apreciados os subjacentes atos de liquidação de imposto, não está prevista no artigo 2.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, pelo que a aceitar-se a pretensão da Requerente desde já se invoca a exceção de incompetência material do tribunal porquanto os presentes autos deixam de ter por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração esteja acometida à Requerida.”

 

A representante da Requerente, pediu a palavra e declarou pretender ditar para a ata outo requerimento: “A Requerente entende que a exceção ora deduzida de incompetência material deste Tribunal é extemporânea devendo ter sido alegada em sede de resposta, alias, onde a Requerida invocou a exceção de litispendência. Ou seja, a Requerida ao invocar a referida exceção de litispendência entendeu que só estava em causa a apreciação de juros, conforme artigos 39.º a 41.º da Resposta, tendo também aí, nessa sede, invocado incompetência deste Tribunal com base em outros pedidos formulados em sede de PPA e nunca pela questão agora levantada.  Assim sendo e tendo este Tribunal sido constituído e tendo-se declarado competente para apreciação dos atos em causa deverá a presente exceção ser considerada improcedente.

 

Contraditando, tomou a palavra o representante da Requerida que declarou pretender ditar para a ata outro requerimento: “Na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT vem a Requerente deduzir pretensão ainda não deferida relativamente à redução do pedido, em sede de resposta apresentada relativamente ao pedido inicial, apresentou a Requerida a sua defesa, nomeadamente arguindo as exceções que teve por conveniente, tendo em conta o pedido inicialmente apresentado. Agora, da pretensão da Requerente de deduzir o pedido, salvo melhor opinião, resultará se vier a ser deferido, o que se desconhece, uma nova exceção. O facto de a Requerente vir arguir a extemporaneidade da alegação por parte da Requerida da dita exceção que resultará apenas e se o requerimento da Requerente vier a ser deferido, mais não seria senão inviabilizar a defesa da Requerida por extemporânea relativamente a uma realidade que ainda não ocorreu. Certamente deveria a Requerida nos seus quadros para além de economistas, juristas e demais técnicos, dispor de alguns videntes para conseguir prever quais seriam os acontecimentos futuros a que antecipadamente teria de apresentar defesa. Entende a Requerida que a conduta do Requerente comporta uma omissão grave do dever de cooperação consubstancia litigância de má-fé prevista no n.º 1 do artigo 542.º do CPC, aplicável ex vi do CPPT e, aplicável ex vi do RJAT.

Termos em que e com o douto suprimento de V. Exa. Deverá a Requerente ser condenada em litigância de má-fé.

 

  1. Terminadas as intervenções das partes, pelo Tribunal foi proferido o seguinte despacho:

 

“Nos termos do artigo 16.º, alínea c) do RJAT o Tribunal Arbitral tem ampla autonomia na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção em prazo razoável de uma pronuncia de mérito sobre as pretensões formuladas, ao que acresce o disposto no artigo 18.º do mesmo diploma legal quanto à realização da reunião ai prevista a qual tem por objeto, entre outros, definir a tramitação processual a adotar em função das circunstancias e complexidade do processo, bem assim como ouvir as partes quanto a eventuais exceções de que seja necessário apreciar e decidir antes do conhecimento do pedido. Posto isto e considerando os requerimentos que antecedem, aqui apresentados pelas partes e o contraditório que se seguiu e que fica registado em ata o Tribunal decide;

a) Deferir o pedido da Requerente para redução do pedido arbitral inicialmente formulado, nos termos e com os fundamentos apresentados nesta reunião e que constam da ata;

b) Em obediência do princípio do contraditório, decide igualmente aceitar a alegada exceção de incompetência do Tribunal, nos termos formulados pela AT, em consequência do requerimento de redução do pedido apresentado nesta reunião, pelo que a invocação de exceção de incompetência material não se afigura extemporânea tendo sido apresentada em resposta ao requerimento anterior da Requerente.

 

  1. De seguida o Tribunal fixou o prazo de 10 dias para a Requerente se pronunciar sobre o pedido de litigância de má-fé aqui deduzido pela AT. Foi ainda determinado que a matéria de exceção bem assim como o pedido de condenação alegada nos autos será decidida na decisão arbitral a proferir no prazo de 30 dias. Posteriormente, por despacho o tribunal esclareceu que a decisão seria disponibilizada no prazo previsto no artigo 21º, nº1 do RJAT, ou seja até 3-11-2021.

 

 

Questões a decidir:

 

  1. Considerando a causa de pedir e o pedido arbitral iniciais e as alterações requeridas e decididas na reunião realizada ao abrigo do artigo 18º do RJAT, como consta da respetiva ata (que se dá por integralmente reproduzida), subsistem as seguintes questões a decidir:
    1.  Exceções invocadas pela AT;
    2. A (i)legalidade das únicas liquidações subsistentes após a redução do pedido apresentado pela Requerente, ou seja, as liquidações de juros compensatórios;
    3. O pedido de condenação da Requerente por litigância de má-fé.

 

 

II – SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Com relevância para as questões a decidir, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A requerente apresentou pedido arbitral para anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios a seguir indicadas:

- Liquidação de IVA nº 2020 ... e respetivos juros compensatórios, referente ao período de 2019/12;

- Liquidação nº 2020 ... e respetivos juros compensatórios, referente ao período de 2020/01;

- Liquidação nº 2020 ... e respetivos juros compensatórios, referente ao período de 2020/05;

- Liquidação nº 2020 ... e respetivos juros compensatórios, referente ao período de 2020/06.

 

  1. O valor total do imposto liquidado é de €21.087,41, acrescido de €364,61 de juros compensatórios, o que totaliza o valor global de €21.452,02.
  2. Estas liquidações adicionais de imposto, resultaram das conclusões dos SIT, na ação inspetiva externa, de âmbito parcial, efetuada ao abrigo da ordem de Serviço n.º OI2017..., como consta do RIT, junto ao processo administrativo que se dá por integral mente reproduzido.
  3. Em resultado da referida ação inspetiva, foi a Requerente notificada das liquidações de IVA aqui identificadas e respetivos juros compensatórios;
  4. Todas estas liquidações (de IVA e respetivos juros compensatórios tiveram origem no mesmo RIT, nas mesmas circunstâncias de facto e na mesma interpretação do direito aplicável ao caso concreto
  5. Do respetivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, destaca-se a fundamentação constante do texto que a seguir se transcreve:

 

 

 

 

  1. No RIT, consta ainda que:

Os Serviços de Inspeção Tributária, por um lado, nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante da al. 1) do artigo 9.º do CIVA,

E, por outro lado, consideraram os serviços de nutrição em apreço acessórios dos serviços de ginásio e, assim, com o mesmo enquadramento destes, em sede de IVA.

Perdoe-se a repetição, mas destaca-se, o constante do RIT, relativamente à (in)aplicabilidade da isenção, aos serviços em apreço:

De resto, que foi esta (a falta de finalidade terapêutica nos serviços), também, a fundamentação das correções, não deve caber dúvida, senão vejamos, ao diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde", como forma de excluir os serviços de nutrição da isenção por não terem por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.” (nossos destaques)

Para, depois de alegar que “Se o legislador pudesse e quisesse prever as situações em que pretende excecionar a aplicação da isenção tê-lo-ia feito, mas apenas condicionou a aplicação da isenção à prestação do serviço por profissionais com qualificações para o efeito.”,

“Refere a AT na página 23 do Relatório "Caso os serviços não se insiram no conceito de prestação de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passiveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA".”(nossos destaques)

“Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são efetivos e mesmo que não fossem não seriam desqualificados para efeitos de aplicação da isenção da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.»

  1. Os mesmos atos de liquidação oficiosa de IVA, com exceção das liquidações referentes aos juros compensatórios, estão a ser objeto de apreciação no processo arbitral nº 488/2020-T, prévio ao dos presentes autos;
  2. Em 21-09-2021, a Requerente solicitou a redução do pedido, restringindo-o apenas às liquidações de juros compensatórios.
  3. Em 21-08-2020 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

  1. A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente, toda a prova documental recolhida e constante do processo administrativo-

Acresce que todos os factos mencionados, foram confirmados pelo teor da resposta da AT, bem assim como do PA que juntou aos autos. Em divergência está apenas a consequência jurídica a extrair dos factos mencionados.

Importa, ainda, referir que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Resulta, por último, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.

 

 

B. DO DIREITO

B.1. Das exceções invocadas pela AT: litispendência e incompetência material do tribunal arbitral

 

  1. A Requerida AT alegou na sua resposta a exceção de litispendência, porquanto como se infere da posição da Requerente exposta no pedido arbitral a sua pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios, identificadas na matéria assente, tem como fundamento a apreciação das conclusões do RIT resultante da OI2017..., que culminou nas liquidações impugnadas.

Sucede que as mesmas liquidações oficiosas de imposto (IVA) se encontram em apreciação num processo arbitral, com registo de entrada anterior ao presente pedido arbitral, o qual se encontra em curso com o nº de processo 488/2020-T, no qual a Requerente peticionou a anulação das mesmas liquidações.

A própria Requerente veio a reconhecer esta situação, requerendo a redução do pedido, a qual foi decidida já favoravelmente na reunião do dia 21-09-2021, realizada ao abrigo do artigo 18º do RJAT.

Chegados aqui, cumpre dizer que, embora a exceção de litispendência invocada pela AT tivesse óbvia sustentação, o que impunha a sua procedência, esta questão ficou ultrapassada nos termos sobreditos, ou seja, com a redução do pedido e a desistência do mesmo quanto às liquidações de IVA, a base fundamentadora da alegada litispendência deixou de existir. Nesse sentido não se verifica, nesta fase do processo, a alegada exceção.

Face ao que vem exposto resulta, como bem alega a AT, «que não há dúvida que se a decisão nesse processo vier a ser a de anular as ditas liquidações, caberá à requerida AT proceder à reposição que existiria, se não se tivessem verificado aquelas liquidações. Alegando a Requerente que as liquidações aqui em apreço decorrem daquela ação de inspeção, por maioria de razão, decorrerão do sistema de conta corrente do IVA, que implica que, reduzindo-se o crédito de imposto em determinado período, se influencie, todos os períodos subsequentes, na medida do que haja sido decrescido. Assim, caso proceda o Processo 488/2020-T, será reposto o valor na conta corrente dos vários períodos de 2016 e isso, determinará as respetivas alterações nos períodos subsequentes.»

 

  1. Pelo que, face à concreta situação dos presentes autos, também não faz sentido manter o pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios, pois que, elas terão necessariamente de ser anuladas se vier a ser considerado procedente o pedido formulado no processo 488/2020-T.

 

  1. Chegados aqui, conclui-se que o objeto dos presentes autos se tornou inútil, porquanto sendo as liquidações de juros compensatórios uma consequência das liquidações impugnadas nesse outro processo, nenhum sentido útil se extrai da sua anulação nestes autos. Dito de outro modo, verifica-se inutilidade superveniente da lide, já que não se afigura possível nem adequado ser este tribunal a decidir sobre a eventual ilegalidade de liquidações de juros compensatórios, as quais são por natureza, obrigações acessórias das liquidações de imposto que estão da sua base.

Verifica-se, pois, no caso concreto dos presentes autos uma causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que sucede sempre que o seu objeto deixa de existir ou sempre que, por outra razão, a sua continuação se revele impossível ou desprovida de utilidade. [1]

 

Não se trata, pois, de uma situação de incompetência do Tribunal arbitral a qual sempre teria de ser ajuíza por referência ao momento em que o pedido arbitral foi apresentado, mas sim de manifesta inutilidade superveniente da lide, a qual impõe a absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 277º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, alínea e) do RJAT.

Sendo assim, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas nos autos, com exceção do pedido de condenação da Requerente por má-fé.

 

B.2. Quanto à alegada de condenação por litigância de má-fé

 

  1. Quanto a esta questão considera o tribunal arbitral não poder colher a alegação da requerida AT, pois que, não se verifica nenhuma das situações tipificadas na lei como comportamento processual suscetível de qualificar como má-fé processual.

 

Isto por duas razões muito simples:

 

1ª- A Requerente deixou claro na petição inicial que o seu pedido arbitral tinha como objeto a anulação das liquidações de IVA que identificou, bem assim como, o facto destas se encontrarem, também, impugnadas num outro processo arbitral com o nº 488/2020-T, pelo que não ocultou informação deste tribunal nem da Requerida, que possa considerar-se essencial à defesa da requerida, que a contraditou nos termos constantes da sua resposta.

 

2ª – Por outro lado, o momento em que a Requerente formula o seu requerimento de redução do pedido foi adequado, tendo em conta as finalidades da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

Em suma, não configura má-fé um eventual excesso de zelo no patrocínio ou um eventual erro de interpretação ou avaliação dos termos processuais a utilizar em defesa da pretensão da parte. O comportamento da Requerente não evidenciou, de todo, uma intencionalidade incompatível com a boa-fé processual a observar pelas partes.

 

Aliás diga-se que, para este tipo de situações, o legislador previu como bastante a condenação em custas de parte.

Improcede, pois, o pedido de condenação da Requerente por má-fé, nos termos alegados pela Requerida.

 

C. Decisão Arbitral

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

 

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
  2. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerente por má-fé.
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €21.452,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Notifique-se.

Lisboa, 29 de outubro de 2021

O Árbitro,

(Maria do Rosário Anjos)



[1] Neste sentido cfr. Lebre de Freitas(1999), in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 512.