Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 718/2020-T
Data da decisão: 2021-06-29  IRS  
Valor do pedido: € 32.041,83
Tema: IRS/2019-Rendimentos da categoria “G”- Mais-Valias-Artigos 43º, nº 2 e 72º do CIRS e 56º do Tratado CE (actual artigo 63º do Tratado de Funcionamento da União Europeia)
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56º do Tratado CE (hoje artigo 63º do TFUE), consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por inaplicabilidade aos residentes fora do território nacional da limitação de 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes em território nacional, conforme Acórdão do TJUE, de 18 de Março de 2021, proferido no âmbito do Processo C-388/19.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.RELATÓRIO

1. A..., natural de Londres, Reino Unido, de nacionalidade britânica, portadora do passaporte nº ..., emitido em 04-08-2017, válido até 04-11-2027, contribuinte fiscal número ..., residente em ..., ..., ..., ..., Reino Unido, casada com B..., no regime de separação de bens, natural de ..., Reino Unido, da nacionalidade britânica, contribuinte nº..., portador do passaporte número..., emitido em 10-06-2020, válido até 10-06-2030, (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), veio em 2020-12-01, apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º, 5º, nº 1, alínea a),6º nº 1 e 10º nºs1e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), e artigo 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida  a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade  do acto de liquidação de IRS número 2020..., no valor de 31.957,78 € de imposto, e 84.05 € relativos a juros compensatórios, no valor   global de  32.041,83 €, com referência ao ano de tributação de 2019.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente da CAAD, em 2020-12-03 e notificado nessa mesma data à Requerida.

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho, em 2021-01-25 a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4.Em 2021-01-25 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, 1, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2021-05-03, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2021-05-03, a Requerida apresentou em 2021-06-01 a sua resposta.

7.Através de despacho proferido em, nessa mesma data, e devidamente notificado às partes foi, para alem do mais, dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, convidadas as partes apresentarem alegações escritas simultâneas e indicado o termo do prazo para a prolação e notificação às partes da decisão.

8.As partes não apresentaram alegações.

9. O Tribunal Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos, 2, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

11. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

12. O processo não enferma de nulidades.

13. Inexiste, deste modo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

*******

A fundamentar o seu pedido, a Requerente, invoca em brevíssima síntese, e com relevo para o que aqui imposta o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

“(…) A Autoridade Tributária ao taxar a mais-valia na sua totalidade está a discriminar claramente um cidadão não residente face aos residentes e a colocar entraves graves à livre circulação de capitais”;

“(…) que a presente liquidação se encontra ferida do vício de violação da Lei”;

“(…) ao tributar as mais-valias com regimes diferenciados em função dos beneficiários serem ou não residentes, não tem qualquer justificação, devendo os residentes e não residentes encontrar-se, no caso de tributação de mais valias imobiliárias, em situações claramente idênticas”;

Convoca ainda a Requerente vária jurisprudência comunitária e doméstica a respeito deste segmento, para concluir que a liquidação subjacente ”é ilegal por padecer da vício da Lei, por se encontrar claramente o nº 2 do artigo 43º do Código de IRS incompatível com os artigos 18º e 63º do TFUE, na parte em que restringe a redução das mais valias sujeitos a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal devendo, em consequência, a liquidação ser anulada”.

 

Por seu turno,

A Autoridade Tributária  e Aduaneira, na sua resposta propugna, na parte para aqui útil, e por impugnação, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, sustentando, fundamentalmente, e em brevíssima síntese, que em resultado das alterações/aditamentos ao artigo 72º do Código do IRS, promovidos pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o Modelo 3 do IRS contém um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código IRS, e que a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional”.

Formulando ainda pedido de reenvio prejudicial ao TJUE, ou de suspensão da instância dos presentes autos, questões estas que será alvo de apreciação e decisão.

Procedeu ainda a AT à junção das conclusões do advogado-geral formuladas em 19/11/2020, no âmbito do processo prejudicial C-388/19 (Processo do CAAD nº 598/2018-T), concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão suscitada, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:

a- A Requerente é cidadã britânica, residente na Reino Unido;

b- Em 20 de Outubro de 2015 através da competente escritura pública de compra e venda, adquiriu metade do prédio urbano designado por ..., sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., com o número ... e inscrito na matriz predial urbano sob o artigo ... das referidas freguesia e concelho (cfr. documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

c- O valor de aquisição global do supra indicado prédio foi de 98.259,14, correspondendo a parte (metade) da Requerente a 49.129,57 €;

d- Em 18 de Janeiro de 2019, através da competente escritura pública de compra e venda, a Requerente vendeu a globalidade do identificado prédio por 350.000,00 €, cabendo à sua parte (metade) o valor de 175.000,00 € (cfr. documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

e-Em 24 de Julho de 2020 a Requerente procedeu à entrega do Modelo 3 de IRS, com referência ao exercício fiscal de 2019, fez constar no campo para tanto destinado, ser não residente em Portugal (cfr. documento nº 3  junto com o pedido de pronúncia arbitral);

f- Declarou ainda residir em país de EU e pretender a tributação pelo regime geral (cfr. documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

g- Na declaração de rendimentos procedeu à junção do Anexo G (mais valias e outros incrementos patrimoniais) tendo indicado no que concerne ao supra identificado prédio o valor de realização de 175.000,00 €, como valor de aquisição 49.129,57 € e despesas e encargos no montante de 10.261,60 € (cfr. documento nº 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

h- Em resultado da entrega da sua declaração de rendimentos, nos moldes descritos a AT, emitiu a declaração de IRS nº 2020..., de onde resulta imposto a pagar de 32.041,83 € (cfr. documento nº4, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

i- Em 1 de Dezembro de 2020, a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Não se dá como provado que a Requerente esteja a “preparar uma proposta de acordo para pagamento do mencionado valor em prestações”;

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 2, alíneas a) e ) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis, da(s) questão(ões) de Direito (cfr, artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (vg., força probatória dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, e a prova documental carreada para os autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de factos supra consolidada.

B.DO DIREITO

- a questão decidenda

A questão colocada no presente processo tem a ver, fundamentalmente, com a compatibilidade do Direito da União Europeia, mormente com a liberdade de circulação de capitais  estabelecida no artigo 63º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia da não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em 50%, de acordo com a previsão do artigo 43º, º 2 do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-Membro de União Europeia.

Dito de outro modo, trata-se de saber, se a base de incidência, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, prevista nos supra indicados normativos, na medida em que poderá traduzir-se num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

- o quadro normativo pertinente

 

Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 10º do CIRS “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais de capitais ou prediais, resulte, de (…) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.

Determinando por seu turno a alínea a) do nº 4 do artigo 10º que o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, determinados estes, respectivamente, nos artigos 44º e 46ºdo CIRS.

Sendo o valor de aquisição corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, por determinação dos artigos 50º e 51º do CIRS.

Preceituando por seu turno o artigo 43º do CIRS o seguinte;

Artigo 43º- Mais-Valias

“1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinados nos termos dos artigos seguintes:

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) nº 1, positivo ou negativo é (…)

b) Apenas considerado 50% do seu valor (,,,)”

 

Prevendo ainda o artigo 72º, nº 1, alínea a) do CIRS que as mais-valias provindas de transmissões de imóveis sitos em Portugal e auferidas por não residentes, são tributadas à taxa de 28%.

Sendo que, o artigo 63º do TFUE, inserto no Capítulo 4- Os capitais e os pagamentos – (correspondente ao artigo 56º do Tratado que Instituiu a Comunidade Europeia) prescreve o seguinte:

“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados – Membros e entre Estados Membros e países terceiros”.

Estabelecendo o artigo 65º do TFUE o seguinte:

“1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido,

Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou segurança pública.

2. O disposto no presente Capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com o presente Tratado.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º.”

Ainda a reter o disposto no artigo 18º do TFUE; “no âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação.”

Se na verdade o Tratado não densifica o conceito de capitais, ínsito no normativo em causa, tem o TJUE recorrida à Directiva 88/362/CEE como critério de concretização a qual optou por enumerar e classificar diferentes tipos de capitais, relembrando aqui que, com a Directiva sinalizada que a livre circulação de capitais passou a ter efeito directo, proibindo as legislações discriminatórias ou restritivas por parte do Estado.

Por agora, e para o que releva para a questão subjacente, temos como consolidado o entendimento de que o conceito de capital inclui qualquer transferência da capital, onerosa ou não, de um Estado-Membro para outro e vice-versa, abrangendo qualquer transação legal necessária para atingir a transferência de activos.

É fundamentalmente com base  nos sinalizados normativos e princípios que a Requerente sustenta a desconformidade com a legislação doméstica, e a censura quanto à inaplicabilidade do disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS aos não residentes em território nacional, erigindo  como questão fulcral a dirimir a incompatibilidade  com o Direito de União Europeia da não aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias em 50% a residentes fiscais noutro Estado-Membro da União Europeia, conforme previsto no artigo 43º, nº 2 do Código do IRS, pugnando pela ilegalidade do acto de liquidação sob escrutínio, na medida em que, o saldo positivo das mais-valias realizadas deverá ser considerado em apenas 50% do seu valor, à semelhança do que se verifica para os contribuintes residentes em território nacional, face ao disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS, verificando-se, deste modo, a violação dos artigos 18º, 63º e 65º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeias (TFUE).

*******

A Requerida, invocando o Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, e o Acórdão do STA que se lhe seguiu (proferido em 2008-01-16, no âmbito do processo nº 0439/96, vem afirmar que no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão do TJUE foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o nº 7 (atual nº 9) cujo teor à data dos factos era a seguinte;

“9.Os residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou de Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informação em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do nº 1 e no nº 2 pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residente em território português.”

Prevendo então o número 8 do artigo 72º (hoje número 10) que “para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

Refere ainda a AT (artigo 47º da resposta)  que a “alteração operadas por vis das introduções dos atuais nºs 9 e 10º do artigo 72º, do Código do IRS, veio permitir, que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43º, nº 2 (consideração do saldo da mais valia em apenas 50% do seu valor) do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal, como fora deste território.”

Ora,

Não obstante as alterações mencionadas, e as conclusões que a AT das mesmas retira, podemos já avançar que este tribunal arbitral singular as não subscreve,  em consonância, aliás, com a posição esmagadora da jurisprudência que, inequivocamente, vai no sentido do entendimento de que as alterações introduzidas pela Lei 67-A/2007 (LEO 2008) não vieram eliminar o efeito discriminatório, subsistindo a violação das normas comunitárias.

 

-a jurisprudência

 

Perante o sentido decisório já antecipado, subscrevemos o que vem proferido no âmbito do processo nº 63/2019-T, relatado sob a égide do CAAD, no qual, data venia nos revemos, sem quaisquer reservas:

“(…) 38. No processo nº C-443/06, de 11 de outubro, do Tribunal de Justiça da União Europeia, conhecido por Acórdão Hollmann, embora anterior à Lei nº 67-A/2007, versou sobre esta questão, onde se decidiu que “O artigo 56º CE [atual artigo 63º do TJUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação  nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobra as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.

39. Nesse mesmo sentido a jurisprudência nacional tem decido, antes e após alterações da Lei nº 67-A/2007, de 31/12, respetivamente nos acórdãos do STA de 16 de Janeiro de 2009, no processo nº 439/06, de 22 de Março de 2011, no processo número 1031/10 de 30 de Abril de 2013, no processo número 1374/12, e mais recentemente no processo número 1171/14 de 03 de Fevereiro de 2016, todos podendo ser consultados in www.dgsi.pt

40. A acompanhar a jurisprudência do TJUE e do STA, existe abundante jurisprudência arbitral proferido pelo CAAD, em particular, as decisões proferidas nos processos números 45/2013-T; 127/2012-T; 748/2015-T; 89/2017-T; 370/2018-T;617/2017-T; 520/2017-T; 399/2017-T;89/2017-T: 478/2015-T; 96/2015-T; 617/2017-T; 583/2018-T, todos a poder ser consultados in www.caad.pt.

 

Continuando a decisão que vimos seguindo e transcrevendo:

(…)

“42. O regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes em território português, estabelece uma discriminação com o princípio da liberdade de circulação de capitais, princípio fundamental da União Europeia, não obstante as alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, traduzidas no aditamento dos atuais nºs 9 e 10 do artigo 72º do Código do IRS.

43. Considerou então o TJUE, no Acórdão Hollmann, que, “embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário” e que o tratamento discriminatório dos não residentes assentava no facto de que “enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% [28% em 2017] sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimentos dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalação mais elevado é que 42% [48% em 2017, acrescida da taxa adicional de solidariedade de 2.5% ou de 5%] discriminatório e de outro regime supostamente não discriminatório”, sendo que “essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.”

45. Também o Supremo Tribuna Administrativo se tem pronunciado de modo idêntico, ao referir, nomeadamente, que “I- As disposições do Tratado CE, que refere a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. II. É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56º do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais valias que estatui para os residentes no território nacional” – cfr. o Acórdão proferido no processo nº 01173/14, em 3 de fevereiro de 2016”.

 

Realça-se, e convoca-se ainda, pela sua inegável pertinência, o que vem dito no processo arbitral tributário nº 74/2019-T, de 22 de Maio de 2019:

 

“(…) em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis, situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos nºs 1 e 8 do artigo 72º do artigo 72º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i.O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii.O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos em território português, segundo  qual os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não senda a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43º, nº 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter de optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2012 (Processo C-440/08), um caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49º) o seguinte:

a.            “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (… escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais”;

b.            “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49º do TFUE em razão do seu carácter discriminatório”;

c.            O Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefícios fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.

 

 A orientação que vem de se sublinhar e como já realçado, tem vindo a ser subscrita por várias decisões quer do âmbito arbitral, quer nas instâncias judiciárias.

Tomando-se exemplificadamente, pelo seu caracter recente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-02-2019, (proferido no âmbito do processo 0901/11.0BEALM 0692/17), de onde se retira;

“I. Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8º, nº 4 da CRP “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”

II. Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre os rendimentos, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez o Tribunal de Justiça da EU,

III. O acto impugnado que aplicou o referido art. 43º, nº 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que justifica a sua anulação (artº 135º do Código de Procedimento Administrativo.”

 

Acrescendo-se ainda em idêntico sentido, o que vem dito no âmbito do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08-05-2019, prolatado no âmbito do processo número 1358/08.BESNT:

(…)

“III. A operação de alienação de um bem imóvel constitui um movimento de capitais à face da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

 

IV. A legislação nacional ao prever uma limitação de 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitada, sendo o nº 2 do artº 43º do CIRS, incompatível com o referido artº 56º do TJUE”.

 

Em igual sentido e pelo seu carácter recentíssimo, convoca-se ainda, e para concluir este segmento, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 09-12-2020 (processo nº 075/20.6BALSB) de onde se recorta:

 

“ III- A norma do nº 2 do art. 43º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63º do TJUE, ao qual o Estado Português se obrigou.

 

IV- Essa incompatibilidade não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72º do CIRS pela Lei nº 67-A-2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros”.

 

Como já referido e sublinhado, a esmagadora maioria das decisões arbitrais tributárias proferidas sob a égide do CAAD que tiveram por objecto a mesma questão de direito que aqui subjaz, são no sentido que vimos sinalizando, ou seja, a ilegalidade da tributação de mais-valias obtidas  por não residentes por incompatibilidade com o número 2 do artigo 43º do CIRS, com o artigo 63º do TFUE, dado que restringe a tributação de 50% das mais-valias a cidadãos  residentes (cfr., ainda que a título meramente exemplificativo:, processos nºs 45/2012-T,127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 67/2019-T, 74/2019-T, 748/2019-T, 424/2020-T. 

 

Com efeito,

Se é verdade que, na sequência do já assinado acórdão Hollmann o legislador nacional pretendeu criar através da referida alteração/aditamento ao artigo 72º do CIRS, a possibilidade de os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia poderem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do indicado normativo pela taxa de imposto prevista no nº 1 do artigo 68º do CIRS, não deixa de ser verdade que tal opção se materializa num ónus suplementar relativamente aos contribuintes residentes.

Tal opção, e como já amplamente afirmado, não afasta o efeito discriminatório da diferenciação dos regimes previstos na legislação doméstica entre residentes e não residentes.

A  jurisprudência que sobressai maioritariamente das decisões arbitrais, a propósito deste segmento é que “(…) a opção que é dada a um sujeito passivo da União Europeia ou espaço europeu, entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto no artº 63º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes em território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes”.

 

Adicionalmente, e pelo claro paralelismo com a situação que vem de analisar-se, sempre se convoca e reitera o que vem dito no Acórdão Gielen de18/03/2010 (Processo nº C-440/08):

“(…) O Tribunal de Justiça precisa que, apresenta uma vantagem fiscal cujo benefício é retirado a não residentes, uma diferença de tratamento entre essas duas categorias de contribuições pode ser qualificado de discriminação, na acepção do Tratado FUE, quando não houver nenhuma diferença objetiva situação suscetível de justificar diferenças de tratamentos, quanto a esse aspecto, entre categorias de contribuintes (…)”

“ a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.”.

“O reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria em si mesmo, a violar o artigo 49º do TFUE em razão do seu carácter discriminatório.”

“O Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.

 

Da mesma forma, e em caso paralelo, se pronunciou o Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 21 de Fevereiro de 2013, Processo C-123/11), sobre a garantia da igualdade de tratamento fiscal entre os residentes e não residentes (embora aqui com referência a pessoas colectivas);

 

“(…) As regras de cálculo dos prejuízos da filial não residente para efeitos da sua assunção pela sociedade-mãe residente, em operações (…) “não devem constituir uma desigualdade de tratamento em relação às regras de cálculo aplicáveis caso essa fusão tivesse sido realizada com uma filial residente (…).”

 

Para se concluir, acresce ainda, que no âmbito de reenvio prejudicial de processo arbitral onde se discutia questão similar à que aqui subjaz, foi pela Primeira Secção do Tribunal de Justiça, em 18 de Março de 2021, no âmbito do processo C-388/19, que opunha um sujeito passivo singular (“MK”) à Autoridade Tributária e Aduaneira, decidido o seguinte:

 O artigo 63º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação dos autos, inexiste base legal que permita à Requerida excluir da tributação das mais-valias o regime previsto sob o nº 2 do artigo 43º da Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, procedendo, em consequência, o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, ficando deste modo prejudicado o conhecimento das questões do reenvio prejudicial e/ou da suspensão da presente instância suscitadas pela AT na sua resposta.

 

III-DECISÃO

Face ao exposto decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

i-  Anular parcialmente  a liquidação de IRS número 2020..., na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total das mais-valias imobiliárias,

ii – condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

IV- VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 32.041,83€ (trinta e dois mil, quarenta e um euros e oitenta e três cêntimos).

V. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.836,00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros).

 

NOTIFIQUE as partes, bem assim como o Ministério Público

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto o artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão, rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.]

 

Vinte e nove de Junho de dois mil e vinte e um.

O árbitro

 

(J.Coutinho Pires)