Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 71/2020-T
Data da decisão: 2020-11-30  IVA  
Valor do pedido: € 43.121,03
Tema: IVA - Direito de participação, falta de notificação e dever de fundamentação
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DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO

 

1 – A..., NIF ..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., ..., ...-... Matosinhos, veio, em 06/02/2020, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,da alínea a) do nº 2 do artigo 5º e nº1 do artigo 6º, artigo 10º e seguintes todos do RJAT , apresentar, um pedido de pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade das liquidações de IVA , referentes aos anos de 2015 e 2016, conforme liquidações nºs. 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., no valor global de € 43.121,03 e respetivos juros compensatórios, tudo como melhor consta na respetiva petição que aqui se dá como reproduzida para todos os efeitos legais.

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite na mesma data, pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD  e automaticamente notificado à ATA  na mesma data.

3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 06/07/2020, designado o licenciado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente

 

estipulado, não tendo as partes manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro.

4 – O Tribunal foi constituído em 05/08/2020 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido visa o Requerente a declaração de ilegalidade das aludidas liquidações de IVA e juros compensatórios, nos termos e montantes já referidos, com o fundamento de falta de notificação pela ATA, para exercício do direito de audição prévia antes da liquidação e falta de fundamentação das aludidas liquidações.

6 – Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no incumprimento por parte da ATA das disposições contidas no artigo 60º da LGT , designadamente, do seu nº 1 alínea a) o que consubstancia preterição de uma formalidade legal, cominada com anulação do ato.

7 – Por outro lado, considera que a falta de notificação referida leva a que desconheça a fundamentação das aludidas liquidações, desrespeitando-se, deste modo as disposições contidas no artigo 268.º, n.º 3, da CRP , no artigo 77.º, da LGT e no artigo 124.º, do CPA , levando a que os atos de liquidação em causa sejam inválidos.

8 – Concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente e em consequência, serem anuladas as liquidações do IVA e juros compensatórios referentes aos anos de 2015 e 2016, com todas as consequências legais daí advindas.

9 – Por sua vez a ATA vem dizer que não assiste, no seu entender, qualquer razão ao Requerente, nos argumentos por ele expendidos.

10 – Suporta o seu ponto de vista no facto das liquidações resultarem de ações inspetivas internas, conforme ordens de serviço n.ºs OI2018... e OI2018..., emitidas em 22/06/2018, de âmbito parcial – IVA e IRS , sendo que no decurso do procedimento, foi o Requerente legalmente notificado nos termos expostos na resposta, que aqui consideramos totalmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

11 – Concluindo que o Requerente foi notificado em conformidade com o legalmente estipulado, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser declarado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de IVA e juros compensatórios aqui postas em crise.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é abstratamente competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Em 05 de agosto de 2020 o Tribunal proferiu despacho em cumprimento do artigo 17º do RJAT, tendo a requerida, em 30/09/2020, apresentado a resposta e em 01/10/2020, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Não é requerida prova testemunhal e, não há exceções a apreciar, deste modo, consideramos desnecessária a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da aludida reunião e determina-se que o processo prossiga com alegações escritas facultativas por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do presente despacho o prazo para alegações do Requerente e com a notificação da apresentação das alegações do Requerente o prazo para alegações da Requerida.

Indica-se o dia 30-11-2020 para prolação da decisão arbitral. Até essa data, o Requerente deverá fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.

Notifique”

 

As partes não produziram alegações, deste modo, não enfermando o processo de nulidades e não havendo questões prévias a apreciar, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1- Questão a dirimir

 

Apurar se as liquidações de IVA e juros compensatórios, padecem dos vícios apontados pela Requerente e por isso deverão ser anuladas ou se pelo contrário não sofrem dos referidos vícios e deverão ser mantidas na ordem jurídica.

 

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante para a decisão e considerada provada pelo Tribunal é a seguinte:

 

a)            O requerente A... é um sujeito passivo, em nome individual com o NIF..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., ..., ...-..., área do ... serviço de finanças de Matosinhos.

b)           As liquidações já referidas, resultam de procedimento interno de inspeção, levado a efeito pela ATA, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2018... e OI2018..., emitidas em 22/06/2018, de âmbito parcial – IVA e IRS, referente à ação inspetiva especial de controlo dos fluxos de pagamento com cartões de débito e crédito [declaração Modelo 40 apresentada por instituições de crédito em cumprimento do determinado pelo n.º 3 do artigo 63.º-A da LGT, referente aos exercícios de 2015 e 2016 e relativamente à falta de inclusão dos valores de 107.792.83 € e 122.810.89 €, recebidos naqueles anos, nos rendimentos brutos da categoria B da modelo 3 de IRS nos referidos anos de 2015 e 2016.

c)            A ATA, ao abrigo do artigo 59º da LGT e 29º do RCPITA , notificou a requerente para apresentação de elementos, conforme ofício nº 2019... de 12/04/2019, com carta registada nos correios - registo nº RF ... PT de 15/04/2019, tendo a notificação sido devolvida com a indicação “Não Atendeu” e que foi avisado às 14:00 horas do dia 16/04/2019, e “Objeto não reclamado”.

d)           Repetida esta notificação conforme ofício nº 2019... de 13/05/2019, com carta registada com aviso de receção nos correios - registo nº RF ... PT, que foi recebida em 15/05/2019 e o AR devidamente assinado, não tendo o Requerente fornecido quaisquer elementos ou esclarecimentos.

e)           A requerente, apesar de ter recebido a notificação não apresentou os elementos solicitados nem prestou quaisquer esclarecimentos, havendo lugar à elaboração de projeto de correções oficiosas.

f)            Do referido projeto foi a requerente notificada pelo ofício nº 2019... de 03/07/2019, com carta registada nos correios - registo nº RF ... PT de 04/07/2019. O ofício, conjuntamente com o Projeto de Correções, foi devolvido com a indicação: “Não Atendeu”, que foi avisado às 12:03 horas do dia 08/07/2019 e “Objeto não reclamado”

 

g)            Repetida esta notificação, conforme ofício nº 2019... de 22/07/2019, com carta registada com aviso de receção nos correios - registo nº RF...PT ocorreu nova devolução com a indicação: “Objeto não reclamado”.

h)           Elaborado o relatório final e notas de fixação, foi o mesmo notificado ao Requerente, conforme ofício nº 2019... de 20/08/2019, com carta registada nos correios - registo nº RF ... PT de 21/08/2019 que veio devolvido com a indicação: “Objeto não reclamado”.

i)             Repetida esta notificação, conforme ofício nº 2019... de 05/09/2019, com carta registada com aviso de receção nos correios - registo nº RF...PT. O ofício veio o expediente devolvido com a indicação: “Objeto não reclamado”.

j)             Conforme se vê nas notas de liquidações juntas pelo Requerente consta das mesmas a respetiva fundamentação.

k)            Todas as referidas notificações foram dirigidas ao Requerente A..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., ..., ...-... Matosinhos.

 

Esta é a matéria de facto fixada por este Tribunal Arbitral e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos por estas ao presente Processo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentem o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC , aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º  do CPPT .

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei, como é o caso dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do CC  é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

              

II - Factos não provados

 

O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

3- Matéria de Direito

 

O Requerente alega na sua petição o incumprimento por parte da ATA do artigo 60º nº 1 da LGT, uma vez que não foi notificado para exercer o direito de audição antes das liquidações e também a falta de fundamentação das mesmas a que a ATA está obrigada por força do consagrado no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, no artigo 77.º, da LGT e no artigo 124.º, do CPA.

Por sua vez a ATA, vem aos autos dizer que não assiste razão ao Requerente na medida a que deu cumprimento às normas legais previstas para o procedimento, conforme processo administrativo junto.

Da matéria de facto dada como provada, verifica-se:

a)            O Requerente foi inicialmente notificado para apresentação de elementos à ATA, notificação que veio devolvida com a indicação de “Não atendeu” e avisado “Objeto não reclamado”.

b)           Repetida esta notificação ao abrigo do nº 5 do artigo 39º do CPPT, veio o aviso de receção devolvido e assinado, havendo por isso notificação válida, não tendo o Requerente dado quaisquer esclarecimentos, ou apresentado, os elementos solicitados.

c)            A ATA com base nas respetivas ordens de serviço e dos elementos recolhidos elaborou o projeto de correções, procedeu à respetiva notificação do projeto, vindo o expediente devolvido com a indicação “Não atendeu” e avisado “Objeto não reclamado”.

d)           Repetida esta notificação ao abrigo do nº 5 do artigo 39º do CPPT, veio devolvida com a indicação de “Objeto não reclamado”, presumindo-se a notificação efetuada nos termos do nº 1 do artigo 39º do CPPT.

e)           Relativamente à notificação do relatório final e notas de fixação a ATA procedeu à respetiva notificação do projeto, veio o expediente devolvido com a indicação “Não atendeu” e avisado “Objeto não reclamado”.

f)            Repetida esta notificação ao abrigo do nº 5 do artigo 39º do CPPT, veio devolvida com a indicação de “Objeto não reclamado”, presumindo-se a notificação efetuada nos termos do nº 1 do artigo 39º do CPPT.

g)            As liquidações estão fundamentadas nas notas de liquidação juntas pelo requerente.

h)           Todas as notificações foram endereçadas para o domicílio do Requerente que consta do cadastro informático da ATA - ..., n.º..., ..., ...-... Matosinhos, endereço constante da petição.

 

Verifica-se assim, que os procedimentos seguidos pela ATA estão conforme com o legalmente estipulado, tendo a primeira notificação sido perfeita nos termos do nº 3 do artigo 39º do CPPT, havendo uma presunção de notificação quanto às restantes.

Tendo em conta a matéria de facto provada, o Tribunal considera que a ATA não está vinculada a outros procedimentos, uma vez que sempre endereçou as notificações para o domicílio do Requerente e, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 39º do mesmo Código, há presunção de notificação que o Requerente não ilidiu.

Quanto à falta de fundamentação das liquidações a mesma consta das notas de liquidação juntas pelo Requerente e a mesma, do ponto de vista deste Tribunal, obedece aos requisitos estabelecidos no artigo 77º da LGT.

 

Nesta perspetiva o Tribunal conclui que o Requerente se encontra validamente notificado dos atos praticados pela ATA e que não apresentou qualquer matéria de facto ou de direito que os colocasse em crise, o mesmo acontecendo relativamente à fundamente das liquidações de IVA e juros compensatórios, referentes aos anos de 2015 e 2016 já identificadas nos autos, que se deverão manter na ordem jurídica.

 

IV- DECISÃO

Face ao exposto o Tribunal declara:

                                                       

a)            O pedido de pronúncia arbitral improcedente, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações de IVA dos anos de 2015 e 2016, com os nºs. 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019... e Juros Compensatórios.                                     

b)           Fixar o valor económico do processo em € 43 121,03, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 do CPC, 97-A nº 1 alínea a) do CPPT e 3º nº2 do RCPAT

c)            Fixar as custas no montante de € 2 142,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo do Requerente.

 

Notifique

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal

 

Lisboa,30 de Novembro de 2020

 

O Árbitro singular,

Arlindo Francisco