Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 708/2020-T
Data da decisão: 2021-11-09  IRC  
Valor do pedido: € 42.049,63
Tema: IRC – Dedutibilidade de encargos financeiros; documentação dos gastos com compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhadores e sua subsunção na alçada do art.º 23º e alínea h) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC; reposição do benefício fiscal decorrente das deduções por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).
*Retifica a decisão arbitral de 09 de novembro de 2021 (decisão em anexo).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

(COMPLEMENTO NOS TERMOS DO ART.º 614.º DO CPC, APLICÁVEL EX VI DA ALÍNEA E) DO N.º 1 DO ART.º 29.º DO RJAT)

 

Na sequência da apresentação de pedido de rectificação da decisão arbitral proferida em 09.11.2021, ao abrigo do disposto no art.º 614.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por parte da Requerente e tendo bem presente os fundamentos nele aduzidos, vem o Tribunal Arbitral Singular decidir como segue:

 

1. Por decisão arbitral de 9 de Novembro do corrente ano, o Tribunal Arbitral decidiu:

 

“V. DECISÃO:

FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:

 

A)           QUANTO À PARTE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO SINDICADO RESPEITANTE AOS ENCARGOS FINANCEIROS, JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL;

B)           QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A DESCONSIDERAÇÃO DOS GASTOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DE TRABALHADORES E ATENTA A ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO AQUI SINDICADO, CONCRETAMENTE A PARTE LIGADA ÀS CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL NO MONTANTE DE 7.456,86 €, RELATIVAS AOS ENCARGOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DO ADMINISTRADOR B... E À CORRECÇÃO REFERENTE AOS ENCARGOS SUPORTADOS COM COMPENSAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO DO TRABALHADOR E..., DECLARAR A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE NO QUE RESPEITA À PRETENSÃO ANULATÓRIA DAQUELA PARTE DO ACTO TRIBUTÁRIO SINDICADO, ATENDENDO A QUE NO MOMENTO EM QUE CUMPRE PROFERIR DECISÃO JÁ TAL PARTE DO ACTO SINDICADO NÃO SE MANTEM NA ORDEM JURÍDICA TENDO SIDO PARCIALMENTE ANULADO PELA REQUERIDA.

C)           AINDA QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A DESCONSIDERAÇÃO DOS GASTOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DE TRABALHADORES (A PARTE SOBRANTE PARA ALÉM DA REFERIDA NO PONTO ANTERIOR DESTE SEGMENTO DECISÓRIO), JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, POR NÃO PROVADO;

D)           QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A REPOSIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONSUBSTANCIADO NA DLRR, JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, IMPROCEDENDO O ALEGADO VÍCIO DE PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO NA PARTE CORRESPONDENTE;

E)            JULGAR IMPROCEDENTE, A ILEGALIDADE CONSUBSTANCIADA NA FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI ASSOCIADA À REPOSIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONSUBSTANCIADO NA DLRR;

F)            JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA À RESTITUIÇÃO À REQUERENTE DO VALOR CORRESPONDENTE À PARTE ANULADA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO POR O MESMO HAVER SIDO INDEVIDAMENTE PAGO;

G)           JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS (NA PARTE EM QUE O SEU PETITÓRIO FOI JULGADO PROCEDENTE) A DETERMINAR NOS TERMOS DO ART.º 43º DA LGT E 61º DO CPPT. “

2. A decisão arbitral foi notificada às Partes pelo CAAD em 10 de Novembro de 2021.

3. Através de requerimento de 22 de Novembro de 2021, a Requerente veio solicitar ao abrigo do artigo 614.º do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a rectificação daquela decisão no segmento decisório constante da alínea B) no sentido de dela passar a constar não o valor de 7.456,86 €, mas antes e ao invés, o montante de 29.420,86 €; aliás, valor aquele que expressamente consta do ponto IV.D.1 da decisão arbitral. Pede ainda a alteração do ponto G) do segmento decisório daquela decisão arbitral na parte em que condena a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente apenas sobre as quantias por aquela pagas referentes à anulação das correcções decorrentes da desconsideração dos encargos financeiros, ou seja, a parte em que o seu petitório foi julgado procedente.

4. Atento o manifesto lapsus scribendi em que incorreu o Tribunal Arbitral Singular aquando da prolação da decisão arbitral de 9.11.2021, decide-se alterar o ponto B) do segmento decisório da decisão arbitral, passando a decisão a ter a seguinte redacção: “B) QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A DESCONSIDERAÇÃO DOS GASTOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DE TRABALHADORES E ATENTA A ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO AQUI SINDICADO, CONCRETAMENTE A PARTE LIGADA ÀS CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL NO MONTANTE DE 29.420,86 €, RELATIVAS AOS ENCARGOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DO ADMINISTRADOR B... E À CORRECÇÃO REFERENTE AOS ENCARGOS SUPORTADOS COM COMPENSAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO DO TRABALHADOR E..., DECLARAR A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE NO QUE RESPEITA À PRETENSÃO ANULATÓRIA DAQUELA PARTE DO ACTO TRIBUTÁRIO SINDICADO, ATENDENDO A QUE NO MOMENTO EM QUE CUMPRE PROFERIR DECISÃO JÁ TAL PARTE DO ACTO SINDICADO NÃO SE MANTEM NA ORDEM JURÍDICA TENDO SIDO PARCIALMENTE ANULADO PELA REQUERIDA.

5. Atendendo a que a Requerente declarou expressamente ao abrigo do n.º 2 do art.º 13º do RJAT, em requerimento dirigido ao Exmº Senhor Presidente do CAAD, entrado no SGP em 24.3.2021, que pretendia prosseguir com o procedimento na parte em que as liquidações sindicadas não houvessem sido revogadas pela Fazenda Pública, bem como peticionou ainda a restituição das quantias ilegalmente pagas e o pagamento de juros indemnizatórios, o pagamento de tais juros indemnizatórios sobre a totalidade do valor correspondente à parte anulada das liquidações fazia efectivamente parte do objecto da presente lide e foi indevidamente desconsiderado na decisão.

6. Nessa conformidade e atento o manifesto lapso em que incorreu o Tribunal Arbitral Singular aquando da prolação da decisão arbitral de 9.11.2021, decide-se alterar o ponto G) do segmento decisório da decisão arbitral, passando a decisão a ter a seguinte redacção: “G) JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS (SOBRE O VALOR CORRESPONDENTE À PARTE ANULADA DAS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS) A DETERMINAR NOS TERMOS DO ART.º 43º DA LGT E 61º DO CPPT. “

7. Desde modo, em face do disposto no artigo 614.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular procede à rectificação da decisão arbitral proferida no dia 9 de Novembro de 2021 nos exactos termos supra explicitados.

 

NOTIFIQUE-SE.

 

Lisboa, 22 de Novembro de 2021.

 

O árbitro,

(Fernando Marques Simões)

 

 

 

 

SUMÁRIO:

 

1.            Os financiamentos obtidos (e cujos juros e encargos estão em parte a ser desconsiderados) estão ligados à aquisição de concretos activos que a Requerente afectou ao exercício da sua actividade societária e, por isso, não ligados, correspectivamente, a disponibilidade que houvesse permitido o financiamento (ainda que não remunerado) dos accionistas da Requerente.

2.            Não está verificado o pressuposto de que os capitais mutuados/financiados foram cedidos no todo ou em parte a terceiros e nem sequer minimamente a AT logrou demonstrá-lo, resultando até do acervo de prova junto aos autos que os financiamentos obtidos foram afectos a concretas aquisições que nada tinham que ver com o financiamento aos accionistas da Requerente.

3.            Os referidos financiamentos foram, em princípio, aplicados no âmbito da realização da actividade societária da Requerente.

4.            Tendo a Requerente logrado provar a materialidade das operações subjacentes aos lançamentos constantes da contabilidade e a efectividade dos custos incorridos, a possível dúvida, que ainda pudesse hipoteticamente subsistir, só podia aproveitar-lhe, por a mesma já lhe não ser imputável, tendo a questão de ser decidida contra as pretensões correctivas da Administração Fiscal, aliás, onerada com o ónus da prova de uma eventual inexactidão ou falsidade.

5.            Os custos aqui em causa apresentam-se-nos como suportados para a obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC, preenchendo, assim, os requisitos previstos no art.º 23° do CIRC, pelo que as correcções propostas e as liquidações que as materializaram e aqui sindicadas, estão enfermadas de ilegalidade dado que a não aceitação dos custos em questão viola de forma expressa e inequívoca o citado art.º 23º do Código do IRC.

6.            E na posse dos denominados “Mapas de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” a AT poderia efectivamente requerer a colaboração do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (doravante IMT) no sentido daquele instituto informar o número de quilómetros percorridos pelos veículos ali identificados e inspecionados nos Centros de Inspecção Técnica.

7.            A AT demonstrou nos presentes autos que os “Mapas de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” apresentados pela Requerente no decorrer do procedimento inspectivo eram incorrectos e inconsistentes, sendo que, para o efeito, adequado se mostrava trazer também à colação a questão do valor probatório do relatório de inspecção.

8.            Da letra do art.º 76.º da LGT é possível intuir a vigência  de uma presunção legal de veracidade das informações prestadas pela inspecção tributária (quando ali se diz que elas “fazem fé”), relativa aos factos objetivos (informações) que são relatados no Relatório de Inspeção, donde, o correspondente valor probatório de tais informações é expressamente firmado na letra da lei, sendo certo que essa força probatória é obviamente ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objetivas, nele atestadas.

9.            Estando nos antípodas da opinião, da ilação, das apreciações pessoais do agente inspectivo, ou até de qualquer posição de princípio ou meramente conclusiva de quem inspecionou, a informação enviada pelo IMT e transcrita no RIT não pode deixar de consubstanciar factos objectivos que não contêm qualquer juízo pessoal ou conclusivo do autor do Relatório e, por isso, fazem fé em juízo em conformidade com o disposto no art.º 76.º da LGT

10.          O facto de não estarem no RIT documentalmente comprovadas as informações enviadas pelo IMT, mas, tão-somente, ali transcritas, não lhes retira a “fé” (presunção legal de veracidade) de que gozam os factos objetivos relatados.

11.          E quanto às informações provenientes do IMT, a Requerente não ofereceu prova bastante para abalar a “fé” de que gozam tais factos objetivos constantes do RIT.

12.          Independentemente da Portaria n.º 297/2015, de 21/09, já se encontrar a vigorar ou não em 2014, por via do estatuído no Regulamento (U.E) n.º 651/2014 da Comissão Europeia, de 16 de Junho de 2014 que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.° e 108. ° do TFUE, vulgarmente conhecido por Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), mais concretamente do disposto no § 49 do seu art.º 2º que conceituava “investimento inicial” e ainda do disposto no seu art.º 17.º, já o requisito legal de que os benefícios fiscais consubstanciados na DLRR apenas seriam aplicáveis relativamente a investimentos iniciais se encontrava a vigorar, considerando-se como tais os referidos naquela norma comunitária.

13.          Não há contradição na fundamentação empreendida pela AT, havendo antes uma inflexão no sentido da fundamentação esgrimida que inicialmente ia num determinado sentido e que, após o exercício do direito de audição, se dirigiu num outro sentido; ou seja, a decisão final explicitada pela AT no RIT é perfeitamente compaginável com os motivos invocados naquele Relatório de Inspecção para se haver desconsiderado a DLRR sub judicio.

14.          E não só não há contradição como menos ainda se aceita que tal suposta contradição tenha impossibilitado a Requerente de saber qual a concreta motivação subjacente às correcções à DLRR entretanto efectivadas. 

15.          Quanto a saber se uma concreta aquisição se pode configurar como um investimento num activo em estado de novo e sabendo-se que nem o RGIC nem o CFI ou até a Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, contêm qualquer definição de “estado de novo”, a AT, para efeitos da DLRR, tem vindo a considerar que um ativo fixo tangível é considerado em "estado de novo" se não integrou anteriormente o ativo não corrente da empresa que pretende usufruir do benefício fiscal ou de qualquer outra empresa.

16.          Não se descortinam razões substanciais para se divergir da exegese firmada pela AT.

17.          Os activos detidos para arrendamento de longa duração não podem deixar de ser relevados como activos fixos tangíveis, logo, como activos não correntes.  

18.          Embora o imóvel em causa se qualifique como um ativo fixo tangível, não pode ser considerado adquirido em “estado de novo”, para efeitos do benefício fiscal relativo à DLRR, conforme determina o n.º 1 do artigo 30.º do CFI.

19.          Não há, in casu, verdadeiramente fundamentação a posteriori, mas sim e quando muito errada indicação do normativo aplicável (o indicado não estava em vigor) entretanto corrigida na Resposta.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO:

 

1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ...-... AVEIRO, (doravante, Requerente), apresentou, em 30.11.2020, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 e seguintes do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.

 

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 25.1.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

 

5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3.5.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da liquidação de IRC nº 2020..., datada de 13/07/2020, relativa ao exercício de 2016, bem como a respectiva liquidação de juros nº 2020..., em que foram apurados juros compensatórios no montante total de 496,18 €, liquidações essas das quais resultou um “VALOR A PAGAR” de 12.190,08 € e ainda a liquidação de IRC nº 2020..., datada de 28/09/2020, relativa ao exercício de 2017, bem como as respectivas liquidação de juros nº 2020..., em que foram apurados juros compensatórios no montante de 1.748,46 € e liquidação de juros nº 2020..., em que foram apurados juros moratórios no montante de 31,94 €, liquidações essas das quais resultou um “VALOR A PAGAR” de 29.891,49; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade dos actos de liquidação referidos, na restituição à Requerente do valor pago indevidamente a título de IRC e de juros compensatórios na parte correspondente ao valor das correcções ao lucro tributável de 2016 e 2017 contestadas na presente acção, ou seja, em função do petitório, do montante de 42.049,63 €; iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT e art.º 61.º do CPPT, contados desde a data do pagamento indevido até à restituição do imposto pago em excesso com referência àquele período de tributação (Cfr. n.º 5 do art.º 61º do CPPT), assim se reestabelecendo a situação que existiria se as liquidações objeto do presente pedido não tivessem sido efectuadas, e, assim, se a ilegalidade não tivesse sido cometida (Cfr. art.º 100.º da LGT).

 

7. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:

 

7.1. Sustenta a Requerente que “(...) tendo a AT alegado ter ela contraído os financiamentos a que respeitavam os encargos financeiros desconsiderados para, em parte, realizar empréstimos não remunerados aos seus sócios B..., C... e D..., nos montantes de €107.288,23 no ano de 2016, e de €244.313,02 no ano de 2017, tinha aquela o ónus de alegar e provar a saída desses meios monetários da esfera da Requerente para a esfera daqueles seus sócios, nos montantes referidos, e que esses sócios, em contrapartida, se teriam constituído na obrigação de devolver essas quantias à Requerente.”

 

7.2 Retirando a asserção de que “Não tendo a AT sequer demonstrado a efectiva saída de meios financeiros da esfera da Requerente para a dos seus sócios, não existe fundamento material para a desconsideração dos encargos financeiros a que procedeu em sede inspectiva.”

 

7.3 Mão se detendo prossegue a Requerente defendendo que “Ainda que tivesse feito essa prova (no que não se concede), tinha ainda a AT de indicar as concretas datas em que as alegadas saídas de meios financeiros teriam ocorrido e os respectivos montantes, bem como os concretos empréstimos bancários e contratos de factoring a que respeitam os juros que foram pela Requerente suportados em 2016 e 2017, a data em que foram outorgados e os seus montantes, procedendo de igual modo com as contas caucionadas e os contratos de leasing e de utilização de créditos em conta corrente, sob pena de não ser possível aferir se os alegados mútuos não remunerados aos seus sócios teriam ocorrido antes ou após a Requerente ter contraído os financiamentos relativamente aos quais suportou os encargos financeiros em causa.”

 

7.4 Defende ainda a Requerente que a AT deferia “(...) ter demonstrado que os financiamentos bancários a que correspondem os encargos suportados pela Requerente teriam tido, na proporção de 6,33% e de 12,80% por ela determinada, como destino exclusivo os mútuos não remunerados que alega terem existido – o que, como resulta quer do RIT quer da Resposta apresentada, nunca veio a demonstrar.”

 

7.5 Sustenta a Requerente que, assim sendo, a AT não demonstrou os pressupostos da sua actuação, ou seja, ficou por demonstrar a alegada existência de mútuos não remunerados da Requerente aos seus sócios, donde, ilegal se mostram as correcções empreendidas a este propósito, nomeadamente, a desconsideração dos valores de 2.518,37 € em 2016 e de 7.113,93 em 2017.

 

7.6 Já no que tange aos encargos com compensação pela utilização de veículo próprio de trabalhador, aduz a Requerente no sentido de que a Requerida não produziu prova dos factos por ela exarados no RIT quanto aos alegados “dados remetidos pelo IMT referentes às inspeções periódicas”.

 

7.7 Quanto à reposição do benefício fiscal consubstanciado na DLRR, a Requerente, nos artigos 81.º a 84 do PPA, começa por explicitar o enquadramento jurídico que conforma tal benefício fiscal. Aduz, seguidamente, no sentido de que “(...) nos anos de 2014 a 2016, a Requerente aplicou os lucros retidos referentes ao exercício de 2014, no valor de €203.241,90, na aquisição dos bens constantes no Anexo 4 do Projecto, num total de €85.210,56.” e ainda: “Uma vez que o valor reinvestido foi inferior a 10% dos lucros retidos no exercício de 2014, a Requerente procedeu à reposição do montante de €11.800,43 na declaração periódica do exercício de 2016.”

 

7.8 Prossegue a Requerente aduzindo: “Em sede inspectiva, entendeu a AT que, relativamente aos €8.521,06 que não haviam sido repostos, o deviam ser, ex vi do art. 34º do CFI, decorrente da “falta de enquadramento como aplicações relevantes” dos bens adquiridos, e de os mesmos “ultrapassarem os limites legais para previstos nos artigos 31º e 43º do CFI” (cfr. p. 30 do RIT).” Dizendo mais: “Para fundamentar a alegada “falta de enquadramento como aplicações relevantes”, a AT limita-se a referir que “sujeito passivo deveria, igualmente, ao abrigo do artigo 30º e seguintes do CFI, e artigos 11º e 2º da Portaria 297/2015, de 21/09, demonstrar que as aplicações relevantes nos ativos aí previstos respeitam a um investimento inicial, tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da presente Portaria” (cfr. p. 28 do RIT).”

 

7.9 E em face de tal argumentário explicitado pela AT em sede de procedimento inspectivo, veio a Requerente defender que no momento em que o montante de €20.321,49 foi deduzido à colecta de 2014, ao abrigo doa artigos 27.º e seguintes do CFI, a Portaria n.º 297/2015, de 21.09 não se encontrava sequer a vigorar e que, por isso, aquando da constituição do benefício fiscal, a lei não sujeitava as aplicações relevantes constantes do art.º 30.º do CFI ao critério adicional criado pelo artigo 11.º da citada Portaria.

 

7.10 A Requerente continuando a explicitar o argumentário esgrimido pela AT em sede de procedimento inspectivo diz ainda o seguinte: “Refere ainda a AT que os “investimentos foram subsidiados em 47,70%” no âmbito de investimentos dos projectos “QREN”, pelo que “será da averiguar da admissibilidade dessa cumulação de incentivos” (cfr. p. 28 do RIT), tendo concluído que os bens adquiridos ultrapassavam os limites legais previstos nos arts. 31º e 43º do CFI (cfr. p. 30 do RIT).”

 

7.11 E quanto à questão da cumulação de benefícios, defende-se a Requerente como segue: “(...) apenas parte dos bens adquiridos pela Requerente com recurso a lucros do exercício de 2014, dizem respeito ao “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros” constante no Anexo 5 do Projecto, pelo que, só por esse motivo, sempre as conclusões da AT enfermariam de erro nos seus pressupostos. Acresce que, não consubstanciando os incentivos concedidos à Requerente no âmbito do QREN um benefício fiscal, os arts. 31º e 13º do CFI, e, por remissão, os arts. 10º e 43º do mesmo diploma legal, não têm qualquer aplicação ao caso sub judice.”

 

7.12 Concluindo no sentido de que “(...) a correcção efectuada pela AT e que se traduziu na reposição do benefício fiscal de €8.521,06 deduzido em 2014, é ilegal, por erro nos respectivos pressupostos, o que inquina a liquidação correspondente.

 

7.13 Atendendo a que as correcções empreendidas pela AT igualmente desconsideravam o benefício fiscal DLRR reportado ao exercício de 2015, a Requerente começou por referir que em relação àquele período de tributação e ao aludido benefício, “(...)  aplicou integralmente os lucros retidos na aquisição de um armazém, pelo valor de €750.000,00, o qual serviu para, além de aumentar a capacidade de armazenamento do seu centro logístico, instalar um centro de programação e manutenção de sofwares (cfr. p. 27 do RIT).”

 

7.14 E depois de relatar os desenvolvimentos que a tal propósito ocorreram durante o procedimento inspectivo, diz a Requerente que “Tendo a AT começado por considerar que o imóvel adquirido pela Requerente não podia ser considerado um investimento inicial para efeitos do disposto no art. 2º-2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09 (cfr. pp. 30 a 32 do Projecto e do RIT), acabou depois por concluir, em sede de pronúncia sobre o requerimento de audição prévia, que a correcção à colecta tinha por fundamento o facto de esse imóvel não poder configurar um activo adquirido em estado de novo, para efeitos do disposto nos arts. 22º e 30º do CFI, por ter sido por ela utilizado através de contrato de arrendamento, (cfr. pp. 43 e 44 do RIT).”

 

7.15 Retirando dali que “ Desta forma, a Requerente não tem como saber a motivação subjacente à correcção efectuada pela AT, e na sequência da qual procedeu à liquidação de imposto do ano de 2017 aqui impugnada: – se foi o facto de o imóvel adquirido pela Requerente não poder consubstanciar um “investimento inicial” nos termos do art. 2º-2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09; ou, pelo contrário, – se foi o facto de a AT ter entendido que esse imóvel não constituía um activo fixo tangível em estado de novo, nos termos do art. 30º do CFI.” e ainda que “Ao ter fundamentado a correcção por ela efectuada, simultaneamente (e não de forma subsidiária), com recurso ao art. 2º-2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09 e no art. 30º do CFI, a AT incorreu numa contradição manifesta, contradição essa que impossibilitou a Requerente de saber qual a concreta motivação subjacente às liquidações em causa.”

 

7.16 Não obstante a invocação do vício de forma, prossegue a Requerente sustentando que ainda assim sempre se deveria considerar que a aquisição do referido imóvel constituiu um investimento inicial, para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 2º da Portaria nº 297/2015, de 21/09.

 

7.17 No RIT, a AT esgrimiu argumentário que advogava que a aquisição do armazém pela Requerente não correspondia a um investimento num activo em “estado de novo”, mercê da sua prévia utilização pela Requerente através de contrato de arrendamento e ancorada no entendimento administrativo explicitado na informação vinculativa prestada em 7.7.2015, Processo n.º 2015 002015, PIV n.º 8949 e onde se defende que um activo apenas será considerado em “estado de novo” “se não integrou anteriormente o activo não corrente da empresa que pretende usufruir do respectivo benefício (ali o RFAI) ou de qualquer outra empresa.

 

7.18 A Requerente sustenta que tal argumentário carece, em absoluto, de fundamento.

 

7.19 E para rebater tal exegese, defende a Requerente que a D... tem por objecto, v.g., a compra, venda e administração de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e que “(...) foi no âmbito dessa sua actividade que aquela D... adquiriu o armazém em questão, tendo declarado na respectiva escritura de compra e venda que o mesmo se destinava a revenda e beneficiado da isenção prevista no art. 7º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).”

 

7.20 E assim  sendo, “(...) contrariamente ao referido pela AT no RIT, no caso concreto, a entidade locadora não tinha que reconhecer o imóvel como um activo não corrente, mas, pelo contrário, como uma mercadoria, uma vez que a mesma se destinava a ser vendida no decurso ordinário da sua actividade empresarial.”

 

7.21 Retirando a Requerente a seguinte asserção: “(...) uma vez que o armazém adquirido pela Requerente não deveria ter sido reconhecido como um activo fixo tangível na contabilidade da sociedade locadora, os fundamentos aduzidos no RIT, designadamente, a referência à Informação Vinculativa prestada em 07/07/2015, no Proc. nº “2015 002015, PIV n.º 8949”, não têm aplicação ao caso concreto, carecendo, por esse motivo, de fundamento, sendo ilegal a reposição do benefício fiscal efectuada pela AT.”

 

7.22 Em 28.10.2021, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali a hermenêutica sustentada no PPA e que no essencial defendia a ilegalidade das correcções empreendidas pela AT, aduzindo ainda com a circunstância de a AT haver alterado a fundamentação inicialmente firmada e levada ao conhecimento da Requerente. Diz a Requerente que a AT fundamentou a reposição do benefício fiscal DLRR de 2014 com base no art.º 11º da Portaria n.º 297/2015, de 21.9 e que a Requerida, em sede de contestação, veio defender que não obstante tal Portaria não se encontrar em vigor à data da entrada em vigor daquele benefício, os investimentos por aquela realizados não seriam elegíveis à luz do art.º 17.º do RGIC.

 

7.23 Finaliza a Requerente na petição que consubstanciou as alegações finais dizendo que “Admitir-se esta fundamentação sucessiva equivaleria a denegar à Requerente a garantia consubstanciada no direito à fundamentação dos actos praticados pela Administração, e abriria um perigoso precedente a que a AT pusesse a funcionar em seu benefício o direito à tutela jurisdicional efectiva de que gozam os particulares por ela administrados, aproveitando o direito de impugnação dos actos lesivos por ela praticados para corrigir eventuais erros por ela cometidos em sede procedimental, pelo que não poderá ser acolhida a fundamentação aduzida na Resposta, no que concerne à aplicação do art. 17º do RGIC.”

 

8. Em 6.7.2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual, em escorço, alega:

 

I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA:

 

8.1. No que respeita à desconsideração dos gastos com compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhadores, entendeu a AT que parte das correções deveria ser anulada.

 

8.2 Assim sendo e antes mesmo da constituição do Tribunal Arbitral Singular, anulou: a) as correcções no montante de 7.456,86 € relativas aos encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do administrador B..., referentes a 2017; b) a correcção referente aos encargos suportados com compensação pela utilização de veículo próprio do trabalhador E... nos montantes de € 10.934,72 e de 11.029,28 relativos, respectivamente, a 2016 e a 2017.

 

8.3 Entende a Requerida que “Estas correcções, porque foram revogadas antes da constituição do Tribunal Arbitral e porque a Requerente, por comunicação dirigida ao CAAD de 24/03/2021, decidiu manter o seu pedido de pronúncia apenas relativamente às demais correcções, não estão, por conseguinte, abrangidas pelo seu objecto do presente processo arbitral.”

 

8.4 Na Resposta e até nas alegações finais, a Requerida basicamente fundamentou a improcedência do PPA  e a manutenção na ordem jurídica dos actos de liquidação impugnados, transcrevendo abundantemente tudo quanto estava no RIT e que na parte dedicada à factualidade relevante aqui vai ser trazido, donde, por desnecessário, não deixaremos aqui mais desenvolvimentos sobre a posição da sustentada por aquela, excepto na parte que se reporta à alegada invocação do RGIC como fundamento de direito de parte das correcções empreendidas pela AT.

 

8.5 No ponto 123 da sua Resposta diz a Requerida: “(...) a Requerente vem alegar que deduziu o montante de 20.321,49 € à coleta de 2014, ao abrigo dos artigos 27.º e seguintes do CFI e que a Portaria n.º 297/2015, de 21/09 não estava em vigor, e que, aquando da constituição do benefício fiscal, a lei não sujeitava as aplicações relevantes constantes no artigo 30.º do CFI ao critério adicional criado pelo artigo 11.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro, importa referir que, apesar da referida Portaria não se encontrar publicada naquela data, o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) já estabelecia no n.º 3 do artigo 17.º (Auxílios ao investimento a favor das PME) que: 3. A fim de serem considerados custos elegíveis para efeitos do presente artigo, os investimentos devem incluir:  a) Um investimento em ativos corpóreos e/ou incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, alargamento de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para novos produtos adicionais ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; (…)”. 

 

8.6 Prosseguindo a Requerida no sentido de que “(...) o enquadramento dos investimentos no regime do DLRR regulados pela Portaria n.º 297/2015, de 21/09, está de acordo com a regulamentação europeia (RGIC).” E ainda que “Na verdade, o CFI, a DLRR, assim como a Portaria n.º 297/2015, devem ser considerados, como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos no RGIC e nos artigos 107.º a 109.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Ora, um “regulamento” é um ato legislativo vinculativo, aplicável em todos os seus elementos em todos os países da EU. Ou seja, o enquadramento dos investimentos elegíveis em sede do DLRR, regulados pela referida portaria, vem ao encontro da regulamentação europeia que os define, não acrescentando quaisquer requisitos aos já exigidos pela regulamentação europeia.”

 

8.7 Avança ainda a Requerida com um outro argumento: “Além disso, analisado o mapa de investimentos realizados, constatamos que no ano de 2014 efetuou um investimento de apenas 7.989,22 €, em 2015 o valor de € 67 801,57, e em 2016 o valor de € 9 510,77. Ou seja, nos anos em que efetuou a maior parte do investimento que considerou elegível para efeitos de DLRR já se encontrava publicada a portaria que regulamentava os investimentos elegíveis.”

 

8.8 Concluindo como segue: “Por conseguinte, a Requerente está sujeita às regras das aplicações relevantes em investimento inicial, constantes da Portaria 297/2015.”

 

8.9 A Requerida apresentou alegações escritas em 28.10.2021.

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

9. As questões de fundo a apreciar no presente processo são as seguintes: i) a de saber se no pressuposto de que existe financiamento a terceiros (accionistas da Requerente) que por relevação contabilística de determinadas operações em subcontas da conta SNC 268 veem emergir relevantes créditos a seu favor e que podem reivindicar junto daquela (sendo que a existência de tais créditos sobre a Requerente é não remunerada), os gastos suportados com os juros de financiamento bancário obtido pela Requerente devem concorrer para o apuramento do lucro tributável deste sujeito passivo por enquadramento no conceito de gasto previsto no artigo 23.º do Código do IRC; ii)  Apurar se os gastos com compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhadores estão convenientemente documentados e se, por isso, podem subsumir-se na alçada do art.º 23.º e alínea h) do n.º 1 do art.º 23-A do CIRC; ou dizendo de outro modo, saber se os mapas denominados como “Compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”, elaborados pela Requerente no decorrer dos exercícios de 2016 e 2017, em conformidade com os requisitos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, evidenciavam informação correcta e fidedigna, uma vez concatenados com a informação transmitida pelo IMT a solicitação da Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito dos poderes inspectivos de legalmente detém; iii) a de saber se a reposição do benefício fiscal decorrente das deduções por lucros retidos e reinvestidos (DLRR) é ilegal por violação do disposto no n.º 3 do art.º 268 da CRP, no art.º 152.º e 153.º do CPA e ainda nos n.ºs 1 e 2 do art.º 77.º da LGT, inquinando as liquidações daí resultantes de vício de forma, por falta de fundamentação.  

 

10. Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

11. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação adicional de IRC e JC, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

13. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

14. O processo não enferma de nulidades.

 

15. Não foram suscitadas existem excepções que se mostre necessário apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:

 

16. Antes de entrarmos na apreciação do mérito, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

A)           A Direcção de Finanças de Aveiro, através das Ordens de Serviço n.ºs OI2018... e OI2019..., abriu à Requerente procedimentos de inspecção externos, de âmbito parcial, para o ano de 2016 e de âmbito geral para o ano de 2017, tendo em vista o controlo declarativo em sede de IRC e de IVA, dirigido aos referidos exercícios e no âmbito dos quais foram efetuadas correcções meramente aritméticas à matéria colectável em sede de IRC que se cifraram, respetivamente, para o ano de 2016 e 2017, em 19.468,62 € e 68.582,78 € e correcções em sede de imposto em falta de IRC que se elevaram a, respectivamente, para o ano de 2016 e 2017, 8.521,06 e 16.506,39 € (correcções à dedução à colecta – incumprimento pela dedução do DLRR), que estão na origem das liquidações de IRC e JC impugnadas (cfr. o Relatório da Inspecção Tributária, adiante RIT, com cópia junta ao PA);

B)           À data dos factos, a Requerente encontrava-se registada pela seguinte actividade: “Actividades de Design”, com o CAE 074100 – Revisão 3. Tal como está a fls. 6 do Relatório da Inspecção Tributária, adiante RIT, com cópia junta ao PA, “A principal actividade do sujeito passivo consiste na prestação de serviços especializados na área do retalho. Estas prestações de serviços estão essencialmente relacionadas com o apoio a empresas relativo a exposição dos seus produtos e interatividade com os clientes finais dessas empresas. Estas prestações de serviços englobam também o design e fabricação dos diversos expositores. Nos anos em análise, 2016 e 2017, os principais clientes do sujeito passivo foram as empresas F..., G..., H..., I... . No ano de 2017, o sujeito passivo passou a ter um novo ramo de negócio, as vendas a retalho em parceria com o J..., em que por essas vendas paga uma comissão a esta instituição financeira.”;

C)           A Requerente encontra-se registada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do rendimento. (cfr. fls. 4 do Relatório da Inspeção Tributária, adiante RIT, com cópia junta ao PA);

D)           A Requerente tem um capital social de 176.000,00 € que é detido pelos seguintes: i) C..., com uma participação de 89.724,80 €, correspondente a 50,98 %; ii) D..., S.A., com uma participação social de 79.464,00 €, correspondente a 45,15%; iii) K... Através com uma participação social de 6.107,20 €, correspondente a 3,47%; iv) B..., com uma participação social de 3.520,00 €, correspondente a 0,2%; e v) K..., com uma participação social de 3.520,00 €, correspondente a 0,2%. (cfr. fls. 5 do Relatório da Inspecção Tributária, adiante RIT, com cópia junta ao PA);

E)            As correcções efectuadas no decurso dos procedimentos referidos na alínea A) do probatório, nomeadamente as explicitadas no Ponto III.2.1.1. - Juros suportados - do Relatório, encontram-se justificadas como segue: “(...) Da análise das demonstrações financeiras do sujeito passivo e da sua contabilidade dos períodos de 2016 e 2017, verificamos que detém saldos devedores na conta de Acionistas/sócios -  Outras operações, relacionados com montantes relevantes, concedidos a entidades relacionadas/acionistas ou órgãos da administração, contas SNC 2680001- B..., 2680002-C..., 2680003-D..., 2680004-C... - 0058, 2680005-C... -  0164 e 2680006 – C...-  0350, sendo que esses saldos não derivam, de qualquer transação comercial:

 

Saldos Contas 268            2016      2017

2680001               B...         0,00       3.974,82

2680002               C...         67.824,57            118.373,66

2680003               D...         2.862,50               121.964,54

2680004               C...

0058      19.608,66             0,00

2680005               C...

0164      5.000,00               0,00

2680006               C...

0350      11.992,50             0,00

TOTAL   107.288,23          244.313,02

 

Estes saldos são essencialmente constituídos por valores resultantes de transferências efetuadas das contas bancárias do sujeito passivo para contas tituladas por aqueles devedores, sendo maioritariamente, os documentos de suporte arquivados na contabilidade, maioritariamente, os comprovativos das transferências efetuadas.

Tendo em conta que o sujeito passivo também se financia junto da banca para obter os meios financeiros necessários ao normal desenvolvimento da sua atividade, donde decorre o vencimento de juros (gastos financeiros) que o SP regista como componente negativa do seu resultado tributável, coloca-se a questão da necessidade daqueles encargos na ótica do artigo 23° do CIRC, ou pelo menos de parte deles, na justa medida em que o sujeito passivo aplica parte dos financiamentos contraídos na concessão de facilidades/empréstimos não remunerados a terceiros.

Pela análise da contabilidade e das demonstrações financeiras apresentadas, verificamos que o sujeito passivo contabilizou a título de gastos os juros suportados com os financiamentos obtidos nos períodos de 2016 e 2017, nos montantes de €39 783,73 e de €55 575,51, respetivamente.

À data de 31 de dezembro de 2016 e 2017, o valor total dos empréstimos contraídos pelo sujeito passivo ascendia aos montantes de € 1 694 876,46 e € 1 908 638,44, respetivamente, conforme se discrimina:

Saldo Contas     2016

251106 Empréstimos Bancários -903.043,13

2511703 Caucionada     -100.000,00

2511802 ...Factoring - Saldo       0,00

251189 Factoring             -178.061,95

2513101...– 100081921 – ...       -8.911,57

251319 Locação de Viat. de Merc. E out. equip. 0,00

2513201...– 100078558 – ...       -7.645,19

251329 Locação de viaturas de passageiros        0,00

2513301 Imobiliário 4051             -491.518,14

251905 Cartão de Crédito            -5.696,48

Total 2016           -1.694.876,46

 

 

Saldo Contas     2016

251106 Empréstimos Bancários -734.619,15

251151 Livranças             0,00

2511703 Caucionada     -217.000,00

251189 Factoring             -508.444,85

2513101...– 100081921 – ...       -4.76

2513201...– 100078558 – ...       -673,13

2513301 Imobiliário 4051             -447.896,37

251905 Cartão de Crédito            -0,18

Total 2017           -1.908.638,44

 

Conforme se pode verificar da análise destes quadros, os financiamentos contraídos pelo sujeito passivo são utilizados, em parte, para financiar terceiros, sem qualquer nexo causal com a atividade comercial exercida pelo sujeito passivo. A 31 de dezembro de 2016 e 2017, os empréstimos concedidos pelo sujeito passivo a entidades relacionadas representam 6,33% e 12,80%, do valor dos financiamentos obtidos.

Da análise da contabilidade do sujeito passivo e documentos auxiliares, constatou-se que este não debitou quaisquer juros pelos montantes concedidos a essas entidades. Assim, e conforme já referido, importa demonstrar se o valor de juros suportados pelo sujeito passivo, associados aos empréstimos contraídos, são, na totalidade, efetivamente suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos, na medida em que não exerce atividades que incluam a concessão de empréstimos.

Trazendo à colação o n.º 1 do art.º 23º do CIRC e ainda a alínea c) do n.º 2 do mesmo normativo, prosseguem, dizendo: “(...) Assim, quanto aos gastos de financiamento suportados com empréstimos de terceiros, num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal, terão de passar pelo crivo geral, de natureza económica, erigido no n.º 1, isto é, comprovadamente, terem sido “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Em complemento, com a enumeração da alínea c), é bastante claro que serão dedutíveis somente os juros provenientes da remuneração de capitais alheios aplicados na exploração, excluindo assim expressamente os não aplicados na exploração da empresa. Assim, há primazia na demarcação do interesse e atividade da sociedade que suporta o gasto, face aos de outrem.

Quanto a esta matéria, refere Rui Marques, Mestre em Direito e Economia pela Faculdade do Direito de Lisboa no artigo publicado na Revista Revisores e Auditores de abril junho de 2016, (...) Destarte, encargos financeiros com empréstimos obtidos de terceiros só podem legalmente ser havidos como gastos abrangidos pela alínea c), da 1.ª parte, do n.º 1, do artigo 23.°, na parte a na medida em qua correspondam a recursos, efectivamente, despendidos na actividade estatutária (“exploração”) da empresa. O mesmo é dizer, “para fazer face a custos operacionais ou de exploração que são aqueles em que incorre para assegurar o exercício da sua actividade, nomeadamente, custos que dão origem a saídas do fluxos monetários, como salários, matérias-primas, energia, etc.” (Tribunal Central Administrativo Sul, in Acórdão do 12 de Dezembro de 2013 - Proc. n.º 06826/13).”

Assim, relativamente aos factos descritos quanto ao quadro legal e interpretativo, será de concluir que pelo menos parte dos encargos financeiros, suportados pelo sujeito passivo com os fundos obtidos para conceder empréstimos não remunerados, não cumprem o requisito da conexão com rendimentos sujeitos a tributação naquela sociedade, não podendo ser dedutíveis para a determinação do lucro tributável.

Em face do exposto, podemos concluir que o sujeito passivo financiou-se junto de instituições de crédito tendo aplicado uma parte significativa daqueles financiamentos na concessão de empréstimos não remunerados a terceiros (acionistas).

Consequentemente, os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo correspondentes à parcela dos financiamentos/empréstimos atribuídos aos acionistas não configuram um gasto com relevância fiscal na esfera do sujeito passivo, sendo determinada essa parcela no quadro seguinte:

 

 

 

Assim, propõe-se uma correção positiva, acréscimo, ao resultado tributável declarado pelo sujeito passivo, no montante de € 2 518,37 em 2016 e de €7 113,93 em 2017, nos termos do artigo 23° do CIRC.”

As correcções efectuadas no decurso dos procedimentos referidos na alínea A) do probatório, nomeadamente as explicitadas no Ponto III.2.1.3 – Ajudas de custo e compensação pela utilização de veículo pelo colaborador, a fls. 21 do Relatório de Inspecção, estão fundamentadas da seguinte forma: “(...) Nos anos em análise, 2016 e 2017, o sujeito passivo declarou gastos com ajudas e compensação pela utilização de veículo próprio pelos colaboradores nos seguintes montantes, € 68.199,35 e € 109.344,52. Traz-se à colação, de seguida, a alínea h) do n.º 1 do art.º 23-A do CIRC que aqui se deve considerar reproduzida. Prosseguem dizendo: “dada a relevância dos gastos em causa, foram selecionados diversos funcionários para validação dos gastos constantes dos mapas de ajudas de custo e compensação pela utilização de veículo próprio.

Para a validação desses dados, foram solicitados junto do IMT os dados referentes às inspeções dos veículos selecionados, bem como a consulta da propriedade dos veículos indicados pelos colaboradores da A... .”

Analisados e compilados os mapas de suporte do pagamento das ajudas de custo e confrontados com os dados fornecidos pelo IMT e a consulta da propriedade dos veículos, detetámos diversas incongruências.

Assim, de seguida e por funcionário, indicamos no quadro os dados recolhidos mensais, desde a matrícula do veículo indicada, os quilómetros realizados, o valor atribuído o pagamento dos quilómetros realizados e o valor das ajudas de custo:

  

Da compilação dos mapas, verificamos que este funcionário efetuou com o veículo matrícula ..., pelo menos 6171 quilómetros em 2016 e 8270 em 2017, somente ao serviço da empresa.

Os dados remitidos pelo IMT referentes às inspeções periódicas realizadas por esse veículo foram os seguintes:

 

Assim, entre o período de 2013 e 2018, pelos dados das inspeções periódicas, este veículo somente efetuou, aproximadamente 3.000 quilómetros, o que não é compatível com os valores constantes dos mapas de suporte ao pagamento das ajudas de custo e compensação pela utilização de veículo próprio.

Nos mapas de ajudas de custo indica 2.989,8 Kms percorridos apenas em 2016 e mais 4.183,65 Kms percorridos em 2017.

No entanto, o total de Kms que o veículo efetivamente percorreu entre 17 de agosto de 2013 e 20 de fevereiro de 2018 foi de apenas 3.000 Kms (aproximadamente).

Consequentemente, os dados constantes dos mapas arquivados e que foram apresentados pela Requerente estão errados não permitindo o controlo das deslocações, pelo que em conformidade com o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 23ºA, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.”

Segue-se idêntica metodologia e análise para os mapas de suporte ao pagamento das ajudas de custo apresentados por B... e E... . A fls. 26 do RIT, onde se resumem as correcções levadas à prática no âmbito do procedimento inspectivo, constam as que se reportavam a B... e E... . Já no ponto 56. da Resposta da Requerida, as correcções relativamente àqueles não aparecem, o que é, aliás, coerente com o que se aduz no ponto 2 da sua Resposta quando se aceita a anulação das correcções no montante de 7.456,86 €, donde, o Tribunal entende dever liminarmente desconsiderar aquela parte do Relatório Inspectivo, já que, nesta parte, os actos tributários sindicados foram parcialmente anulados pela AT.

A fls. 24 do RIT, com cópia junta ao PA, renova-se a análise aos mapas de suporte do pagamento das ajudas de custo com a sua confrontação com os dados fornecidos pelo IMT e a consulta da propriedade dos veículos, agora, no que diz respeito ao colaborador da Requerente L... . Vejamos: “(...)

  

Este colaborador indica como se tendo deslocado no veículo matricula ... .Consultada a base de dados da AT, verificamos que esta matricula se encontra cancelada desde 2015, conforme se confirma pelo print seguinte:

 

Consequentemente, os dados constantes dos mapas arquivados e que foram apresentados pelo sujeito passivo estão errados não permitindo o controlo das deslocações, pelo que em conformidade com o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 23ºA, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.”

Ainda a fls. 24 do RIT, com cópia junta ao PA, a mesma análise é empreendida quanto ao colaborador da Requerente M... . Vejamos: “(...)

 

Pelos dados recolhidos dos mapas de ajudas de custo, este colaborador percorreu, aproximadamente 33.000km no ano de 2017 com a viatura portadora da matrícula... .

Dos elementos enviados pelo IMT, obtivemos os seguintes dados quanto às inspeções periódicas:

 

Assim, dos mapas justificativos do pagamento de ajudas de custo e compensação pela utilização de veículo foram efetuados aproximadamente 33.000Km em 2017, enquanto das inspeções realizadas, no mesmo ano, o número de Kms percorridos foram de apenas, aproximadamente 4.000km.

Consequentemente, os dados constantes dos mapas arquivados e que foram apresentados pelo sujeito passivo estão errados não permitindo o controlo das deslocações, pelo que em conformidade com o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 23ºA, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.”

Segue-se a mesma análise quanto ao colaborador da Requerente N..., empreendida a fls. 25 do RIT, com cópia junta ao PA. Vejamos: “(...)

 

Pelos dados dos mapas, este colaborador percorreu, aproximadamente, 40.000km no ano de 2017, somente ao serviço da A..., com a viatura portadora da matrícula 80-DT-53.

Dos elementos fornecidos pelo IMT obtivemos os seguintes dados quanto às inspeções periódicas:

 

Pelos dados do IMT, os quilómetros realizados no ano de 2017 foram de apenas, aproximadamente, 1.000, enquanto nos mapas de ajudas de custo, constam, aproximadamente, 40.000km.

Consequentemente, os dados constantes dos mapas arquivados e que foram apresentados pelo sujeito passivo estão errados não permitindo o controlo das deslocações, pelo que em conformidade com o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 23ºA, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.(...).”

Finalmente, a mesma análise quanto ao colaborador da requerente R..., empreendida a fls. 25 do RIT, com cópia junta ao PA. Vejamos: “(...)

 

Este colaborador, em conformidade com os mapas de ajudas de custo, percorreu, com o veículo matrícula ..., aproximadamente, 8.104 quilómetros ao serviço da Requerente, no ano de 2017.

Dos elementos recolhidos junto do IMT obtivemos os seguintes dados quanto às inspeções periódicas:

 

Ou seja, pelos dados do IMT este veículo efetuou aproximadamente 5.000km em 2017, enquanto dos mapas de ajudas de custo exibidos teriam sido percorridos 8.100Kms.

Consequentemente, os dados constantes dos mapas arquivados e que foram apresentados pelo sujeito passivo estão errados não permitindo o controlo das deslocações, pelo que em conformidade com o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 23ºA, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

Em conclusão, em todos os casos apresentados, constatámos diversas incongruências nos mapas recolhidos quando confrontados com os dados solicitados junto do IMT e com os constantes na base de dados da AT.

Consequentemente, os dados constantes dos mapas arquivados e que foram apresentados pelo sujeito passivo estão errados não permitindo o controlo das deslocações, pelo que em conformidade com o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 23ºA, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável. (...).”

As correcções efectuadas no decurso dos procedimentos referidos na alínea A) do probatório, nomeadamente as explicitadas no Ponto III.2.2 – Correcção à Dedução à Colecta e subponto III.2.2.1. Incumprimento pela Dedução do DLRR, a fls. 26 do Relatório de Inspecção, estão fundamentadas da seguinte forma:

“(...) O sujeito passivo nos períodos de 2014 e 2015, efetuou deduções à coleta em sede de IRC nos montantes de € 20 321,498 e € 16 506,39, respetivamente, nos termos dos artigos 27º e seguintes do DL 162/2014, 31/10, Código Fiscal do Investimento, Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR).(...)”

Traz-se à colação, de seguida, o art.º 30.º daquele regime que estabelece quais as aplicações relevantes em sede daquele benefício fiscal e ainda o art.º 11º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, que aqui se devem considerar reproduzidos.

Prosseguem dizendo: “(...) Em consonância, foi a Requerente notificada a prestar esclarecimentos, nomeadamente informação justificativa das aplicações relevantes efetuadas no prazo de 2 anos (até final de 2016 e 2017, respetivamente) para efeitos das deduções efetuadas, nomeadamente o enquadramento das aplicações como investimento inicial.”

Analisados os esclarecimentos prestados, diz-se a fls. 28 do RIT: “(...) Relativamente ao benefício fiscal indicado e usufruído no ano de 2014, no montante de € 20.321,49, verificamos que foi regularizado parcialmente na declaração modelo 22 de 2016, o valor de € 11 800,43, isto é, foi “devolvido” parcialmente o benefício auferido.

Relativamente a este benefício fiscal, o sujeito passivo no decurso do procedimento, exibiu o mapa referente às aplicações relevantes, anexo número 4 (1 Folha).

Além deste mapa, a Requerente deveria, igualmente, ao abrigo do artigo 30º e seguintes do CFI, e artigos 11º e 2º da Portaria 297/2015, de 21/09, demonstrar que as aplicações relevantes nos ativos aí previstos respeitam a um investimento inicial, tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da presente Portaria.

Apesar de notificado para apresentar a devida justificação, relativamente a esses bens, o sujeito passivo não fez o enquadramento desse investimento como investimento relevante.

Além desse facto, verificamos também que diversos bens indicados na listagem como aplicações relevantes são parte integrante dos projetos de investimento “QREN”.”

Atendendo a que a questão da admissibilidade da cumulação de incentivos é matéria, tal como veremos adiante, de conhecimento prejudicado, o tribunal entende não dever reproduzir aqui essa parte do RIT, avançando desde já para a asserção ali retirada que a dado passo diz: “(...) Assim, além da falta de enquadramento como aplicações relevantes, quanto a estes bens, também não seriam aceites como aplicações relevantes no âmbito do DLRR, por ultrapassarem os limites legais para previstos nos artigos 31º e 43º do CFI.”

E não cumpridos os requisitos dos investimentos como aplicações relevantes, determina o artigo 34º do CFI [que transcrevem na integra] “(...) a devolução do imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais.”

Em face do referido, deve ainda ser reposto na declaração modelo 22 do ano de 2016 o valor ainda em falta e deduzido no ano de 2014, referente a este benefício fiscal, no valor de € 8.521,06 (€ 20.321,49 - € 11.800,43), acrescido dos respetivos juros.”

“(...) Quanto ao DLRR de 2015, o sujeito passivo indica como investimento relevante o bem imóvel adquirido no ano de 2016. Quanto a este imóvel, constatamos que o adquiriu através de um contrato de locação financeira imobiliária celebrado com o Banco O..., SA, em 07 de outubro de 2016, pelo montante de €750.000,00, acrescido de IMT. O prazo contratual estabelecido foi de 120 meses. Contrato em anexo número 3.

Refira-se também que o imóvel em causa, anteriormente a essa aquisição, era propriedade da sociedade D..., SA, NIF..., sociedade acionista da A..., que detém 45% do capital. A D... vendeu este imóvel no dia 07 de outubro de 2016, mesmo dia da celebração do contrato de locação financeira, ao Banco O... .

Refira-se ainda que, pelos elementos disponíveis, a Requerente já era arrendatária deste imóvel, no qual inclusive efetuou obras de ampliação em 2015. A A... para a realização dessas obras celebrou o respetivo contrato com a D..., anexo número 8 (3 folhas) designado por Documento de autorização para celebração de obras. (...).”

Transcrevem os cinco considerandos do aludido contrato.

E prosseguem dizendo: “(...) Desse contrato realçamos:

• O imóvel em causa é o mesmo que o sujeito passivo adquiriu em outubro de 2016;

• A A... é arrendatária do edifício, titulado por contrato de arrendamento;

• A A...  para a persecução dos seus fins necessita das obras;

• Contrato celebrado em 25 de novembro de 2014.”

Verificamos ainda que a A... celebrou contrato de empreitada da obra com a sociedade P..., Lda, anexo número 9 (9 folhas) celebrado em 25 de fevereiro de 2015, no qual a A... também é indicada e identificada como arrendatária desse espaço. Em dezembro de 2015, a A... debitou o valor das obras à empresa D..., fatura nº VF2015B/0198, de 30-12-2015.

Refere-se ainda que a A... efetuou no período de 2016 o pagamento de rendas à sociedade D..., constando na fatura dessas rendas, somente, a indicação do Armazém Zona industrial da ... . 

Pelo exposto, podemos concluir que o imóvel que o sujeito passivo indica como sendo a aplicação relevante do DLRR do ano de 2015, já era utilizado pelo sujeito passivo. Pelos documentos disponíveis, pelo menos desde 25 de novembro de 2014, data do documento “Autorização para a realização de Obras no Locado” assinado entre a A... e a D..., este armazém já lhe estava arrendado pela D... .

Assim, à data da aquisição deste imóvel, através de contrato de locação financeira, em outubro de 2016, o que se verifica é apenas a transferência da propriedade do imóvel da D... para a A..., através de um contrato de locação financeira intermediado pelo Banco O... . No entanto, o mesmo já se encontrava a ser utilizado pela A... através de contrato de arrendamento, e as obras de ampliação foram realizadas pela A... no ano anterior.

Em face do exposto, não se verificaram os pressupostos para enquadramento como aplicações relevantes previstas nos artigos 30º e seguintes do CFI e nos artigos 11º e 2º da portaria 297/2015, de 21/09, pois o bem indicado já estava na esfera da A..., sob a forma de contrato de arrendamento, não se verificando assim que cumpra as condições indicadas na alínea d) do artigo 2º da referida portaria:

• com a criação de um novo estabelecimento,

• o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente,

• a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento,

• ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente

Não podendo assim ser considerado investimento relevante/ilegível a aquisição do armazém para efeitos do benefício fiscal – DLRR.

Assim, e nos termos do artigo 34º do CFI já referido anteriormente, deverá ser reposto o benefício auferido no ano de 2015, e que deveria ser utilizado em aplicações relevantes no prazo de 2 anos, até 2017. 

Em face do referido, deveria ser reposto na declaração modelo 22 do ano de 2017 o valor deduzido no ano de 2015, referente a este benefício fiscal, no valor de € 16 506,39, acrescido dos respetivos juros, nos termos do artigo 34º do CFI.”

F)            Para efeitos do disposto no artigo 60º do RCPITA, foi a Requerente notificada do projeto de relatório, através do Ofício n.º..., de 18 de Março de 2020, para o exercício do direito de audição prévia, que exerceu nos termos constantes de fls. 1 a 4 do PA, Parte V, apresentado dentro do prazo fixado e que mereceu dos serviços a apreciação constante de fls. 34 e ss. do RIT, os quais se são dão aqui por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos; não sem que se explicite o seguinte: Na petição que consubstanciou o exercício do direito de audição (fls. 1 a 4 do PA, Parte V), concretamente nos seus artigos 17.º a 19.º, aduz a Requerente como segue: “(...) A AT propõe a reposição do montante de €16.506,39 referente ao benefício fiscal utilizado no ano de 2015 no âmbito do incentivo à dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR) alegando que não se encontravam cumpridas as condições referidas na alínea d) do artigo 2.º da portaria 297/2015, de 21/9.(...). Todavia, a AT limita-se a referir que não se verificam os pressupostos para enquadramento como aplicações relevantes (...), pois o bem indicado já estava na esfera da A..., sob a forma de contrato de arrendamento, não se verificando assim que cumpra as condições indicadas na alínea b) do artigo 2.º da referida portaria”, e a indicar todas as hipóteses descritas na referida norma do art.º 2.º/d da portaria 297/2015, de 25/09, sem, contudo, fundamentar o porquê de existência de prévio contrato de arrendamento sobre o ativo fixo tangível objeto do benefício fiscal impedir que a aquisição do mesmo não possa ser enquadrada em nenhuma das previsões constantes na referida alínea d) do artigo 2.º da citada portaria. (...). Impõe-se, por isso, que a AT fundamente, detalhadamente, e com referência a cada uma das hipóteses da al. d) do art.º 2º da portaria, o porquê da existência do prévio contrato de arrendamento sobre o ativo fixo tangível objeto do benefício fiscal impedir que a posterior aquisição do mesmo possa ser enquadrada na referida norma, sob pena de ilegalidade por falta de fundamentação legalmente exigida, bem como violação do direito audição prévia.” Em resposta à argumentação esgrimida pela A... em sede de audição, diz a Inspecção Tributária no ponto d) III.2.2.1 - Incumprimento pela dedução do DLRR, a fls. 42 do RIT: “O sujeito passivo coloca em causa a desconsideração da aquisição do armazém na zona industrial da mota como aplicação relevante no âmbito do DLRR.

O DLRR incluído no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 agosto (2007-2013) e do Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014 (2014-2020), respetivamente. Segundo o § 31 do preâmbulo do Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014 (doravante designado por RGIC), os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União no seu conjunto. Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável. Para efeitos da alínea d) do artigo 2.º da portaria 297/2015, de 26/09, consideram-se investimentos elegíveis os “(...) relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.” Conforme já referido, o sujeito passivo aquando da notificação veio referir que: “Conforme assumido em 2015, no ano de 2016, a A... efetuou um investimento de € 632.431,32 na aquisição de um imóvel afeto diretamente à sua atividade, com o principal intuito de aumentar a capacidade de armazenagem no seu centro logístico, a capacidade de assemblagem de produtos para venda ao cliente. No âmbito da sua estratégia global investimento, instalou-se ainda o centro de programação e manutenção de softwares.” Ora, segundo o n.º 49 do artigo 2.º do Regulamento (EU) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho de 2014 (RGIC), considera-se, no âmbito dos auxílios com finalidade regional, um investimento inicial:

a)            Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionados com: i) criação de um novo estabelecimento, ii) aumento da capacidade de um estabelecimento existente, iii) diversificação da produção de um estabelecimento, para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou iv) mudança fundamental do processo de produção global e um estabelecimento existente;

b)           Uma aquisição de ativos pertencentes a um estabelecimento que tenha fechado ou teria fechado se não tivesse sido adquirido, desde que seja adquirido por um investidor não vinculado ao vendedor e exclua a mera aquisição das ações de uma empresa. 

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 22.º do (RFAI) e n.º 1 do artigo 30.º (DLRR) do CFI estabelecem, ainda, que o investimento tem de ser feito em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo. Neste sentido, veja-se, ainda, a informação vinculativa referente ao processo n.º 2015 002015, PIV n.º 8949, com despacho de 2015-07-07, onde se interpreta:

“9. Nem o novo CFI nem o RGIC (...) contêm qualquer definição de “estado de novo”, pelo que a AT tem vindo a considerar e um ativo fixo tangível é considerado em estado de novo se não integrou anteriormente o ativo não corrente da empresa (...) ou de qualquer outra empresa.

10. No presente caso, a requerente já vinha utilizando o pavilhão, mediante contrato de arrendamento, e decidiu agora adquiri-lo ao respetivo senhorio/proprietário.

12. Portanto, independentemente de qualificação da empresa que detinha a propriedade jurídica do pavilhão (grande, média pequena ou micro empresa), não restam dúvidas que o mesmo já tinha sido (ou devia ter sido) reconhecido contabilisticamente como um ativo não corrente, pelo que não se está em presença de um ativo adquirido em “estado de novo”.

13. (...)

14. Do exposto, conclui-se que o pavilhão agora adquirido pela requerente, embora se qualifique como um ativo fixo tangível, não pode ser considerado um ativo fixo tangível adquirido em estado de novo.

15. Assim não se verificando requisito exigido na linha a) do n.º 2 do art.º 22.º do CFI, a sua aquisição não pode constituir uma aplicação relevante (...).”

Em resumo, é entendimento da AT que um ativo fixo tangível que anteriormente à aquisição estivesse arrendado, esse ativo já não pode ser considerado como um activo adquirido em estado de novo, porque o mesmo já tinha, ou deveria ter sido, reconhecido contabilisticamente como ativo não corrente pelo locador, não podendo assim ser considerado como uma aplicação relevante para efeitos do artigo 22.º e 30.º do CFI.

Ficou demonstrado no relatório que o edifício adquirido já se encontrava arrendado pelo sujeito passivo desde, pelo menos, novembro 2014, ou seja, dois anos antes à sua aquisição. Inclusive, o sujeito passivo efetuou obras de ampliação do mesmo no decurso do ano de 2015, conforme contrato de empreitada, também demonstrado nesse ponto, no qual, mais uma vez, a A... é identificada como arrendatária edifício.

Em face destes dados, concluímos que, à data da aquisição deste imóvel, através de contrato locação financeira, em outubro de 2016, o que se verifica é apenas a transferência da propriedade do imóvel da D... para a A..., através de um contrato de locação financeira intermediado pelo Banco O... . No entanto, o mesmo já se encontrava a ser utilizado pela A... através de contrato de arrendamento, e as obras de ampliação foram realizadas pela A... no ano anterior.

Consequentemente ao abrigo do entendimento expresso pela AT na referida informação vinculativa para o enquadramento de ativo tangível estado de novo, a aquisição pela A... do edifício em causa não reúne os requisitos de aplicação relevante, por esse ativo não poder ser considerado em estado de novo. (...).

Concluindo como segue: “Assim, constatamos que a aquisição do prédio urbano não poderá ser considerada aplicação relevante, quer por incumprimento das condições previstas na alínea d) do artigo 2.º da portaria 297/2015, de 25/09, quer por falta de cumprimento dos requisitos do artigo 30.º do CFI.”

G)           Os registos ínsitos nos denominados mapas para apuramento da compensação por deslocação em viatura própria do trabalhador apresentam-se incorrectos e têm informação inconsistente que não quadra com a remetida pelo IMT e transcrita no RIT, através da qual é possível concluir que há um número de quilómetros pagos superior aos percorridos no período entre inspecções ou até que há uma viatura que tinha matrícula cancelada desde 2015.

H)           A AT procedeu a correcções meramente aritméticas à matéria colectável em sede de IRC que se cifraram, respetivamente, para o ano de 2016 e 2017, em 19.468,62 € e 68.582,78 € (correcções constantes do ponto III.2.1. do RIT) e correcções em sede de imposto em falta de IRC que se elevaram a, respectivamente, para o ano de 2016 e 2017, 8.521,06 e 16.506,39 € (correcções à dedução à colecta – incumprimento pela dedução do DLRR), que estão na origem da liquidação de IRC impugnada (Cfr. o Relatório da Inspecção Tributária, com cópia junta ao PA);

I)             Na sequência da notificação do RIT pelo Ofício n.º ..., de 08.07.2020, da Direção de Finanças de Aveiro, foi emitida em nome da Requerente a liquidação de IRC nº 2020..., datada de 13/07/2020, relativa ao exercício de 2016, bem como a respectiva liquidação de juros nº 2020..., em que foram apurados juros compensatórios no montante total de 496,18 €, liquidações essas das quais resultou um “VALOR A PAGAR” de 12.190,08 €, sendo que, do “Estorno”, “Acerto” e “Regularização” que, na sequência das referidas liquidações, foram efectuados pela AT, resultou um «Saldo apurado» no valor de 12.190,08 €, cuja «Data limite de pagamento» ocorreu em 01/09/2020, tudo conforme consta nos documentos intitulados «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC», «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS» e «DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS» (cfr. Docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao PPA) e ainda a liquidação de IRC nº 2020..., datada de 28/09/2020, relativa ao exercício de 2017, bem como as respectivas liquidação de juros nº 2020..., em que foram apurados juros compensatórios no montante de 1.748,46 €, e liquidação de juros nº 2020..., em que foram apurados juros moratórios no montante de 31,94 €, liquidações essas das quais resultou um “VALOR A PAGAR” de 29.891,49 €, sendo que, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência das referidas liquidações, foram efectuados pela AT, resultou um «Saldo apurado» no valor de 29.859,55 €, cuja «Data limite de pagamento» ocorreu em 17/11/2020, tudo conforme consta nos documentos intitulados «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC», «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS» e «DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS» (Cfr. docs nºs 4, 5 e 6 juntos ao PPA).

J)            Das referidas liquidações resultou um valor total a pagar pela Requerente de 42.049,63 € (cfr. documentos nºs 1 a 6).

K)           Em 01.09.2020, ou seja, dentro do respectivo prazo de pagamento voluntário que igualmente se fixava em 01.09.2020, a Requerente procedeu ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações e acerto de contas referidos para o ano de 2016, ou seja, daquele «Saldo apurado» no valor de 12.190,08 € (Cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA).

L)            Em 17/11/2020, ou seja, dentro do respectivo prazo de pagamento voluntário que igualmente se fixava em 17.11.2020, a Requerente procedeu ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações e acerto de contas referidos para o ano de 2017, ou seja, daquele «Saldo apurado» no valor de 29.859,55 € (Cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA).

M)          O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, relativamente à liquidação de 2016, o dia 2.9.2020;

N)           O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, relativamente à liquidação de 2017, o dia 18.11.2020;

O)           Em 30.11.2020, 20:11 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

P)           Em 28.10.2021, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali, basicamente, a hermenêutica sustentada no PPA.

 

IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:

 

17. Não se provou que a requerente se tenha financiado junto de terceiros para subsequentemente financiar os seus accionistas. O tribunal entende que não se provou a existência de financiamentos em nome próprio da Requerente mas por conta de terceiros – os seus accionistas.

 

18. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

 

19. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

20. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

 

21. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados; na prova documental junta aos autos e no Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; e ainda nas alegações aduzidas pelas partes, Requerente e Requerida, que não foram impugnadas pela parte contrária.

 

22. Atenta a vigência do princípio da liberdade de apreciação da prova e o valor probatório do Relatório de Inspecção que se pode inferir do disposto no art.º 76º da LGT, o tribunal considerou provado que o número de quilómetros percorridos pelos trabalhadores que apresentaram mapas para apuramento da compensação por deslocação em viatura própria estavam em manifesta dissonância com o número de quilómetros indicados pelo IMT e transcritos no referido RIT.   

 

IV.D) DO DIREITO:

 

IV.D.1) ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO IMPUGNADO E REDUÇÃO DO VALOR DA CAUSA:

 

23. Em 1 de Março de 2021, por despacho da Subdiretora-Geral da área dos Impostos sobre o  Rendimento e das Relações Internacionais, a AT procedeu à revogação parcial dos actos de liquidação adicional de IRC nºs 2020 ... e 2020 ..., referentes aos períodos de tributação de 2016 e 2017, respectivamente, na parte que diz respeito às correcções relativas à desconsideração dos gastos com compensação pela deslocação em viatura própria, relativas ao administrador B... (2017) e ao funcionário E... (2016 e 2017) que foram impugnados na presente ação arbitral.

 

24. Esta anulação parcial teve lugar no decurso do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT.

 

25. A Requerente, notificada para o efeito, declarou expressamente ao abrigo do n.º 2 do art.º 13º do RJAT, em requerimento dirigido ao Exmº Senhor Presidente do CAAD, entrado no SGP em 24.3.2021, que pretendia prosseguir com o procedimento na parte em que as liquidações sindicadas não houvessem sido revogadas pela Fazenda Pública, bem como relativamente aos pedidos de restituição das quantias ilegalmente pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

26. Com a referida revogação parcial, há uma restrição do objeto dos presentes autos, ou seja, há uma efectiva redução do pedido, mantendo-se aquele tão-só no que tange à parte não revogada pela AT.

 

27. No que se refere às consequências da redução do pedido no valor da causa, interessa notar que, de acordo com o artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, aquele deve ser determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, ou seja, estando em discussão um acto de liquidação, deve corresponder à importância cuja anulação se pretende.

 

28. Com a anulação parcial das liquidações, essa importância passou a ser a do imposto [IRC] incidente sobre as correções à matéria tributável que se mantiveram pós revogação e respetivos juros compensatórios, que subsistem como questões a serem apreciadas.

 

29. Sob a epígrafe “Momento a que se atende para a determinação do valor”, dispõe o n.º 1 do art.º 299.º do CPC: “Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.”

 

30. Por outro lado, o n.º 1 do art.º 259 do CPC diz: “A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6 do artigo 144.º.”

31. Na jurisdição arbitral, a instância só se inicia com a constituição do Tribunal Arbitral e não com a entrega do pedido arbitral. Ademais, se o procedimento cessar antes de ser constituído o Tribunal Arbitral, nomeadamente pela anulação do acto tributário objeto do litígio, a Requerente é reembolsada da taxa de arbitragem paga (cf. artigo 3.º-A do RCPAT).

 

32. Do quadro normativo trazido aqui à colação se infere, incontornavelmente, que a fixação do valor da causa e a determinação das correspondentes custas a suportar são influenciadas se a anulação dos actos em crise, mesmo a anulação meramente parcial, produzir efeitos antes da constituição do Tribunal.

 

33. Ora, in casu, tendo a anulação parcial dos actos impugnados ocorrido e sido notificada à Requerente em momento prévio ao da constituição do Tribunal Arbitral Singular, que se verificou em 3 de Maio de 2021, o valor da causa (correspondente à liquidação) deve ser expurgado da importância anulada (7.456,86 €, relativos aos encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do administrador B..., referentes a 2017 e 10.934,72 € e 11.029,28 €, relativos, respectivamente, a 2016 e a 2017, respeitantes a correcção referente aos encargos suportados com compensação pela utilização de veículo próprio do trabalhador E..., num total de matéria colectável anulada para 2016 de 10.934,72 € e para 2017 de 18.486,14 €), ou seja, do IRC e Juros Compensatórios imputados à matéria tributável de 10.934,72 €, para 2016 e de 18.486,14 €, para 2017, cujo respectivo imposto e JC se estimam em cerca de 2.700,00 €, para 2016 e em 4.600,00 €, para 2017.

 

34. Assim, ao valor da causa inicialmente indicado pela Requerente, de 42.049,63 €, deve subtrair-se o referido o montante estimado, fixando-se na importância de 34.749,63 €, sem prejuízo dos cálculos que em sede de execução da presente decisão arbitral caiba à AT levar a efeito no âmbito das suas atribuições e competências. A alteração do valor da causa será tida em conta na fixação das custas arbitrais, nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4 do RJAT e 3.º e 4.º do RCPAT, e para os demais efeitos que a lei associe ou faça depender do mesmo.

 

IV.D2) APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA – ENCARGOS FINANCEIROS:

 

IV.D.2.1) DA ILEGALIDADE PARCIAL DAS LIQUIDAÇÕES SINDICADAS POR DESCONSIDERAÇÃO PARCIAL DOS CUSTOS INCORRIDOS PELA IMPUGNANTE COM ENCARGOS FINANCEIROS; VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 23.° DO CÓDIGO DO IRC:

 

35. Na redação à data dos factos, na parte que aqui nos interessa, estatuía o artigo 23.º do Código do IRC como segue:

“Artigo 23.º

Gastos e Perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) […];

b) […];

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

[…].”

36. Infere-se da norma transcrita, de forma incontornável, a verificação de uma conexão necessária entre os gastos e a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.

 

37. Adequado se mostrando trazer à colação, a tal propósito, o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 –( ), igualmente referido na decisão arbitral tirada no Processo n.º 181/2018-T, cuja proposta de alteração visava aproximar o texto legal (a alterar) da construção jurisprudencial e doutrinal que vinha fazendo vencimento quanto ao conceito de indispensabilidade que, à data, encontrava respaldo na letra do artigo 23.º do Código do IRC. Aduz o aludido Relatório, a dado passo, como segue: “(…) na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal dos gastos que não se inscrevam no âmbito da atividade das empresas sujeitas a IRC.” – cf. Relatório citado, pp. 97 e 98.

 

38. Daqui se retira que o que releva é o estabelecimento de uma ligação entre a incorrência do custo ou gasto e a actividade exercida pelo sujeito passivo.

 

39. Da análise das demonstrações financeiras da Requerente e da sua contabilidade, efectuada no âmbito do procedimento inspectivo entretanto dealbado, começou por se constatar que a Requerente vem recorrendo a financiamento através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário.

 

40. Em 31.12.2016 e em 31.12.2017, o valor total dos empréstimos contraídos pela Requerente cifrava-se respectivamente, em 1.694.876,46 € e 1.908.638,44 €.

 

41. Correspectivamente, verificou-se também que a Requerente incorreu em custos com os financiamentos obtidos que se elevaram, respectivamente em 2016 e 2017, a 39.783,73 € e a 55.575,51 €.

 

42. Por outro lado, verificou-se também, em face daqueles elementos contabilísticos, que a conta SNC  268 – Outros Devedores e Credores, nas respectivas subcontas dos accionistas, evidenciava relevantes saldos devedores que, em 2015, 2016 e 2018, totalizavam, respectivamente, 660.208,56 €, 107.288,23 € e 244.313,02 €.  

43. Diz-se no Relatório de Inspeção (o que é igualmente referido na resposta da Requerida) que tais saldos devedores (que emergiram por relevação de valores inscritos nas subcontas 268), resultam de valores ali relevados e resultantes de transferências efectuadas de contas bancárias da Requerente. Os documentos de suporte a tais registos contabilísticos estão arquivados na contabilidade da Requerente e são, diz-se no Relatório de Inspecção, maioritariamente, os comprovativos das transferências efectuadas.

 

44. Aduz-se ainda no Relatório de Inspeção que os Financiamentos contraídos pela Requerente são utilizados, em parte, para financiar terceiros sem qualquer nexo causal com a actividade comercial exercida.

 

45. A Requerente impugna tal factualidade.

 

46. Partindo da circunstância da Requerente aplicar parte dos financiamentos obtidos junto de terceiros na concessão de facilidades/empréstimos não remunerados a terceiros (accionistas), traz-se à colação o art.º 23º do CIRC.

 

47. Inferindo-se daqui que para a Autoridade Tributária e Aduaneira a Requerente contrai empréstimos junto de terceiros e suporta com isso juros (encargos financeiros) que aquela releva como componente negativa do lucro tributável e, simultaneamente, concede financiamento, não remunerado, aos seus accionistas. 

 

48. Concluindo aquela que parte dos encargos com financiamentos em que incorreu a Requerente não estão directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo e retirando daí que, assim sendo, e relativamente a tais custos, não se mostra cumprido o requisito da ligação à obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC previsto no art.º 23º do CIRC, pelo que, propõe-se a não aceitação fiscal de parte de tais custos, quantificando-se seguidamente a parte não aceite, apurando-se o peso dos empréstimos concedidos versus empréstimos obtidos e, partindo daí, aplicando-se o respectivo rácio aos custos de financiamento, obtendo-se os custos não aceites.

 

49. Claro está que para a Requerente o procedimento de determinação de tais encargos não aceites para efeitos fiscais se afigura ilegal e em manifesto erro de quantificação, já que, tal como resulta do acervo de prova que foi enviado à agente inspectiva (e igualmente junto ao PPA – Cfr. Docs. 11 a 13), os capitais alheios (mútuos e ouros) contratados pela Requerente, tinham por objecto concretas operações de aquisição, não estando, por isso, minimamente ligados à concessão de financiamento aos seus accionistas (negando mesmo a existência de qualquer financiamento àqueles).

 

50. Os financiamentos obtidos (e cujos juros e encargos estão em parte a ser desconsiderados) estão ligados à aquisição de concretos activos que a Requerente afectou ao exercício da sua actividade societária e, por isso, não ligados, correspectivamente, a disponibilidade que houvesse permitido o financiamento (ainda que não remunerado) dos accionistas da Requerente.

 

51. Contraditando a Requerente qualquer tentativa de se ligar o financiamento (com recurso a capitais alheios) por aquela outorgado ao suposto financiamento por aquela realizado aos seus accionistas por relevação nas subcontas 268 de determinadas operações que não consubstanciam qualquer espécie de financiamento.

 

52. Isto dito, a questão relevante é a de saber se se pode estabelecer uma relação de causa/efeito entre os montantes que vinham sendo financiados à Requerente e os aludidos saldos devedores inscritos nas subcontas 268, ou seja, é saber se foi ou não por haver relevado nas subcontas 268 determinadas operações (o que foi contribuindo para emergirem nos anos objecto de procedimento inspectivo relevantes saldos devedores nas referidas subcontas da 268) que a Requerente se endividou e até se endividou de forma tão expressiva ou, pelo menos, se tal circunstancialismo contribuiu para que aquela sentisse necessidade de se endividar.

 

53. E tendo em vista a dilucidação de tais questões adequado se mostra trazer à colação o que a propósito da dedutibilidade em sede de IRC de juros suportados com financiamentos obtidos diz Maria dos Prazeres Lousa, in “O problema da dedutibilidade dos juros para efeitos da determinação do lucro tributável”, Estudos em homenagem à Dra. Maria de Lourdes Órfão de Matos Correia e Vale, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 171, Centro de Estudos Fiscais  - Ministério das Finanças, 1995, Pág. 349 a 353 e que a dado passo diz: “As condições gerais que suportam a dedução deste tipo de encargos as quais exigem por um lado, que os juros sejam suportados pela empresa para a obtenção de proveitos ou ganhos, e por outro que os capitais alheios a que correspondem os juros sejam aplicados na exploração. Assim, quando uma empresa contrai um empréstimo cujos fundos cedeu, no todo ou em parte, a terceiros, sem estipular remuneração(...) não poderá deduzir, em princípio, a totalidade dos encargos financeiros correspondentes a tais empréstimos na medida em que se pode considerar que os juros nem são suportados para obter proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para manter a fonte produtora.”

 

54. Intuindo-se do texto acima transcrito que a Dr.ª Maria dos Prazeres Lousa parte do pressuposto de que os capitais mutuados/financiados foram cedidos no todo ou em parte a terceiros.

 

55. Sendo que, in casu, não está verificado tal pressuposto e nem sequer minimamente a AT logrou demonstrá-lo, resultando até do acervo de prova que aqui vai junto que os financiamentos obtidos pela Requerente foram afectos a concretas aquisições que nada tinham que ver com o suposto financiamento aos accionistas da Requerente por relevação de concretas operações nas subcontas 268 e, por isso, entende o Tribunal Arbitral Singular que os referidos financiamentos foram, em princípio , aplicados no âmbito da realização da actividade societária da Requerente.

 

56. Para o Tribunal, diga-se desde já, falta assim a verificação do pressuposto base para que a referida doutrina tivesse in casu aplicabilidade.       

 

57. Também a jurisprudência firmada pelo STA: i) Acórdão de 12 de Julho de 2006, processo n.º 186/06; ii) Acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 1046/05; e iii) Acórdão de 20 de maio de 2009, Processo n.º 1077/08) não podem deixar de levar a que adequadamente se possa sustentar que in casu não se justifica afastar a dedutibilidade dos correspondentes encargos financeiros. Da factualidade dada como provada em qualquer um daqueles arrestos (e também do Acórdão de 30 de Maio de 2012, que se louva exactamente no arresto proferido no processo n.º 01077/08) resulta que as respectivas recorrentes contabilizaram como custo fiscal encargos financeiros com juros e imposto do selo, derivados da obtenção de financiamento bancário, com vista a fazer face a necessidades financeiras das empresas do respectivo grupo, sendo que as recorrentes terão suportado na integra os referidos encargos uma vez que os não debitaram às sociedades beneficiárias, ou seja, as recorrentes a quem foram desconsiderados custos em sede de IRC, endividaram-se em nome próprio junto de instituições bancárias e canalizaram os respectivos financiamentos para as suas participadas. No dizer dos Acórdãos referidos “As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua participada.” Perpassa da leitura daquelas decisões a mesma ideia explanada pela Dr.ª Maria dos Prazeres Lousa e consubstanciada na necessária verificação do pressuposto acima identificado da cedência no todo ou em parte dos capitais mutuados/financiados a terceiros - neste caso os seus accionistas.

 

58. Pelo que, repise-se, in casu, não está verificado tal pressuposto e nem sequer minimamente a AT logrou demonstrá-lo (resultando até do acervo de prova que foi junto ao procedimento inspectivo e até junto aos presentes autos que os financiamentos obtidos pela Requerente foram afectos a concretas aquisições que nada tinham que ver com o financiamento aos seus accionistas), faltando assim, diga-se mais uma vez, a verificação daquele pressuposto base para que a referida jurisprudência pudesse in casu ter aplicabilidade.

 

59. Assim sendo, entende o Tribunal que do eventual impacto financeiro para a Requerente resultante da relevação contabilística das subcontas 268 não seria suportado por qualquer financiamento obtido pela aqui Requerente junto de terceiros, sendo que e admitindo-se a existência do correspectivo financiamento (na enfática expressão usada na resposta a concessão de facilidades) aos seus accionistas, a sua concretização tanto poderia ocorrer com capitais próprios como com recurso a capitais alheios e não há nos autos evidência de que qualquer uma das operações relevadas nas subcontas da conta 268 tenha tido como contrapartida directa qualquer conta de disponibilidades da Requerente e nomeadamente em resultado do financiamento obtido por aquela junto de terceiros. O que, aliás, a Requerente veementemente nega. 

 

60. Importando ainda trazer à colação parte da decisão tirada no Processo Arbitral n.º 181/2018-T, consultável in 

https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=37&id=3903 e onde a dado passo se diz: “À face do exposto, de acordo com a interpretação que se perfilha, a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, na medida em que seja enquadrável como gestão do ativo financeiro em causa (instrumento de capital próprio ou parte de capital), do qual se estima que fluam benefícios, na forma de rendimentos sujeitos a IRC, como, por exemplo, dividendos e mais-valias. Constitui condição para que se considere verificado o interesse da participante (aqui Requerente) no investimento na participada, a influência significativa na gestão desta, i.e., em regra quando aquela detenha pelo menos 20% do capital social.”

 

61. Entende o Tribunal que uma operação de financiamento de uma sociedade participada não pode deixar de ser um acto de gestão da sociedade detentora da participação financeira, consubstanciado no reforço do activo financeiro e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo. Dito de outro modo, tanto será “actividade produtiva” ou “exploração” a gestão de um ativo físico, como a de um ativo financeiro ou outro intangível. Adequado se mostrando trazer à colação, a tal propósito, a NCRF 13, disponível in  http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_13.pdf , tal como o faz a Decisão Arbitral tirada no Processo n.º 695/2015-T que pode ser lida in  https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxNjA3MDUxNjMxMTQwLlA2OTVfMjAxNVQgLSAyMDE2LTA1LTE4IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e que a dado passo conclui como segue: “[A]s operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.”

 

62. Sendo certo, no entanto, que a concessão de financiamento gratuito (ainda que por via da relevação nas subcontas da conta SNC 268 de relevantes valores) não se afigura suscetível de ser encarada como atividade de gestão de um ativo financeiro realizada pela Requerente, tanto mais que é a sociedade supostamente financiada a accionista de quem está a financiar e não o contrário.

 

63. Com efeito, não existe qualquer ativo de que a Requerente seja titular que esteja subjacente às operações aqui em causa. Também não se nos afigura convocável, nestas circunstâncias, o argumento relativo ao exercício de uma influência significativa na gestão, usualmente aferido (na relação com sociedades participadas) por uma percentagem de participação de, pelo menos, 20%, inaplicando-se, por isso e in casu, a doutrina que dimana da Decisão Arbitral tirada no Processo n.º 695/2015-T e acima melhor identificada.

 

64. Dito isto e não obstante, como afirmação de princípio, propende-se o Tribunal a considerar que as correcções aqui controvertidas, assentam, necessariamente, em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, como dito, em errónea quantificação, o que redundará na manifesta ilegalidade dos actos de liquidação entretanto produzidos e aqui sindicados mas ancorados naquelas propostas de correcção por violação do disposto no artigo 23º do Código do IRC. Vejamos,

 

65. Considera o Tribunal que as correcções propostas parecem resultar de uma indevida ingerência da Administração Fiscal na definição da estratégia empresarial da Requerente, arrogando-se no direito de desconsiderar custos que inequivocamente têm ligação com a sua actividade societária (já que estão ligados, em termos de objecto, ao financiamento de concretas operações de aquisição de activos afectos à actividade societária por parte da Requerente), e que, por outro lado, os custos em causa estão devidamente documentados e ligados à obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC, cumprindo todos os requisitos impostos pelos artigos 23.° e 45º do CIRC para a sua dedutibilidade fiscal, desadequado se mostrando determinar, em função do rácio – empréstimos obtidos versus concedidos, o montante proposto de gastos não aceites fiscalmente.

 

66. Com efeito, entende o Tribunal que estamos perante custos efectivos, correctamente contabilizados e devidamente comprovados.

 

67. Sendo que, na situação sub judicio, a opção assumida na incorrência de encargos financeiros subjacentes ao financiamento contratado com terceiros e até na relevação de operações que consubstanciam o relacionamento da Requerente com os seus accionistas e que, por via dessa relevação possa resultar num crédito dos accionistas sobre a Requerente (que aceita não remunerar), só àquela competia.

 

68. Pelo que, bem compreende o Tribunal que a Requerente não se conforme que se aceite - como critério geral - que a decisão sobre a admissibilidade para efeitos fiscais dos custos por si incorridos fique dependente de uma interpretação subjectiva da exigência de ligação dos custos à obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC.

 

69. Assim, no que concerne às correcções propostas quanto à não aceitação da dedutibilidade fiscal dos custos efectuados, o Tribunal remete para os fundamentos de facto e de direito já explicitados e para os que adiante se explicitarão, bem como para a prova documental produzida, para concluir que, ao longo do procedimento inspectivo aqui em causa e até dos presentes autos, ficou ao menos indiciariamente demonstrado que os custos decorrentes de encargos financeiros em questão estão ligados à obtenção e garantia de rendimentos sujeitos a IRC, já que têm por pressuposto e fundamento aquisições que estão ligadas à realização do seu objecto societário.

 

70. De facto, a dedutibilidade fiscal dos custos em sede de IRC depende, entre outros pressupostos, da sua comprovação documental - artigos 23° e 45°, n° 1, alínea g) do CIRC, a contrario. Nos termos do art.º 123º, n° 2, alínea a) do CIRC, os lançamentos contabilísticos devem apoiar-se em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessários. A questão da comprovação dos custos que foram propostos desconsiderar não foi sequer colocada em causa, pelo que, a tal propósito, o Tribunal calará.

 

71. Acresce que, a desconsideração de um custo numa correcção administrativa só se aceita porque é vista como um facto excepcional, que necessita de uma fundamentação legitimadora e, advogamos, não é o facto da Requerente relevar nas subcontas da conta 268 determinados valores (que não se provou tivessem como proveniência concretas transferências que houvessem resultado de financiamentos obtidos junto de terceiros) que vai legitimar a desconsideração de parte dos encargos com financiamento em que aquela incorreu, até porque, tanto quanto resulta da factualidade dada como provada, a Requerente não se financiou para subsequentemente financiar os seus accionistas , mas, ao invés, financiou-se para adquirir concretos activos que afectou ao exercício da sua actividade, ficando assim demonstrada a ligação dos custos que se pretendem desconsiderar à realização de operações activas ou à manutenção da fonte produtora. 

 

72. Assim, só se a AT desconsiderasse fundadamente os registos contabilísticos do contribuinte é que o sujeito passivo teria de demonstrar ou justificar que efectivamente incorreu nesses custos.

 

73. A solução legal de aceitação da contabilidade do sujeito passivo dota os registos do contribuinte de uma presunção de veracidade, no sentido de que se aceita que esta informação traduz uma situação fiel e verdadeira da situação patrimonial da empresa, transladando o ónus da prova da incongruência ou falsidade dessa informação para a Autoridade tributária e Aduaneira.

 

74. Na verdade, a contabilidade elaborada de forma sã e adequada adquire valor jurídico e a Administração Fiscal só pode desconsiderá-la, no todo ou em parte, se fundamentar e indiciariamente demonstrar tais correcções à face da Lei. E, a tal propósito, a AT limitou-se a dizer, por um lado, que a aqui Requerente contratou financiamentos relevantes e incorreu com isso em custos e, por outro, que “financiou” a título gratuito os seus accionistas, retirando daí que, na proporção dos montantes “financiados”, os custos incorridos não eram aceites fiscalmente.

 

75. Quanto à prova de que os empréstimos obtidos foram cedidos no todo ou em parte aos seus accionistas nada de relevante foi levado ao Relatório, sendo certo até que se alguma prova foi carreada para o procedimento inspectivo é a de que o endividamento outorgado foi inequivocamente destinado à satisfação de necessidades próprias da aqui Requerente e nada teve a ver com o “financiamento” aos seus accionistas. 

 

76. Relativamente a esta matéria, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/03/1999, proferido no Recurso n,° 20 967, o qual refere que “a correcção ao balanço só é admissível quando o balanço se encontre elaborado em desconformidade com as regras legais e contabilísticas vigentes à data da sua elaboração”.

 

77. Assim sendo, in casu e a este propósito, não faz sentido, porque destituída de fundamentação legal, a não aceitação da totalidade da contabilidade da Requerente, desconsiderando-lhe parte dos custos incorridos, salvo se, relativamente à parte não aceite, se fizesse prova de que tais movimentos contabilísticos não existiram ou de que foram incorridos tendo em vista a realização de finalidades não empresariais que tivessem em vista a satisfação de interesses de terceiros em relação à aqui Requerente, como sejam, os dos seus accionistas, os dos seus empregados ou colaboradores, ou até os dos seus clientes, o que não logrou a AT fazer, provando-se exactamente o contrário.

 

78. Ora, tendo a Requerente logrado provar a materialidade das operações subjacentes aos lançamentos constantes da contabilidade e a efectividade dos custos incorridos, a possível dúvida, que ainda pudesse hipoteticamente subsistir, só podia aproveitar-lhe, por a mesma já lhe não ser imputável, tendo a questão de ser decidida contra as pretensões correctivas da Administração Fiscal, aliás, onerada com o ónus da prova de uma eventual inexactidão ou falsidade e a tal propósito pouco dizendo.

 

79. Assim sendo, a proposta de não consideração dos custos aqui em causa e o consequente aumento do lucro tributável materializado nas liquidações que aqui se sindicam, só pode atentar, no limite, contra o princípio constitucional da capacidade contributiva.

 

80. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Singular propende-se a decidir no sentido de que as liquidações controvertidas, na parte ligada à desconsideração dos encargos financeiros aqui em causa, enfermam de ilegalidade, dado que a não aceitação dos custos em causa viola de forma expressa e inequívoca o citado artigo 23° do CIRC. Vejamos,

 

81. Como se pode ver da análise do n.º 1 do art.º 23º do CIRC (acima transcrito e para onde se remete), a lei não nos fornece uma definição legal e rigorosa do que deve entender-se como custo, optando por fazer depender a sua qualificação como tal a uma ligação finalística à obtenção de ganhos sujeitos a IRC, sendo que, como visto, o que releva é o estabelecimento de uma ligação entre a incorrência do custo ou gasto e a actividade exercida pelo sujeito passivo e já não uma ligação finalística do concreto custo incorrido a um determinado ganho sujeito a IRC.

 

82. Como regra, os custos registados pela empresa são dedutíveis. Para que o não sejam, torna-se necessário que exista uma expressa previsão legal e uma especial e específica motivação intrínseca que leve a que esses custos, admissíveis do ponto de vista do direito comercial, o não sejam para efeitos fiscais.

 

83. Ainda que o requisito da indispensabilidade já não conste hoje da letra do art.º 23º do CIRC, refere no Acórdão do STA, de 23 de Setembro de 1998,  o seguinte:  “a indispensabilidade dos custos é um conceito indeterminado em que, portanto, o poder de administração é rigorosamente vinculado, inexistindo qualquer margem de livre apreciação, por parte da mesma, não havendo que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo.”

 

84. Na forma de interpretar a relação de causalidade subjacente à noção de indispensabilidade do custo podiam identificar-se três teses: i) uma primeira tese restritiva, que entende a indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade; ii) uma segunda tese intermédia que propugna a aceitação dos gastos tidos por convenientes para a empresa e, por último, iii) uma terceira que sustenta que o significado do conceito se deve encontrar por recurso à integração directa da despesa no escopo ou fim de interesse societário.

 

85. A doutrina portuguesa acolhia a terceira das teses apontadas. Do ponto de vista do Tribunal, fundada em boas razões.

 

86. Com efeito, o princípio da liberdade de gestão (que surge como decorrência da liberdade constitucional de iniciativa económica privada) pressupõe e exige a não imiscuição de Administração Fiscal na gestão das sociedades comerciais, com a preclusão de um controlo administrativo sobre o mérito concreto das decisões empresariais.

 

87. O Fisco não pode colocar em causa as operações reputadas de economicamente indispensáveis pelos contribuintes, porque subsumíveis ao escopo da organização societária.

 

88. Assim, resultava inviável uma cláusula geral que permitisse à Administração Fiscal sindicar a oportunidade das decisões empresariais, por julgamento sobre a qualidade dos resultados da gestão financeira e comercial da organização.

 

89. Tal como defende António Moura Portugal, in “A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, Pág. 116, “Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção no respectivo escopo societário e, em especial desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”. E mais adiante: "A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse de empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento econômico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa."

 

90. Ora, o que releva para efeitos de aferição sobre se os custos desconsiderados são (ou não) inseríveis no escopo societário é não tanto a descrição do objecto social de quem incorre no custo, mas sim e como diz António Moura Portugal, a aferição sobre se as operações societárias passivas (que consubstanciam custos) se inserem na capacidade de exercício de quem nelas incorre, por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas.

 

91. Mas independentemente disso, os encargos com financiamentos que em parte foram desconsiderados por aplicação do rácio – empréstimos obtidos versus concedidos – não têm sequer ligação com o aludido suposto financiamento aos accionistas da Requerente.

 

92. A Administração Fiscal não tem legitimidade legal para ajuizar sobre se a opção da aqui Requerente em aceitar relevar na conta 268 determinadas operações, sem remuneração, é ou não uma boa opção de gestão. A Administração Fiscal não pode, partindo simplesmente da descrição do objecto social da Requerente e da constatada ausência de remuneração nas supostas operações de financiamento aos accionistas daquela, desconsiderar os encargos financeiros suportados com a aquisição a crédito de activos que incontornavelmente estão afectos à realização do objecto social da aqui Requerente.

 

93. Admitir isso é admitir uma intolerável imiscuição do Estado na esfera da autonomia privada e da liberdade da conformação dos seus próprios interesses por parte dos agentes económicos, em flagrante e ostensiva violação de princípios constitucionalmente consagrados.

 

94. Mostrando-se que as operações registadas contabilisticamente (e que relevam custos) foram efectivamente realizadas e não se demonstrando, pelo menos indiciariamente (como não se demonstrou), que através delas se pretendeu a título exclusivo ou fundamental a prossecução de outros interesses que não os de própria sociedade, então, mais não resta senão aceitarem-se os custos aqui em causa.

 

95. Através da noção de Indispensabilidade acima decantada (ainda que ela hoje se mostre apartada da letra da lei, concretamente do art.º 23º do CIRC), compatibiliza-se, por um lado, a liberdade de gestão das empresas e, por outro, a salvaguarda dos interesses tributários do Estado, na medida em que a mesma permite a preclusão da dedutibilidade fiscal dos custos inerentes a operações não inseríveis no interesse societário, sobretudo porque não visam o lucro.

 

96. Mas só estes!

 

97. Manifestamente, entende o Tribunal Arbitral Singular que aqui estava vedado à Administração Fiscal proceder a um juízo dessa natureza: um juízo sobre o mérito de decisões empresariais; sobre uma concreta opção de gestão da aqui Requerente através da utilização de um padrão que não é o da sua integração no fim da sociedade mas antes o da sua necessidade até pela suposta ausência de ligação com a actividade da Requerente.

 

98. Com interesse para a dilucidação da questão sub judicio, importa ainda trazer à colação os ensinamentos de Rui Duarte Morais, in “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Coimbra, 2007, Pág. 87, que, a dado passo, dizem: “Se a assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – o entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social - , o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comercias, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável.”

 

99. E que a motivação para a incorrência dos custos de financiamento aqui em causa tinha por detrás, estritamente, razões de jaez empresarial, isso ficou suficientemente esclarecido ao longo do procedimento inspectivo e, nomeadamente, com a junção de todo o acervo de prova que foi feito chegar à AT (e aqui igualmente junto aos autos – Cfr. Docs. n.ºs 11 a 13 do PPA) e que dava bem nota de que os financiamentos outorgados tinham sempre por objecto a aquisição de concretos bens a afectar ao exercício da actividade societária da Requerente, donde, forçada é a desconsideração empreendida, maxime, por aplicação do rácio – empréstimos obtidos/concedidos -, já que os custos em que incorreu a Requerente (e que, em parte, a AT desconsiderou) nada têm a ver com a relevação de relevantes operações nas subcontas da conta SNC 268 e com isso com o suposto financiamento concedido aos accionistas da Requerente.

 

100. Ademais, a hermenêutica que o Tribunal sustenta como adequada para o art.º 23º do CIRC, vai no sentido de que são dedutíveis, do ponto de vista fiscal, desde que devidamente comprovados (e, in casu, não vem controvertida a existência de prova), todos os custos que se possam considerar indispensáveis para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

 

101. Claramente, o legislador fiscal abandonou o critério da razoabilidade que constituía um poder discricionário da administração no regime anterior do Código da Contribuição Industrial.

 

102. Assim, sobre a Administração Tributária, caso queira colocar por em causa custos (devidamente documentados) em que incorrem os sujeitos passivos, impende o ónus da prova de que aqueles custos não são indispensáveis para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

 

103. O STA vinha firmando jurisprudência no sentido de que a indispensabilidade “constitui um conceito indeterminado necessitando de preenchimento”. Deixou, no entanto, claro que “não só o poder da Administração é rigorosamente vinculado como não existe qualquer margem de livre apreciação por parte da mesma, não havendo que formular juízos de oportunidade, mas de tipo cognoscitivo, pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis.”

 

104. Ora, no caso sub judicio, a natureza das despesas que se pretendem colocar em causa para efeitos fiscais, é a de despesas com aparente finalidade empresarial e em função de tudo quanto supra se aduziu e ficou suficientemente demonstrado nos autos, os encargos financeiros em que incorreu a Requerente correspondiam a efectivos custos associados a financiamentos que aquela contratou para a aquisição de concretos activos que afectou ao exercício da sua actividade societária, sendo que, mesmo admitindo, em tese, que alguns dos respectivos financiamentos outorgados (para reforço de liquidez ou fundo de maneio, como, v.g., o reforço ou a constituição de contas caucionadas) houvessem tido por fito permitir à mutuária obter disponibilidades que depois viriam a permitir também a relevação de operações nas subcontas da conta SNC 268 (não se exigindo dos sócio que saldassem a conta-corrente que detém com a Requerente), tais indirectos “financiamentos”, rectius, tal concessão de facilidades aos accionistas (ainda que disponibilidade aquela não remunerada), sempre poderiam estar ligados à expectável realização de operações activas, ou seja, sempre poderiam estar ligadas à obtenção ou a garantir rendimentos sujeitos a IRC.

 

105. Face à hermenêutica empreendida, continua a entender o Tribunal que estamos perante custos efectivos que têm ligação à actividade empresarial da aqui Impugnante e que, por isso, terão contribuído para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, pelo que não parece curial invocar-se a questão da ausência de ligação à obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC para o afastamento ou desconsideração daqueles custos para efeitos fiscais, já que se pode encontrar aqui o estabelecimento da tal relação causal e justificada da sua incorrência com a actividade produtiva da empresa a que aludida António Moura Portugal e aqui se renova.

 

106. Se sobre a Administração recaia, como já acima se aludiu, o ónus da prova que colocasse em causa a ligação do custo à actividade sujeita a IRC e pouco foi expendido a tal propósito, donde, a desconsideração suportada em tal fundamento sempre deveria ser considerada inverosímil porquanto inviável, para além de, como dito, infundamentada.

 

107. Acresce que, como já acima referido, o valor probatório da contabilidade e a presunção de validade que lhe está associada, obstava a que a Administração desconsiderasse tais custos sem que demonstrasse, pelo menos indiciariamente, a sua inexistência ou a sua manifesta incorrência no interesse de terceiros, o que não logrou fazer.

 

108. Face ao exposto, resulta claro para o Tribunal que o art.º 23º do CIRC, não legitimava a AT a concretizar as correcções entretanto empreendidas, donde, as correcções que se encontrem estribadas nas propostas que resultaram da acção inspectiva e que constam do Relatório de Inspecção e depois vieram a materializar parte das liquidações que aqui se sindicam, não podem deixar de estar feridas de ilegalidade.

 

109. Atendendo a que, como aliás patenteámos, a Administração Tributária não demonstrou a falta de veracidade das declarações do contribuinte, elas têm de continuar a presumir-se verdadeiras, sendo certo, em função disso, que a possibilidade de desconsideração dos custos efectivamente contabilizados e a deduzir para efeitos de determinação da matéria colectável em sede de IRC não pode colher, donde, as propostas de correcção aqui controvertidas e as liquidações que as vieram a materializar e que aqui igualmente se sindicam, não podem deixar de estar enfermadas de ilegalidade.

 

110. Termos em que decide o Tribunal que os custos aqui em causa se nos apresentam como suportados para a obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a IRC, preenchendo, assim, os requisitos previstos no art.º 23° do CIRC, pelo que as correcções propostas e as liquidações que as materializaram e aqui sindicadas, estão enfermadas de ilegalidade dado que a não aceitação dos custos em questão viola de forma expressa e inequívoca o citado art.º 23º do Código do IRC.

 

111. É bem certo que para se afastar a presunção de veracidade da contabilidade, bastará à AT demonstrar a existência de indícios de que a mesma não reflecte a matéria colectável real do sujeito passivo e, in casu, bastaria que trazer para o procedimento indícios consistentes de que os encargos financeiros aqui em causa não relevavam para efeitos do art.º 23º do CIVA para se demonstrar que, tendo eles relevado para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente, não reflectiam a matéria tributável real do sujeito passivo. E a tal propósito praticamente calou a AT, limitando-se a dizer, por um lado, que a aqui Requerente contratou financiamentos relevantes e incorreu, com isso, em custos e, por outro, que “financiou” a título gratuito os seus accionistas por relevação de relevantes operações nas respectivas subcontas da conta SNC 268, retirando daí que na proporção dos montantes “financiados” os custos incorridos não eram aceites fiscalmente.

 

112. Repisando-se no sentido de que quanto à prova de que os empréstimos obtidos foram cedidos no todo ou em parte aos seus accionistas nada de relevante foi levado ao Relatório, sendo certo até que se alguma prova foi carreada para o procedimento inspectivo e depois para os autos é a de que o endividamento outorgado foi inequivocamente destinado à satisfação de necessidades próprias da aqui Requerente e nada teve a ver com o “financiamento” aos seus accionistas.

 

113. Isto dito, conclui o Tribunal Arbitral Singular que a AT não demonstra a existência de consistentes indícios de que os saldos devedores das subcontas da conta SNC 268 configuram ou podem reflectir a existência de financiamentos por parte da Requerente aos seus accionistas, pelo que deve prevalecer a presunção de veracidade dos elementos contabilísticos que consubstanciam a contabilidade da Requerente, não se verificando os pressupostos de actuação da Requerida no que tange à correcção pretendida por aquela e aqui sindicada.

 

114. Desde logo, porquanto o mero reconhecimento de que uma subconta de uma conta 268 possa ter um saldo devedor não pode, ipso facto, levar à consideração de que por via de tal circunstancialismo foram os accionistas da Requerente financiados.

 

115. Assim o ditam as regras de experiência comum.    

 

116. A Requerida não demonstrou os pressupostos da sua atuação, tendo, é certo, evidenciado a contratação de empréstimos geradores de encargos financeiros na esfera da Requerente, mas não a concessão, por parte desta sociedade, de empréstimos a outras entidades relacionadas, nomeadamente aos seus accionistas, sendo que só incumbia ao sujeito passivo provar a adequação da dedutibilidade dos custos em que incorreu (mesmo os colocados em causa pela AT) se a AT demonstrasse, ao menos de forma indiciária (o que não logrou fazer), que os encargos financeiros contabilizados pela Requerente não eram susceptíveis de relevar para efeitos do art.º 23º do CIRC.

 

117. Neste sentido veja-se a alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT.

 

118. Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular no sentido de que as liquidações controvertidas, na parte ligada à desconsideração dos encargos financeiros aqui em causa, enfermam de ilegalidade, dado que a não aceitação dos custos em causa viola de forma expressa e inequívoca o citado artigo 23° do CIRC.

 

IV.D3) APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA – GASTOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DOS TRABALHADORES:

 

119. No ponto dedicado ao thema decidendum, dizia o Tribunal que importava apurar se os gastos com compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhadores estavam convenientemente documentados e se, por isso, podiam subsumir-se na alçada do art.º 23.º e alínea h) do n.º 1 do art.º 23-A do CIRC; ou dizendo de outro modo, apurar se os mapas denominados como “compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”, elaborados pela Requerente no decorrer dos exercícios de 2016 e 2017, em conformidade com os requisitos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, evidenciavam informação correcta e fidedigna, uma vez concatenados com a informação transmitida pelo IMT a solicitação da Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito dos poderes inspectivos que aquela legalmente detém.

 

120. Estatui o art.º 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (doravante RCPITA), publicado no Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, no sentido de que “[O] procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.”

 

121. O acima transcrito art° 6.º do RCPITA, não é uma norma meramente programática, sendo antes uma regra de conduta imperativa que não pode deixar de nortear a actuação dos Serviços de Inspecção Tributária. Dando a AT cumprimento ao aludido princípio da verdade material em sede de Inspecção Tributária, tinha de realizar as diligências necessárias no sentido de saber se a informação constante dos mapas denominados como “compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”, se mostrava fidedigna.

122. Além de que a AT, no âmbito do procedimento tributário, está também sujeita ao princípio do inquisitório (cfr. art.º 58.º da LGT), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade impõe que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai alicerçar a sua decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais que Administração Tributária visa acautelar.

 

123. O princípio do inquisitório e da verdade material tem assento constitucional (cfr. art. 266.º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a actividade administrativa, de que são exemplo, além do citado art.º 6.º do RCPITA, os art.ºs 13.º do CPPT, e os artigos 55.º, 59.º, 63.º/1 e 99.º da LGT, bem como os artigos 58.º e 115.º e segs.. do CPA. Este princípio fundamenta-se na obrigação de a Administração prosseguir o interesse público (artigo 266.º/1 da CRP e artigo 55.º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266.º/2 da CRP e artigo 55.º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgãos administrativos estão subordinados e que integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa.

 

124. Não devendo olvidar-se que a AT dispõe da possibilidade de, no exercício das suas competências, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente, de harmonia com o artigo 63.º, n.º 1, alínea d) da Lei Geral Tributária, “solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas.”

 

125. E por força do princípio constitucional do inquisitório e da verdade material e demais normativos infra constitucionais acima explicitados, a Administração Tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, nem está limitada ao que lhe possa advir por aquela via no âmbito de um concreto procedimento tributário, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão.

 

126. E, in casu, entende o Tribunal que a Administração Tributária e Aduaneira, respeitando a lei, procedeu a todas as diligências complementares e essenciais, a que estava obrigada, para a busca da verdade material.

 

127. E na posse dos denominados “Mapas de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” a AT poderia efectivamente requerer a colaboração do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (doravante IMT) no sentido daquele instituto informar o número de quilómetros percorridos pelos veículos ali identificados e inspecionados nos Centros de Inspecção Técnica.

 

128. E podia fazê-lo nos termos e em conformidade com o disposto nos artºs. 6.º, 9.º, n.º 2 e al. d) do n.º 2 do art.º 28.º do RCPITA.

 

129. Com interesse para a dilucidação da questão sub judicio e donde igualmente se pode intuir que à AT não estava vedada a actuação que levou à prática, importa agora transcrever parte da decisão tirada no processo arbitral n.º 730/2019-T que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDA5MTcwMDExMDMwLlA3MzBfMjAxOS1UIC0gMjAyMC0wNy0wOS0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e onde a dado passo se diz: “Note-se, de forma lateral, que os Centros de Inspeção devem, neste domínio, colaborar com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.(IMT). É sabido que, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, os centros de inspeção técnica exercem a actividade de inspecção de veículos, ao abrigo de um contrato de gestão, que abrange a delegação do exercício do poder público de inspecção de veículos (conferida, de forma primária, à Direcção-Geral de Viação, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto- Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que altera o Código da Estrada). Neste contexto, podendo entender-se que os dados fornecidos pelo IMT configuram dados pessoais certo é que no contexto da atividade inspectiva prosseguida pela AT não se encontra impedida a transmissão de dados, por entidades públicas, à AT. A propósito da atividade inspectiva prosseguida pela AT, é a própria Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), ainda que referindo-se expressamente a faturas, que considera não ser discutível, sendo, portanto, aceitável, “a necessidade de acesso pela AT a dados pessoais constantes de faturas em sede de atividade inspetiva (…)”. (A nota de rodapé n.º 1 diz a fls. 13 daquela decisão: “Assim, cfr. processo PAR/2020/43, de 15 de junho de 2020, p. 2, in fine, disponível em www.cnpd.pt De forma diversa, a mesma CNPD conclui que, quando se trata do exercício das funções de liquidação de impostos e com o objetivo de simplificação do cumprimento das obrigações fiscais, “esse acesso não se revela imprescindível e é, manifestamente, excessivo”.) O próprio IMT refere, no seu site, que “(…) pode partilhar dados pessoais com entidades externas de natureza pública e privada, sempre que considerado indispensável à prossecução da sua missão” incluindo-se aqui, naturalmente, o cumprimento do dever de cooperação com entidades públicas que o vincula. Observe-se que, no caso sub judice, o acesso à informação não está limitado pelo disposto nos n.ºs 2, 3 e 5 do art.º 63.º da LGT, uma vez que não se trata de informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado dependente de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, não se tratando de acesso a informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no regime jurídico do contrato de seguro, nem do acesso a factos da vida intima dos cidadãos, e violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei. (A nota de rodapé n.º 2 diz a fls. 13 daquela decisão: A este propósito, numa situação em que estava em causa o levantamento de sigilo profissional, cfr. decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 7 de novembro de 2019, no processo 1606/17.4T8PVZ.P1

(http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f62bcb4c7174c4d180258 4cd003ea4a0?OpenDocument)”

 

130. É bem verdade que o processo administrativo a apresentar pela entidade demandada em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro (RJAT) não tem junta a informação trocada com o IMT, estando, tão-só, reproduzido tal acervo informativo no texto do Relatório de Inspecção.

 

131. É sabido que segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC e artigo 16.º alínea e) do RJAT). Apenas quando a força probatória se encontra estabelecida na lei, nomeadamente no caso de força probatória plena dos documentos autênticos, prevista no artigo 371.º do Código Civil, não é aplicado o princípio da livre apreciação da prova produzida.

 

132. E assim sendo, a questão que agora se coloca é a de saber se para o Tribunal a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrou, nos presentes autos, que os “Mapas de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” apresentados pela Requerente no decorrer do procedimento inspectivo eram incorrectos e inconsistentes, sendo que, para o efeito, adequado se mostrava trazer também à colação a questão do valor probatório do relatório de inspecção, o que doravante se efectivará. 

 

133. Dispõe o art.º 76º da LGT como segue: “[A]s informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.”

 

134. Daquele normativo é possível intuir a vigência de uma presunção legal de veracidade das informações prestadas pela inspecção tributária (quando ali se diz que elas “fazem fé”), relativa aos factos objetivos (informações) que são relatados no Relatório de Inspeção, donde, o correspondente valor probatório de tais informações é expressamente firmado na letra da lei, sendo certo que essa força probatória é obviamente ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objetivas, nele atestadas.

 

135. Claro está que tal força probatória do Relatório de Inspecção não se estende às conclusões ou ilações retiradas pelos agentes inspectivos; ela está estritamente conformada às informações fundamentadas e baseadas em critérios objectivos (factos objectivos). Qualquer subjectivismo que possa rodear tudo quanto está relatado (v. g. ilações, conclusões, apreciações pessoais, opiniões, etc.) não está, obviamente, coberto pelo valor probatório conferido pelo art.º 76º da LGT.  

 

136. Partindo, então, do valor probatório das informações objectivas e fundamentadas constantes do Relatório de Inspecção, sabendo-se que elas fazem, nos termos do que dispõe o art.º 76.º da LGT, fé em juízo, analisemos doravante o conteúdo da informação transcrita no Relatório e proveniente do IMT. Vejamos, então, se tal acervo informativo encerra informação objectiva e não apenas opiniões, ilações, apreciações pessoais do agente inspectivo, ou até posição de princípio ou meramente conclusiva de quem inspeccionou.

 

137. E a tal propósito diz-se a fls. 22 do Relatório que “[P]ara validação desses dados [constantes dos mapas de “compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” apresentados pela Requerente] foram solicitados junto do IMT os dados referentes às inspecções dos veículos selecionados, bem como a consulta da propriedade dos veículos indicados pelos colaboradores da A... .” Tal como está, v.g., a fls. 22 do Relatório de Inspecção, os dados enviados pelo IMT referem: i) a matricula do veículo selecionado; ii) as várias datas em que ocorreram as inspecções periódicas; iii) o código do centro de Inspecção onde esta foi realizada; iv) o tipo de inspecção – invariavelmente, in casu, inspecção periódica; v) o número de ficha de inspecção; vi) o resultado da inspecção – se aprovado ou não; vii) o número de quilómetros percorridos que o contador evidenciava no momento da inspecção.      

 

138. Estamos aqui nos antípodas da opinião, da ilação, das apreciações pessoais do agente inspectivo, ou até de qualquer posição de princípio ou meramente conclusiva de quem inspecionou. Parece evidente que a informação enviada pelo IMT e transcrita o RIT não pode deixar de consubstanciar factos objectivos que não contêm qualquer juízo pessoal ou conclusivo do autor do Relatório e, por isso, entende o Tribunal, fazem fé em juízo em conformidade com o disposto no art.º 76.º da LGT.

 

139. A Requerente, pretendendo validamente contrariar o conteúdo factual/objetivo da informação enviada pelo IMT e constante do Relatório de Inspecção, não pode limitar-se: i) a dizer que a AT não juntou nenhum documento que pudesse comprovar os factos que alega – ou seja, a ausência de prova documental; ii) a impugnar tudo quanto é referido no Relatório para a AT sustentar que os elementos remetidos pelo IMT não são compatíveis com os mapas de suporte ao pagamento das ajudas de custo; iii) a invocar o n.º 1 do art.º 75.º da LGT e a presunção de veracidade de que beneficiam as declarações da Requerente; iv) e ainda a aduzir  argumentário no sentido de que “(...) o único facto passível de ser provado através dos dados constantes do IMT (parecendo aceitar, pelo menos implicitamente, a sua existência) é que, na data em que foi realizada a inspecção automóvel, o conta-quilómetros apresentava aquele valor, e não, como erradamente refere a AT, “o total de KMs que o veículo efectivamente percorreu”; v)  e ainda de que “[S]ão variadíssimos os motivos pelos quais o valor indicado no conta-quilómetros nem sempre corresponde aos quilómetros efectivamente percorridos pela viatura.”; vi) ou até que: “[C]omo é, aliás, consabido, para além das razões patológicas decorrentes da adulteração dos conta-quilómetros (designadamente para efeitos de valorização do veículo em eventual revenda, o que nos veículos antigos podia ser feito por via mecânica e nos mais recentes pode igualmente ser feito, sendo a via electrónica a mais comum), muitas razões existem para que essa divergência possa ocorrer: v.g., o conta-quilómetros ter avariado (ainda que não tenha avariado o respectivo velocímetro) ou ter sido trocado.”

 

140. Desde logo, porquanto, o facto de não estarem, no RIT, documentalmente comprovadas as informações enviadas pelo IMT, mas, tão-somente, ali transcritas, não lhes retira a “fé” (presunção legal de veracidade) de que gozam os factos objetivos relatados.

 

141. A presunção legal de veracidade é relativa aos factos objetivos relatados no RIT (não abrangendo as opiniões pessoais de quem o elabora), devidamente fundamentados, ou seja, expostos segundo um raciocínio ordenado e lógico.

 

142. A presunção legal de veracidade não se reporta, como visto, aos documentos que comprovam os factos objectivos constantes do RIT.

 

143. Por outro lado, e para além da matricula de uma das viaturas (...) identificada nos mapas de suporte à atribuição das ajudas de custo já se encontrar cancelada desde 2015,  parece evidente que da informação reproduzida no RIT e  proveniente do IMT, concatenada com a informação constante dos referidos mapas, pode inferir-se um padrão: o número de quilómetros pagos relativamente a boa parte das viaturas identificadas naqueles mapas era claramente superior ao número de quilómetros percorridos entre inspecções.

 

144. Assim sendo, não podem colher as vagas explicações avançadas pela Requerente, concordando o Tribunal com a Requerida quando a dado passo da sua resposta aduz no sentido de que em caso de adulteração ou avaria do conta-quilómetros competiria àquela provar tal adulteração ou avaria.

 

145. Dizíamos acima que o valor probatório dos factos (objetivos constantes do RIT) podia ser ilidido por prova do contrário.

 

146. A “fé” creditada às informações (objetivas) constantes do Relatório de Inspeção Tributária poderia ser afastada por meio de prova em contrário que mostrasse não ser verdadeiro o facto correspondente.

 

147. E quanto às informações provenientes do IMT a Requerente não ofereceu prova bastante para abalar a “fé” de que gozam tais factos objetivos constantes do RIT. Não bastava à Requerente negar as informações objectivas provenientes do IMT, impugná-las ou simplesmente contestar a sua força probatória por falta de documentos que as comprovassem. O facto de não constarem do RIT todos os documentos de suporte aos factos relatados não impede que se considerem provados, se contra eles a Requerente não ofereceu prova bastante para abalar a “fé” de que gozam os factos objetivos constantes do Relatório.

 

148. Relativamente aos factos objetivos constantes do Relatório provenientes do IMT, a Requerente não conseguiu provar o contrário ou mesmo sobre eles gerar a dúvida razoável que atento o princípio da liberdade de apreciação da prova pudesse levar o tribunal a entendimento diferente.

 

149. Já a Requerida demonstrou, nos presentes autos, que os registos nos mapas denominados por compensação por deslocação em viatura própria apresentados pela Requerente, eram incorrectos  e inconsistentes, o que ficou claramente evidenciado pela informação remetida pelo IMT e transcrita no RIT, através da qual é possível concluir que há um número de quilómetros pagos superior aos percorridos no período entre inspecções ou até que há uma viatura que tinha a matrícula cancelada desde 2015, pelo que entende o Tribunal Arbitral Singular que tais mapas não contêm informação fidedigna, pelo que não podem ser aceites para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

 

150. Assim sendo, soçobram as pretensões da Requerente a este propósito. 

 

IV.D4) APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA – DEDUÇÕES POR LUCROS RETIDOS E REINVESTIDOS (DLRR):

 

151. A Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (doravante DLRR) encontra-se prevista no Capitulo IV do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro e constitui um regime de incentivos fiscais ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas, sujeito às regras comunitárias, nos termos do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), conforme prevê o n.º 3 do art.º 1.º do CFI e, bem assim, o art.º 27.º do mesmo diploma.

 

152. Cumpridos os demais requisitos constantes dos artigos 27.º a 33.º do CFI tendentes à fruição do benefício fiscal da DLRR, tal benefício está sujeito às regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado, nos termos do RGIC e de acordo com o art.º 11.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

 

153. Sendo que, para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 30.º do CFI, apenas são elegíveis as aplicações relevantes em ativos aí previstos que respeitem a um “investimento inicial”, tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 2.º da mesma portaria, a qual remete para a definição prevista na alínea a) do § 49 do art.º 2.º do RGIC, que considera investimento inicial: i)  Os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento; ii)  O aumento da capacidade de um estabelecimento já existente; iii) A diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento; ou iv) Uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

 

154. Uma vez que, in casu, o valor reinvestido foi inferior a 10% dos lucros retidos no ano de 2014, a Requerente repôs o benefício fiscal fruído no ano de 2014, no exercício de 2016. Tal reposição cifrou-se em 11.800,43 €. Não obstante, relativamente aos restantes 8.521,06 €, não repostos voluntariamente pela Requerente, entendeu a AT em sede inspectiva que igualmente deveria ser devolvido o benefício fiscal fruído e isto em  conformidade com o estatuído no art.º 34.º do CFI e em resultado da falta de enquadramento como aplicações relevantes dos bens adquiridos e de os mesmos ultrapassarem os limites legais previstos nos artigos 31.º e 43.º do CFI. 

 

155. No que tange à falta de enquadramento como aplicações relevantes dos bens adquiridos defende a AT que o “(...)   sujeito passivo deveria, igualmente, ao abrigo do artigo 30º e seguintes do CFI, e artigos 11º e 2º da Portaria 297/2015, de 21/09, demonstrar que as aplicações relevantes nos ativos aí previstos respeitam a um investimento inicial, tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da presente Portaria” (cfr. pág. 28 do Relatório de Inspecção).

 

156. A Requerente insurge-se contra tal hermenêutica dizendo, no essencial, que no momento em que deduziu o montante de 20.321,49 € à colecta do exercício de 2014, a Portaria 297/2015, de 21/09 não se encontrava em vigor, donde, “(...) aquando da constituição do benefício fiscal, a lei não sujeitava as aplicações relevantes constantes no art.º 30º do CFI ao critério adicional criado pelo art.º 11º da Portaria.”

 

157. A este propósito o Tribunal Arbitral Singular entende, acompanhando a Requerida na sua Resposta, que não obstante a Portaria n.º 297/2015, de 21/09 não se encontrar em vigor no momento em que a Requerente deduziu o montante de 20.321,49 € à colecta do exercício de 2014, o Regulamento (U.E) n.º 651/2014 da Comissão Europeia, de 16 de Junho de 2014 que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107. °e 108. °do Tratado, vulgarmente conhecido por Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC ) já estabelecia no artigo 17.º e sob a epígrafe “Auxílios ao investimento a favor das PME” o seguinte: “1.   Os auxílios ao investimento a favor das PME que operam dentro e fora do território da União devem ser compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.º 3, do Tratado, e devem ser isentos da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.º 3, do Tratado, desde que preencham as condições estabelecidas no presente artigo e no capítulo I. 2.   Os custos elegíveis devem ser um dos seguintes custos ou ambos: a) os custos de investimento activos corpóreos e incorpóreos; b) Os custos salariais estimados do emprego directamente criado pelo projecto de investimento, calculados para um período de dois anos. 3. A fim de serem considerados custos elegíveis para efeitos do presente artigo, os investimentos devem incluir: a) Um investimento em ativos corpóreos e/ou incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, alargamento de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para novos produtos adicionais ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; ou b) A aquisição dos ativos pertencentes a um estabelecimento, se forem preenchidas as seguintes condições: — o estabelecimento encerrou ou teria encerrado se não tivesse sido adquirido, — os ativos são adquiridos a terceiros não relacionados com o adquirente, — a operação é realizada em condições de mercado.”, donde, independentemente da Portaria n.º 297/2015, de 21/09 já se encontrar a vigorar ou não em 2014, por via do estatuído no referido Regulamento Comunitário, mais concretamente do disposto no § 49) do seu art.º 2º que conceituava “investimento inicial” e ainda do disposto no seu art.º 17.º acima transcrito, já o requisito legal de que os benefícios fiscais consubstanciados na DLRR apenas seriam aplicáveis relativamente a investimentos iniciais se encontrava a vigorar, considerando-se como tais os acima referidos na norma comunitária transcrita.

 

158. Isto dito se conclui que para o Tribunal, a Requerente está, efectivamente, sujeita às regras das aplicações relevantes em investimento inicial mesmo no que tange ao benefício fiscal fruído no exercício de 2014.

 

159. Assim sendo, considera o Tribunal que não são aceites fiscalmente as deduções relativas ao DLRR de 2014 na parte não reposta pela Requerente, ou seja, em montante que se cifra em 8.521,06 €, desde logo, porquanto, a Requerente não demonstrou, dando cumprimento ao disposto no art.º 30.º e seguintes do CFI, que as aplicações relevantes nos ativos respeitavam a um investimento inicial, tal como definido no § 49) do art.º 2º e no n.º 3 do e art.º 17º do Regulamento (U.E) n.º 651/2014 da Comissão Europeia, de 16 de Junho de 2014, limitando-se a aduzir no sentido de que a Portaria n.º 297/2015, de 21/09, não se encontrava a vigorar no momento em que aquela deduziu o montante de 20.321,49 € à colecta do exercício de 2014, mas olvidando que tal requisito legal era exigido por mor da vigência do direito comunitário acima identificado.

 

160. Quanto à DLRR concretizada em 2015, a Requerente indica como investimento relevante o imóvel adquirido em 2016, dizendo mais concretamente que aplicou integralmente os lucros retidos na aquisição de um armazém, pelo valor de 750.000,00 €, o qual serviu para, além de aumentar a capacidade de armazenamento do seu centro logístico, instalar um centro de programação e manutenção de softwares (Cfr. pág. 27 do Relatório de Inspecção).

 

161. Quanto ao referido investimento e em sede de procedimento inspectivo, entendeu a AT que “(...) o imóvel que o sujeito passivo indica como sendo a aplicação relevante do DLRR do ano de 2015, já era utilizado pelo sujeito passivo. Pelos documentos disponíveis, pelo menos desde 25 de novembro de 2014, (...) este armazém já lhe estava arrendado pela D... . Assim, à data da aquisição deste imóvel, através de contrato de locação financeira, em outubro de 2016, o que se verifica é apenas a transferência da propriedade do imóvel da D... para a A..., através de um contrato de locação financeira intermediado pelo Banco O... . No entanto, o mesmo já se encontrava a ser utilizado pela A... através de contrato de arrendamento, e as obras de ampliação foram realizadas pela A... no ano anterior. Em face do exposto, não se verificam os pressupostos para enquadramento como aplicações relevantes previstas nos artigos 30º e seguintes do CFI e nos artigos 11º e 2º da portaria 297/2015, de 21/09, pois o bem indicado já estava na esfera da A..., sob a forma de contrato de arrendamento, não se verificando assim que cumpra as condições indicadas na alínea d) do artigo 2º da referida portaria” (cfr. pág. 32 do Relatório de Inspecção e também do Projecto de Relatório).

 

162. Subsequentemente ao exercício do direito de audição por parte da Requerente e depois daquela questionar o porquê da existência de prévio contrato de arrendamento sobre o activo fixo tangível objecto do benefício fiscal impedir que a aquisição do mesmo não possa ser enquadrada em nenhuma das previsões constantes na referida alínea d) do artigo 2º da citada Portaria, aduzia a AT a pág. 43 e 44 do Relatório como segue: “(...) o n.º 2 do artigo 22.º (RFAI) e nº1 do artigo 30º (DLRR) do CFI estabelecem, ainda, que o investimento tem de ser feito em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo. (...) Em resumo, é entendimento da AT que um ativo fixo tangível que anteriormente à aquisição estivesse arrendado, esse ativo já não pode ser considerado como um ativo adquirido em estado de novo, porque o mesmo já tinha, ou deveria ter sido, reconhecido contabilisticamente como um ativo não corrente pelo locador, não podendo assim ser considerado como uma aplicação relevante para efeitos do artigo 22º e 30º do CFI. (...) Assim, reafirmamos que o que existiu foi somente a transferência de propriedade do edifício, mas não da sua utilização pela A..., pois este já estava, pelo menos, na sua posse, na qualidade de arrendatária, desde novembro de 2014.”

 

163. E partindo do vindo de transcrever, entende a Requerente que a AT labora numa evidente contradição na fundamentação que empreendeu do Relatório de Inspecção, estribando-a no que segue: “[T]endo a AT começado por considerar que o imóvel adquirido pela Requerente não podia ser considerado um investimento inicial para efeitos do disposto no art. 2º- 2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09 (cfr. pp. 30 a 32 do Projecto e do RIT), acabou depois por concluir, em sede de pronúncia sobre o requerimento de audição prévia, que a correcção à colecta tinha por fundamento o facto de esse imóvel não poder configurar um activo adquirido em estado de novo, para efeitos do disposto nos arts. 22º e 30º do CFI, por ter sido por ela utilizado através de contrato de arrendamento, (cfr. pp. 43 e 44 do RIT).”

 

164. E constatada a aduzida contradição, sustenta a Requerente que  “(...)não tem como saber a motivação subjacente à correcção efectuada pela AT, e na sequência da qual procedeu à liquidação de imposto do ano de 2017 aqui impugnada: - se foi o facto de o imóvel adquirido pela Requerente não poder consubstanciar um “investimento inicial” nos termos do art. 2º-2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09; ou, pelo contrário, - se foi o facto de a AT ter entendido que esse imóvel não constituía um activo fixo tangível em estado de novo, nos termos do art. 30º do CFI.” E ainda que “[A]o ter fundamentado a correcção por ela efectuada, simultaneamente (e não de forma subsidiária), com recurso ao art. 2º-2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09 e no art. 30º do CFI, a AT incorreu numa contradição manifesta, contradição essa que impossibilitou a Requerente de saber qual a concreta motivação subjacente às liquidações em causa.”

 

165. E trazendo à colação o n.º 2 do art.º 153.º do Código do Procedimento Administrativo diz a Requerente que “(...) equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto” (o sublinhado é nosso), forçoso é concluir que as liquidações objecto do presente pedido (de IRC e de juros compensatórios), tendo em consideração a referida contradição que impede o esclarecimento concreto da motivação das mesmas, enfermam de vício de forma consubstanciado na falta de fundamentação, exigível ex vi do disposto nos arts. 268º-3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 77º-1-2 da LGT.”

 

166. Ora, entende o Tribunal Arbitral Singular que a tal propósito a Requerente não tem razão. Vejamos,

 

167. O n.º 3 do art.º 268º da C.R.P., enuncia o seguinte princípio: "Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos."

 

168. O art.º 77º da LGT e o art.º 63, n.º 1 do RCPIT, concretizam aquele princípio constitucional.

169. Face ao estatuído no n.º 1 do art.º 153º do Código de procedimento Administrativo, "A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto."

 

170. Dispõe o n.º 2 do mesmo artigo no sentido de equivaler "(...) à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto."

 

171. As disposições vindas de enunciar firmam os requisitos substanciais a que deve obedecer a fundamentação dos actos administrativos em geral, neles se devendo incluir, necessariamente, os actos tributários de liquidação.

 

172. A doutrina tem entendido que a fundamentação é obscura quando os seus termos não permitam conhecer de modo claro o desenvolvimento do processo intelectual e valorativo em que assenta a decisão. Tem também entendido que existirá fundamentação contraditória quando a decisão não se conjuga, de modo lógico, com os motivos por ela invocados. Finalmente sustenta a melhor doutrina e alguma jurisprudência que a fundamentação é insuficiente nos casos em que não expõe os fundamentos de facto e de direito em que a decisão se deve apoiar.

 

173. É bem certo que a AT começou por sustentar no âmbito do procedimento de inspecção que o imóvel adquirido pela Requerente não podia ser considerado um investimento inicial para efeitos do disposto no art. 2º- 2/d da Portaria nº 297/2015, de 21/09. No entanto e na sequência do exercício do direito de audição exercido pela aqui Requerente, considerou que a correcção se estribava no facto do imóvel em causa não poder configurar um activo adquirido em estado de novo para efeitos do disposto no art.º 30.º do CFI e decidiu em conformidade considerando ilegal a DLRR efectivada pela Requerente.

 

174. Ora, assim sendo, entende o tribunal que não há qualquer contradição na fundamentação empreendida pela AT, havendo antes uma inflexão no sentido da fundamentação esgrimida que inicialmente ia num determinado sentido e que, após o exercício do direito de audição, se dirigiu num outro sentido; ou seja, a decisão final explicitada pela AT no RIT é perfeitamente compaginável com os motivos invocados naquele Relatório de Inspecção para se haver desconsiderado a DLRR sub judicio.

 

175. E não só não há contradição como menos ainda aceita o Tribunal Arbitral Singular que tal suposta contradição tenha impossibilitado a aqui requerente de saber qual a concreta motivação subjacente às correcções à DLRR entretanto efectivadas. 

 

176. A suficiência da fundamentação não é uma noção absoluta, variando em função do tipo de acto e da posição cultural do seu destinatário.

 

177. Face ao disposto no artº 77º da LGT, "A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária.” O nº 2 daquela norma refere ainda que "A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo."

 

178. O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

 

179. Sendo que o acto só estará fundamentado quando o destinatário do mesmo ficar em condições de conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, segundo o padrão de um destinatário normal - o bonus pater familiae.

 

180. Ademais, é possível o aproveitamento do acto se se constatar, com segurança, atentas as específicas circunstâncias concretas do caso, que não ocorreu uma lesão dos direitos dos interessados.

 

181. Como o dever de fundamentação tem um alcance eminentemente prático – trata-se de saber se com a informação prestada a um bonus pater familiae está em condições de conhecer o iter cognoscitivo seguido pela AT. E, in casu, parece evidente que conhecida a versão final do Relatório de Inspecção, a Requerente (independentemente da notada inflexão no que tange à fundamentação explicitada) ficou a conhecer as razões subjacentes à actuação da AT. 

 

182. A questão que se deve trazer à colação é a de saber se com os elementos fornecidos pela AT e que constam do Relatório Final de Inspecção, podemos afirmar que se facultou ao contribuinte fundamentação suficiente para lhe permitir  uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa, podendo a aqui Requerente formular um juízo de concordância, ou discordância, com as respectivas correcções ali propostas, atacando a legalidade do acto tributário de liquidação, ou seja, colocando em crise os fundamentos que o estão e estribar?

 

183. E que com a fundamentação conhecida não só a Requerente ficou em condições de atacar a suposta ilegalidade do acto tributário de liquidação ora submetido a julgamento, como aliás, sobejamente o efectivou; como também o tribunal, nesta sede, ficou em condições de sindicar a legalidade de tal decisão.

 

184. Soçobra, assim, o argumentário subjacente à falta de fundamentação das correcções empreendidas, sendo evidente que não é por falta de fundamentação que a correcção efectuada pela AT ao exercício de 2017, que impõe a reposição do benefício fiscal de 16.506,39 € decorrente de DLRR, materializada na Declaração Modelo 22 reportada àquele exercício, enferma de ilegalidade por vício de forma, não inquinando tal circunstancialismo, por isso, a liquidação daí resultante.

 

185. Defendendo a Requerente que a aquisição do imóvel aqui em causa constituía um investimento inicial para efeitos da alínea d) do n.º 2 do art.º 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro.

 

186. Sem mais delongas, o Tribunal Arbitral Singular aceita que a aquisição do armazém pela Requerente consubstanciou efectivamente um investimento inicial para os aludidos efeitos.

 

187. Não obstante, mister é saber se tal aquisição se pode configurar como um investimento num activo em estado de novo.  

 

188. No que respeita aos ativos fixos tangíveis elegíveis para efeitos do benefício fiscal DLRR, o n.º 1 do art.º 30.º do CFI determina que os mesmos devem ser adquiridos em “estado de novo”, sem que o CFI contenha qualquer definição de "estado de novo". Não devendo olvidar-se que nem mesmo o RGIC, diploma comunitário que serviu de base à criação do beneficio fiscal relativo à DLRR, contém tal definição.

 

189. A Autoridade Tributária e Aduaneira, para efeitos da DLRR, tem vindo a considerar que um ativo fixo tangível é considerado em "estado de novo" se não integrou anteriormente o ativo não corrente da empresa que pretende usufruir do benefício fiscal ou de qualquer outra empresa. Vem ainda defendendo a AT que, para tal efeito, é a qualificação do próprio ativo que releva e não o facto de estar ou não “devidamente” contabilizado como tal na esfera do anterior proprietário/transmitente. Ainda que o anterior proprietário fosse uma pessoa singular que não possuísse contabilidade, o raciocínio não se alteraria, porque o que interessa é a qualificação do próprio ativo.

 

190. Não vê o Tribunal Singular razões substanciais para divergir da exegese firmada pela AT. Senão vejamos,

 

191. O SNC entrou em vigor em Portugal em 1 de Janeiro de 2010.

 

192. O DL n.º 98/2015, de 2 de Junho, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2016 e transpõe para o normativo interno a Diretiva n.º 2013/34/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas.

 

193. Relevando um conjunto de instrumentos, descritos no anexo ao DL 98/2015, de 2 de Junho, relativos ao referencial contabilístico com vista à normalização contabilística . São eles: i) Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF); ii) Modelos de demonstrações financeiras (MDF); iii) Código de contas (CC); iv) Normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF);Normas contabilísticas e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF PE); v) Normas contabilísticas e de relato financeiro para entidades do sector não lucrativo (NCRF-ESNL); vi) Normas contabilísticas para microempresas (NC-ME); vii) Normas interpretativas; viii) A estrutura conceptual [EC], baseada no anexo 5 das «Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho», publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003, que enquadra aqueles instrumentos, constitui um documento autónomo.

 

194. O balanço é a mais importante peça das demonstrações financeiras.

 

195. A NCRF 1 – Estrutura e conteúdo das demonstrações financeiras, tem por objectivo “(...) prescrever as bases quanto à estrutura e conteúdo do balanço, da demonstração dos resultados, da demonstração das alterações no capital próprio e do anexo.”

 

196. No balanço activo e passivo encontram-se divididos em «não corrente» e «corrente».

 

197. Nos parágrafos 14 a 20 da NCRF 1 está a explicação exaustiva do que deve entender-se como como activo e passivo corrente e activo e passivo não corrente. Esta nova classificação corresponde, grosso modo, ao “antigo” médio/longo prazo e curto prazo.

 

198. Os § 14 e 15 da NCRF 1 dizem “Um ativo deve ser classificado como corrente quando satisfizer qualquer dos seguintes critérios: a) Espera-se que seja realizado, ou pretende-se que seja vendido ou consumido, no decurso normal do ciclo operacional da entidade; b) Esteja detido essencialmente para a finalidade de ser negociado; c) Espera-se que seja realizado num período até doze meses após a data do balanço; ou d) É caixa ou equivalente de caixa, a menos que lhe seja limitada a troca ou sejam usados para liquidar um passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço.”

 

Todos os outros ativos devem ser classificados como não correntes. Já o § 15 da NCRF 1 dispõe no sentido de que “Esta Norma usa a expressão "não corrente" para incluir ativos tangíveis, intangíveis e financeiros cuja natureza seja de longo prazo”.

 

199. Por outro lado, o § 6 da NCRF 8 refere: “Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados: Ativo corrente: é um ativo que satisfaça qualquer dos seguintes critérios: a) Se espera que seja realizado, ou se pretende que seja vendido ou consumido, no decurso normal do ciclo operacional da entidade; b) Esteja detido essencialmente para a finalidade de ser negociado; c) Se espere que seja realizado num período até doze meses após a data do balanço; ou d) Seja caixa ou equivalente de caixa a menos que lhe seja limitada a troca ou sejam usados para liquidar um passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço. Ativos não correntes: são ativos que não satisfaçam a definição de ativo corrente.”

 

200. Resultando daqui que a aquisição do armazém que foi objecto de arrendamento por um período inicial de 5 anos (o que resulta da cláusula 4ª do vínculo contratual que consubstanciou o aludido arrendamento, tal como muito bem diz a Requerida no ponto 140 da sua Resposta, tendo a Requerente, em execução daquele vínculo contratual, figurado ali como arrendatária desde 1 de Janeiro de 2013), deveria ser relevada contabilisticamente como activo não corrente e mais concretamente como activo fixo tangível, donde, tal imóvel, integrou (ou deveria ter integrado) o ativo não corrente da D... não podendo considerar-se como activo em estado de novo. 

 

201. Como muito bem enfoca a Requerida, o § 6 da NCRF 7 diz a dado passo: “Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados: Activos fixos tangíveis: são itens tangíveis que: (a) sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera que sejam usados durante mais do que um período.”

 

202. Inferindo-se dali que os activos detidos para arrendamento (sendo que a outorga do contrato por um período inicial de 5 anos não deixa antever senão que o fito de tal aquisição era a locação por um período longo, o que não é compatível com um arrendamento de curta duração tendente à obtenção de rendimentos enquanto se não encontrasse comprador para o referido imóvel ) não podem deixar de ser relevados como activos fixos tangíveis, logo, como activos não correntes.  

 

203. É bem verdade que o § 6 da NCRF 18 dispõe no sentido de que “Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados: Inventários: são ativos: a) Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial; b) No processo de produção para tal venda; ou c) Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.”

 

204. Não obstante a Requerente afirmar que a D... tem por objecto, v.g., a compra, venda e administração de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. certidão permanente disponível para consulta in https://eportugal.gov.pt, com o código de acesso ...) e que só por lapso relevou contabilisticamente o referido imóvel como activo fixo tangível e, por isso, como activo não corrente, o que releva é que atento o vínculo de arrendamento firmado e atentos os contornos que rodearam a vontade das partes ali expressa, entende o Tribunal que tal activo deveria ter sido desde logo relevado como activo fixo tangível e não como inventário.

 

205. Em jeito de conclusão se dirá que como a própria Requerente admite, o imóvel em causa fez parte do ativo da D... . Tal imóvel foi adquirido pela D... para o desenvolvimento da sua atividade (ativo não corrente), estando (ou devendo estar), por isso, contabilizado como tal na esfera da anterior proprietária, pelo que, de acordo com aquilo que tem sido o entendimento da AT e que o Tribunal Arbitral Singular acolhe, embora o imóvel em causa se qualifique como um ativo fixo tangível, não pode ser considerado adquirido em “estado de novo”, para efeitos do benefício fiscal relativo à DLRR, conforme determina o n.º 1 do artigo 30.º do CFI.

 

 

IV.D5) APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA – FUNDAMENTAÇÃO SUCESSIVA OU “A POSTERIORI”:

 

206. Finalmente e quanto à circunstância de a AT haver alterado a fundamentação inicialmente firmada e levada ao conhecimento da Requerente, ou seja, quanto ao argumentário esgrimido pela Requerente em sede de alegações de que a AT fundamentou a reposição do benefício fiscal DLRR de 2014 com base no art.º 11º da Portaria n.º 297/2015, de 21.9 e que a Requerida, em sede de contestação, veio defender que não obstante tal Portaria não se encontrar em vigor à data da entrada em vigor daquele benefício, os investimentos por aquela realizados não seriam elegíveis à luz do art.º 17.º do RGIC, diz a Requerente que “(...) admitir-se esta fundamentação sucessiva equivaleria a denegar à Requerente a garantia consubstanciada no direito à fundamentação dos actos praticados pela Administração, e abriria um perigoso precedente a que a AT pusesse a funcionar em seu benefício o direito à tutela jurisdicional efectiva de que gozam os particulares por ela administrados, aproveitando o direito de impugnação dos actos lesivos por ela praticados para corrigir eventuais erros por ela cometidos em sede procedimental, pelo que não poderá ser acolhida a fundamentação aduzida na Resposta, no que concerne à aplicação do art. 17º do RGIC.”

 

207. O que dizer?

 

208. É verdade que quanto à fundamentação da decisão subjacente ao ato tributário tem de se concluir que a mesma tem que constar da notificação ao destinatário, devendo ser contemporânea desta.

 

209. Não sendo admissível uma fundamentação a posteriori, através da qual se alterem ou acrescentem elementos que não constavam da fundamentação da decisão notificada.

 

210. O que significa que, além das características inerentes à fundamentação, já acima enunciadas – tem que ser expressa, clara, suficiente, coerente – poder-se-á adiantar uma outra, configurando a necessidade de a fundamentação da decisão ter que ser atual devendo ser efectuada, in totum, no momento em que é notificada a decisão final e não posteriormente. 

211. Donde se infere que a fundamentação a posteriori não é admissível.

 

212. A fundamentação tem de integrar-se no próprio acto e ser contemporânea dele.

 

213. A este propósito a concordância com a Requerente é total. 

 

214. A jurisprudência emanada dos tribunais superiores vai repudiando também a fundamentação a posteriori.

 

215. A fundamentação a posteriori é irrelevante para a decisão judicial que vai apreciar a legalidade de um concreto acto tributário de liquidação, na medida em que não será com base na fundamentação subsequente que poderá ser aferida a eventual legalidade do acto tributário sindicado judicialmente. Neste sentido veja-se o Acórdão do STA, tirado no âmbito do Processo n.º 0324/15, de 27-01-2016, onde se diz: “O tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade à luz da sua fundamentação contextual. Sabido que o direito à fundamentação dos actos administrativos reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais.”

 

216. Traga-se ainda à colação o vertido no Acórdão do STA de 4.10.2017, Processo n.º 0406/13, que a dado passo refere: “[A] fundamentação por remissão, como é a do acto impugnado, obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido. Não contendo tal informação, com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da decisão, estamos perante a falta de fundamentação do acto administrativo, de acordo com o disposto no art.º 125, n.ºs 1 e 2 do CPA velho, que é o aqui aplicável: a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação. Por seu turno, a falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade que determina a sua anulabilidade. É certo que ulteriormente, como bem refere a sentença recorrida, já́ em sede de reclamação graciosa, na informação n.º 115-AJT/05, que foi apropriada pela decisão de indeferimento proferida no âmbito daquele meio de impugnação graciosa (cfr. pontos 4. e 6. da factualidade dada como assente), a AT veio dizer que o comprovativo da “qualidade de não residente” era exigido pelo n.º 1 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 215/89, bem como, no que se refere aos emigrantes, pelo n.º 1 da Portaria n.º 1476/95, de 23 de Dezembro. No entanto, como ficou já́ dito e a sentença judiciosamente registou, esta fundamentação a posteriori não pode ser relevada quando estamos a sindicar a legalidade da liquidação sob a óptica do cumprimento do dever legal de fundamentação.”

 

217. A fundamentação a posteriori que completasse, clarificasse ou até mesmo se pudesse configurar como tendo um carácter inovador, quando comparada com a fundamentação do acto tributário notificado ao interessado, colocaria em causa princípios de segurança jurídica e até poderia coartar os direitos de defesa do interessado que a jurisprudência e a doutrina claramente não aceitam.

 

218. Ainda assim, in casu, entende o tribunal que não há verdadeiramente fundamentação a posteriori, mas sim e quando muito errada indicação do normativo aplicável (o indicado não estava em vigor) entretanto corrigida na resposta.

 

219. E assim sendo, subscreve este tribunal arbitral a jurisprudência que dimana do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8.6.2011, tirada no âmbito do Processo n.º 068/11 e que está sumarizada como segue: “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável [in casu, não seria a falta de indicação expressa mas antes a sua errada indicação já que foi referido normativo que constata de Portaria ainda não em vigor à data dos factos], a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”

 

220. Na fundamentação jurídica daquela decisão diz-se ainda com interesse para a dilucidação da questão submetida a julgamento: “Em relação à suficiência da fundamentação de direito (no caso, da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário) a jurisprudência deste STA tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos pertinentes ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. o acórdão desta Secção do STA, de 17/11/2010, rec. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada), sendo que estas características dizem respeito à exigência da fundamentação formal do acto tributário, sendo distintas da chamada fundamentação substancial (esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico) - cfr. entre muitos, o ac. desta Secção do STA, de 17/11/2010, rec. nº 1051/09, bem como a abundante jurisprudência nele referenciada, nomeadamente o ac. da 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo deste STA, de 27/5/2003, rec. nº 01835/02, onde se exara: «… tem sido entendimento deste Tribunal que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado (…). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cf. Ac. pleno de 25.5.93, rec. 27.387 (Apêndice, pág. 309) e acºs. em subsecção de 27.2.97, rec. 36.197 (Apêndice pág. 1515) e supra citados acºs. de 7.5.98, rec. 32.694 e de 28.10.99, rec. 44.051)». Ou seja, de acordo com este entendimento, «o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.» E só em casos muito particulares se pode concluir que um acto se encontra fundamentado de direito apesar de nenhuma referência legal directa existir no texto do acto, tal acontecendo, por exemplo, quando se se mostrem verificadas duas condições: «- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto; - A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra. A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado. O destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto. A fundamentação é requisito do acto. E o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.» (citado acórdão da Secção do Contencioso Administrativo, de 27/5/2003).”

 

221. Conclui assim  o tribunal no sentido da suficiência da fundamentação de direito expressa no Relatório de Inspecção e ainda no sentido de que a fundamentação ali esgrimida cumpriu a sua função, soçobrando assim o argumentário esgrimido pela Requerente a tal propósito da fundamentação a posteriori do acto tributário de liquidação sindicado na parte respeitante ao benefício fiscal da DLRR.

 

IV.D6) DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS:     

 

222. Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

 

223. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.

 

224. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

 

225. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.

 

226. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

227. O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação parcial do acto de liquidação de IRC de 2016 e 2017, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

 

228. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

229. Na sequência da anulação parcial da liquidação sindicada, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas.

 

230. O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.

 

231. Diz o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

232. Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que as liquidações controvertidas, na parte ligada à desconsideração dos encargos financeiros aqui em causa, enfermam de ilegalidade, dado que a não aceitação dos correspondentes custos viola de forma expressa e inequívoca o art.º 23º do CIRC, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente por subsunção no referido n.º 1 do art.º 43.º da LGT, já que a liquidação sub judice é imputável à AT e mostra-se em parte enfermada de ilegalidade, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.

 

233. É, por isso, a Requerente credora da AT do montante correspondente ao IRC de 2016 e 2017 indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

IV.E) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

234. Julgando-se improcedente o pedido principal quanto à DLRR, tal como já se deixou antever, fica assegurada a tutela eficaz dos interesses da Fazenda, donde, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão da admissibilidade da cumulação de incentivos.

V. DECISÃO:

 

FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:

 

A)           QUANTO À PARTE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO SINDICADO RESPEITANTE AOS ENCARGOS FINANCEIROS, JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL;

B)           QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A DESCONSIDERAÇÃO DOS GASTOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DE TRABALHADORES E ATENTA A ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO AQUI SINDICADO, CONCRETAMENTE A PARTE LIGADA ÀS CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL NO MONTANTE DE 7.456,86 €, RELATIVAS AOS ENCARGOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DO ADMINISTRADOR B... E À CORRECÇÃO REFERENTE AOS ENCARGOS SUPORTADOS COM COMPENSAÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO DO TRABALHADOR E..., DECLARAR A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE NO QUE RESPEITA À PRETENSÃO ANULATÓRIA DAQUELA PARTE DO ACTO TRIBUTÁRIO SINDICADO, ATENDENDO A QUE NO MOMENTO EM QUE CUMPRE PROFERIR DECISÃO JÁ TAL PARTE DO ACTO SINDICADO NÃO SE MANTEM NA ORDEM JURÍDICA TENDO SIDO PARCIALMENTE ANULADO PELA REQUERIDA.

C)           AINDA QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A DESCONSIDERAÇÃO DOS GASTOS COM COMPENSAÇÃO PELA DESLOCAÇÃO EM VIATURA PRÓPRIA DE TRABALHADORES (A PARTE SOBRANTE PARA ALÉM DA REFERIDA NO PONTO ANTERIOR DESTE SEGMENTO DECISÓRIO), JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, POR NÃO PROVADO;

D)           QUANTO À PARTE DA LIQUIDAÇÃO CONEXA COM A REPOSIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONSUBSTANCIADO NA DLRR, JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, IMPROCEDENDO O ALEGADO VÍCIO DE PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE LEGAL POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO NA PARTE CORRESPONDENTE;

E)            JULGAR IMPROCEDENTE, A ILEGALIDADE CONSUBSTANCIADA NA FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI ASSOCIADA À REPOSIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONSUBSTANCIADO NA DLRR;

F)            JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA À RESTITUIÇÃO À REQUERENTE DO VALOR CORRESPONDENTE À PARTE ANULADA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO POR O MESMO HAVER SIDO INDEVIDAMENTE PAGO;

G)           JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS (NA PARTE EM QUE O SEU PETITÓRIO FOI JULGADO PROCEDENTE) A DETERMINAR NOS TERMOS DO ART.º 43º DA LGT E 61º DO CPPT.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 34.749,63 € REDUZIDO EM CONFORMIDADE COM OS FUNDAMENTOS ENUNCIADOS NO PONTO IV. 1. SUPRA E LEVANDO-SE AINDA EM BOA CONTA O DISPOSTO NO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

 

FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 1.836,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR CORRIGIDO DO PEDIDO, A CARGO DA REQUERENTE E DA REQUERIDA EM FUNÇÃO DO RESPECTIVO DECAIMENTO QUE SE FIXA EM 95,4 % PARA A PRIMEIRA E 4.60 % PARA A SEGUNDA,  NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT E AINDA ART.º 4.º, N.º 5 DO RCPAT E ART.º 527, NºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ART.º 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.

NOTIFIQUE-SE.

 

Lisboa, 9 de Novembro de 2021.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

O árbitro,

(Fernando Marques Simões)