Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 702/2019-T
Data da decisão: 2020-06-15  Selo  
Valor do pedido: € 466.335,86
Tema: Imposto do Selo - Terreno para construção - Terreno não destinado exclusivamente a construção de habitação
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                 Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Cristina Aragão Seia e Prof. Doutor Victor Calvete (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-01-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A, contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., nº..., ..., ...-... Lisboa, doravante abreviadamente designada por “Requerente”, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou relativamente às liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., de 20-03-2015, 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016... e 2016..., de 06-04-2016.

A Requerente pede ainda reembolso do imposto indevidamente pago (€ 466.335,86) acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-10-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-12-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-01-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, dizendo que por despacho de 25-11-2019, revogou parcialmente as liquidações impugnadas, tendo emitido novas liquidações, que se resumem no quadro que segue:

 

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 26-02-2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, tendo a Requerente possibilidade de se pronunciar sobre os documentos juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta.

A Requerente nada veio dizer, pelo que, em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, o processo prossegue relativamente às novas liquidações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

A.           Em 31-12-2014 e 31-12-2015, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob os artigos matriciais ..., ... e ... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) (cópias das cadernetas prediais urbanas e das últimas avaliações dos Terrenos para Construção que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B.            Os Terrenos para Construção correspondem aos Lotes 3, 4 e 5 constantes do Alvará de Loteamento n.º ALV/.../.../DMU, de 04.04.2008 e têm edificação prevista ou autorizada mista (alvará de loteamento que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C.            Relativamente ao Lote 3 correspondente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...: “(...) a área de construção é de 18.777,00 m2 e área de implantação de 1.485,00 m2, sendo que a área bruta destinada a habitação de 6.669,00 m2 a que correspondem 45 fogos, a área bruta de construção destinada a comércio e serviços de 2.364 m2 e a área de construção destinada a aparcamento de 9.740 m2”;

D.           Relativamente ao Lote 4 correspondente ao terreno para construção inscrito na matriz  predial urbana sob o artigo matricial ...: “(...) a área de construção é de 31.852,00 m2 e área de implantação de 2.966,00 m2, sendo que a área bruta destinada a habitação de 15.653,00 m2 a que correspondem 105 fogos, a área bruta de construção destinada a comércio  e serviços de 5.034,00 m2 e a área de construção destinada a aparcamento de 10.265 m2”;

E.            Relativamente ao Lote 5 correspondente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...: “(...) a área de construção é de 26.276,00 m2 e área de implantação de 2.288,00 m2, sendo que a área bruta destinada a habitação de 10.892,00 m2 a que correspondem 70 fogos, a área bruta de construção destinada a comércio e serviços de 4.533,00 m2 e a área de construção destinada a aparcamento de 10.855 m2” (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F.            A Requerente foi notificada das Liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., 2016..., que se sintetizam no quadro que segue:

 

 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e artigo 2.º da Resposta);

G.           A Requerente pagou o imposto liquidado (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H.           A Requerente apresentou, no dia 20-03-2019,  um pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas;

I.             O referido pedido de revisão oficiosa foi remetido pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... para o serviço de finanças da localização dos Terrenos para Construção (Serviço de Finanças do Porto-...) no dia 27-03-2019 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J.             O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 27-07-2019, nem foi notificado à Requerente a sua decisão até 25-11-2019, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

K.            A Senhora Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, por despacho datado de 25-11-2019, em concordância com os fundamentos constantes na Informação nº 2019..., de 13-11-2019, revogou parcialmente os actos de liquidação acima identificados (documento junto com a Resposta);

L.            O despacho referido foi notificado à Requerente por ofício datado de 12-12-2019 (documento junto com a Resposta);

M.          A revogação parcial baseou-se no entendimento de que, «para efeitos de sujeição à verba 28.1 da TGIS, releva apenas a parte do terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» e as liquidações em causa terem sujeitado «a tributação o VPT total do terreno para construção e não apenas o VPT da parte do terreno com afetação a habitação (VPTh)»;

N.           Na sequência da revogação parcial, foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo:

 

3. Matéria de direito

 

Noa anos de 2014 e 2015, a Requerente era proprietária de três terrenos para construção que tinham edificação prevista ou autorizada não só para habitação, mas também para comércio, serviços e aparcamento.

A Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou Imposto do Selo, com base no valor patrimonial tributário de cada um dos terrenos, aplicando a verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Posteriormente, na sequência de pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a revogar parcialmente as liquidações, emitindo novas liquidações, também com fundamento na verba 28.1. da TGIS, mas considerando como matéria tributável apenas a percentagem do valor patrimonial tributário de cada um dos terremos correspondente à edificação prevista ou autorizada para habitação.

A Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios de violação de lei (erro sobre os pressupostos de facto e de direito) por entender, em suma, que a verba 28.1 da TGIS só se aplica a terrenos cuja edificação autorizada e prevista seja exclusivamente para habitação.

A verba 28 da TGIS foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, sendo a redacção alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

Nesta última redacção, vigente em 2014 e 2015, tem a seguinte redacção:

 

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %

 

No que concerne a terrenos para construção, faz-se referência apenas àqueles «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» o que, numa análise literal, não abrange os terrenos que, além de habitação, tenham edificação, autorizada ou prevista, de outros tipos.

A tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao emitir as novas liquidações (que são o actual objecto do processo, como decorre do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT) de que estão também abrangidos na previsão da verba 28.1 terrenos para construção com afectação múltipla, incidindo o Imposto do Selo apenas sobre a parte do valor patrimonial tributário determinado com base na afectação prevista ou autorizada a habitação, não tem suporte literal, uma vez que se faz referência a incidência «sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI» e ao «valor patrimonial tributário constante da matriz», que é único para a totalidade do terreno, como resulta do artigo 45.º, n.º 1, do CIMI. Na verdade, tendo de se presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), não se pode entender que, ao fazer referência ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI» e ao «valor patrimonial tributário constante da matriz» se reporte à parte do valor tributário que resulta da edificação prevista ou autorizada para habitação, pois esta parte não é o valor patrimonial tributário que consta da matriz nem é este «o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI», que é único para a totalidade do terreno, como resulta do artigo 45.º, n.º 1, do CIMI.

Para na verba 28. da TGIS estarem englobados os prédios com afectação parcial a habitação «era absolutamente necessário que houvesse indicação de que são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa».

                De resto, como defende a Requerente, esta questão já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 06-06-2018, proferido no processo n.º 080/18, em que se decidiu o seguinte:

I- Na presente situação em que foi concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", não está em causa um prédio cujo destino é apenas a habitação.

II - Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

II - A Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

IV - Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação.

 

Esta jurisprudência é aplicável à situação dos presentes autos, em que, relativamente a dois dos terrenos (lotes 3 e 5), a edificação autorizada ou prevista nem sequer é predominantemente para habitação.

Pelo exposto, na linha desta jurisprudência, tem de se concluir que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito (errada interpretação da verba 28.1 da TGIS), que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa enferma do mesmo vício, pelo que se justifica também a sua anulação.

 

3.1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

             

4. Reembolso da quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

                 A Requerente pagou as quantias liquidadas inicialmente e pede o reembolso do imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

                Na sequência da anulação das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante global de € 466.335,86.

                Não constando do presente processo que tenha sido efectuado qualquer reembolso à Requerente na sequência da revogação parcial das liquidações, o pedido procede em relação à totalidade das liquidações iniciais, sem prejuízo de no reembolso a efectuar dever ser tido em conta o que eventualmente já tiver sido efectuado.

                No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

                O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

                Como também se refere no mesmo acórdão, "nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT".

                Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

                Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.     

                Neste sentido, tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.

                No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20-03-2019, pelo que apenas a partir de 21-03-2020 a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios devem ser contados, desde 21-03-2020, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em: 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

  anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

– anular as liquidações correctivas emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da revogação das liquidações iniciais, que se referem no quadro que segue:

 

– julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 466.335,86, sem prejuízo de no reembolso a efectuar dever ser tido em conta o que eventualmente já tiver sido efetuado;

– julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo
 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o valor da causa deve ser de € 336.499,64, por terem sido revogadas parcialmente as liquidações iniciais, mas constata-se que não foi feita a notificação da revogação nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 13.º do RJAT.

Nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e no artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal».

Por isso, o valor da causa é o inicialmente indicado, de € 466.335,86, de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

             

7. Custas

 

                Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 15-06-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Cristina Aragão Seia)

(Victor Calvete)