Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 700/2020-T
Data da decisão: 2021-07-06  IRS  
Valor do pedido: € 18.331,81
Tema: IRS – Mais-Valias imobiliárias. Residentes em outro Estado Membro da União Europeia.
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SUMÁRIO:

I – Conforme a decisão do TJUE no processo C-388/19 (ECLI:EU:C:2021:212), “O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro que, para permitir que as maisvalias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse EstadoMembro, por um sujeito passivo residente noutro EstadoMembro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às maisvalias realizadas por um residente do primeiro EstadoMembro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável..

II – Do regime de tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidas por residentes em outros Estados Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que não tenham optado pelo regime previsto nos n.ºs 13 e 14, do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação aplicável, resulta maior carga fiscal, ao ser tributada a totalidade do rendimento proveniente da alienação de um imóvel em Portugal a uma taxa de 28%, superior à que resultaria da aplicação da taxa máxima do artigo 68.º, do Código do IRS, de 48%, sobre 50% do rendimento, a que corresponde, para os sujeitos passivos residentes, a taxa máxima de tributação efetiva de 24%.

III – No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação impugnada resulta da não aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias realizadas pela Requerente.

IV – Estando em causa a mera redução da base de incidência do imposto e sendo a taxa aplicável uma taxa fixa (28%), justifica-se, face ao princípio da economia processual, a sua anulação parcial.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 27 de novembro de 2020, A..., com o NIF ..., casada com..., com o NIF..., atualmente residente em ..., Suíça e à data dos factos em ..., ... ..., Alemanha (adiante designada por Requerente), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

A Requerente pretende a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com os n.ºs 2020 ... e 2020 ... (adicional), referentes ao ano de 2019, requerendo a respetiva anulação parcial, na medida em que a AT procedeu ao cálculo do imposto nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 72.º, n.º 1, do Código do IRS, aplicando a taxa de 28% à totalidade da mais-valia apurada.

 

Pede ainda a Requerente a restituição da quantia de €18 331,81, paga em excesso a título de imposto e juros compensatórios, acrescida de juros indemnizatórios, a calcular desde a data em que ocorreu o pagamento indevido, até efetivo e integral reembolso.

 

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente, em síntese, o seguinte:

a.            A Requerente, à data residente na Alemanha, adquiriu em 16.12.2012, em comum e partes iguais com o seu marido (eram então ainda solteiros) uma fração autónoma sita em Lisboa, pelo preço global de € 128 000,00, que alienaram em 25.06.2019, ainda residentes na Alemanha, pelo valor global de 420 000,00;

b.            Na sequência da entrega da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2019, a AT aplicou a taxa autónoma de 28% sobre a totalidade do valor das mais-valias auferidas pela Requerente nesse ano, tendo daí resultado um imposto a pagar de € 36 663,61;

c.            Entende a Requerente que a liquidação que lhe foi emitida é ilegal, por resultar do apuramento da matéria tributável com base no n.º 1 do artigo 43.º, do Código do IRS, sem exclusão de 50% do saldo ali referido, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo,

d.            Não obstante o n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, na redação aplicável, estabelecer que a exclusão de 50% da mais-valia apurada se aplica apenas a residentes em Portugal, é entendimento da Requerente que a AT não poderia deixar de aplicar essa exclusão de tributação, por ser a mesma contrária ao Direito da União Europeia, ao discriminar negativamente os não residentes, violando o artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativo à liberdade de circulação de capitais;

e.            Termos em que a Requerente pede a anulação parcial da liquidação, com a restituição do imposto pago em excesso, no valor de € 18 331,81, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT.

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta, na qual veio defender a manutenção do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            Contrariamente ao defendido pela Requerente, a atuação da Requerida não é merecedora de qualquer censura, inexistindo qualquer vício que inquine a validade da liquidação impugnada;

2.            Com vista à adaptação da legislação portuguesa à legislação comunitária foram aditados ao artigo 72.º do CIRS1, os n.ºs 7 e 8, atuais n.ºs 9 e 10, passando as declarações de rendimentos dos anos fiscais de 2008 e seguintes a ter um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS;

3.            Compulsada a declaração de IRS entregue pela Requerente verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (país de residência UE) e o campo 7 (opção pela tributação pelo regime geral); não tendo sido feita tal opção, como evidencia a modelo 3, e decorre do PPA, não pode o peticionado proceder e, muito menos, a imputação do erro, e consequente responsabilidade no preenchimento da declaração, ser assacada à Requerida;

4.            A norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação a Requerente defende, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável" e, para efeitos de incidência, no que respeita à matéria das mais-valias, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS, pelo que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise;

5.            Soçobram todos os fundamentos da Requerente e, consequentemente, as alegadas ilegalidades assacadas à liquidação objeto do PPA, que deve manter-se, devendo também improceder o pedido de condenação em juros indemnizatórios, por não se verificarem os pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 43.º da LGT;

6.            Ainda que assim não fosse, nunca o pedido de anulação da liquidação em discussão poderia proceder na sua totalidade, pois, em obediência aos princípios da divisibilidade do ato tributário e do aproveitamento do ato, a proceder a tese defendida pela Requerente, a liquidação impugnada apenas deveria ser anulada parcialmente, designadamente na parte em que hipoteticamente se verificou um excesso de tributação.

 

Por entender tratar-se de questão exclusivamente de direito, a AT requereu a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como do envio do processo administrativo, que afirma inexistente.

 

Pelo despacho arbitral de 4 de junho de 2021, foi decidido dispensar a reunião a que se refere o artigo 18, do RJAT, determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 dias (art.º 91.º-A, do CPTA, ex vi artigo 29.º, do RJAT), fixando-se o dia 15 de julho de 2021 como data provável para a prolação da arbitral final e advertindo-se a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

A Requerente apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição adotada no pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerida não apresentou alegações.

 

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 3 de maio de 2021, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            Não foram invocadas exceções que caiba aprecia e decidir.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A – Factos provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e à posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, fixa-se como segue:

1.            Em 16 de dezembro de 2013, a Requerente, residente na Alemanha, adquiriu, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, pelo preço de € 64 000,00, metade indivisa da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., em Lisboa (cfr. Doc. 2 junto ao PPA, que se dá por reproduzido);

2.            Em 25 de junho de 2019, a Requerente, ainda residente na Alemanha, alienou a sua parte na referida fração autónoma, pelo preço de € 210 000,00 (Doc. 3 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

3.            A Requerente apresentou declaração modelo 3 de IRS, na qual assinalou no Quadro 8 do rosto – campo 4, a qualidade não residente; no campo 6 – país da residência União Europeia e o campo 7 – opção pela tributação pelo regime geral (facto admitido por acordo das Partes – cfr. artigo 8.º da Resposta da Requerida);

4.            Na sequência da entrega da declaração modelo 3 de IRS, foi a Requerente notificada da liquidação n.º 2020..., que recaiu sobre o rendimento coletável de € 115 819,23, tributado autonomamente à taxa de 28%, de que resultou imposto a pagar da quantia de € 32 429,38 (Doc. 1 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

5.            A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação n.º 2020..., no valor de € 32 429,38, em 30.08.2020 (Doc. 4 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);

6.            Posteriormente, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2020..., referente ao mesmo ano de 2019, no valor global de € 36 697,48, em que se incluem juros compensatórios de € 33,87 e de que, por estorno da liquidação anterior, resultou o pagamento da quantia de € 4 268,10 (Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., de 23.10.2020 e Doc. 5 juntos ao PPA, que se dão como reproduzidos);

7.            A Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 4 268,10, em 25.10.2020 (Doc. 5 junto ao PPA, que se dá como reproduzido).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

 

III.2 DO DIREITO

1.            A questão decidenda

A Requerente, à data dos factos residente na Alemanha, pede ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade da liquidação de IRS do ano de 2019, que entende enfermar do vício de violação de lei, por violação do direito da União Europeia, máxime, do princípio da liberdade de circulação de capitais ínsito nos artigos 63.º a 65.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida em que essa liquidação teve por base a totalidade da mais-valia obtida com a alienação de um imóvel sito em território nacional.

 

Assim, a principal questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a exclusão da tributação de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, para os contribuintes residentes, é igualmente aplicável na determinação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pela Requerente, na qualidade de residente em outro país da União Europeia e se, não o tendo sido, o regime resultante da tributação pela totalidade daquele saldo, aplicado na liquidação impugnada, se revela desfavoravelmente discriminatório e, portanto, contrário ao Direito da União Europeia.

 

A Requerente encontra justificação para a liquidação adicional de IRS do ano de 2019 no facto de a AT não ter aceite determinadas faturas que titulavam encargos declarados na alienação do seu direito de propriedade sobre a metade indivisa do imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral, o que não contesta, atendo-se à ilegalidade da liquidação de IRS que lhe foi emitida, sobre a totalidade do saldo das mais-valias realizadas naquele ano, pugnando pela sua anulação parcial, com a consequente restituição do valor do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Por seu turno, a Requerida vem invocar as alterações legislativas introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que entende terem sanado a desconformidade entre a legislação nacional e o direito da União Europeia, assinaladas pelo TJUE no Acórdão Hollmann (processo C-443/06).

 

Tais alterações passaram pela introdução, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008), dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 14 e 15 e n.ºs 13 e 14, à data dos factos) do artigo 72.º, do Código do IRS, que vieram permitir que os contribuintes residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, pudessem optar, relativamente aos rendimentos obtidos em território nacional, pela tributação à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo tidos em consideração, para efeitos de determinação da taxa aplicável, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes.

 

De acordo com o quadro legislativo vigente à data dos factos, os sujeitos passivos não residentes, como é o caso da Requerente, apenas são tributados sobre os rendimentos obtidos em território português (artigo 15.º, n.º 2, do Código do IRS), entre os quais as mais-valias provenientes da transmissão de imóveis nele situados (artigo 18.º, n.º 1, alínea h), do Código do IRS).

 

Constituem mais-valias tributáveis no âmbito da categoria G os rendimentos que não devendo ser considerados rendimentos empresariais, profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de bens imóveis e/ou da afetação do património particular a uma atividade empresarial ou profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário (artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS), sendo o ganho constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do mesmo Código).

 

Para determinação do rendimento coletável de IRS referente às mais-valias imobiliárias realizadas, prescreviam os n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, na redação à data dos factos:

“Artigo 43.º - Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é:

a)Integralmente considerado nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, quando os imóveis tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas, quando o valor total do apoio concedido para aquisição ou para realização de obras seja de valor superior a 30 % do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI e estes sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação;

b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos.

(…)”

 

À totalidade do saldo apurado “nos termos dos artigos seguintes”, viria a Requerida a aplicar a taxa de 28% a que se refere o n.º 1 do artigo 72.º, do Código do IRS. A desconsideração da exclusão de tributação sobre 50% do referido saldo e a tributação autónoma da sua totalidade, à taxa de 28%, deveu-se,  segundo a Requerida, ao facto de a Requerente ter assinalado, no rosto da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2019, a sua residência em país da União Europeia, tendo optado pela tributação pelo regime geral, ao invés da opção pelo regime de tributação aplicável aos residentes, caso em que teriam de declarar a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional.

 

O regime de tributação pelo qual, segundo a Requerida, a Requerente poderia ter optado, instituído na sequência do Acórdão proferido pelo TJUE no processo n.º C-443/06 (Acórdão Hollmann), pelo aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 14 e 15 e n.ºs 13 e 14, à data dos factos) ao artigo 72.º, do Código do IRS, ao tributar os não residentes de modo idêntico ao dos residentes, com exclusão de 50% do saldo das mais-valias realizadas e aplicação das taxas gerais a que se refere o artigo 68.º, do mesmo Código, deixaria de ser discriminatório e contrário ao direito da União Europeia.

 

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia anterior às alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, “uma operação relativa a liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais” e “O artigo 56.º CE [atual artigo 63.º TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.” (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C443/06, EU:C:2007:600, n.º 31 e conclusão).

 

Também a legislação nacional relativa à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por não residentes, residentes em outro Estado Membro da União Europeia, decorrente das alterações aportadas pela já citada Lei n.º Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, foi objeto de escrutínio pelo TJUE no Acórdão proferido no processo C388/19 (ECLI:EU:C:2021:212), em que, citando o Acórdão Gielen (C440/08, EU:C:2010:148, n.ºs 52 e 53) quanto à possibilidade de opção pela tributação daqueles rendimentos pelas taxas progressivas do artigo 68.º, do Código do IRS, e eventual sanação, por essa via, da incompatibilidade com o Direito da União Europeia, declarou que “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.º TFUE em razão do seu caráter discriminatório” e que “um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa”, concluindo que “O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro que, para permitir que as maisvalias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse EstadoMembro, por um sujeito passivo residente noutro EstadoMembro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às maisvalias realizadas por um residente do primeiro EstadoMembro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável..

 

Do regime de tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidas por residentes em outros Estados Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que não tenham optado pelo regime previsto nos n.ºs 13 e 14, do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação aplicável, resulta maior carga fiscal, ao ser tributada a totalidade do rendimento proveniente da alienação de um imóvel em Portugal a uma taxa de 28%, superior à que resultaria da aplicação da taxa máxima do artigo 68.º, do Código do IRS, de 48%, sobre 50% do rendimento, a que corresponde, para os sujeitos passivos residentes, a taxa máxima de tributação efetiva de 24%.

 

Nesta medida, deverá concluir-se pela ilegalidade da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, inquinada por vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 63.º a 65.º, do TFUE, justificativa da sua anulação parcial, nos termos peticionados.

 

De facto, vem a Requerida suscitar a questão da anulação parcial do ato de liquidação, apelando à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão, de 30/01/2019, Proc.º 0436/18.0BALSB) e doutrina aí citada .

 

No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação impugnada resulta da não aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias realizadas pela Requerente.

 

Estando em causa a mera redução da base de incidência do imposto e sendo a taxa aplicável uma taxa fixa (28%), justifica-se, face ao princípio da economia processual, a sua anulação parcial (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 12.07.2017, no processo 0636/17, disponível em http://www.dgsi.pt/).

2. Restituição do imposto pago em excesso. Juros indemnizatórios.

A Requerente pede a condenação da Requerida na restituição do imposto pago em excesso, bem como no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido, até integral reembolso.

 

Estabelece o artigo 24.º, do RJAT, os termos em que a AT fica vinculada a decisão sobre o mérito da causa, favorável ao sujeito passivo, de que não caiba recurso ou impugnação.

 

Desde logo, fica a AT vinculada, nomeadamente, a (i) “Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito” (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT) e (ii) ao “pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (artigo 24.º, n.º 5, do RJAT).

 

De igual modo, determina o n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

No caso concreto dos autos, o restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado” implica não só a anulação parcial da(s) liquidação(ões) impugnada(s), como a restituição do imposto pago em excesso, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:

a.            Declarar a ilegalidade das liquidações de IRS n.ºs 2020... e 2020... (adicional), referentes ao ano de 2019, determinando a sua anulação parcial, pela quantia global de € 18 331,81;           

b.            Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 18 331,81, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais;

c. Condenar a Requerida nas custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 18 331,81 (dezoito mil, trezentos e trinta e um euros e oitenta e um cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil, duzentos e quarenta e vinte e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifiquem-se as Partes e o Digno Magistrado do Ministério Público.

 

Lisboa, 6 de julho de 2021

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.