Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 693/2018-T
Data da decisão: 2019-07-12  IMI  
Valor do pedido: € 21.026,02
Tema: AIMI – Incidência objectiva (artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI).
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A..., LDA. (NIF/NIPC ...), com sede na Rua ..., n.º ..., ...,  ..., ... (“REQUERENTE”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar, em 27/12/2018, pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) relativo a 2018, no montante de € 21.026,02, nos termos da demonstração de liquidação que junta aos autos como Doc. n.º 1.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 7 de Março de 2019.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            A liquidação do AIMI ora em causa foi emitida sobre a soma dos VPT de 9 (que se encontram identificados no Doc. n.º 1 apenso) dos mais de 70 supermercados que a Requerente dispõe em território nacional.

 

b)           A Requerente dedica-se ao comércio por grosso e a retalho através da exploração de todos esses supermercados de que é proprietária (vd. contrato de sociedade que se junta como Doc. n.º 4).

 

c)            Os prédios sobre cujos VPT incidiu o AIMI constituem, na sua totalidade, supermercados já construídos ou supermercados cuja construção está em vias de terminar. Com efeito, quatro dos supermercados sobre cujos VPT o AIMI incidiu abriram ao público antes de 1 de Janeiro de 2018 (vd. licenças de utilização que se juntam como Doc. n.º 5).

 

d)           A liquidação impugnada é, assim, ilegal por falta do pressuposto da incidência, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º-B conjugado com os do n.º 2 do artigo 6.º e o n.º 1 do artigo 10.º, todos do Código do IMI, pois incidiu sobre prédios comerciais. Mas, mesmos nos demais casos, referentes a supermercados A... cuja data de abertura é posterior, configuram terrenos licenciados ou autorizados para operações de construção afectos a comércio (vd. licenças de construção que se juntam como Doc. n.º 6).

 

e)           Tais terrenos não são, nem eram à data do facto tributário, terrenos licenciados ou autorizados para operações de loteamento ou de construção afectos a habitação. Os supermercados em construção destinam-se, pois, a comércio e sobre eles não incide, nem poderia, portanto, incidir, o AIMI.

 

f)            O legislador não quis, evidentemente, tributar em AIMI o titular de edifícios comerciais durante a fase da sua construção, ao mesmo tempo que o exonera do AIMI relativamente aos seus edifícios comerciais já construídos. Seria absurdo que o legislador quisesse desobrigar do AIMI o titular de edifícios comerciais construídos se, ao mesmo tempo, entendesse que o quis tributar durante a fase de construção desses mesmos edifícios comerciais.

 

g)            A liquidação impugnada penaliza o sujeito passivo enquanto este emprega os seus recursos para edificar designadamente supermercados, ao mesmo tempo que o desonera logo quando, e assim que, uma vez finda a construção, o prédio fica apto a produzir riqueza.

 

h)           Não desconhece a ora Requerente que a Administração Tributária tem divulgado uma subsunção meramente mecânica e literal dos terrenos para construção – seja qual for a sua afectação ou destino – à previsão normativa do artigo 135.º-B do CIMI. Trata-se, porém, de uma interpretação que substima o texto, desatende ao fim, ultrapassa o sentido e viola a Constituição, produzindo o efeito que o legislador determinantemente quis afastar.

 

i)             Se o AIMI não incide sobre lojas em funcionamento, não se pode considerar, por maioria de razão, que incide sobre lojas em construção. Isto é, se o AIMI não tributa o VPT dos supermercados construídos, o AIMI não tributa, a maiori ad minus, o VPT dos supermercados em construção.

 

j)             Desde a sua criação, o AIMI nunca visou atingir o património imobiliário afecto a comércio, indústria ou serviços, apenas os prédios não afectos a qualquer actividade económica, tal como o confirma todo o processo legislativo que lhe está na base.

k)            Sendo os prédios em causa nestes autos activos imobiliários afectos a uma actividade comercial, quer em termos físicos e económicos, quer nos termos em que a lei os define, sobre a sua propriedade não incide o AIMI.

 

l)             Não é sequer concebível que a lei – justamente com o propósito de evitar produzir um impacto negativo na actividade económica – excluísse da incidência do AIMI os edifícios comerciais construídos, mas não excluísse igualmente da incidência os edifícios comerciais ainda em construção.

 

m)          Ofende gravemente o princípio de igualdade tributária, na sua formulação mais elementar, que uma igual ou maior capacidade contributiva revelada por um outro contribuinte possa não dar azo a qualquer encargo tributário com o AIMI, apenas porque, por sorte ou acaso, mediante a conclusão da construção do seu edifício comercial, se conseguiu eximir desse encargo.

 

n)           Não pode haver dúvida de que a titularidade de um edifício comercial ainda em construção exprime uma capacidade contributiva menor do que a titularidade da construção nele autorizada ou prevista.

 

o)           Mesmo que se entendesse – no que não se concede – que o entendimento da AT encontra respaldo no texto, fim e sentido da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI – e que esta é insusceptível quer de interpretação enunciativa, quer de interpretação conforme à Constituição, nos termos que a Requerente propôs – sempre se haveria de concluir pela sua flagrante inconstitucionalidade e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação do AIMI sobre a ora Requerente com fundamento nessa norma. 

 

3.1. A Requerente termina pedindo que a acção arbitral seja julgada inteiramente provada e procedente e, por essa via, declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de AIMI de 2018 ora em causa, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT a restituir à Requerente o respectivo valor pago em 27 de Setembro de 2018, acrescido dos correlativos juros indemnizatórios que se vencerem até à data do integral e efectivo reembolso do imposto.

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante será abreviadamente designada por “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a)            O art. 135.º-B do CIMI consagra expressamente a classificação do art. 6.º do mesmo código como factor de incidência ou exclusão dos prédios da tributação do AIMI.

 

b)           Os prédios objecto de tributação em AIMI, constantes da liquidação e supra discriminados na demonstração de liquidação, encontram-se classificados como «terrenos para construção». Logo, o apuramento do valor tributável de AIMI, constante da liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, foi efectuado de acordo com as normas de incidência objectiva definidas no CIMI, ou seja, observando a classificação do art. 6.º do CIMI.

 

c)            No caso dos terrenos licenciados ou autorizados para operações de construções afectos a comércio, que se encontravam nesse estado à data de 01-01-2017 (data do facto tributário para efeitos de AIMI), não se entrevê com base em que pressupostos legais podem ser classificados como prédios afectos a fins comerciais, em vez de «terrenos para construção». Para efeitos do AIMI, e diferentemente da verba 28.1 (onde a Requerida tenta, em vão, escorar a sua argumentação), a lei não especifica que apenas são abrangidos pela incidência os «terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», e se a letra da lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.

 

d)           Labora em erro a Requerente ao defender a tese de que estão excluídos da incidência do AIMI os terrenos para construção sobre as quais, em 01-01-2017, já se encontrava em curso a construção de edificações, ao abrigo de alvará anterior a essa data, por configurarem edifícios comerciais, ainda que em fase de construção. Acresce que a ilação segundo a qual «se o AIMI não incide sobre lojas em funcionamento», também não incide sobre «lojas em construção», não tem qualquer sustentação na lei.

 

e)           A alteração da classificação do prédio «terreno para construção» já depois de se haver edificado uma qualquer edificação, e os VPT’s daí decorrentes, neste momento, não passam de meros juízos de prognose, abstracções virtuais e especulações sobre situações não constituídas e que se poderão nunca ver constituídas.

 

f)            A tese de que são sujeitos a tributação em AIMI os terrenos para construção, mesmo quando a construção das edificações já esteja em curso, não é inventada pela AT, decorre da lei, a cuja observância se encontra estritamente vinculada (art. 55.º da LGT), nem aliás se descortina como é que tal interpretação contende com o princípio da igualdade.

 

g)            Não é nem pertinente, nem conforme com o princípio da igualdade fazer relevar, para efeitos de um juízo de conformidade constitucional do AIMI, a eventual componente da futura edificação em causa no terreno para construção, porquanto o único VPT constante da matriz nos termos do CIMI sobre que incide a tributação anual em AIMI é o VPT do próprio terreno para construção existente, e não o de fracções ainda inexistentes, cujo VPT apenas surgirá quando se deparar, após a construção, com um prédio urbano afecto a serviços e não já com um terreno para construção.

 

h)           O AIMI institui uma particular tributação sobre o património, nos termos de uma imposição real e objectiva, em que o respectivo sujeito passivo é determinado simplesmente pela qualidade de ser titular de certo direito real sobre prédios com as características legislativamente fixadas.

 

i)             Aquilo que vier a ser edificado num terreno com afectação que não a habitacional, não pode ser chamado aqui à colação em termos de comparabilidade, porquanto, essa edificação futura dependerá sempre, e em última análise, de uma escolha do proprietário sobre que tipo de edificação irá ou não construir.

 

j)             Os prédios em causa, encontravam-se, à data do facto tributário, classificados «terrenos para construção». O apuramento do valor tributável do AIMI foi efectuado de acordo com as normas de incidência objectiva definidas no CIMI.

 

4.1. A AT conclui pedindo que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.

 

5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 1 de Julho de 2019, considerou dispensável a produção de prova testemunhal e por inspecção e prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 12 de Julho de 2019 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.

III. Questão a decidir

 

9. Na petição arbitral, a Requerente alega que “os autos [devem] prosseguir para apreciação da legalidade e consequente anulação da liquidação que vier a ser indicada, caso seja diferente da identificada no introito” porque a mesma é “[ilegal, visto que no valor remanescente da liquidação se] configuram terrenos licenciados ou autorizados para operações de construção afectos a comércio.” No entender da Requerente, “o legislador não quis [...] tributar em AIMI o titular de edifícios comerciais durante a fase da sua construção, ao mesmo tempo que o exonera do AIMI relativamente aos seus edifícios comerciais já construídos.”

 

9.1. A Requerente considera que ter havido ofensa grave do princípio de igualdade tributária e alega, ainda, que, “mesmo que se entendesse – no que não se concede – que o entendimento da AT encontra respaldo no texto, fim e sentido da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI – e que esta é insusceptível quer de interpretação enunciativa, quer de interpretação conforme à Constituição, nos termos que a Requerente propôs – sempre se haveria de concluir pela sua flagrante inconstitucionalidade e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação do AIMI sobre a ora Requerente com fundamento nessa norma.”

 

10. Pelo exposto, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da conformidade do referido acto com o disposto no CIMI.

 

IV. Mérito

 

IV.1. Matéria de facto

 

11. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. A ora Requerente dedica-se ao comércio por grosso e a retalho através da exploração de todos os supermercados de que é proprietária (vd. contrato de sociedade junto aos autos como Doc. n.º 4).

B. Em 30/6/2018, procedeu-se à liquidação do AIMI de 2018, apurando-se uma colecta a pagar de €27.192,46. As referidas liquidações e colecta foram sucessivamente revistas e corrigidas, tendo a Requerente acabado por impugnar a colecta paga e vigente à data da impugnação, no valor de €21.062,02 (liquidação n.º...).

C. De acordo com a Requerida, o referido valor foi parcialmente anulado em 15/3/2019, passando a ser devida uma colecta no valor de €16.861,50 (liquidação n.º...), sendo esta a última operação de apuramento do imposto em causa – razão pela qual será este o montante aqui em apreciação.

D. As correcções e alterações acima mencionadas deveram-se ao facto de – como também refere a Requerida na sua resposta – “terem sido concluídas obras em diversos terrenos para construção e, subsequentemente, das declarações entregues [...] [terem produzido] os seus efeitos à data de verificação do facto tributário em AIMI. Nada obsta, assim, à anulação parcial e respectivo reembolso sobre prédio que deu origem a outro”.

E. Na origem da liquidação do AIMI ora em causa, pelo valor corrigido de €16.861,50, estão terrenos da Requerente para (e em) construção, licenciados ou autorizados para operações de construção afectos a comércio (vd. Docs. n.os 6, 7 e 8).

F. A Requerente interpôs o seu pedido de constituição de tribunal arbitral em 27/12/2018.               

 

IV.2. Factos não provados

 

12. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

14. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

15. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

IV.4. Matéria de direito

 

16.  Alega a Requerente, no presente processo, que “a liquidação impugnada [fora dos casos em que a mesma tenha incidido sobre prédios comerciais concluídos à data de verificação do facto tributário em AIMI – visto que, quanto a estes, a AT terá feito a devida correcção, como foi reconhecido pela Requerida na sua resposta e se encontra traduzido pela redução feita no montante a considerar aqui em causa] [é] mesmo nos demais casos [ilegal, visto que neles se] configuram terrenos licenciados ou autorizados para operações de construção afectos a comércio (vd. licenças de construção que se juntam como Doc. n.º 6).”

 

17. A Requerente alicerça a sua afirmação no entendimento de que “o legislador não quis, evidentemente, tributar em AIMI o titular de edifícios comerciais durante a fase da sua construção, ao mesmo tempo que o exonera do AIMI relativamente aos seus edifícios comerciais já construídos.” Acrescenta, no mesmo sentido, que “não é sequer concebível que a lei – justamente com o propósito de evitar produzir um impacto negativo na actividade económica – excluísse da incidência do AIMI os edifícios comerciais construídos, mas não excluísse igualmente da incidência os edifícios comerciais ainda em construção.”

 

18. A Requerente alega, ainda, que “ofende gravemente o princípio de igualdade tributária na sua formulação mais elementar, que uma igual ou maior capacidade contributiva revelada por um outro contribuinte possa não dar azo a qualquer encargo tributário com o AIMI, apenas porque, por sorte ou acaso, mediante a conclusão da construção do seu edifício comercial, se conseguiu eximir desse encargo.”

 

19. Por último, conclui a ora Requerente que devem “os autos prosseguir para apreciação da legalidade e consequente anulação da liquidação que vier a ser indicada, caso seja diferente da identificada no introito” porque, “mesmo que se entendesse – no que não se concede – que o entendimento da AT encontra respaldo no texto, fim e sentido da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI – e que esta é insusceptível quer de interpretação enunciativa, quer de interpretação conforme à Constituição, nos termos que a Requerente propôs – sempre se haveria de concluir pela sua flagrante inconstitucionalidade e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação do AIMI sobre a ora Requerente com fundamento nessa norma.”

 

20. Na sua resposta, a Requerida considera que “os prédios objecto de tributação em AIMI, constantes da liquidação e supra discriminados na demonstração de liquidação, encontram-se classificados como «terrenos para construção». Logo, o apuramento do valor tributável de AIMI, constante da liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, foi efectuado de acordo com as normas de incidência objectiva definidas no CIMI, ou seja, observando a classificação do art. 6.º do CIMI.”      

 

21. Acrescenta a Requerida que, “no caso dos terrenos licenciados ou autorizados para operações de construções afectos a comércio, que se encontravam nesse estado à data de 01-01-2017 (data do facto tributário para efeitos de AIMI), não se entrevê com base em que pressupostos legais podem ser classificados como prédios afectos a fins comerciais, em vez de «terrenos para construção». Para efeitos do AIMI, e diferentemente da verba 28.1 (onde a Requerida tenta, em vão, escorar a sua argumentação), a lei não especifica que apenas são abrangidos pela incidência os «terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», e se a letra da lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.” Acrescenta a Requerida, a este respeito, que, “se a edificação ainda não está concluída, é absurdo classificar, seja para efeitos fiscais ou para outro fim, como edifício comercial uma obra em curso, ou nem sequer ainda iniciada, conquanto com projecto autorizado.”

 

22. A Requerida alega, ainda, que “não procede o entendimento de que é inconstitucional, por infracção aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, a tributação dos terrenos para construção sem atender ao tipo de prédio que nestes poderá vir a ser edificado [...] porque a realidade factual dos autos e a respectiva subsunção destes às normas legais, não é alterada pela configuração, em termos singulares, desta afectação potencial”.

 

23. Conclui a Requerida que, “tendo as liquidações em causa incidido sobre o valor tributável dos prédios urbanos de que as requerentes são titulares, classificados como «habitacionais» ou «terrenos para construção», encontram-se as mesmas efectuadas de acordo com as normas em causa, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12.”

 

24. Vejamos, então.

 

25. A questão essencial que aqui está em causa já foi objecto de abundante análise em sede arbitral. O entendimento largamente maioritário da jurisprudência arbitral do CAAD é aquele que aqui também se defenderá, por com ele se concordar, pelas razões que serão, em seguida, expostas.

 

26. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, “consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.”

 

27. Por outro lado, é também necessário ter presente o que dispõe a Lei n.º 42/2016, de 28/12 (OE para 2017), que viria a aditar ao CIMI os artigos 135.º-A a 135.º-K, nos quais consta o regime do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI).

 

28. É necessário ter presente não apenas o texto dos artigos mencionados (com destaque, neste caso, para o art. 135.º-B), mas também o que consta do Relatório desse Orçamento, na medida em que tal possa permitir perceber qual a ratio e alcance das alterações introduzidas: “As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IEC’s e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada. A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. [...]. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.” (destaque nosso).

 

29. Considerando o excerto citado e, por outro lado, o facto de que, nos termos do n.º 2 do art. 135.º-B do CIMI, apenas podem ser “excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código” – sabendo-se que a al. c) deste art. 6.º consagra os “terrenos para construção” –, mostra-se evidente a conclusão, que aqui partilhamos com, e.g., a Decisão Arbitral de 23/4/2019 (proc. 559/2018-T), de que “a delimitação negativa do âmbito de incidência do AIMI que viria a ser aprovada não toma como base a atividade a que os prédios urbanos estão afectos, antes definindo-se por referência às espécies elencadas no artigo 6.º do CIMI, independentemente da sua afectação à atividade económica empresarial.”

 

30. Com efeito, e como também bem refere, a este respeito, a Decisão Arbitral de 15/1/2019 (proc. 420/2018-T), “a redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica. A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas. São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.” (destaque nosso).

 

31. Não pode, assim, impor-se outra conclusão que não seja a de considerar, tal como o faz abundante jurisprudência arbitral, que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em sede de AIMI (no mesmo sentido aqui expresso e coincidente com as Decisões arbitrais já citadas, e com as que infra serão citadas, vd., e.g.: n.º 678/2017-T, n.º 682/2017-T, n.º 683/2017-T, n.º 684/2017-T, n.º 690/2017-T, n.º 6/2018-T, n.º 310/2018-T, n.º 401/2018-T, n.º 502/2018-T, n.º 506/2018-T, n.º 517/2018-T, n.º 535/2018-T e n.º 574/2018-T).

 

32. Note-se, ainda, que a questão de ordem interpretativa levantada pela ora Requerente não encontra mínimo abrigo no texto legal em causa. Como bem refere, a este respeito, a Decisão Arbitral de 16/7/2018 (proc. 676/2017-T), “a literalidade dos artigos 135.º-A/1 e 135.º-B/1 e 2 do CIMI é clara e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica. Com efeito, afigura-se claro que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a pretender remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui. Como ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, cuja jurisprudência passamos a seguir, por com ela concordarmos, «A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações. O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.» É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600.000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada, definiu-se, como vimos, a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.” (destaques nossos).

 

33. Acresce que, como bem assinala a Decisão Arbitral de 4/5/2018 (proc. 675/2017-T), “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. [...] [não tendo sido feita alusão] à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI. [Como refere Baptista Machado, em Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 182] «Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.» No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.” (destaques nossos).

 

34. Também no mesmo sentido, veja-se, novamente, a Decisão Arbitral de 16/7/2018 (proc. 676/2017-T): “não assiste razão ao [entendimento segundo o qual se deveria considerar] que os “terrenos para construção” afectos àquelas [...] actividades [económicas] estão igualmente incluídos nessa regra de exclusão [...]. Acontece que [tal entendimento] parte, desde logo, como já ficou demonstrado, do pressuposto errado quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do AIMI, segundo o qual por ter sido intenção do legislador subtrair à tributação os prédios afetos às atividades económicas, deve considerar-se igualmente excluída do âmbito de incidência do adicional ao IMI os terrenos para construção cuja potencial utilização coincida com os fins «comerciais, industriais ou serviços». Constituindo a letra da lei o ponto de partida e limite da interpretação, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil). Esta tese, além de partir de um pressuposto errado (na pretensa intenção do legislador de desonerar os terrenos afetos à atividade económica), não tem na letra do preceito qualquer suporte. De facto, o artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efetuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos. [...]. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins. Como ficou consignado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 664/2017-T, «Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica. Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é que não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.»” (destaques nossos).

 

35. Apesar do que se disse até aqui, a ora Requerente defende que, “mesmo que se entendesse – no que não se concede – que o entendimento da AT encontra respaldo no texto, fim e sentido da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI – e que esta é insusceptível quer de interpretação enunciativa, quer de interpretação conforme à Constituição, nos termos que a Requerente propôs – sempre se haveria de concluir pela sua flagrante inconstitucionalidade e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação do AIMI sobre a ora Requerente com fundamento nessa norma.”

36. Justifica-se, assim, a análise da alegada inconstitucionalidade.

 

37. A este respeito, seguiremos, por com ele concordarmos inteiramente, o entendimento que foi defendido, por ex., na Decisão Arbitral de 16/7/2018 (proc. 676/2017-T): a “interpretação [defendida pelo Tribunal] não configura qualquer tratamento discriminatório e violador do princípio da igualdade porquanto estamos a falar de realidades diversas desde logo porque os terrenos para construção não são assimiláveis a prédios urbanos já edificados [...]. Como ficou consignado no Acórdão Arbitral que temos vindo a seguir [de 26/6/2018, proferido no processo n.º 664/2017-T]. «o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição. É esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza que exige que o mesmo seja progressivo. [...]. A progressividade do sistema fiscal constitui também uma exigência do princípio da igualdade material. [...] [e] o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes [desde] que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e 695/2014)».” (destaques nossos).

 

38. Atento o acima exposto, realça a referida Decisão Arbitral de 16/7/2018 que, “tal como se pode ler no Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60), [...] a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva. [E,] Segundo a doutrina, também se tem entendido que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36). Ora, neste contexto, não se vê que a tributação do património imobiliário do [Requerente] afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica. Com efeito, os imóveis por si detidos estarão afetos a atividades livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à promoção imobiliária. [...]. [...] a imposição à generalidade dos detentores de imóveis habitacionais ou terrenos para construção de prédios habitacionais não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.»” (destaques nossos).

 

39. Por outro lado, lembra, ainda, a referida Decisão Arbitral de 16/7/2018, que “na linha do que se entendeu no Acórdão Arbitral, de 17 de março de 2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, «haverá de estabelecer-se uma destrinça entre a titularidade de património imobiliário destinado a habitação que constitui, em si, um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, e a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins que possam ser reconhecidos como factores de produção e cuja dimensão e valor patrimonial constitui, não tanto uma manifestação de riqueza, mas um padrão de adequação ao funcionamento da empresa. Afigura-se, assim, existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.» [Com efeito, e] Retomando, de novo, o consignado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 664/2017-T, «deve ter-se em linha de conta que estamos perante factos tributários diversos. Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um activo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à actividade produtiva. Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é susceptível de ser objecto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edificio para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).” (destaques nossos).

 

40. Atenta a argumentação citada, com a qual se concorda, percebe-se que não faria sentido isentar de AIMI os terrenos para construção (mesmo que com obra em curso), enquanto tais, dado que, gozando os mesmos de uma capacidade construtiva meramente potencial do tipo de prédio a edificar (para comércio, indústria ou serviços), tal poderia ter, como indesejada consequência, o desincentivo, por esta via, à sua edificação e utilização efectiva numa actividade produtiva.

 

41. Note-se, por último, o que se refere no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, de 4 de Julho (ainda que a respeito da Verba 28.1 da TGIS) sobre o alcance do princípio constitucional da igualdade tributária: “não decorre do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos”.

 

42. Conclui-se, em face do exposto, não existir a alegada violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP.

 

43. Não enfermando o acto de liquidação de AIMI, na parte impugnada, de qualquer vício que determine a sua anulação, pelas razões que foram acima expostas, terá de concluir-se que: 1) fica prejudicado o pedido de reembolso das importâncias pagas a título de adicional ao IMI (que se entende serem correspondentes ao valor da liquidação de AIMI entretanto corrigida, no montante aqui em causa de €16.861,50 – tendo presente que, quanto à diferença entre o valor da primeira liquidação n.º ... e a da presente liquidação n.º ..., foi a própria Requerida quem admitiu, na sua resposta, que “nada obsta [...] à anulação parcial [da primeira liquidação] e respectivo reembolso”); 2) não é devido o pagamento dos juros indemnizatórios previstos no artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos, nos termos peticionados, e mantendo na ordem jurídica o acto impugnado (liquidação n.º...).

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 16.861,50 (dezasseis mil oitocentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 12 de Julho de 2019.

 

O Árbitro

 

 

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.