Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 688/2018-T
Data da decisão: 2019-07-16  IRC  
Valor do pedido: € 299.039,24
Tema: IRC - Valor patrimonial tributário. Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

                1. A A... SA, com o número de contribuinte..., com sede Av. ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação adicional de IRC, no montante de € 299.039,24, referente ao ano de 2016, bem como da liquidação de juros compensatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade anónima, que exerce a sua actividade no âmbito do ensino superior através de um instituto de natureza universitária denominado B... e integra o Grupo C... .

 

A partir do ano lectivo 2008/2009, por força da grave crise económica acompanhada da substancial diminuição de alunos nos vários níveis de ensino, e particularmente no ensino privado, viu substancialmente diminuídos os proveitos das suas actividades e, em consequência, foi acumulando dívidas sustentadas com recurso a sucessivos empréstimos bancários até que deixou de ter capacidade para solver as suas obrigações, particularmente, junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social.

 

Em 2014 foi decidido alienar o imóvel de que era proprietária na freguesia de ... em Lisboa, tendo procedido, para facilitar a venda, à divisão por destaque, passando o imóvel a ser constituído por dois prédios urbanos, um inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., destinado à habitação, e o outro inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., destinado exclusivamente à actividade de serviços.

 

Após esta divisão, e em resultado da alteração de áreas dos prédios, a Autoridade Tributária iniciou oficiosamente um processo de avaliação, que culminou na atribuição do valor patrimonial de € 700.260,00 ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º..., designado por “...”, e o valor patrimonial de € 5.146.680,00 ao prédio urbano inscrito sob o artigo n.º..., designado por “...”.

 

Entretanto, no âmbito de um processo de reestruturação financeira junto das instituições bancárias, a Requerente procedeu à avaliação dos prédios através da empresa D..., LDA., empresa que atribuiu ao prédio designado ... o valor de mercado de € 4.012.700,00.

 

Reconhecendo a dificuldade de encontrar um comprador e pressionado pela necessidade de liquidez, a Requerente acabou por vender o prédio, em 2 de junho de 2016, ao Banco E... S.A., pelo valor de € 3.900.000, que o entregou, em regime de locação financeira, à F... .

 

O artigo 64.º, n.º 2, do Código do IRC, nas transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis, estabelece uma presunção para os casos em que os valores constantes nos contratos sejam inferiores ao valor patrimonial tributável definitivo, fixando este, como o valor a considerar para a determinação do lucro tributável.

 

Essa presunção admite prova em contrário através do procedimento próprio previsto nos n.ºs 3 a 6 do artigo 139.º do CIRC.

 

Em vista a desencadear esse procedimento, a Requerente, em 24 de janeiro de 2017, enviou um ofício por via postal simples, dirigido ao Chefe do Serviços de Finanças de Lisboa..., para a ... n.º..., em Lisboa, em que informava, nos termos e para os efeitos do artigo 139.º do Código do IRC, que vendeu o imóvel pelo valor de € 3.900.000,00, e que o imóvel fora vendido para fazer face a dificuldades financeiras, em particular para solver dívidas às entidades bancárias, à Segurança Social e à Autoridade Tributária, e que a avaliação levada a efeito pela D..., LDA. havia atribuído ao imóvel o valor de mercado de € 4.012.700,00.

 

Afirmando não ter sido notificada pelo contribuinte para a constituição da comissão de revisão, nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária utilizou a presunção legal do artigo 64º, n.º 2, e fixou como valor da transmissão o valor patrimonial tributário, procedendo à correspondente liquidação adicional de IRC.

 

No entanto, ainda que tenha enviado a comunicação por correio simples, a Requerente sempre se mostrou disponível para apresentar prova bastante através de todos os outros meios de prova admissíveis em processo tributário.

 

Ao não aceitar as provas produzidas no processo inspectivo que fundamentou a liquidação adicional de IRC, a Autoridade Tributária afastou ilegalmente o procedimento de prova do preço da venda do imóvel, pelo que os actos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios enfermam de violação do disposto no artigo 139.º do CIRC e preterição do princípio da descoberta da verdade material (artigo 58.º da LGT e 6.ºdo RCPIT).

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a excepção de incompetência material do tribunal arbitral, por considerar que a prova do preço efectivo na transmissão de imóveis apenas pode ser efectuada através do procedimento especialmente previsto no artigo 139.º do Código do IRC para o qual é competente o Director de Finanças. Invoca ainda excepção peremptória da insusceptibilidade da apreciação do pedido arbitral, porquanto à luz do disposto no n.º 7 do artigo 139.º do Código do IRC, a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, depende de prévia apresentação do pedido destinado a realizar a prova do preço efectivo da transmissão a que se refere aquele dispositivo, pelo que, não tendo sido deduzido o pedido não é admissível a impugnação judicial.

 

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária alega que, para fazer prova do preço efectivamente praticado, o sujeito passivo teria de accionar o procedimento previsto no n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC mediante requerimento dirigido ao Director de Finanças competente. Esse requerimento não deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa, limitando-se a Requerente a apresentar um ofício desacompanhado de qualquer prova que demonstre a sua entrega no serviço, sendo certo que a prova da apresentação do pedido a que se refere artigo 139.º do Código do IRC tem de ser efectuada por meio de documento escrito, uma vez que essa é a forma que deve revestir esse mesmo pedido.

 

Conclui no sentido da procedência das excepções e da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo houve lugar à a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e à produção de prova testemunhal indicada pela Requerente.

 

Em alegações por prazo sucessivo as partes procuraram fixar a matéria de facto que deve ser dada como assente e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 7 de Março de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:

 

A)           A Requerente é uma sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade anónima, que exerce a sua actividade no âmbito do ensino superior através de um instituto de natureza universitária denominado B... e que integra o Grupo C... .

B)           A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção interna, titulada pela ordem de serviço n.º I2018..., incidente sobre o exercício de 2016, destinada a validar a diferença entre o valor do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de..., em Lisboa, sob o n.º..., e o correspondente valor patrimonial tributário;

C)           O prédio foi vendido em 2 de Junho de 2016 pelo valor de € 3.900.000,00 e tinha sido objecto de que uma avaliação fiscal, em 29 de Novembro de 2015, que fixou o valor patrimonial tributário em € 5.146.680,00;

D)           Em 30 de Janeiro de 2015, a pedido da Requerente, a empresa D..., Lda. procedeu à avaliação do prédio atribuindo-lhe o valor de mercado de € 4.012.700,00;

E)            Na sequência de uma reunião entre representantes da Autoridade Tributária e da Requerente, que teve lugar em 25 de Agosto de 2018, ainda no decurso do procedimento inspectivo, a Requerente remeteu cópia de uma comunicação dirigida ao chefe do serviço de finanças de Lisboa..., para os efeitos do artigo 139.º do Código do IRC, datada de 24 de Janeiro de 2017, em que se dá conta que o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... foi vendido pelo valor de € 3.900.000, 00;

F)            Por mensagem de email enviada em 21 de Junho de 2018, a inspectora que subscreveu o Relatório de Inspecção Tributária solicitou à directora financeira da Requerente que informasse se a comunicação mencionada na antecedente alínea E) havia sido entregue no serviço de finanças Lisboa ... ou remetida pelo correio, e, sendo este o caso, solicitou o envio do registo postal e do aviso de recepção;

G)           A directora financeira informou, pela mesma via, que não lhe era possível indicar o modo de envio do requerimento e não dispunha em arquivo do comprovativo da recepção da correspondência pelo destinatário;

H)           A Requerente exerceu o direito de audição no âmbito do procedimento inspectivo, alegando, além do mais, que tinha enviado ao chefe dos serviços de finanças de Lisboa..., em 24 de Janeiro de 2017, para efeitos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, a comunicação da alienação do imóvel por valor inferior ao valor patrimonial tributário;

I)             No âmbito do procedimento inspectivo, a Autoridade Tributária verificou a existência de dois processos de execução fiscal instaurados contra Requerente por dívidas tributárias no valor total de € 13.978,00;

J)            A partir do ano lectivo 2008/2009, por força da grave crise económica e da diminuição de alunos nos vários níveis de ensino, e em especial no ensino privado, a Requerente sofreu uma substancial diminuição dos proveitos auferidos no âmbito das suas actividades;

K)           Em consequência, a Requerente recorreu a empréstimos bancários e acumulou dívidas, particularmente, perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social.

L)            Em 20 de Janeiro de 2016, entre as instituições bancárias credoras e as entidades devedoras do Grupo C..., entre as quais se incluía a Requerente, foi firmado um acordo de princípios em relação à reestruturação da dívida financeira que previa a reestruturação dos créditos e o reembolso antecipado obrigatório através da alienação de activos imobiliários;

M)          Em 2014, a Requerente, por necessidade de liquidez para solver dívidas, decidiu alienar um imóvel de que era proprietária na freguesia de ... em Lisboa, tendo procedido, para facilitar a venda, à divisão por destaque, passando o imóvel a ser constituído por dois prédios urbanos, um inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., destinado à habitação, e o outro inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., destinado exclusivamente à atividade de serviços.

 

Factos não provados: não se provou que a comunicação mencionada na antecedente alínea E) tivesse sido recepcionada nos serviços de finanças.

 

Os factos constantes das alíneas A) a I) da matéria de facto encontram-se provados com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta. Os factos constantes das alíneas J) a K), tendo sido alegados na petição inicial, não foram questionados pela Requerida e encontram-se provados através da prova testemunhal.

Matéria de direito

 

Incompetência material do tribunal arbitral

 

5. A Autoridade Tributária suscitou a excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, alegando que a prova do preço efectivo na transmissão de imóveis apenas pode ser efectuada através do procedimento especialmente previsto no artigo 139.º do Código do IRC para o qual é competente o Director de Finanças, pelo que o objecto do processo se não enquadra na previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

A arguição é manifestamente improcedente.

 

A competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária compreende, nos termos da referida disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, e o presente pedido arbitral tem como objecto a declaração de ilegalidade da liquidação em IRC, na sequência da correcção aritmética efectuada à matéria tributável no âmbito de uma acção inspectiva.

O artigo 139.º do Código do IRC refere-se ao procedimento destinado a fazer a prova do preço efectivo da transmissão de imóveis, em vista a afastar a aplicação do valor patrimonial tributário quando este seja superior. Mas esse é um mero procedimento administrativo que decorre perante a Administração Tributária e que não interfere com a competência jurisdicional dos tribunais.

Por outro lado, ao pronunciar-se sobre a legalidade da liquidação, o tribunal não está a substituir-se à Administração quanto à determinação do preço que tenha sido efectivamente praticado na transmissão de imóvel, mas unicamente a apreciar os vícios de ilegalidade que tenham sido suscitados como fundamento do pedido arbitral.

Não há motivo, por conseguinte, para julgar o tribunal incompetente.

 

Insusceptibilidade da apreciação do pedido arbitral

 

6. A Autoridade Tributária invoca ainda excepção peremptória da insusceptibilidade da apreciação do pedido arbitral com base no entendimento de que a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC está dependente de prévia apresentação do pedido destinado a realizar a prova do preço efectivo da transmissão, nos termos do artigo 139.º desse Código.

 

De facto, segundo o artigo 139.º, n.º 7, do Código do IRC, na parte que mais releva, a impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 64.º depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3. O pedido a que se refere este último preceito é o destinado a desencadear o procedimento de prova do preço efectivo da transmissão onerosa, que deverá ser apresentado perante o Director de Finanças.

 

O indicado procedimento corresponde, por conseguinte, uma forma de impugnação administrativa necessária sem a qual não se torna viável o recurso aos tribunais. A exigência legal de uma prévia impugnação administrativa tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do acto impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial. Na hipótese considerada no artigo 139.º, n.º 7, pretende-se, em termos similares, que, previamente à impugnação judicial do acto de liquidação, o interessado requeira a instauração de um procedimento específico, a decorrer perante a Administração, que tem em vista a fazer a prova de que o preço praticado na transmissão é inferior ao valor patrimonial, como meio de impedir que a liquidação tenha por base esse valor.

 

O que sucede no caso vertente é que justamente a Requerente vem discutir a legalidade da liquidação, alegando que a Administração Tributária afastou ilegalmente o procedimento da prova do preço efectivo de venda e violou não apenas o disposto no referido preceito do artigo 139.º, como também o princípio da descoberta da verdade material. Ou seja, o que está em causa, no presente pedido arbitral, é própria ausência do pressuposto de que dependia a impugnação jurisdicional.

 

E sendo assim torna-se claro que não tem aplicação a condição de procedibilidade decorrente do citado artigo 139.º, n.º 7, visto que o que se discute é factualidade atinente à própria verificação da condição de procedibilidade.

 

A excepção mostra-se, pois, ser improcedente.

 

Questão de fundo

 

7.  No âmbito de um procedimento inspectivo destinado a confirmar a declaração de rendimentos do sujeito passivo relativamente à venda de um bem imóvel, a Autoridade Tributária determinou a correcção aritmética do valor da transmissão no montante de € 1.246.680,00, correspondente à diferença entre o valor declarado da venda (€ 3.900.000,00) e o valor patrimonial tributário fixado (€ 5.146.680,00), assim corrigindo o lucro tributável referente ao período de 1 de janeiro a 31 de Agosto de 2016, que passou de € 148.000,00 para  € 1.395.603,67.

 

O Relatório de Inspecção Tributária fundamenta a correcção no disposto no artigo 64.º, n.º 2, do Código do IRC, que, para efeito da determinação do lucro tributável, manda aplicar o valor patrimonial definitivo quando o valor constante do contrato seja inferior, tendo tido também em atenção que o contribuinte não apresentou prova de ter requerido o procedimento a que se refere o artigo 139.º do mesmo Código para fazer prova do preço efectivamente praticado.

 

De acordo com a matéria de facto apurada, não se comprovou que a comunicação que a Requerente alega ter enviado à direcção de finanças para desencadear o procedimento tenha sido recepcionada nos serviços. Mas essa questão terá sido abordada numa reunião realizada entre representantes da Autoridade Tributária e da Requerente, ainda no decurso do procedimento inspectivo, na sequência da qual a Requerente remeteu uma cópia da comunicação aos serviços inspectivos. Além de que, no exercício do direito de audição a Requerente voltou a referir ter enviado um requerimento ao chefe dos serviços de finanças de Lisboa, em 24 de Janeiro de 2017, para efeitos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC.

 

A única diligência que foi efectuada no âmbito do procedimento inspectivo quanto a esta questão é a que consta da alínea F) da matéria de facto, traduzindo-se numa mensagem de email em que é solicitado à directora financeira da Requerente que informe se a comunicação foi entregue no serviço de finanças ou remetida pelo correio e solicita, neste caso, o envio do registo postal e do aviso de recepção.

 

A directora financeira informou que não lhe era possível indicar o modo de envio do requerimento e não dispunha em arquivo do comprovativo da recepção da correspondência pelo destinatário (alínea G da matéria de facto) e tanto bastou para que se desse como não provado que tenha sido requerido o procedimento para prova do preço efectivo.

 

Entretanto, a inspecção tributária desconsiderou outros elementos relevantes entre os quais a circunstância, mencionada no relatório, de se encontrarem pendentes contra a Requerente processos de execução fiscal.

 

A prova testemunhal produzida em julgamento é também concludente quanto ao condicionalismo que rodeou a transação imobiliária.

 

A partir do ano lectivo 2008/2009 houve uma acentuada retracção da procura dos cursos ministrados pela Requerente, em consequência da crise económica, que redundou numa substancial diminuição dos rendimentos. A Requerente teve de recorrer ao financiamento bancário e entrou em incumprimento perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social. Foi celebrado um acordo de princípios com as instituições bancárias credoras em vista à reestruturação da dívida financeira que previa o reembolso antecipado através da alienação de activos imobiliários. A Requerente decidiu alienar o imóvel por necessidade de liquidez para solver as dívidas e procedeu à divisão por destaque do prédio, inicialmente constituído por um artigo matricial único, para facilitar a venda.

 

Importa ainda ter presente que a venda foi concretizada por um valor próximo da avaliação efectuada pela empresa D..., Lda.

 

8. A Administração Tributária, no âmbito do procedimento tributário, está subordinada aos princípios da proporcionalidade e da justiça, princípios que têm consagração constitucional como directivas materiais conformadoras da actividade administrativa.

 

O princípio da proporcionalidade revela que a Administração deve prosseguir os fins legais e os interesses públicos segundo o princípio da justa medida, adoptando, de entre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquela que impliquem menos ónus e encargos para a posição jurídica dos administrados.

 

O princípio da justiça aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor e que convocam as ideias centrais de racionalidade, de proporção, de igualdade, de imparcialidade e de boa fé. Impressivamente, o artigo 8.º do CPA associa os princípios da justiça e da razoabilidade, declarando que “a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa”.

 

Estes princípios são acolhidos, não apenas no CPA, mas também na LGT e no CPPT.

 

O artigo 55.º da LGT, sob a epígrafe “Princípios do procedimento tributário”, consigna que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

 

O CPPT concretiza o que se entende por princípio da proporcionalidade, referindo que “os actos a adoptar no procedimento serão os adequados aos objectivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade”. O artigo 7.º do CPA, ao consagrar o princípio da proporcionalidade, formula, no seu n.º 1, esta mesma ideia central (“Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adoptar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”), mas acrescenta, no n.º 2, que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objectivos a realizar”. O princípio da proporcionalidade é igualmente mencionado no RCPI como um dos princípios do procedimento de inspecção tributária (artigo 7.º).

 

A Administração Tributária está igualmente vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade.

 

Um afloramento deste princípio surge no artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. Mas consta também do artigo 6.º do RCPI onde se diz que “o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.

 

Podemos então defender que “no âmbito do procedimento tributário está consagrado o princípio da verdade material, que alguns reconduzem à menção “justiça”, do qual resulta que o objectivo fundamental de toda a actuação no procedimento tributário é o da prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade, apenas alcançável com uma avaliação não meramente formal dos factos. A actuação da Administração Tributária no âmbito do procedimento tributário não é, como se viu, livre, não podendo procurar apenas a maior arrecadação de receitas públicas. Pelo contrário, a Administração deve prosseguir o interesse público na sua vertente de justiça e verdade material, estando vinculada na sua actuação tanto à CRP quanto à lei” (SERENA CABRITA NETO/ CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I , Coimbra, 2017, págs. 144-145).

 

Nesse mesmo sentido já propugnava SALDANHA SANCHES quando afirmava que “a tramitação do processo fiscal na sua concepção mais ampla, qua abrange necessariamente o procedimento gracioso de formação do acto tributário e o contencioso tributário onde se vai ajuizar da  conformidade com a lei com o primeiro, estará, portanto, ordenada com vista à descoberta da verdade material” (Princípios do Contencioso Tributário, Lisboa, 1987, pág. 31).

 

Importa ainda reter que os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem atuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações (artigo 11.º, n.º 1, do CPA). Princípio esse igualmente consagrado nos artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT.

 

9. No caso vertente, os serviços inspectivos, refugiando-se num mero formalismo – a inexistência do registo postal do envio da comunicação –, desconsideraram completamente a situação económica e tributária do sujeito passivo e agravaram desproporcionadamente a sua posição jurídica ao imporem uma correcção do lucro tributável no montante € 1.246.680,00 por correspondência com o valor patrimonial tributário fixado.

 

Certo é que o contribuinte carecia de apresentar requerimento para a instauração do procedimento destinado a fazer a prova do preço efectivo da transmissão do imóvel e não logrou demonstrar que cumpriu essa formalidade. Mas tendo sido alegado pelo contribuinte, no decurso do procedimento inspectivo, quer numa reunião realizada com os representantes da Autoridade Tributária, quer no exercício do direito de audição, que o requerimento foi enviado, ainda que por correio simples, era da mais elementar cautela que a Administração, perante a dúvida que pudesse subsistir, desse oportunidade ao interessado de fazer prova do preço efectivamente praticado de modo a que a decisão a adoptar fosse consentânea com a realidade.

 

Isso era, desde logo, exigível à luz não apenas do princípio da colaboração, mas sobretudo do princípio da verdade material, que – como se deixou exposto – implica que a Administração Tributária realize todas as diligências úteis, independentemente da iniciativa do sujeito passivo, em ordem a apurar a verdade material.

 

Uma tal opção seria ainda a única justificável em face dos princípios da justiça e da proporcionalidade, que, como ficou dito, pressupõem que os órgãos administrativos afastem as soluções falhas de razoabilidade e adoptem, na prossecução do interesse público, os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.

 

A Requerente, como se comprovou, sujeitou-se a alienar o imóvel em condições desfavoráveis por pressão das instituições bancárias, que pretendiam o reembolso dos créditos através da venda de activos imobiliários, e para solver dívidas perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social.

 

Indiferentes a essa situação, os serviços inspectivos agiram como se o não cumprimento de um procedimento formal se pudesse sobrepor à verdade material e, portanto, afastar a tributação de acordo com o rendimento real.

 

Como se impõe concluir, o acto de liquidação é ilegal por violação dos princípios da colaboração, da justiça, da proporcionalidade e da verdade material, e não pode manter-se na ordem jurídica.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação n.º 2018..., de demostração de acerto de contas n.º 2018... e de compensação 2018... .

 

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 299.039,24, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 16 de Julho de 2019

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Carla Castelo Trindade

 

O Árbitro vogal

Álvaro Caneira