Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 688/2020-T
Data da decisão: 2021-07-13  IRS  
Valor do pedido: € 1.732,22
Tema: IRS - Não residentes/não discriminação.
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SUMÁRIO: Por força do Direito europeu os não residentes não podem ser discriminados perante os residentes em matéria fiscal. O caso versa a limitação dos não residentes perante às escolhas dos residentes em matéria de imposto de mais-valias.

 

DECISÃO ARBITRAL

I

A..., melhor identificada nos Autos, residente em França, requereu constituição de Tribunal Arbitral, pretendendo a declaração de ilegalidade, com as consequências legais, de liquidação de IRS referente ao exercício de 2019 (no.2020...).

A Demandante tem legitimidade, personalidade e capacidade tributárias e processuais, tendo apresentado atempadamente o seu pedido.

 

II

Os factos

 

A Demandante e a Demandada estão substancialmente de acordo quanto aos factos relevantes para decisão da causa.

A Demandante, residente em França, celebrou em 26 de Julho de 2018 contrato promessa de compra de um imóvel situado em Portugal.

Em 2019, A Demandante alienou o imóvel, obtendo uma mais valia imobiliária que foi tributada na sua totalidade à taxa de 28%, nos termos do artigo 72º, 1 do CIRS, no montante de 3.464, 44 euros.

 

III

O Direito

A Demandante, não residente em território português, no seu Douto pedido, para não ser discriminada perante os residentes (não- discriminação imposta pela jurisprudência do TJUE e pelo artigo 63º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia), entende que só devia ser tributada por metade do montante da mais valia, como qualquer residente, termos em que o imposto se reduziria a 1.732,22 euros.

Na sua Douta Resposta, a Demandada sustenta a legalidade do ato de liquidação, por o art. 72º nos. 9 e 10, na redação de 2007, vir repor a igualdade entre residentes e não residentes. Podendo estes últimos obter um regime de igualdade ao incluírem a mais valia nos seus rendimentos para calculo da taxa.

 

IV

Os residentes em Portugal podem optar por dois regimes de tributação das mais-valias: a tributação de 50% da mais valia à taxa de 28%; a tributação à taxa aplicável à totalidade dos rendimentos, se englobarem as mais valias ( art.72º, 13 do CIRS, este e os seguintes na forma atual).

Os não residentes, se não escolherem esta segunda via, (art. 72º, 14) serão tributados pela totalidade da mais-valia à taxa de 28%( art. 72º, 1, do CIRS).

Será que a abertura de uma via leva à não discriminação dos não residentes?

Não discriminação é um dos direitos da pessoa no âmbito da EU. Tem de ser tratado, esse direito, com rigor. Prevalecendo sempre os direitos fundamentais sobre a lei ordinária. E vinculando estreitamente as decisões dos tribunais.

Não discriminação significa igualdade, não distinção. O não residente deve ser tratado do mesmo modo que o residente.

Não é o que sucede: no caso em análise, os direitos tributários de um não residente são diferentes e são inferiores aos de um residente. Não se tratando de mera forma, mas da aplicação de duas vias podendo estas produzir resultados muito diferentes, uma delas sendo fechada a não residentes.

Resultados que podem ser obstáculos à livre circulação de capitais, um dos fundamentos da EU.

Neste sentido têm-se pronunciado os tribunais arbitrais do CAAD em diversas doutas decisões (procs. Nº. 600/2018-T, No.370/ 2018-T, 617/2017-T, etc.)

                Bem como o Tribunal de Justiça da UE (proc. C-440/08, e outros).

Note-se que a opinião do Advogado Geral exarada no Processo prejudicial C-388/19, junto pela Demandada, implica um regime idêntico para residentes e não residentes.

Nesta medida não há motivo para obter sobre este caso mais uma opinião do TJUE. Tal diligência só envolveria inúteis custos e delongas.

A violação, no caso “sub judice”, do princípio da não discriminação e o estabelecimento de obstáculos à livre circulação de capitais parecem evidentes.

Sendo assim, dá-se provimento integral ao pedido da Demandante, anulando-se a liquidação com todas as consequências legais.

 Devendo a Demandada restituir à Demandante todas as quantias pagas e pagar à Demandante os juros indemnizatórios legais.

 

Valor da causa: mil setecentos e trinta e dois euros e vinte e dois cêntimos.

Custas a cargo da Demandada.

 

13 de julho de 2021

               

O Juiz Arbitral

Professor Doutor Diogo Leite de Campos