Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 687/2020-T
Data da decisão: 2021-06-15  IRS  
Valor do pedido: € 18.755,60
Tema: IRS – Artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do CIRS; mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, auferidas por residente num país
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

O artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.º do TFUE, não sendo essa discriminação negativa ultrapassada pelo regime opcional constante dos n.ºs 13 e 14 (atuais n.ºs 14 e 15) do artigo 72.º do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 27 de novembro de 2020, A..., NIF..., residente na Rua ..., ...– AP ..., ..., CEP ...-... ..., ..., Brasil, representado fiscalmente em Portugal por B..., residente na Rua ..., ..., Maia (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, da qual resultou o montante a pagar de € 37.511,21.

O Requerente juntou 5 (cinco) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, essencialmente, o seguinte que passamos a citar:

                «- O SP entregou, no prazo legalmente devido, a sua declaração de rendimentos Modelo 3, relativa ao ano de 2019, declarando, no Anexo G, a alienação onerosa da propriedade a 100% de um imóvel por si adquirido em Junho de 2018, (…),

                - incluindo nessa declaração a identificação do valor de aquisição, de € 710.000,00, o valor da sua alienação, em Abril de 2019, por € 940.000,00, e as despesas e encargos no valor de € 96.031,39, (…).

                - Consequentemente, foi realizada a liquidação do IRS pela Autoridade Tributária, da qual foi notificado através do documento de “Demonstração de liquidação de IRS – nr. Documento 2020..., e da qual resultou a pagar o valor de € 37.511,21, (…),

                - valor que pagou no prazo de pagamento que lhe foi indicado.

                - A liquidação efectuada pela AT incidiu sobre o valor total da mais-valia apurada, portanto, 100% do valor, naturalmente, considerados os encargos declarados,

                - e por aplicação da taxa de 28% prevista no n.º 1 do art. 72.º do CIRS,

                - em vez de considerar, apenas, metade do valor da mais valia apurada, conforme estabelecido no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS,

- norma que, apesar de na sua letra prever a aplicação às mais-valias de “residentes”,

- deve ser, também, objecto de aplicação ao SP como “não residentes”, por força dos  princípios estabelecidos na Constituição da República Portuguesa (CRP) e no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), a saber: na CRP, no que se refere ao Princípio da Igualdade, incluindo a não discriminação desfavorável dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, bem como aos Princípios de liberdade de escolha e desenvolvimento da profissão e da iniciativa e organização empresarial, no TFUE, dos Princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.

                - A aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, nos termos subjacentes à liquidação aqui impugnada, i.e., não considerando para efeitos da liquidação do IRS de 2019 apenas 50% da mais-valia imobiliária do SP, padece de inconstitucionalidade por

                - violação do disposto nos artigos 13.º, 14.º, 47.º, n.º 1, 80.º, alínea c), 86.º, n.º 1, e 100.º, alíneas c) e e), todos, da CRP, na medida em que dá tratamento diferente a cidadão português e de nacionalidade portuguesa emigrado no estrangeiro e limita a liberdade de desenvolvimento da profissão e de iniciativa e organização empresarial, e além disso, por

                - violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, porque consubstancia uma restrição aos movimentos de capitais entre Portugal e país terceiro, in casu, o Brasil.»

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 30 de novembro de 2020.

               

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18 de janeiro de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

5. No dia 1 de junho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida juntou um documento, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas, nem juntado processo administrativo.

 

6. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:   

«- (…), o Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, ao fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.  

- Assim, as alegações do Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10). O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72.º do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

- Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias [acórdão do processo C-433/06 (caso Hollman)], tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

- Saliente-se, ainda, que o artigo que o Requerente pretende que lhe seja aplicado (43.º, n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe “Determinação do rendimento coletável”.

- Estamos, pois, perante a determinação do rendimento.

- Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos mais relevantes são o 9.º e 10.º do Código do IRS.

- Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

- Acresce que a alteração legislativa introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE.

- Quadro normativo esse que passou a prever duas

 situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

- Assim, por um lado, o Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez.

- Por outro lado, o Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

- (…) a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, veio, salvo melhor opinião, adequar plenamente a legislação nacional ao direito comunitário,

- isto porque os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, (…), passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não APENAS para os residentes em Portugal, mas TAMBÉM para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

- (…), a alteração operada por via da introdução dos atuais n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

- (…), dever-se-á julgar não verificadas a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência que vimos de invocar, que obstam à aceitação do entendimento do aqui Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.

- Pelo que, deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE.

- Até porque, apesar de se ter demonstrado que a interpretação da AT cumpre escrupulosamente o direito comunitário, desconhece-se jurisprudência do TJUE que se debruce sobre a questão a dirimir nos presentes autos, designadamente proferida em casos com todas as características factuais apontadas, em face da referida alteração legislativa de 2008.

- Face ao supra exposto, não estão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios.»           

  

7. Em 2 de junho de 2021, o Tribunal proferiu o despacho arbitral que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual foi apreciado e indeferido o reenvio prejudicial para o TJUE que foi peticionado pela Requerida, dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de quaisquer alegações e indicado o dia 30 de junho de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

                II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente era, em 2019, e continua a ser residente na República Federativa do Brasil. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]

b) O Requerente é acionista e administrador da sociedade comercial denominada “C..., S.A.”, NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., Valongo. [cf. certidão permanente com o código de acesso: ...]

c) Por razões de expansão empresarial para o Brasil da sociedade comercial “C..., S.A.”, o Requerente emigrou para o Brasil para aí assumir funções de direção/administração na empresa “D..., LTDA.”, com sede na Rua ..., ..., CEP ... ..., ..., República Federativa do Brasil. [cf. documentos n.ºs 3 e 4 anexos ao PPA]    

d) No mês de junho de 2018, o Requerente adquiriu, pelo valor de € 710.000,00 (setecentos e dez mil euros), a fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano com o artigo matricial ... da freguesia (código) ... . [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]    

e) No mês de abril de 2019, o Requerente vendeu, pelo valor de € 940.000,00 (novecentos e quarenta mil euros), o referido bem imóvel. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]  

f) O Requerente procedeu à entrega, dentro do prazo legal, da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2019, na qual declarou, quanto à respetiva residência fiscal [campo 8], ser não residente, identificando o país de residência com o código 76. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]    

g) O Requerente entregou, com aquela mesma declaração de rendimentos, apenas o respetivo Anexo G [Mais-valias e outros incrementos patrimoniais], no qual declarou o seguinte no campo 4, tendo por referência o imóvel com o artigo matricial U-..., Fração “C”, da freguesia ... [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]:

(i) Aquisição:

# data: 2018.06

# valor: € 710.000,00

(ii) Realização:

# data: 2019.04

# valor: € 940.000,00

                               (iii) Despesas e encargos: € 96.031,39

h) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, na qual foi apurado o rendimento coletável de € 133.968,61, sobre o qual foi aplicada a taxa de 28%, daí resultando o montante total de imposto a pagar de € 37.511,21 (trinta e sete mil quinhentos e onze euros e vinte e um cêntimos), com data limite de pagamento em 08.09.2020. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

i) Em data concretamente não apurada, o Requerente efetuou o pagamento integral do referido montante de imposto resultante da liquidação de IRS n.º 2020... .

j) Em 27.11.2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.   

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

12. A questão jurídico-tributária em causa neste processo é atinente à tributação incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português – mais concretamente, por residentes num país terceiro –, atento o disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), 13 e 14, todos do Código do IRS.

                Está, concretamente, em causa determinar se o saldo positivo apurado a título de mais-valias imobiliárias, no ano de 2019, pelo Requerente deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que aquele é residente na República Federativa do Brasil.

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto pago em excesso e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§2. A TRIBUTAÇÃO EM IRS DAS MAIS-VALIAS AUFERIDAS PELO REQUERENTE

13. A análise da questão jurídico-tributária que constitui o epicentro do dissídio entre as partes deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.

O artigo 10.º do Código do IRS, determina, no seu n.º 1, que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de” “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” (alínea a)).

Por seu turno, o artigo 13.º do Código do IRS estatui, no seu n.º 1, que “ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o artigo 15.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal que, quanto aos não residentes, o IRS “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”; como decorre do previsto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Código, “consideram-se obtidos em território português” “os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão” (alínea h)). 

Podemos, assim, assentar que, apesar de o Requerente ser residente na República Federativa do Brasil, as mais-valias resultantes da alienação do referenciado imóvel são consideradas rendimentos obtidos em território português e, como tal, são objeto de tributação em IRS; em que termos é que o são, é precisamente a questão com que nos confrontamos neste processo.

O artigo 43.º do Código do IRS estipula, no seu n.º 1, que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”; por seu turno, da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo decorre que “o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor” em todos os casos não previstos na antecedente alínea a).

O artigo 72.º do mesmo Código prevê, na alínea a) do seu n.º 1, que “são tributadas à taxa autónoma de 28%” “as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado”. O n.º 13 do mesmo artigo 72.º estatui que “os residentes num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”; para efeitos de determinação dessa taxa, o subsequente n.º 14 determina que “são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.     

 

14. O n.º 2 do artigo 43.º (alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo, na redação aqui aplicável) do Código do IRS já foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão, de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (Acórdão Hollmann), no qual foi decidido o seguinte:

«O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»

Estamos, pois, perante um regime discriminatório e incompatível com o Direito Europeu, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o qual estatui o seguinte:

“1.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2.  No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

Tal conclusão está esteada, nuclearmente, na seguinte argumentação expendida no citado aresto do TJUE:

«29. Ora, o Tratado prevê, designadamente no artigo 56.° CE, uma norma específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze, C 222/04, Colect., p. I 289, n.° 99).

30. Face às considerações precedentes, importa, portanto, verificar se um contribuinte como E. Hollmann pode invocar o disposto no artigo 56.° CE.

31. A este respeito, decorre da jurisprudência que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (v., neste sentido, acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C 222/97, Colect., p. I 1661, n.° 24).

(…)

37. Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.

38. Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%.

(…)

40. Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE.

(…)

47. A este respeito, o Governo português sustenta que as duas categorias de sujeitos passivos se encontram em situações diferentes, o que justifica perfeitamente esta diferença de tratamento. A limitação da tributação a 50% só pode respeitar a residentes, uma vez que estes se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas sobre o seu rendimento global. Ao invés, aos não residentes são apenas tributados os rendimentos auferidos no território português. Por outras palavras, o mecanismo previsto por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal visa não penalizar os residentes que se encontram sujeitos a um imposto progressivo, contrariamente aos não residentes.

48. Além disso, o mesmo governo considera que a diferença de tratamento fiscal resultante da aplicação de uma tributação diferente a não residentes deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento aplicável a residentes e a não residentes.

49. Com este argumento, o Governo português considera que o facto de se prever uma tributação diferente para não residentes, no caso de realização de mais valias, se justifica atendendo ao regime de tributação de rendimentos, em especial à taxa de tributação diferente aplicável a residentes e a não residentes. Com efeito, para os primeiros, o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, incluindo, portanto, as mais valias auferidas em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas, enquanto que, para os não residentes, o CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial proporcional.

50. Refira se que, no processo principal, em primeiro lugar, a tributação das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide sobre uma única categoria de rendimentos dos sujeitos passivos, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, diz respeito às duas categorias de sujeitos passivos; e, em terceiro lugar, o Estado Membro de onde o rendimento colectável provém é sempre a República Portuguesa.

51. A este respeito, importa em particular esclarecer que, tal como resulta do n.º 38 do presente acórdão, o facto de a matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente ser reduzida a metade, conjugado com o facto de a tributação dos seus rendimentos estar sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%, conduz, nas mesmas condições de tributação relativamente a um não residente, a uma tributação mais gravosa deste último.

52. Nestas condições, a alegação apresentada, no caso em apreço, pelo Governo português não pode ser aceite.

53. Resulta do exposto que não existe objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias entre as duas categorias de sujeitos passivos. Por conseguinte, uma situação como a de E. Hollmann é comparável à de um residente.

54. Donde se conclui que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal institui um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável.»

Importa aqui relembrar que a prevalência da interpretação do TJUE acerca do direito de fonte europeia resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio do primado do Direito Europeu, seja este originário ou derivado.

Assim, na sequência daquele aresto do TJUE, os tribunais nacionais adotaram uma posição consentânea com o ali decidido, sendo disso exemplo os seguintes arestos prolatados pelo STA:

(i) Em 22.03.2011, no processo n.º 01031/10, onde se afirma que foi a Autoridade Tributária que, «perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando-se deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.»  

(ii) Em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, o acórdão assim sumariado:

«I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo).»

(iii) Em 9.12.2020, no processo n.º 064/20.0BALSB, o acórdão assim sumariado:

«I – Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

II – O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.»

(iv) Em 9.12.2020, no processo n.º 075/20.6BALSB, o acórdão assim sumariado:

«(…)

III – A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV – Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»

Também os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD seguiram idêntico entendimento, como resulta, entre muitas outras, das decisões arbitrais que foram proferidas nos processos n.ºs 89/2017-T, 644/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 370/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T, 208/2019-T, 627/2019-T, 787/2019-T, 846/2019-T, 17/2020-T, 86/2020-T, 238/2020-T e 334/2020-T.

 

15. A Requerida entende que, no caso concreto, a aludida jurisprudência do TJUE não é vinculativa, uma vez que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do citado acórdão Hollmann pelo TJUE, atenta a alteração legislativa consubstanciada no aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (números 13 e 14, na redação aqui aplicável), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008); assim, segundo a Requerida, o Acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pelo que o caso concreto não está abrangido por tal arco temporal. 

Não tem a Requerida razão na posição que sustenta, pelos motivos que seguidamente passaremos a enunciar.

Em primeiro lugar, dúvidas não existem de que o carácter discriminatório da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS se verifica quer quanto aos residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu quer quanto aos residentes em países terceiros, pois o artigo 63.º do TFUE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais e pagamentos, sendo que tais «restrições e consequentes discriminações proibidas podem fazer-se sentir em diversas áreas, designadamente na aquisição e no investimento em propriedade, transações transfronteiriças monetárias e financeiras, empréstimos, investimentos em empresas e ações, casos de golden shares, entre outros» . Acresce que, «a abolição das restrições à livre circulação de capitais e pagamentos, a partir de janeiro de 1994, foi feita para vigorar não só entre Estados-Membros, mas também entre estes e Estados terceiros, sendo neste momento pacífico que o seu conteúdo é precisamente o mesmo nas duas situações. Resultando daí que as restrições a esta liberdade são proibidas exatamente da mesma forma, independentemente de estarem em causa Estados-Membros ou Estados terceiros, sendo as situações perfeitamente comparáveis.»       

Neste conspecto, é bem elucidativo o acórdão proferido pelo TJUE, em 18 de janeiro de 2018, no processo C-45/17 (acórdão Jahin), no qual é afirmado o seguinte:

«19. Antes de mais, há que recordar que o artigo 63.º TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro.

20. Para o efeito, o artigo 63.º TFUE, que figura no capítulo 4 do título IV do Tratado FUE, sob a epígrafe «Os capitais e os pagamentos», dispõe que são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros e entre Estados Membros e países terceiros.

21. Daqui decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros. 

22. No que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 63.º TFUE, embora o Tratado FUE não defina o conceito de «movimentos de capitais», resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esses movimentos, na aceção desse artigo, compreendem, nomeadamente, as operações mediante as quais os não residentes efetuam investimentos imobiliários no território de um Estado Membro (v., neste sentido, acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Stefan, C 464/98, EU:C:2001:9, n.º 5; de 5 de março de 2002, Reisch e o., C 515/99, C 519/99 a C 524/99 e C 526/99 a C 540/99, EU:C:2002:135, n.º 30; e de 8 de setembro de 2005, Blanckaert, C 512/03, EU:C:2005:516, n.º 35).

23. Decorre do que precede que imposições como as efetuadas nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, na medida em que incidem sobre os rendimentos prediais e sobre uma mais valia obtida na sequência da alienação de um imóvel, recebidos num Estado Membro por uma pessoa singular que possui a nacionalidade desse Estado, mas que reside num Estado terceiro diferente de um Estado Membro do EEE ou da Confederação Suíça, estão abrangidas pelo conceito de «movimentos de capitais», na aceção do artigo 63.º TFUE.»

Posteriormente e mantendo a mesma linha decisória, o TJUE, por despacho da Sétima Secção proferido em 6 de setembro de 2018, no processo C-184/18 – decorrente de pedido de reenvio prejudicial formulado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 1358/08.9BESNT –, pronunciou-se nos seguintes termos:

«Uma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE.»

Em segundo lugar, mesmo que se entendesse que o regime de opção previsto nos n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do Código do IRS neutralizou o carácter discriminatório da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do mesmo compêndio legal – como propugna a AT –, tal só se verificaria quanto aos residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu – únicos que podem exercer a opção ali prevista –, deixando de fora os residentes num país terceiro, relativamente aos quais é inequívoca a subsistência da aludida discriminação.

Aliás, por isso mesmo, os n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do Código do IRS não relevam para a apreciação e decisão do caso concreto, pois o Requerente não é residente num Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, mas sim num país terceiro e, portanto, está fora do âmbito subjetivo de aplicação daquelas normas legais.

No entanto, sempre se dirá que, a propósito de um regime de opção similar àquele que está consagrado nos n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do Código do IRS, o TJUE já se pronunciou no acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Caso Gielen), no qual foi decidido o seguinte:

«O artigo 49.° TFUE opõe se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»

Acresce que, no recentíssimo acórdão de 18 de março de 2021, proferido no processo C-388/19 (Acórdão MK), o TJUE apreciou o concreto regime legal constante dos n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do CIRS, tendo decidido o seguinte:

«O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um EstadoMembro que, para permitir que as maisvalias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse EstadoMembro, por um sujeito passivo residente noutro EstadoMembro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às maisvalias realizadas por um residente do primeiro EstadoMembro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.»

Resulta, assim, meridianamente evidenciado que a previsão daquele regime facultativo, para além de fazer impender sobre os não residentes (residentes num Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu) um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não é suscetível de excluir a aludida discriminação, a qual continua pois a subsistir.

 

16. Nesta conformidade, a alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS é incompatível com o Direito da União Europeia, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os sujeitos passivos residentes em Portugal – e, portanto, não extensiva aos não residentes, designadamente, aos residentes em países terceiros –, o que consubstancia uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE; consequentemente, o ato de liquidação de IRS controvertido padece de vício de violação de lei e, por isso, deve ser anulado na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

§3. O REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO (INDEVIDAMENTE) PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

17. O Requerente peticiona, ainda, o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 18.755,60 (dezoito mil setecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos) acrescido de juros indemnizatórios, sendo que resultou comprovado que o Requerente procedeu ao pagamento integral do valor resultante do ato de liquidação de IRS controvertido (cf. facto provado i)).

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso do montante de imposto indevidamente suportado e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§3.1. DO REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO (INDEVIDAMENTE) PAGO

18. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de IRS controvertido, há lugar ao reembolso da prestação tributária indevidamente suportada pelo Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado nos termos em que foi.

Destarte, procede o pedido de reembolso ao Requerente do imposto indevidamente pago, no montante de € 18.755,60 (dezoito mil setecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos).

 

§3.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

19. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade da liquidação de IRS controvertida é imputável à AT por, na sua elaboração, ter incorrido em vício de violação de lei, pelo que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante de € 18.755,60 (dezoito mil setecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos) a reembolsar, calculados desde a data em que foi efetuado o pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril. 

*

20. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e decididas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja apreciação ficou prejudicada pela solução dada a outras, designadamente as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo Requerente. 

 

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor, com as legais consequências;

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira:

(i)           A reembolsar ao Requerente o imposto liquidado e pago em excesso, no montante de € 18.755,60 (dezoito mil setecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais;

(ii)          No pagamento das custas do presente processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 18.755,60 (dezoito mil setecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Atento o disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea i), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), na sua atual versão, a presente decisão arbitral deve ser notificada ao Ministério Público, o que se determina.

*

Notifique.

 

Lisboa, 15 de junho de 2021.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)