Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 686/2020-T
Data da decisão: 2021-09-09  IRS  
Valor do pedido: € 116.977,26
Tema: IRS - Mais-valias imobiliárias. Não residentes em território nacional.
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Sumário:

O regime específico de equiparação aos residentes é opcional, e não afasta o carácter discriminatório da norma do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS. Assim, a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            A..., com o número de identificação fiscal ... residente em ... ..., Reino Unido, veio requerer a constituição de Tribunal arbitral coletivo, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), com vista à apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRS n.o  2020..., no que se refere às mais-valias imobiliárias, relativo ao período de tributação de 2019, no valor parcial de € 233.954,53, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, e o pagamento de juros indemnizatórios.

2.            O Requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de em 10.01.2019 ter adquirido, por via sucessória, por óbito de sua mãe, a fração autónoma designada pelas letras “AQ” correspondente ao quarto piso, segundo andar, designado pelo n.º ..., que faz parte do prédio urbano, denominado “Condomínio ...”, sito em ... ..., inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo ... (proveniente do artigo ...), da União das Freguesias de ... e ..., Concelho de Cascais (cfr. Doc. 7 do ppa).

3.            Em 28.05.2019, por escritura pública de compra e venda, o Requerente, vendeu, pelo valor de € 1.100.000,00, a fração autónoma designada pelas letras “AQ” correspondente ao quarto piso, segundo andar, designado pelo n.º..., que faz parte do prédio urbano, denominado “Condomínio ...”, sito em Cascais, em ..., inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo ... (proveniente do artigo...), da União das Freguesias de ... e ..., Concelho de Cascais, com o valor patrimonial de € 264.448,10 (cfr. Docs. 5 e 6 do ppa).

4.            As mais-valias decorrentes da alienação da referida fração autónoma, designada pelas letras “AQ” do prédio urbano supra identificado foram declaradas no anexo G da declaração Modelo 3-IRS apresentada pelo Requerente em 27.05.2020, na qualidade de não residente, relativa aos rendimentos obtidos em Portugal no ano de 2019 (cfr. Doc. 3 do ppa).

5.            No anexo G da declaração Modelo 3-IRS, o Requerente declarou o VPT do imóvel à data da aquisição, isto é, o valor de € 264.448,10, bem como o valor de realização no montante de € 1.100.00,00, ambos correspondentes ao valor total da referida fração autónoma.

6.            Na sequência da submissão da declaração de rendimentos, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, através do Serviço de Finanças de Lisboa-..., o ato de liquidação de IRS, no valor de € 233.954,53, calculado pela aplicação da taxa de tributação autónoma de 28% incidente sobre a matéria tributável de € 835.551,90, cuja ilegalidade é objeto de impugnação através do presente pedido de pronúncia arbitral (cfr. Doc. 1 do ppa).

7.            A liquidação de IRS notificada ao Requerente teve por base a mais-valias quantificada na totalidade, isto é, o valor de € 835.551,90 = (1.100.000,00-€ 264.448,10), nos termos previstos no n.º 1 do artigo 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), tendo a AT desconsiderado a exclusão de tributação de 50% das mais-valias, conforme previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

8.            O Requerente considera que o ato de liquidação de IRS do ano de 2019 é parcialmente ilegal porque resulta da aplicação da taxa de imposto ao valor total das mais-valias realizadas, sem recurso à norma de tributação de apenas 50% aplicável aos residentes em território nacional, consagrada no artigo 43.º do Código do IRS.

9.            De acordo com esta norma, os residentes em território nacional apenas são tributados sobre 50% das mais-valias originadas pela alienação de imóveis em Portugal, mas a redução do valor tributável não se estende aos não residentes.

10.          Assim sendo, a norma de direito nacional que exclui os não residentes de uma redução de tributação – e, nessa medida, agrava a sua tributação – restringe a liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nesse sentido se tendo pronunciado o Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2007, Processo n.º C- 443/06 (Caso Hollmann).

11.          O Requerente considera que o principio da não discriminação, previsto no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) impõe um tratamento igual entre os cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência, pelo que o regime de tributação adotado pela AT constitui uma discriminação injustificada e contrária ao direito da União Europeia, dos residentes noutros Estados-membros face aos residentes em território nacional, violadora do princípio da livre circulação de capitais entre Estados-membros.

12.          A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua resposta, refere que o atual quadro legal já não é o vigente à data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência, foi efectuada uma alteração legislativa mediante o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, sendo que esta alteração veio permitir que, tanto os residentes como os não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2, e, por conseguinte, da consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor.

13.          E que o regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º do CIRS aplicáveis a não residentes e não aplicáveis a residentes, devendo tal regime ser aplicado “in toto”, pelo que não se pode invocar discriminação negativa como pretende o Requente.

14.          A Requerida, conclui no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

15.          Em 30.11.2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi imediatamente (e-mail automático) notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para integrar o presente Tribunal Arbitral coletivo, designou os signatários como árbitros, tendo estes comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

16.          Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

17.          Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em 03.05.2021 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral, sendo relevante referir que, para efeitos de cômputo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, importa considerar a suspensão de prazos ocorrida nos termos do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, e do artigo 4.º desta Lei e do artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril.

18.          Em 04.05.2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada do despacho arbitral, no sentido de apresentar resposta ao pedido formulado pelo Requerente, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

19.          Em 09.06.2021, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida.

20.          Em face do conhecimento que decorre das peças processuais apresentadas pelas Partes – pedido de pronúncia arbitral e resposta da Requerida –, que se julga suficiente para a decisão, por despacho de 12.06.2021, o Tribunal arbitral coletivo decidiu: i) Não tendo sido suscitada matéria de exceção e não havendo prova a produzir, foi dispensada a realização da audiência (art.º 18.º do RJAT). ii) Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, foi dispensada a produção de alegações escritas e o processo prosseguiu para a prolação da sentença. iii) Foi ainda designado o dia 3 de novembro de 2021 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, e foi solicitado à Requerente que até essa data proceda ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

II. SANEAMENTO

 

21.          O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

22.          O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

23.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

24.          O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

III - FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1 Factos provados

 

25.          Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi dos normativos das alíneas a) e e), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

26.          Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como provados são os seguintes:

26.1       Em 10.01.2019, o Requerente adquiriu, por via sucessória, por óbito de sua mãe, a fração autónoma designada pelas letras “AQ” correspondente ao quarto piso, segundo andar, designado pelo n.º ..., que faz parte do prédio urbano, denominado “Condomínio ...”, sito em ..., Concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo ... (proveniente do artigo ...), da União das Freguesias de ... e ..., com o valor patrimonial de € 264.448,10.

26.2       Em 28.05.2019, por escritura pública de compra e venda, o Requerente procedeu à alienação, pelo valor de € 1.100.000,00, da fração autónoma designada pelas letras “AQ”, do prédio urbano identificado no ponto anterior.

26.3       No ano de 2019, o Requerente era residente fiscal em Reino Unido.

26.4       Em 27.05.2020, o Requerente apresentou a Declaração Modelo 3-IRS, relativo aos rendimentos auferidos no ano de 2019, tendo declarado a correspondente mais-valias no anexo G da declaração do IRS.

26.5       A Autoridade Tributária e Aduaneira, com base na declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente procedeu à realização da Liquidação de IRS, n.º 2020..., no valor de € 233.954,53.

26.6       Esta Liquidação reflete a tributação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da totalidade das mais-valias realizadas pelo Requerente, na qualidade de não residentes em território português.

26.7       Em 31.08.2020, o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2020..., no valor de € 233.954,53.

26.8       O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 27.11.2020.

 

III.1.2 Factos não provados

 

27.          Não existem quaisquer factos não provados que relevem para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

28.          O Requerente não contesta a sujeição a imposto, para efeito do apuramento da mais-valias imobiliárias, dos rendimentos decorrentes da alienação da fração autónoma “AQ” do prédio urbano, sito em ..., no concelho de Cascais.

29.          O Requerente discorda é da não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pelo que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, e entende que o ato de liquidação, ao ter sido considerada a totalidade das mais-valias realizadas, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.

30.          A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (atuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

31.          Esta questão foi já analisada, em situação similar, em diversas decisões arbitrais (cfr., a título de exemplo, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 208/2019-T, 830/2019-T, 846/2019-T, 86/2020-T, 282/2020-T, 314/2020-T, 318/2020-T e 334/2020-T), e, quanto a ela, o STA tem igualmente mantido uma orientação uniforme (acórdãos de 16 de janeiro de 2008, Processo n.º 439/06, de 22 de março de 2011, Processo n.º 01031/10, de 10 de outubro de 2012, Processo n.º 0533/12, de 30 de abril de 2013, Processo n.º 01374/12, de 18 de novembro de 2015, Processo n.º 0699/15, de 3 de fevereiro de 2016, Processo n.º 01172/14, e de 20 de fevereiro de 2019, Processo n.º 0901/11).

32.          E a verdade, é que não há motivo para alterar o entendimento então sufragado, que de seguida se procurará sintetizar.

33.          Nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”.

34.          Este tipo de rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (Código do IRS, artigos 18.º, n.º 1, alínea h)), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (Código do CIRS, artigos13.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2).

35.          Em face do normativo da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.

36.          O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º 1, do citado Código.

37.          No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”.

38.          Quando auferidos por sujeitos passivos residentes este tipo de rendimentos é sujeito a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

39.          Diversamente, se estes rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

40.          Esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo STA (acórdão de 28-09-2006, Processo n.º 0439/06).

41.          Em resposta à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11.10.2007, proferido no Processo C-443/06 (Hollmann), declarou que “O artigo 56.º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

42.          Foi na sequência dessa decisão, que o STA proferiu o já citado acórdão de 16.01.2008 (Processo 439/06), em que veio a decidir que “O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art.º 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado-membro da União Europeia.”

43.          Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:

“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

44.          Ao contrário do que entende a Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado à liquidação de IRS ora sindicada.

45.          Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

46.          Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

47.          Com efeito, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, em decisão arbitral de 14.05.2013, Processo 127/2012-T, considerou-se que  “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art.º 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário».

48.          Esta orientação tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral, e, designadamente, nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T e 74/2019-T, 904/2019-T, 282/2020-T, 314/2020-T, 318/2020-T e 334/2020-T.

49.          E no mesmo sentido se pronunciou o STA, no acórdão de 20.02.2019 (Processo n.º 0901/11), reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, e, portanto, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, em que se refere o seguinte:

“O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28.04, instituiu um regime opcional, ex vi n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRS, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.

Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objeto do Acórdão Gielan de 18.03.2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.

E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.

Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.

Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Processo 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.”

50.          Na linha da jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais, e sem reservas, considera o Tribunal que não se suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação de IRS impugnada.

51.          Todavia, a Requerida sustenta, que uma interpretação segundo a qual a legislação nacional, após o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, continua a violar o artigo 63.º do TFUE consubstancia uma discriminação positiva que viola o princípio constitucional da igualdade e o direito europeu.

52.          No entanto, a consideração de que a norma do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS opera uma discriminação a nível de tributação em relação a não residentes é a que se mostra ser conforme com o direito europeu, segundo a própria jurisprudência do TJUE e, por outro lado, é essa interpretação que elimina a diferenciação de tratamento e restabelece um critério de igualdade na sujeição ao imposto, não podendo falar-se numa discriminação positiva, visto que o que está em causa é a liberdade de circulação de capitais e não um qualquer favorecimento da posição jurídica dos contribuintes não residentes.

53.          Pela sua relevância para a matéria controvertida nos presentes autos faz-se referência com transcrição infra do Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção), proferido em 18 de março de 2021, no processo n.º 388/19:

“1. O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.º e 63.º a 65.° TFUE.

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe MK à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) (a seguir «AT») a respeito da nota de liquidação emitida por esta última sobre os rendimentos de MK relativos a 2017.

Quadro jurídico

3. O artigo 43.º, sob a epígrafe «Mais valias», do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «CIRS»), dispunha, nos seus n.ºs 1 e 2:

«1. O valor dos rendimentos qualificados como mais valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais valias e as menos valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.  1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.»

 

4. O artigo 68.º, n.º 1, deste código estabelece a tabela progressiva dos escalões de tributação. Em 2017, a taxa máxima do imposto, de 48%, aplicava se aos rendimentos coletáveis superiores a 80 640 euros.

5. Em conformidade com o artigo 68.º A do referido código, aos rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros aplicava se uma taxa adicional de solidariedade de 2,5% e, acima desse valor, a referida taxa ascendia a 5%.

6. O artigo 72.º do CIRS, sob a epígrafe «Taxas especiais», previa nomeadamente as seguintes disposições:

«1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a)            As mais valias previstas nas alíneas a) e d) do n.  1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

[...]

9. Os residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu [(EEE)], desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.  1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10. Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

[...]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

7. MK é residente fiscal em França.

8. Em 17 de janeiro de 2002, MK adquiriu um imóvel situado em Portugal, pelo preço de 79 807,66 euros.

9. Em 17 de julho de 2017, MK vendeu esse imóvel pelo preço de 180 000 euros.

10 Em 31 de maio de 2018, MK apresentou a sua declaração periódica de rendimentos, na qual, além do rendimento do património imobiliário no montante de 8 800 euros, declarou a alienação do referido imóvel, bem como as despesas de compra e venda do mesmo.

11. No rosto desta declaração, no quadro 8B, MK colocou uma cruz no campo 4 (correspondente a «não residente»), no campo 6 (correspondente a «residência em país da UE»), no campo 7 (optando pela tributação aplicável aos não residentes), excluiu a opção do campo 9 (correspondente à tributação pelas taxas gerais do artigo 68.º do CIRS) e a opção do campo 10 (opção pelas regras dos residentes).

12. Em 5 de julho de 2018, a AT emitiu uma nota de liquidação no montante de 24 654,22 euros, a título de imposto sobre o rendimento relativo ao ano de 2017, aplicando à totalidade do saldo positivo da mais valia imobiliária realizada a taxa única de 28% aplicável aos não residentes com base no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, em conformidade com a opção efetuada por MK na sua declaração de rendimentos.

13. Em 30 de novembro de 2018, MK contestou essa nota de liquidação no órgão jurisdicional reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), alegando que esta nota estava ferida de ilegalidade na medida em que assentava numa regulamentação que discrimina os sujeitos passivos que residem no território de um Estado Membro que não a República Portuguesa (a seguir «não residentes») em relação aos sujeitos passivos que residem em Portugal, e sustentou que, em conformidade com o que foi declarado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600), esse quadro jurídico constituía uma restrição à livre circulação de capitais consagrada no artigo 63.°, n.º 1, TFUE.

14. No órgão jurisdicional de reenvio, a AT alegou que o quadro jurídico aplicável aos factos no processo principal é diferente do aplicável aos factos que deram origem ao Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600). A AT recorda, é certo, que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que previa que apenas as mais valias realizadas por sujeitos passivos residentes em Portugal seriam tidas em conta em 50% do seu valor, conduzia a uma carga fiscal superior para os não residentes e, por esse facto, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º TFUE.

15. Todavia, a AT precisa que, na sequência do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600), o legislador português alterou o quadro legislativo aplicável, introduzindo, no artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, a possibilidade de os não residentes optarem por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e beneficiarem, assim, do abatimento de 50% previsto no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, bem como de taxas progressivas, na condição de fazerem uma declaração fiscal, em Portugal, sobre a totalidade dos seus rendimentos mundiais. Ora, no caso em apreço, MK optou pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS e não pelo previsto no artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS.

16. No entanto, MK recorda que, num processo relativo à liberdade de estabelecimento, o Tribunal de Justiça declarou que escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime fiscal que não seja discriminatório não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais (Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.ºs 50 e 51).

17. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se se as alterações introduzidas no direito fiscal português na sequência do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600), a saber, nomeadamente, a introdução da possibilidade de os não residentes optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes e, assim, beneficiarem do abatimento de 50% previsto no artigo 43.°, n.º 2, deste código, são suficientes para obviar à restrição aos movimentos de capitais assinalada pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão.

18. Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições conjugadas dos artigos [18.° e 63.° a 65.° TFUE] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no presente processo (n.º 2 do artigo 43.° do [CIRS]), com as alterações introduzidas […] [com aditamento dos n.ºs 9 e 10 ao artigo 72.° do referido Código], por forma a permitir que as mais valias resultantes da alienação de imóveis situados num Estado Membro (Portugal), por um residente de um outro Estado Membro da União [...] (França) não fiquem sujeitos, por opção, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde estão situados os imóveis?»

Quanto à questão prejudicial

19. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.° e 63.° a 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

Quanto aos princípios e às liberdades aplicáveis

20. A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 18.º TFUE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.º 28 e jurisprudência referida).

21. Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.º, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.º 29 e jurisprudência referida).

22. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.º 31 e jurisprudência referida).

23. Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.º TFUE.

24. Por outro lado, na medida em que, na decisão de reenvio, não é feita referência a nenhum elemento suscetível de incluir tal operação no âmbito de aplicação do artigo 64.º TFUE, não há, no caso em apreço, que examinar a questão à luz das disposições deste artigo.

Quanto à livre circulação de capitais

25. Importa recordar que o artigo 63.º TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.º TFUE.

26. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando se de mais valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado Membro.

27. Em especial, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, as mais valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50% do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28%.

28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.º 37).

29. Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.º 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28% aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48%, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5% a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5% acima desse valor.

30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600, n.º 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50% para as mais valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º TFUE.

31. Esta constatação não é posta em causa pelo n.º 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C 632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.º 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais valias sobre a venda de imóveis.

32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50% para as mais valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE. 3

33. Por conseguinte, importa verificar se essa restrição pode ser considerada objetivamente justificada, à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE.

Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE

34. Resulta do artigo 65.º, n.º 1, TFUE, lido em conjugação com o n.º 3 desse mesmo artigo, que os Estados Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

35. Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.°, n.º 2, e o artigo 72.°, n.º 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.ºs 44 e 45 e jurisprudência referida).

36. Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

37. Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.º 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.º 2, e do artigo 72.°, n.º 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, que o Estado Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.

38. Resulta do exposto, nomeadamente do n.º 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.

39. Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50% aplicável às mais valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.

40. Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.

41. Ora, nos n.ºs 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes

42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50% previsto no artigo 43.°, n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.

43. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.º TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.º 52).

45. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.º 53 e jurisprudência referida).

46. Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.º 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

47. Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

     (…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às

mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”

54.          Por todas as razões enunciadas, declara-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

55.          Nesta conformidade, o ato de liquidação de IRS supra identificado, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade, pelo que o Tribunal determina a sua anulação parcial, nos termos peticionados.

 

IV – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

56.          Conjuntamente com o pedido de anulação do ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e o consequente reembolso do valor pago indevidamente, o Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

57.          Dispondo o normativo da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, sendo que tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

58.          E que, por sua vez, a norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, estabelece que serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

59.          Há ainda, que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

60.          O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido, ou pago imposto indevidamente, e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

61.          No caso dos autos, verifica-se que ocorreu erro de direito, o qual é subsumível no normativo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, havendo, consequentemente, lugar a pagamento de juros indemnizatórios.

62.          Em face do exposto, e visto que o requerente em 31.08.2020 (cfr. Doc. 2 do ppa), procedeu ao pagamento integral do imposto, verificando-se que o mesmo é um pagamento parcialmente indevido, reconhece-se ao Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

V – DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., relativo ao ano de 2019, no valor parcial de € 116.977,26, correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total das mais-valias imobiliárias, com o consequente reembolso deste valor ao Requerente;

b)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data de emissão da nota de crédito;

c)            Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VI - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 116.977,26 (cento e dezasseis mil novecentos e setenta e sete euros e vinte e seis cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

 

VII - CUSTAS

 

O valor das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se, com conhecimento ao Ministério Público.

 

Lisboa, 9 de setembro de 2021

 

Os Árbitros

 

(Fernanda Maçãs)

(Jesuíno Alcântara Martins)

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)