Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 685/2020-T
Data da decisão: 2021-12-23  IRS  
Valor do pedido: € 7.175,41
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – AIMI dedução à coleta de IRS - Não residentes.
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SUMÁRIO:

 

I – A limitação da tributação a 50% das mais-valias imobiliárias estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, apenas para os residentes em território nacional, não sendo extensiva aos não residentes e o regime opcional (ou especial) previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS (à data do facto tributário) constituem uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

II – A dedução à coleta do AIMI para efeitos de tributação em sede de IRS prevista no artigo 78.º do Código do IRS apenas para os residentes em território nacional, não constitui qualquer restrição à não discriminação e à liberdade dos movimentos de capitais proibidas pelos artigos 18..º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), em virtude, de não haver discriminação arbitrária mas apenas diferença objetiva (não discriminatória) na tributação dos rendimentos, em sede de IRS, por parte dos residentes e dos não residentes. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 27 de novembro de 2020, A..., contribuinte n.º..., residente em..., ...–..., ... - ..., doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:

a)            à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020 ..., de 17.07.2020, referente ao ano de 2019, no montante de € 4.091,23 (quatro mil, noventa e um euros e vinte e três cêntimos), e sua consequente anulação;

b)           e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Dr.ª B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr. C... e Dr.ª D... .

 

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, e as partes não se opuseram a tal nomeação.

 

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 3 de maio de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

 

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 7 de junho de 2021.

 

6.            O Tribunal, por despacho de 19 de outubro de 2021, constatando não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como, a apresentação de alegações.

 

7.            No despacho referido em 6. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

 

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

A Requerente fundamenta o seu pedido, em violação de Lei por entender que o ato de LIQUIDAÇÃO DE IRS n.º 2020 ... relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do exercício de 2019 é ilegal, em virtude de consubstanciar «uma incompatibilidade do regime de tributação da mais-valia realizada pelo não residente e do regime de dedução do AIMI vedado ao não residente, com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE e com o princípio do primado do Direito da União Europeia».

 

Peticionando, a final, a sua anulação e, em consequência, a condenação da AT ao pagamento e juros indemnizatórios.

 

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, pugnando, pela improcedência dos argumentos tecidos pela Requerente, concluindo, no sentido de que «(…) devem ser mantidas as liquidações supra mencionadas, devendo concluir-se pela improcedência do ppa.»

 

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

V. MATÉRIA DE FACTO

1.            Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

2.            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

3.            Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

 

a.            Factos dados como provados

 

 

1.            Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A.           No ano de 2019, a Requerente era não residente fiscal em território português, tendo a sua residência fiscal no Chipre – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

B.            No dia 30 de julho de 1986, E..., casado sob o regime da comunhão de adquiridos, à data, com a Requerente, adquiriu a fração autónoma designada pelas letras “AC”, correspondente ao ... andar, letra A e arrecadação na cave, do prédio sito na Rua ..., n.ºs..., ... e ... da freguesia de ..., concelho de Benfica, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo montante de 4.900.000$00 (quatro milhões e novecentos mil escudos) – cfr. Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral -;

C.            No dia 31 de janeiro de 2005, por força da dissolução do casamento, por divórcio da Requerente e E..., o imóvel identificado em B. supra foi adjudicado àquela, tendo, assim, adquirido a propriedade da remanescente quota-parte (50%) do mesmo, pelo valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) – cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

D.           No dia 4 de julho de 2019, a Requerente alienou o Imóvel identificado em B. supra, através de escritura pública de compra e venda, pelo montante de € 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros) -cfr. Doc. n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

E.            No dia 19 de junho de 2020, a Requerente apresentou, via Portal das Finanças, a Declaração de IRS-Modelo 3, referente ao ano de 2019, à qual foi atribuído o n.º de identificação..., preenchendo os Anexos B, F, G e G1 – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

F.            Na declaração de IRS referida supra, a Requerente indicou, na respetiva folha de rosto, os seus dados de identificação, do seguinte modo:

8             RESIDÊNCIA FISCAL

A             RESIDENTES

                Continente

01          

                R.A. Açores

02          

                R.A. Madeira

03          

 

B             NÃO RESIDENTES

                Não residente

04           X

                Representante NIF

05          

                País de residência

06           196

 

                Se reside na União Europeia ou no Espaço Económico Europeu indique:

                07           X

 Pretende tributação pelo regime geral    ou opta por um dos regimes abaixo indicados

08          

 

                09          

Opção pelas taxas gerais do art.º 68.º do CIRS-Relativamente aos rendimentos

não sujeitos a retenção liberatória – art.º 72.º, n.º 13 do CIRS

 

                10          

Opção pelas regras dos residentes – art.º 17.ºA do CIRS

11          

Total dos rendimentos

obtidos no estrangeiro

 

 – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

G.           No Anexo B da Declaração identificada em E supra, a Requerente indicou ter auferido, a título de prestação de serviços de atividade de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento, o montante de € 54.329,95, e, declarou, para efeitos de dedução à coleta – Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis [alínea l) o n.º 1 do art.º 78.º do CIRS], ter liquidado este adicional no montante de € 2.339,13 – cfr. Doc. n.º 2 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral - 

H.           A Requerente fez constar da referida Declaração de IRS – Mod. 3, através do Anexo B, o seguinte:

4             RENDIMENTOS BRUTOS (OBTIDOS EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS)

A             RENDIMENTOS PROFISSIONAIS, COMERCIAIS E INDUSTRIAIS      VALOR

(…)         401        

(…)         402        

(…)         415        

(…)         416        

Prestações de serviços de atividades de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento            417         54.329,95

(…)                        

SOMA   54.329,95

 (…)

16           DEDUÇÃO À COLETA – ADICIONAL AO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS [alínea l) do n.º 1 do art.º 78.º do CIRS]

1-            Se no ano a que respeita a declaração foi liquidado Adicional o IMI relativamente a imóveis que originaram rendimentos obtidos no âmbito de atividades de arrendamento ou hospedagem, indique:

                Identificação matricial dos prédios         

Valor Patrimonial Tributário

                Freguesia (código)          Tipo       Artigo   Fração 

...            ...            U             ...            P             64.815,27

...            ...            U             ...            A             58.895,38

SOMA   388.619,05

2 – Valor total da liquidação do Adicional ao IMI              ...            2.33913

3 – Valor tributável total de todos os prédios urbanos de que é proprietário e sobre os quais incidiu o Adicional ao IMI                ...            934.160,87

– cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

I.             Tendo declarado, no Anexo G do mesmo formulário que:

4             ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS [ART.º 10.º, N.º 1 , AL. A) DO CIRS]

Titular   Realização           Aquisição            Despesas e encargos

                Ano       Mês       Valor     Ano       Mês       Valor    

4001      A             2019       7             135.000,00          2005      1              65.000,00            10.745,44

                                                                                                                             

SOMA   135.000,00                          65.000,00            10.745,44

IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DOS BENS   Quota-parte

%

Campos               Freguesia            Tipo       Artigo   Fração/Secção 

4001      ...            U             ...            AC          50,00

                                                                              

– cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

J.             Preencheu, ainda, a Requerente, na supramencionada Declaração de IRS, Modelo 3 referente ao ano de 2019, o quadro 5 do Anexo G1, do seguinte modo:

5             ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS EXCLUÍDOS OU ISENTOS DE TRIBUTAÇÃO

                Titular   Identificação Matricial   Código  Data de Aquisição           Valor

                               Freguesia            Tipo       Artigo   Fração                  Ano       Mês       Dia         Realização           Aquisição

501         A             ...            U            ...            AC          1             1986       7             30           135.000,00          12.220,55

                                                                                                                                                                            

SOMA DE CONTROLO    135.000,00          12.220,55

– cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

K.            A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), n.º 2020..., de 17.07.2020, com referência ao ano de 2019, no montante de € 4.091,23 (quatro mil, noventa e um euros e vinte e três cêntimos), cuja data limite de pagamento indicada é 31.08.2020 – cfr. Doc. n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral que consubstancia o ato impugnado -;

L.            A Requerida sujeitou a tributação à taxa de 28%, a totalidade das mais-valias realizadas pela Requerente - cfr. Doc. junto ao pedido de pronúncia arbitral que consubstancia o ato impugnado -;

M.          No 28 de julho de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 4.091,23 (quatro mil, noventa e um euros e vinte e três cêntimos), a título de IRS do ano de 2019 – cfr. Doc. n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

N.           No dia 27 de novembro de 2020, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

b.            Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

 

VI- DO DIREITO

 

 

- Thema decidendum –

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão de fundo, nos presentes autos, consiste em saber se, no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação previsto no ordenamento jurídico português, aplicável aos residentes no território nacional por comparação àquele que é aplicável aos não residentes:

a)            no que respeita, por um lado, à limitação da incidência de IRS para os residentes de 50% do saldo das mais-valias,

b)           bem como, por outro, a consideração apenas para os residentes, da dedução do valor pago, a título de Adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI),

consubstancia ou não uma discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, violadora do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os não residentes em Portugal.

 

Posição da Requerente

 

1.            No que respeita à alegada tributação discriminatória da mais-valia imobiliária, afere a Requerente que «no nosso sistema jurídico coexistem dois regimes gerais distintos de tributação das mais-valias imobiliárias: o dos residentes e o dos não residentes.»

 

2.            Com efeito, relativamente aos sujeitos passivos residentes, refere a Requerente que «o valor sujeito a tributação corresponde ao saldo anual das mais-valias, considerado em 50% do seu valor, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 (na redação em vigor à data dos factos), do Código do IRS sendo tal saldo de englobamento obrigatório e tributado às taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS.»

 

3.            No que respeita aos não residentes, sustenta que «o regime geral determina a aplicação de uma taxa especial e proporcional correspondente a 28%, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, incidente sobre 100% da mais-valia realizada.»

 

4.            Aduz a Requerente que «[e]mbora o TJUE entenda como aceitável a diferenciação entre sujeitos passivos em função do elemento de conexão residência, é jurisprudência assente que tal diferenciação só é admissível à luz do Direito da União Europeia quando os residentes e os não residentes não se encontrem em situações comparáveis. Acresce que o TJUE considerou no Acórdão Hollmann, não existir objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento no que respeita à tributação de mais-valias entre as duas categorias de sujeitos passivos, dado que os dois regimes de tributação são objectivamente comparáveis, e que a vantagem fiscal concedida aos residentes, que consiste numa redução de metade da matéria colectável correspondente às mais-valias, excede a desvantagem que se traduz, para eles, na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos englobados.»

 

5.            Continua, a Requerente, a sua defesa, mencionando que «[p]osteriomente ao Acórdão Hollmann, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro procedeu ao aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos n.º 13 e 14 (na redacção em vigor à data dos factos), actuais n.ºs 14 e 15, visando adequar o sistema tributário nacional àquela decisão do TJUE.», aditamento este em ralação ao qual «[a] AT tem vindo a reiterar o seu entendimento de que a introdução de um regime de opção é per se suficiente para obviar ao tratamento menos favorável dos não residentes (mas residentes num Estado-Membro da União Europeia) que aufiram mais-valias imobiliárias em Portugal.»

 

6.            Mais afirma a Requerente que «a possibilidade de opção, quer na lei, quer no que decorre da folha de rosto da Modelo 3 do IRS, está construída numa base de “all or nothing”, vedando a possibilidade ao não residente de escolher a aplicação a certos rendimentos, como aqueles de categoria F, de uma tributação à taxa especial de 28%, redundando numa obrigação de englobar um tipo de rendimento que, se auferido por um residente fiscal em Portugal, sempre seria de englobamento opcional.»

 

7.            Em suma, verifica-se que, mesmo tendo a Requerente exercido a opção, nunca se verificaria uma verdadeira equiparação à tributação dos residentes.

 

8.            Ora, segundo a Requerente «[c]onsidera-se, por oposição ao já referido entendimento da AT, que um regime não discriminatório de cariz optativo não é suficiente para suprir a incompatibilidade com o Direito da União Europeia já que, concomitantemente, continua a existir um regime discriminatório de carácter geral, aplicável por defeito. »

 

9.            «Acresce que o TJUE já se pronunciou também sobre o carácter discriminatório de um regime de opção como o que está em análise, no Acórdão Gielen, correspondente ao processo C440/08, datado de 18 de Março de 2010, tendo concluído que a mera existência de uma opção de tratamento equivalente à dos residentes não corrige a situação discriminatória se o regime de tributação continuar a impor um encargo mais elevado aos não residentes. »

 

10.          Concluindo no sentido de que «é entendimento consolidado na jurisprudência que a diferenciação estabelecida pelo artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, para residentes e não residentes, da base de incidência em IRS das mais-valias imobiliárias sujeitas a tributação, continua a configurar uma solução discriminatória e uma violação da liberdade de circulação de capitais, inadmissível à luz dos artigos 18.º e 63.º do TFUE, respectivamente.», pelo que, e no caso em concreto, «sendo a Requerente residente num Estado-Membro da União Europeia à data dos factos, a AT, ao tributar a totalidade da mais-valia imobiliária à taxa de 28%, prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, desconsiderando a base reduzida de tributação, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS e desconsiderando a jurisprudência do TJUE, dos Tribunais nacionais e arbitrais que propugnam pela incompatibilidade do referido artigo 43.º, n.º 2, com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE e com o princípio do primado do Direito da União Europeia estipulado no nosso ordenamento jurídico no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, incorreu em vício de violação de lei, ilegalidade essa que inquina a liquidação de IRS sub judice, tornando-a anulável, nos termos do artigo 163.º, do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, anulação que desde já se requer.”

 

11.          Alega, ainda, a Requerente que o ato de liquidação sindicado padece de ilegalidade face à tributação discriminatória proveniente da desconsideração do valor pago, pelo não residente, a título de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis.

 

12.          Sustenta, quanto a esta matéria, a Requerente que «[a] Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, no âmbito do desenvolvimento da tributação progressiva do património imobiliário, introduziu o AIMI, cujo regime se encontra vertido nos artigos 135.º-A a 135.º-M, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), (…)», pretendendo-se  «nas palavras do Relatório do Orçamento do Estado para 2017 (…), introduzir “na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, (…).”, daqui se retirando que o AIMI visa precisamente tributar sujeitos passivos cuja titularidade de património imobiliário seja reveladora de uma elevada capacidade contributiva.»

 

13.          Ora, segundo a Requerente, «(…) de acordo com o artigo 135.º-A, do Código do IMI, «(…) a localização dos imóveis [é] o elemento de conexão relevante para efeitos de incidência do AIMI, pode[ndo], desde logo, um não residente ser sujeito passivo desse imposto. No que respeita à incidência objectiva, o AIMI incide sobre a soma dos VPT dos prédios urbanos localizados em território português de que o sujeito passivo seja titular.»

 

14.          Com efeito, alude a Requerente que «[a] dedutibilidade do AIMI aos rendimentos prediais compreende-se no sentido em que se trata de um custo efectivo inerente à obtenção dos mesmos – bem à semelhança, por exemplo, do valor pago a título de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) que é, desde logo, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, um custo integralmente dedutível ao valor bruto dos rendimentos prediais obtidos quer por residentes, quer por não residentes.»

 

15.          No entanto, e como refere a Requerente «[o] artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, estabelece serem dedutíveis ao valor ilíquido de rendimentos prediais auferidos por um sujeito passivo, “todos os gastos efectivamente suportados e pagos (…) para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis” », sendo que, «[a] exclusão pelo referido artigo 41.º da possibilidade de dedução do AIMI suportado pelo titular de rendimentos da categoria F apenas se compreenderia, à primeira vista, por a mesma ser possível enquanto dedução à colecta do IRS»

 

16.          Na verdade, menciona a Requerente que «[d]a conjugação do artigo 78.º, n.º 1, alínea l), do Código do IRS com o artigo 135.º-I do Código do IMI resulta o AIMI ser dedutível à colecta para efeitos do IRS devido por sujeitos passivos que detenham rendimentos imputáveis a prédios urbanos sobre os quais incida AIMI, até à concorrência:

i) da parte da colecta do IRS proporcional aos rendimentos líquidos da categoria F, no caso de englobamento; ou  ii) da colecta obtida por aplicação da taxa prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, nos demais casos.

Porém, vem o artigo 78.º, n.º 5, do Código do IRS estabelecer que as deduções previstas no seu n.º 1 apenas se aplicam a sujeitos passivos residentes em território português. »

 

17.          É, assim, para a Requerente «(…) vedada aos não residentes (que se encontram numa situação comparável à de um residente, pois não se vislumbra existir objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento), a possibilidade de abater um custo documentalmente comprovado e indubitavelmente inerente à obtenção dos rendimentos que lhe subjazem, impedindo, na verdade, que a tributação incida sobre o “verdadeiro” acréscimo patrimonial de um não residente que, neste caso, deveria corresponder ao rendimento predial líquido.»

 

18.          Acresce que «de acordo com o já mencionada Relatório do orçamento do Estado para 2017, “(…) a possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.” – negrito nosso. Assim, sendo o incentivo “à utilização produtiva do património” a ratio legis que subjaz à possibilidade de dedução à colecta do AIMI no caso de residentes, não se vislumbra qualquer motivo para que a mesma tenha sido excluída da esfera de sujeitos passivos não residentes que possuam imóveis em território português e que optem por utilizar de forma “produtiva” o seu património imobiliário.

 

19.          Pelo que, «ao vedar por completo a possibilidade de dedução daquele gasto por sujeitos passivos não residentes, acaba por se assistir a uma desvirtuação do propósito querido pelo legislador e, ainda, a uma tributação do rendimento predial ilíquido em sede de IRS, desconsiderando-se uma despesa que, como resulta claro, não foi objectivo do legislador dissuadir de realizar! »

 

20.          Concluindo, a Requerente que «estamos perante um tratamento discriminatório de não residentes face a residentes que se encontram numa situação manifestamente comparável, que é a de sujeitos passivos titulares de rendimentos prediais e que suportaram, relativamente a imóveis geradores desses rendimentos, um gasto consubstanciado no pagamento de AIMI. Tal diferenciação prevista pelo legislador nacional afigura-se desconforme com o direito da União Europeia, maxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previstos nos artigos 63º e 18º do TFUE.»

 

21.          Requer a Requerente, no pedido de pronuncia arbitral que apresentou que, caso o sentido e alcance das normas do artigo 18.º e 63.º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia suscite dúvidas ao presente Tribunal Arbitral seja o presente processo objeto de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

22.          E peticiona a final, não só a declaração de ilegalidade do ato de liquidação sindicado, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT aplicáveis ex vi do artigo 2.º, n.º 5 do RJAT.

 

 

 

Posição da Requerida

 

 

23.          Por seu turno, sustenta a Requerida, no que respeita à alegada violação do disposto no nº 2 do art. 43º do CIRS e no art. 63º do TFUE, que «[n]a sequência da prolação do Acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no âmbito do processo nº C-443/06, (…) viria a intervir o legislador português, no sentido de adaptar a legislação nacional à jurisprudência comunitária emanada naquele aresto. Para o efeito, foram introduzidos dois novos números no art. 72º do CIRS - então o 7 e 8, atualmente 9 e 10 - através da Lei nº 67-A/2007, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2008).»

 

24.          Defende a Requerida que «[é] assim, aos sujeitos passivos do imposto residentes nos Estados previstos na letra da primeira das normas acabadas de transcrever que cumpre optar pelo regime que pretendem lhes seja aplicado (ou o previsto para não residentes, ou o que lhes seria aplicável caso residissem em território português). Existindo, para esse efeito, o quadro 8 da folha de rosto da declaração modelo 3 de IRS, onde é oferecida aos contribuintes a possibilidade de exercer o direito de opção mencionado no parágrafo anterior.

 

25.          No caso concreto, afere a Requerida que «[t]endo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada relativamente àquele ano e contribuinte, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação de uma quota-parte de 50% da fração AC do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ... . Mas sim aplicada uma taxa autónoma de 28% sobre o valor dessa mesma mais-valia, nos termos previstos no regime geral de tributação em IRS, pelo qual o requerente expressamente declarou pretender ser tributado.»

 

26.          Aduz a Requerida que «[a] requerente invoca ainda (…)  o Acórdão proferido pelo TJUE em 18-03-2010, no âmbito do processo nº C-440/08.», aresto este que, segundo defende «se debruçou sobre uma questão atinente a deduções concedida a trabalhadores independentes e não sobre temática relativa a mais-valias imobiliárias» e que «emanou jurisprudência relativamente aos artigos 43º e 49º do TFUE e não sobre o art. 63º do mesmo, que a requerente refere como fundamento da sua pretensão. E debruçou-se sobre factos ocorridos em 2001.»

 

27.          Esclarecendo quanto a esta matéria que «não só o objeto do Acórdão proferido no processo nº C-440/08 não coincide com aquele que está em causa no presente processo instaurado junto do CAAD, como ainda o mesmo foi proferido (tal como o emanado no processo C-443/06) antes de ser introduzida no CIRS a opção de tributação de mais-valias obtidas por não residentes à qual se tem vindo a efetuar referência. Pelo que também estas decisões judiciais se configuram como insuscetíveis de escorar a posição da ora requerente.»

 

28.          Raciocínio que faz, igualmente e com as devidas adaptações, a toda a jurisprudência invocada pela Requerente proveniente do Supremo Tribunal Administrativo.

 

29.          Acrescenta a Requerida, com referência à jurisprudência arbitral que «(…) o CAAD veio já pronunciar-se sobre esta questão de modo completamente diverso ao mencionado pelo requerente, conforme se pode constatar pela decisão arbitral proferida em 22-04-2019, em sede do processo ali apreciado sob o nº 539/18-T. Pelo que também nesta parte - e atenta a sua não univocidade – não colhe a invocação de anteriores decisões do CAAD efetuada pela contribuinte como fundamento da respetiva pretensão.»

 

30.          No que à discriminação arguida pela Requerente, no que o regime opcional diz respeito, manifesta a Requerida o entendimento de que o mesmo «(…) ao permitir a tributação dos não residentes como residentes nos mesmos moldes em que a destes se processa (ou seja, tendo em conta a totalidade dos rendimentos auferidos), este regime vem, precisamente - e ao invés do alegado - introduzir um elemento de paridade entre a tributação de residentes e a de não residentes em sede de IRS. Destarte, consagrando uma solução paritária, forçoso será concluir não estabelecer uma situação discriminatória. »

 

31.          No que concerne à alegada discriminação pela desconsideração da dedução do adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) relativo a imóveis cuja locação lhe proporcionou a obtenção de rendimentos prediais, defende a Requerida que «o nº 5 do art. 78º do CIRS restringe aos residentes em território nacional as deduções à coleta previstas no nº 1 daquele preceito. Trata-se de um conjunto de deduções de diferente natureza (pessoal, real, técnica, etc.). Que em conjunto têm de ser ponderadas e cuja operabilidade e restrição da mesma (aos residentes) também em conjunto tem de ser encarada.»

 

32.          Esclarece a Requerida que «[t]al radica na natureza – de resto expressamente qualificada como tal em várias passagens do preâmbulo do DL nº 442-A/88, de 30/11, que aprovou e colocou em vigor o respetivo Código – de imposto único do IRS. Natureza que ditou a necessidade de englobamento dos vários tipos de rendimentos (prevista no art. 22º daquele compêndio) para efeitos de tributação.»

 

33.          Mais refere que «(…) a experiência demonstra que, por via de regra, os rendimentos obtidos em Portugal por sujeitos passivos não residentes são parcelares (isto é, respeitam a uma determinada categoria, ou algumas categorias) não sendo também, igualmente em regra, englobados conjuntamente com outros rendimentos obtidos fora do território português. O que faz toda a diferença, motivando o estabelecimento de distintos regimes (quer, sobretudo, em termos de taxas, mas também de deduções, as quais se vão projetar em termos de taxa efetiva de imposto).»

 

34.          Sustentando, assim, que «[é], pois, uma situação factualmente diferente que justifica a criação de regimes também diferentes.»

 

35.          Aduz, ainda a Requerida que, «a utilização produtiva do património é a ratio legis da possibilidade de dedução do AIMI se não vislumbra qualquer motivo para o seu afastamento nos casos em que sujeitos passivos não residentes optem por utilizar de forma produtiva o seu património imobiliário. Efetivamente, o legislador revelou aqui o escopo que justificou o estabelecimento da possibilidade de dedução do AIMI quando os imóveis constituíssem fonte de rendimento para os respetivos proprietários. «Sucede, no entanto, que «[s]implesmente, o mesmo legislador ponderou esse escopo tendo em conta outros vetores, daí retirando conclusões que o levaram a excluir essa mesma possibilidade no caso de sujeitos passivos não residentes.»

 

36.          Com efeito, segundo a Requerida «[o] afastamento da hipótese de dedução por contribuintes não residentes constitui, pois, o corolário de ponderações efetuadas pelo legislador, não constituindo esse mesmo afastamento contradição com a motivação que o levou a permitir, em regra, a operabilidade de tal dedução.», esclarecendo que, «[m]aturada essa ponderação e tendo ainda presente a natureza de imposto único do IRS, entendeu aquele limitar a possibilidade de dedução do AIMI – bem como das demais deduções plasmadas no nº 1 do art. 78º do CIRS – aos sujeitos passivos residentes em território português.»

 

37.          Refere, suportando, na decisão do CAAD proferida no processo n.º 592/2018-T , que «(…) a não dedução do AIMI suportado por um sujeito passivo não residente ao abrigo do disposto no nº 5 do art. 78º do CIRS não violava qualquer preceito da Constituição (CRP).»

 

38.          Ainda quanto a esta matéria, sustenta a Requerida que «os serviços tributários não poderiam levar em conta, para efeitos de dedução, o AIMI relativo aos imóveis que geraram rendimentos prediais. Pelo que bem procederam aqueles serviços.»

 

39.          Respeitante ao requerido reenvio prejudicial para o TJUE desta última questão, aduz a Requerida que «Tratando-se de questão incidental - e, por esse mesmo motivo, de cariz processual, logo, aplicável no âmbito de pedidos deste teor relativos a qualquer tributo (que não apenas em sede de IRS e, em especial, no âmbito do caso concreto ora em análise) – afigura-se dever a questão de um eventual reenvio prejudicial para o TJUE, suscitada no presente pedido de pronúncia arbitral, ser deixada à consideração da DSCJC. »

 

40.          E, por último, ao que concerne à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios refuta a requerida o direito da Requerente aos mesmos, referindo que « (…) não se mostra verificado o preenchimento do requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou – nos termos constantes da presente informação – ter sido cometida, por aqueles, qualquer ilegalidade. »

 

41.          Concluindo, assim, que «devem ser mantidas as liquidações supra mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do ppa.»

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

 

Ponto prévio - questões processuais

 

 

42.          A Requerente propõe, caso o presente Tribunal não entenda «que estamos perante um tratamento discriminatório de não residentes face a residentes que se encontram numa situação manifestamente comparável, que é a de sujeitos passivos titulares de rendimentos prediais e que suportam, relativamente a imóveis geradores desses rendimentos, um gasto consubstanciado no pagamento de AIMI. Tal diferenciação prevista pelo legislador nacional afigura-se desconforme com o direito da União Europeia, máxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previstos nos artigos 63.º e 18.º do TFUE.», o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 67.º do TFUE,

 

43.          … da seguinte questão:

«Os artigos 18.º e 63.º, ambos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativos, respectivamente, ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e à liberdade fundamental de circulação de capitais, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, não confere o direito à dedução aos rendimentos imputáveis a prédios urbanos situação em Portugal sobre os quais incidiu, no ano em que os mesmos foram auferidos, o referido Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, sendo certo que esta impossibilidade de dedução apenas se verifica no caso de sujeitos passivos não residentes?»

 

44.          A Requerida contra-argumenta o referido pedido de reenvio prejudicial referindo que «[t]ratando-se de questão incidental – e, por esse mesmo motivo, de cariz processual, logo, aplicável no âmbito de pedidos deste teor relativos a qualquer tributo (que não apenas em sede de IRS e, em especial, no âmbito do caso concreto ora em análise)- afigura-se dever a questão de um eventual reenvio prejudicial para o TJUE, suscitada no presente pedido de pronúncia arbitral, ser deixada à consideração da DSCJC.»

 

Ora,

45.          O disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) permite ao presente Tribunal, enquanto jurisdição nacional que delibera em última instância, possa pedir que uma qualquer questão necessária ao julgamento da causa, ao Tribunal de Justiça da União Europeia que sobre ela se pronuncie.

 

46.          Sucede que, no caso em apreço, ao presente Tribunal Arbitral não subsiste qualquer dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais, e tendo em consideração que não se afigura qualquer especificidade factual que aconselhe uma qualquer intervenção em sede de reenvio, entende o presente Tribunal que não se justifica proceder ao reenvio prejudicial ou a suspensão da instância arbitral.

 

Apreciação, ponderação dos argumentos de facto e de direito

 

A)           Da alegada tributação discriminatória da mais-valia imobiliária obtida na esfera de não residentes, em violação do princípio do primado do direito da União Europeia   

 

1.            Ora, como supramencionado, uma das matérias em discussão nos presentes autos consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional, designadamente no artigo 43.º do Código do IRS, consagra ou não uma discriminação negativa entre residentes e não residentes, à luz do direito comunitário.

 

2.            A matéria das mais valias tem expressão na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, nela se prevendo que:

«1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

b)           Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:»

 

3.            Mais dispondo a alínea a) do n.º 4 deste preceito legal, em vigor à data dos factos, que: «[o] ganho sujeito a IRS é constituído: Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), e c) do n.º 1;»

 

4.            Na verdade, importa referir que, tendo o ganho sido obtido em território português, está o mesmo sujeito a tributação em Portugal, em conformidade com a conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 13.º (sujeito passivo), n.º 2 do artigo 15.º (âmbito da sujeição) e alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º (rendimento obtidos no território português), todos do Código do IRS, independentemente da residência do sujeito passivo.

 

5.            Ainda, sobre a matéria da tributação das mais-valias, prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS que «[o] saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor».

 

6.            Disposição esta que é unicamente aplicável aos residentes em território nacional, não sendo extensível aos não residentes.

 

7.            Com efeito, é precisamente contra esta restrição que a Requerente se insurge, alegando estarmos perante um regime diferenciado de tributação aplicável aos residentes em território nacional e aos não residentes, contrário ao direito comunitário por discriminatório da liberdade da circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

8.            Por seu turno, contrapõe a Requerida referindo que foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, os n.ºs 7 e 8 (à data dos factos, os n.º 9 e 10 respetivamente), o qual «ao permitir a tributação dos não residentes como residentes nos mesmos moldes em que a destes se processa (ou seja, tendo em conta a totalidade dos rendimentos auferidos), este regime vem, precisamente-e ao invés do alegado – introduzir um elementos de paridade entre a tributação de residentes e a de não residente em sede de IRS.»

 

9.            Assim, segundo entende a Requerida «consagrando uma solução paritária, forçoso será concluir não estabelecer uma situação discriminatória».

 

10.          Na verdade, no ano a que se refere o ato de liquidação em causa nos presentes autos – 2019 - dispunha a alínea a) do n.º 1, n.º 9 e n.º 10 do artigo 72.º do Código do IRS o seguinte:

«1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a)            As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável aí situado.

(…)

9.Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.[anterior n.º 7]

10. Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.[anterior n.º 8]»

 

11.          A redação deste artigo 72.º do Código do IRS, designadamente o aditamento dos n.º 7 e 8 (n.º 9 e 10 à data dos factos), proveio das alterações introduzidas pela Lei de Orçamento do Estado para 2008 ( Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), na sequência do Acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo n.º C-443/06, de 11 de outubro de 2007 (Acórdão Hellmann), o qual julgou « incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE».

 

12.          Com efeito, admitiu o legislador que, desta forma – com a introdução de uma norma legal como a dos referidos n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS - estaria a impedir o tratamento discriminatório dos não residentes, ao conceder-lhes a faculdade de optar pela possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições supostamente semelhantes às aplicáveis aos residentes em território nacional.

 

13.          Deste modo, com esta nova previsão [n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS] passaram a vigorar, no que à tributação das mais valias imobiliárias diz respeito, dois regimes distintos aplicáveis aos não residentes, a saber:

a)            Um regime geral, segundo o qual aos rendimentos auferidos por não residentes em território nacional seria aplicável a taxa de 28% sobre a totalidade das mais-valias imobiliária por si obtidas em Portugal; - artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS;

b)           Um regime especial, no âmbito do qual era dada oportunidade, aos não residentes em território nacional, de beneficiarem do regime de tributação das mais-valias imobiliárias equiparável ao aplicado aos residentes em Portugal, desde que cumpridas determinadas condições, como seja: a declaração de todos os rendimentos auferidos pelo não residente (dentro e fora do território nacional) para efeitos de apuramento da taxa de tributação prevista na tabela do artigo 68.º do CIRS, a aplicar a 50% das mais-valias obtidas em Portugal. – artigo 72.º, n.º 9 e 10 do Código do IRS - .

14.          Ora, a verdade é que, também este regime opcional (ou especial) foi considerado discriminatório como resulta, entre outros, do recente, Acórdão do TJUE proferido no processo n C-388/19, de 18 de março de 2021 (Acórdão MK), o qual se pronunciou no sentido de que:

“ 26. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.°2, e o artigo 72.°, n.°1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.

27. Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.°2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.°1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.°37).

29. Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.°1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais-valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600, n.°40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais-valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31. Esta constatação não é posta em causa pelo n.°44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C-632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.º 9 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais-valias sobre a venda de imóveis.

32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.°1, TFUE.”

 

15.          Mais referindo, com interesse, no que respeita à opção pela tributação, pelos não residentes, em função das modalidades aplicáveis aos residentes, que:

«42.  Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43      Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44      Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45      Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46      Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.»

 

16.          Concluindo, por fim, no sentido de que:

«(…) o artigo 63.º do TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.»

 

17.          Com efeito, agora em Portugal, o Supremo Tribunal Administrativo veio, igualmente, apreciar a questão da tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes, tendo sido decidido, entre outros, e designadamente, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 075/20.6BALSB, de 9 de dezembro de 2020, que:

«III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»

 

18.          Na verdade, é diversa e abundante a jurisprudência dos tribunais judiciais (STA, TCA Sul)  e arbitral (CAAD)  que, com fundamento na incompatibilidade das normas em causa [artigo 43, n.º 2 e 72.º, n.º 1 al. a), n.º 9 e 10 todos do Código do IRS] com o Direito Comunitário, têm vindo a considerar as liquidações efetuadas pela AT, em circunstâncias muito semelhantes às dos presentes autos, ilegais e, em consequência, procedem à sua anulação parcial.

 

19.          Como se refere na douta decisão arbitral do CAAD proferida no âmbito do processo 786/2019-T, de 14 de setembro de 2020, que o presente Tribunal acompanha e adere, não vislumbrando razões de direito ou facto para alterar o seu sentido:

«No CAAD, com a excepção da decisão singular proferida no proc. n.º 539/2018- T, também a jurisprudência retoma a já referida lógica da colocação sucessiva dos problemas: há um regime discriminatório (e já se viu que a própria AT assim o parece entender) e há uma intervenção legislativa que, criando embora uma opção para se afastar dele, não resolve problema algum. Nas palavras da decisão proferida no proc. n.º 590/2018-T,“como bem se refere nas decisões arbitrais nº 45/2012-T e 127/2012-T, considerando o disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS, deparamo-nos, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do TFUE. Este entendimento tem sido mantido em diversas decisões arbitrais posteriores, como vem invocado pelos Requerentes. Entendimento esse, por sua vez, confirmado pela jurisprudência do STA. É que, aos olhos da jurisprudência arbitral citada pelos Requerentes e corroborada pelos nossos tribunais superiores a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, não permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes.

Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para obviar à discriminação contida na supramencionada norma nacional, não garante que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões efetuadas por não residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, seja apenas considerado em 50% do seu valor, tal como acontece com os residentes, por força do disposto no art.º 43.º/1 e 2 do CIRS.

Efectivamente, o regime dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS não dispõe sobre a base da incidência, mas apenas sobre a taxa aplicável aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo art.º 72.º, sendo por isso verdade, como reitera a Requerida em sede arbitral, que aquele regime não implica a tributação de todos os rendimentos auferidos pelos não residentes, mas apenas da mais valia.

Com efeito, do regime em questão, não resulta uma alteração da base de incidência, sendo os rendimentos tributados os mesmos, e estando apenas prevista uma alteração da taxa aplicável, que deixa de ser a dos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º, e passa a ser a que resulta do art.º 68.º, nº1 do CIRS (o que quer dizer, desde logo, que tal taxa pode ser inferior à consagrada nos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º - desde que a taxa média seja inferior a 28% - ou superior).

Todavia, assim sendo, como é, continua a verificar-se a discriminação proscrita pelo Acórdão Hollmann, entre residentes e não residentes.

É que, se os n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º dispõem sobre a taxa, e não sobre a base de incidência, a mesma não é alterada pela opção consagrada nos mesmos, ou seja: a base de incidência será - quer seja exercida a opção prevista naquelas normas, quer não - a mesma, o que quer dizer que quer exerçam aquela ou opção, quer não, os não residentes não verão, em qualquer caso, o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias por si realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, ser considerado apenas em 50% do seu valor.

Assim, se como entendeu a AT no acto tributário sub iudice, não for aplicável o art.º 43.º, nº 2 do CIRS aos não residentes, para efeitos da sua tributação nos termos do n.º 1 do art.º 72.º, a mesma norma continuará a não ser aplicável, caso os mesmos exerçam a opção consagrada no n.º 9 e 10 do mesmo artigo 72.º, porquanto estas normas, como se referiu, não alteram a base de incidência do imposto, mas apenas a taxa a aplicar àquela.

Concretizando, como o n.º 10 do art.º 72.º apenas releva a aplicação das normas aplicáveis aos residentes, para efeitos da determinação da taxa, e não para efeitos da determinação da base tributável, a mais-valia, nos termos desse regime, relevará, em 50% unicamente para efeitos do cômputo dos rendimentos que determinará a taxa a aplicar nos termos do art.º 68.º nº 1 do CIRS, mas a taxa assim determinada continuará a ser aplicada a 100% das mais valias, uma vez que, segundo a AT, o art.º 43.º, nºs 1 e 2, do CIRS não será aplicável aos não residentes, por se reportar apenas a residentes, e não resulta, como se viu, dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º a aplicação daquelas normas (nºs 1 e 2 do art.º 43.º do CIRS) , para efeitos da determinação da base tributável.

Ora, este entendimento, traduz, precisamente, a discriminação de tratamento entre residente e não residente censurada pelo acórdão Hollmann, já que os residentes pagarão sempre a taxa que resulta do art.º 68.º, nº 1 sobre 50% das mais valias, enquanto que os não residentes pagarão ou aquela taxa, determinada de acordo com as regras aplicáveis aos residentes, ou 28%, sempre sobre 100% das mais valias.

A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário. O que vale por dizer que a alteração legislativa operada assenta em pressupostos inquinados pela intenção de manter uma tributação mais onerosa sobre os não residentes, mesmo que estes residam no espaço da EU, o que se afigura inaceitável aos olhos da referida jurisprudência do TJUE.

Dito de outro modo, a AT não demonstrou (nem conseguiria) que a opção pelo englobamento, como forma de equiparação, tal qual foi introduzida nos nºs 9 e 10 do artigo 72º do CIRS, seja suficiente para excluir a discriminação em causa.»

 

20.          Continuando e concluindo a referida decisão arbitral no sentido de que:

«Acresce ainda, como dissemos supra, que sempre ficaria a dúvida de sobre a razão que levou o legislador a não optar pela via da eliminação direta da discriminação contida na norma do artigo 43º, nº2 do CIRS. Alega a AT que a solução adotada no artigo 72º, nºs 8 a 10 é bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.

Não temos, pelo exposto, dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes de alienação de imóveis.”»

 

21.          Desta forma, impõem-se concluir pela ilegalidade do ato de liquidação de IRS sindicado nos presentes autos, no que aos rendimentos da categoria G diz respeito, ainda, que a Requerente não tenha optado pelo regime de tributação “especial” das mais-valias imobiliárias aplicável aos não residentes, previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, atendendo a que a mesma não se mostra hábil a afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais-valia apurada no ano em causa.

 

22.          No entanto, e atenta a sua manifesta importância, coloca-se a questão se saber se o ato de liquidação deve ser anulado na sua totalidade ou se apenas parcialmente?

 

23.          A resposta a esta questão foi já anunciada, ponderada e decidida no CAAD, seguindo o presente Tribunal a orientação que ali tem sido dada e cuja fundamentação aqui aproveita, com a devida vénia, da douta decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 800/2019-T, de 19 de outubro de 2020, segundo a qual:

«Mas, o ato de liquidação deve ser anulado na totalidade?

A tal propósito ensina JORGE LOPES DE SOUSA: “Nos termos do art. 100.º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a administração tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio. Desta norma infere-se a possibilidade de anulação parcial dos atos tributários. O STA tem entendido, em geral, que os atos de liquidação, por definirem uma quantia, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles atos, no referido art. 100.º, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios (como, anteriormente, previa o art. 145.º do CPT). Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do ato, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial. Será o que acontece quando um ato de liquidação se baseia em determinada matéria coletável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o ato de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria coletável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria coletável que não é afetada…”. No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação resulta, em exclusivo, da não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias imobiliárias realizadas pela Requerente. Estando em causa a alteração da matéria tributável, legitimada fica a sua anulação parcial.»

 

24.          Face ao tudo quanto foi exposto, procede o pedido de pronuncia arbitral da Requerente, julgando-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em território nacional, não extensiva a não residentes neste território, em clara violação da liberdade dos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, encontrando-se, consequentemente, o ato de liquidação sindicado nos presentes autos ferido de ilegalidade. Ilegalidade esta que deve ser restringida apenas àquele excesso de tributação, a título de mais-valias, o qual deve ser anulado nessa parte.

 

B)           Da alegada tributação discriminatória face à desconsideração da dedutibilidade do valor pago pelo não residente a título de adicional ao Impostos Municipal sobre Imóveis (AIMI), em violação do princípio do primado do direito da União Europeia   

 

 

25.          Com acima referido, outra matéria a apreciar nos presentes autos prende-se a questão de saber se a consideração apenas para os residentes, da dedução do valor pago, a título de Adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), consubstancia ou não uma discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, violadora do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os não residentes em Portugal.

Vejamos,

 

26.          O Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) foi introduzido no ordenamento jurídico português através da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei de Orçamento do Estado para 2017), a qual entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2017.

 

27.          Surgiu em substituição do regime consagrado na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo na tributação de património imobiliário de valor considerado elevado, e «corresponde, fundamentalmente, a uma necessidade de corrigir deficiências de que sofria o Imposto do Selo Sobre os Prédios Urbanos de Elevado Valor Patrimonial.(…) Trata-se de um tributo que aparentemente pretende ir mais longe, dado que o AIMI contém, na sua estrutura, as bases para a criação de um imposto geral sobre a riqueza imobiliária .»

 

28.          Na verdade, o AIMI surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social, constituindo «receita do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social»-vide n.º 2 do artigo 1.º do Código do IMI - .

 

29.          Trata-se de «um tributo pessoal sobre a riqueza, mas de âmbito parcelar, porque incide apenas sobre o valor patrimonial tributário de prédios urbanos e, de entre estes, apenas sobre alguns.(…) Em termos jurídicos, a riqueza inclui todos os bens, direito e expetativas jurídicas de que uma determinada pessoa é titular, independentemente dos fins a que estejam afetos e da sua natureza. Para efeitos fiscais os bens que integram a riqueza são aqueles que possuem valor de mercado. »

 

30.          Com efeito, a sua regulamentação foi introduzida no Capítulo XV do Código do IMI, compreendendo, atualmente, os artigos 135.º A a 135.º M do referido diploma.

 

31.          Ora, a incidência subjetiva do AIMI encontra a sua previsão no artigo 135.º-A do CIMI, dispondo que:

«1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.

 

3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.

4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos.» (negrito nosso)

 

32.          A incidência objetiva do AIMI encontra a sua previsão no artigo 135.º-B, dispondo que:

«1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

 

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

3 - Os sujeitos passivos legalmente autorizados ao exercício da atividade de locação financeira não podem repercutir sobre os locatários financeiros, total ou parcialmente, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis quando o valor patrimonial tributário dos imóveis objeto de contrato de locação financeira não exceda a dedução prevista no n.º 2 do artigo 135.º-C.» (negrito nosso)

 

33.          De referir que, em conformidade com o disposto no artigo 135.º-C do CIMI, «[o] valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo», (n.º 1) ao qual será deduzido o montante de € 600.000,00 (seiscentos mil euros) quando o sujeito passivo seja pessoa singular ou uma herança indivisa (n.º 2).

 

34.          Resulta, ainda, com interesse, do n.º 1 do artigo 135.º-F do CIMI, sob a epígrafe “Taxas” que: «1 - Ao valor tributável determinado nos termos do artigo 135.º-C e após aplicação das deduções aí previstas, quando existam, é aplicada a taxa de 0,4%. às pessoas coletivas e de 0,7%. às pessoas singulares e heranças indivisas.»

 

35.          Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 135.º-G e do artigo 135.º-H, ambos do CIMI, «[o] adicional ao imposto municipal sobre imóveis é liquidado anualmente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita.» e, o pagamento «é efetuado no mês de setembro do ano a que o mesmo respeita».

 

36.          Com manifesto interesse, de referir o disposto no artigo 135.º -I do CIMI no sentido de que:

«1. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis é dedutível à coleta do IRS devido pelos sujeitos passivos que detenham rendimentos imputáveis a prédios urbanos sobre os quais incida, até à concorrência:

a)            Da parte da coleta do IRS proporcional aos rendimentos líquidos da categoria F, no caso de englobamento; ou

b)           Da coleta obtida por aplicação da taxa prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, nos demais casos.

2. A dedução à coleta do adicional ao imposto municipal sobre imóveis prevista no número anterior é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, a sujeitos passivos de IRS titulares de rendimentos da Categoria B obtidos no âmbito de atividade de arrendamento ou hospedagem.

3.A dedução prevista no número anterior não é considerada para o limite previsto no artigo n.º 7 do artigo 78.º o Código do IRS.»

 

37.          Nesta sequência, compulsando o artigo 78.º Código do IRS, constatamos que, por um lado, prevê, na alínea l) do n.º 1 que «à coleta são efetuadas (…) as seguintes deduções relativas ao adicional ao imposto municipal sobre imóveis, nos termos do artigo 135.º-I do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.»

 

38.          Mais, prevendo o seu n.º 5 que «[a]s deduções previstas no n.º 1 aplicam-se apenas aos sujeitos passivos residente em território português.»

 

39.          Por seu turno, nos termos do n.º 1 artigo 41.º do CIRS, inserido na Secção V – Rendimentos prediais, do Capítulo II- Determinação do rendimento coletável do Código do IRS, o adicional ao IMI não é suscetível de ser considerado no âmbito da dedução específica dos rendimentos prediais – Categoria F.

 

40.          Ora, das duas normas acima enunciadas é possível concluir que o AIMI, quando respeitante a prédios que produzam rendimentos sujeitos a tributação não é dedutível ao rendimento, nem à coleta do IRS dos sujeitos passivos não residentes.

 

41.          E é quanto a esta vedação – de dedução do AIMI – aos não residentes que a Requerente contesta referindo «(que se encontram numa situação comparável à de um residente, pois não se vislumbra existir objetivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento)»,

 

42.          E que intitula de «tratamento discriminatório de não residentes face a residentes» porque, segundo entende, «afigura-se desconforme com o direito da União Europeia, maxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação previstos nos artigos 63.º e 18.º do TFUE.»

 

43.          Contrapõe a que Requerida referindo que «o nº 5 do art. 78º do CIRS restringe aos residentes em território nacional as deduções à coleta previstas no nº 1 daquele preceito. Trata-se de um conjunto de deduções de diferente natureza (pessoal, real, técnica, etc.). Que em conjunto têm de ser ponderadas e cuja operabilidade e restrição da mesma (aos residentes) também em conjunto tem de ser encarada.»

 

44.          Esclarece a Requerida que «[t]al radica na natureza – de resto expressamente qualificada como tal em várias passagens do preâmbulo do DL nº 442-A/88, de 30/11, que aprovou e colocou em vigor o respetivo Código – de imposto único do IRS. Natureza que ditou a necessidade de englobamento dos vários tipos de rendimentos (prevista no art. 22º daquele compêndio) para efeitos de tributação.»

 

45.          Mais refere que «(…) a experiência demonstra que, por via de regra, os rendimentos obtidos em Portugal por sujeitos passivos não residentes são parcelares (isto é, respeitam a uma determinada categoria, ou algumas categorias) não sendo também, igualmente em regra, englobados conjuntamente com outros rendimentos obtidos fora do território português. O que faz toda a diferença, motivando o estabelecimento de distintos regimes (quer, sobretudo, em termos de taxas, mas também de deduções, as quais se vão projetar em termos de taxa efetiva de imposto).»

Ora, vejamos

 

46.          Dispõe o artigo 18.º do TFUE quanto ao princípio da não discriminação que «[n]o âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

 

47.          Com efeito, no caso em apreço, não imputa a Requerente qualquer vício de discriminação dos sujeitos passivos residentes e/ou não residente em razão da nacionalidade,

 

48.          … mas, apenas e tão somente, quanto à possibilidade de ser dedutível à coleta em sede de IRS, o imposto pago referente ao AIMI, em razão da residência no Estado português.

 

49.          Como doutamente refere ALBERTO XAVIER  «O princípio da não discriminação é corolário do princípio geral da igualdade no que tange ao critério da nacionalidade. Da mesma forma que este consiste na obrigação de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, assim também o princípio da não discriminação proclama a irrelevância da nacionalidade para fundar um tratamento desigual entre sujeitos passivos que se apresentem objectivamente em situação idêntica, ficando vedada qualquer discriminação tributária, quer esta se traduza numa tributação “mais onerosa”, quer numa mera tributação “diferente”. Por outro lado, a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não assim a que se baseia na residência, considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.» (negrito nosso).

 

50.          Com efeito, é legítimo ao Estado Português prever um regime diferente para situações diferentes, como o é a tributação do IRS para residentes e não residentes.

 

51.          Na verdade, enquanto os não residentes apenas serão tributados em território nacional pelos rendimentos que aqui tenham auferido, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIRS,

 

52.          … nos termos do n.º 1 desse preceito legal «[s]endo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.»

 

53.          Assiste razão à Requerida quando aduz que «a experiência demonstra que, por via de regra, os rendimentos obtidos em Portugal por sujeitos passivos não residentes são parcelares (isto é, respeitam a uma determinada categoria, ou algumas categorias) não sendo também, igualmente, em regra, englobados conjuntamente com outros rendimentos obtidos fora do território português. O que faz toda a diferença, motivando o estabelecimento de distintos regimes (quer, sobretudo, em termos de taxas, mas também de deduções, as quais vão projetar em termos de taxa efetiva de imposto).»

 

54.          Assim sendo, considerando que o AIMI é apenas dedutível à coleta em sede de IRS para os sujeitos passivos residentes, de acordo com as normas acima enunciadas, não o sendo, contudo, para os sujeitos passivos não residentes em razão do esquema tributário implementado em território nacional, em sede de IRS, não se vislumbra qualquer violação do princípio da não discriminação, vertido no artigo 18.º do TFUE.

 

55.          Bem como, não se constata qualquer violação do princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE, invocada pela Requerente, em virtude de, com o impedimento à dedução à coleta do AIMI ao IRS não ser, de forma alguma, mais dispendiosa para os não residentes. Senão vejamos,

 

56.          Prevê o artigo 63.º do TFUE que «[n]o âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»

 

57.          Dispondo a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do mesmo Tratado que:

« 1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a)            Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».

 

58.          Esclarece o Acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de março de 2021 proferido no âmbito do processo n.º C-388/19, cujo pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.º e 63.º a 65.º do TFUE que:

«34. Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

35.Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida).

 

59.          Na verdade, a dedução do AIMI à coleta do IRS por parte dos sujeitos passivos residentes e que se encontra vedada aos sujeitos passivos não residentes não consubstancia qualquer violação do princípio da livre circulação de capitais, em virtude, como se referiu supra, não haver qualquer discriminação arbitrária quanto a esta matéria.

 

60.          Há uma diferença objetiva (não discriminatória) na tributação dos rendimentos, em sede de IRS, no território nacional por parte dos residentes e dos não residentes,

 

61.          … designadamente, quanto ao esquema tributário previsto para os residentes – tributação do universo de rendimentos que obtenham, dentro e fora do território nacional – e para os não residentes – tributados em território nacional apenas quantos aos rendimentos aqui obtidos -   

 

62.          … que permite a diferenciação de tratamento, no que respeita a esta questão da dedução à coleta do AIMI ao IRS, não beliscando ou ferindo o princípio da não discriminação ou da livre circulação de capitais.

 

63.          Há uma manifestação de riqueza que se consubstancia uma tributação adicional (AIMI) a que corresponde uma dedução à coleta desse encargo, quando essa coleta é calculada com base na totalidade os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo residente.

 

64.          Não pode o sujeito passivo não residente, que apenas dá a tributação em Portugal os rendimentos aqui obtidos, utilizar a mesma dedução, quando dá à tributação os restantes rendimentos em país terceiro, mesmo que no espaço comunitário.

 

65.          Deste modo, improcede o alegado vício da violação do princípio da não discriminação e do princípio da livre circulação de capitais, previstos nos artigos 18.º e 63.º do TFUE, em virtude a dedução à coleta do AIMI, em sede de IRS, apenas por sujeitos passivos residentes ser legítima, face ao esquema tributário diferenciado previsto em sede de IRS para residentes e não residentes no território nacional.

 

 

C)           Dos juros indemnizatórios

 

66.          A Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

67.          Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

68.          Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

 

69.          Ora, resultando do ato tributário impugnado a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são merecidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

70.          No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade do ato de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto indevidamente liquidado, por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

71.          Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

 

72.          Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

 

73.          Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto indevidamente liquidado, até ao integral reembolso do referido montante.

 

74.          Tudo isto no que concerne à parte da liquidação que vai anulada e que respeita aos ganhos obtidos em sede de IRS, quanto a rendimentos da categoria G e respetivas mais-valias.

 

VII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

a)            julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante à mais-valia dos rendimentos da categoria G e, em consequência, anular-se parcialmente o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao exercício de 2019, nos seus precisos termos;

b)           julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante à dedução do AIMI, mantendo-se quanto a essa parte o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao exercício de 2019;

c)            condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, no que se reporta ao decidido na alínea a) supra.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 7.175,41 (sete mil, cento e setenta e cinco euros e quarenta e um cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida e Requerente, no respetivo decaimento de (67% para a Requerida e 33% para a Requerente), de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros).

 

Notifique-se o Ministério Público, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 17.º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de dezembro de 2021

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O Árbitro

 

Jorge Carita