Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 685/2019-T
Data da decisão: 2020-06-22  ISP  
Valor do pedido: € 70.446,10
Tema: ISP - Regime jurídico-tributário do gasóleo colorido e marcado
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, José Poças Falcão (Presidente), Raquel Franco e Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:

 

I. Relatório

 

1.            A..., LDA, com o número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) e de identificação fiscal (“NIF”) ..., com sede na ..., n.º..., ...-... LISBOA (doravante designada “Requerente”), apresentou requerimento de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (que estabelece o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – doravante “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também designada por “AT”).

 

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo tem em vista a declaração de ilegalidade do ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivos juros compensatórios, referentes ao período compreendido entre 01/01/2015 e 13/12/2018, identificada com o n.º de liquidação..., no montante total de € 70.446,10.

 

3.            No dia 11 de outubro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

 

5.            Assim, nos termos e para os efeitos do disposto alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foram os signatários designados como árbitros do presente Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 7 de janeiro de 2020, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

7.            Em síntese, os fundamentos apresentados pela Requerente para efeitos do pedido de pronúncia arbitral foram os seguintes:

 

a)            A Requerente é uma sociedade de direito português que tem como atividade principal o comércio por grosso de produtos petrolíferos, identificada com o CAE 46711.

b)           No âmbito da sua atividade, a Requerente comercializa e distribui combustíveis líquidos, entre os quais se inclui o gasóleo colorido e marcado (GCM), vulgarmente designado por “gasóleo verde”.

c)            No âmbito de uma inspeção externa relativa aos períodos compreendido entre 01/01/2015 e 13/12/2018, a AT liquidou imposto relativo a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nos valores de €44.539,61 e €21.572,35.

d)           As presentes correções assentaram, essencialmente, em três irregularidades: (i) incumprimento da obrigação de registo de GCM no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS); (ii) incumprimento da obrigação de emissão de faturas em nome do titular de cartão de microcircuito relativas a transações de GCM registadas no sistema eletrónico (TPA/POS); (iii) incumprimento de obrigação de registo contemporâneo no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS) das transações de GCM efetuadas.

e)           Em sede de audição prévia no âmbito do procedimento de inspeção, a Requerente alega ter demonstrado que as alegadas irregularidades não refletem qualquer incumprimento das normas legais que regem a comercialização e distribuição de GCM, nos seguintes termos:

i.             Relativamente à alegada existência de faturas sem que tenha sido efetuado o correspondente registo no sistema eletrónico de controlo, esclareceu que se tratava de vendas a revendedores e que por essa razão “os montantes referentes às vendas a estes clientes não deverão ser tidos em consideração no apuramento da dívida”, como aliás tem sido o procedimento adotado pela AT em prévias inspeções;

ii.            Quanto às omissões de registo do sistema eletrónico de controlo relacionado com as vendas a clientes, a Requerente clarificou que os serviços de inspeção não relevaram as situações de (i) passagens de cartões de clientes nos TPA’s e (ii) comunicações manuais à DGARD. Há ainda outras situações que não resultaram de situações de omissão de registos mas erros de digitalização em que as quantidades de Diesel e Agrodiesel foram, por lapso, trocadas aquando da passagem do cartão mo TPA e faturação ao cliente, acompanhada de registo no sistema eletrónico de controlo com um cartão titulado pelo seu cônjuge ou outro familiar;

iii.           Relativamente às situações de vendas listadas pela AT como tendo sido objeto de registo no sistema eletrónico de controlo sem que a transação fosse titulada com a emissão de fatura em nome do adquirente e titular do cartão eletrónico de microcircuito, a Requerente salientou que a AT não relevou os “...os documentos de venda nominativos, ou seja, emitidos em nome do titular do cartão (...)”. Dos 127 registos apresentados pela AT, 108 correspondem a vendas efetuadas diretamente aos titulares dos cartões (70) e a vendas efetuadas aos nossos Revendedores de Combustíveis (38). Precisou ainda que: (1) 1 dos registos se reporta a uma transação em relação à qual se procedeu à anulação do correspondente registo no sistema eletrónico de controlo; (ii) 6 dos registos estão relacionados com transações em que se verificar erros de digitalização/troca de produtos; 5 registos são relativos a passagens em duplicado do cartão eletrónico de microcircuitos /erros na passagem desse mesmo cartão; 7 registos encontram-se titulados por faturas emitidas aos clientes em que o cartão eletrónico de microcircuito utilizado era de familiares/empresas grupo. A Requerente juntou ainda prova documental de passagem de cartão do microcircuito em TPA em incorreto funcionamento que originou a passagem do microcircuito em triplicado (devidamente comunicada à DGADR), bem como de uma situação de entrega de Diesel E+, em que foi efetuada a passagem do cartão de microcircuito. Esclareceu, por fim, que o registo do excesso do abastecimento e com base numa estimativa do combustível a abastecer, e que, por vezes, não coincide com o abastecimento efetuado e titulado pela fatura.

f)            Do ponto de vista jurídico, relativamente ao incumprimento da obrigação de registo de vendas de GCM no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS) e consequente liquidação de ISP de € 7.938,24 e CSR de €3.976,62, a Requerente não se conforma com este entendimento, nos seguintes termos:

(i)           em primeiro lugar, das situações identificadas constam vendas a revendedores que, por sua vez, irão revender aos titulares do cartão do microcircuito, recaindo nos revendedores o dever de registo no sistema informático no momento do abastecimento ao cliente final; quanto à obrigatoriedade de emissão de faturas, a Requerente emite a fatura ao revendedor e este emite a fatura ao cliente final e titular do cartão. Não houve, por isso, venda de GCM sem registo no sistema eletrónico de controlo. Em segundo lugar, das alegadas irregularidades identificadas no anexo 1, constam situações em que o registo no TPA/POS foi substituído por comunicações manuais à DGADR em cumprimento do que estatui o n.º 12 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio, pelo que a finalidade de registo se encontra assegurada.

(ii)          Quanto às situações identificadas no documento n.º 10, a AT alega que a quantidade comunicada não coincide com a fatura mas não fundamenta devidamente o alegado. Sem prejuízo, tal pode acontecer porque a comunicação antecede o abastecimento e, por vezes, no momento do abastecimento verifica-se que o depósito não tem capacidade para a quantidade que consta da comunicação. Nestes casos, está salvaguardado que a quantidade abastecida é a que efetivamente consta da fatura.

(iii)         Em terceiro lugar, das situações evidenciadas no anexo 1 pela AT constam situações de erros de digitalização no sistema eletrónico de controlo. Idêntica situação se verificou nas situações identificadas no documento n.º 12.

(iv)         Em quarto lugar, a situação identificada no documento n.º 13 resulta de um erro da AT uma vez que a quantidade identificada teve origem em dois cartões e não apenas no cartão identificado pelos serviços.

(v)          Em quinto lugar, do anexo 1 fazem parte situações em que quantidade registada no TPA não coincide com a quantidade constante da fatura (docs. n.º 14 e 15), o que conforme se referiu supra, resulta da situação de o registo informático ter lugar em momento anterior ao abastecimento o que pode conduzir a pequenas incongruências. Diga-se, no entanto, que a lei não exige essa coincidência, mas apenas que o cliente seja titular do cartão de microcircuito e que o abastecimento seja titulado por fatura, por forma a permitir o controlo da atribuição do benefício fiscal. Neste sentido, o cartão de microcircuito é um documento ad substantiam, pois sem ele não pode ser efetuada qualquer venda com redução de taxa, constituindo o registo de vendas um meio probatório que pode ser substituído por qualquer outro. Resultando demonstrado que os destinatários das vendas eram titulares do cartão microcircuito, com respeito pelos requisitos materiais, deve manter-se o direito à redução de taxa. Neste sentido se pronunciou a decisão arbitral n.º 322/2018-T, de 7 de março de 2019.

g)            No que diz respeito ao incumprimento da obrigação de emissão de faturas em nome do titular do cartão de microcircuito relativas a transações de GCM registadas no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS), a AT por considerar que a mesma viola as obrigações decorrentes do artigo 93.º, n.º 5, in fine, do CIEC e do artigo 8.º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio, apurou uma dívida em sede de ISP de € 36.601,37 e de € 17.595, 73, em sede de CSR. Não pode a Requerente conformar-se com este entendimento porque a omissão de emissão de faturas não lhe é imputável. A saber:

(i)           Em primeiro lugar, constam do anexo 2 situações relativas a operações com revendedores em que o cumprimento dos requisitos deve ser aferida na esfera dos revendedor no âmbito da relação com o consumidor final;

(ii)          Sem prejuízo, ressalva-se novamente que o valor faturado corresponde sempre ao valor efetivo, resultando a divergência de diferenças de capacidade do tanque a abastecer.

(iii)         Como o registo é sempre pelo excesso, não é verdade o alegado pela AT de haver gasóleo registado no sistema eletrónico de controlo efetivamente vendido mas não titulado por fatura.

(iv)         Houve também duas situações em que, por lapso, o cartão de microcircuito foi registado em duplicado (Doc. N.º 17).

(v)          Em terceiro lugar, constam do anexo 2 situações em que, por lapso, foi incorretamente registada a quantidade no TPA (Doc. n.º 18).

(vi)         Em quarto lugar, verificaram-se situações (Doc. n.º 19) em que foi efetuado o registo do cartão, mas não houve abastecimento.

(vii)        Em quinto lugar, no anexo 2 constam situações em que, contrariamente ao aduzido pela AT, foi emitida fatura (Doc. n.º 20);

(viii)       Entende a Requerente que a correção não pode deixar de ser anulada porquanto o cartão microcircuito é um documento ad substantiam, por sem ele não pode ser efetuada qualquer venda com redução da taxa; o registo das vendas e emissão das faturas pode ser substituído por qualquer outro, desde que cumpridos os requisitos materiais.

(ix)         Acresce ainda que, segundo a Requerente, não pode simplesmente presumir-se que a irregularidade formal praticada na emissão da fatura comprometeu a isenção parcial. Os documentos e registos contabilísticos, bem como o sistema oficial de controlo dos benefícios e nos ficheiros SAFT-T comunicados à AT demonstram a inexistência de fraude e a manutenção dos pressupostos substantivos da isenção.

(x)          Assim, constituindo o artigo 93.º, n.º5, do CIEC um caso especial de responsabilidade por dívidas fiscais de outrem, a responsabilidade tributária só deve operar se se constatar a condição de procedência do facto gerador da obrigação fiscal, o que inexiste no caso.

h)           Sem prejuízo, alega a Requerente que não procedendo o exposto supra, deverá ser determinada a anulação da correção do ato tributário com fundamento em violação dos princípios constitucionais da tipicidade dos tipos sancionatórios e do ne bis din idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.

i)             Com efeito, verificando-se a preterição das formalidades legais na comercialização do GCM, o sujeito passivo fica sujeito (i) à aplicação de uma coima (artigo 93.º, n.º 5, do CIEC e artigo 109.º, n.º 2, al. p), do RGIT) e (ii) deve proceder ao pagamento do imposto resultante da diferença entre o nível aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido marcado (cf. artigo 93.º, n.º 5).

j)             Verifica-se, deste modo, existirem duas sanções para o incumprimento das mesmas formalidades, pelo que se conclui que a imposição prevista no artigo 93.º, n.º 5, do CIEC pela mera violação de formalidades quando o comprador do GCM é titular do benefício fiscal constitui uma violação do princípio ne bis in idem.

k)            Neste sentido se pronunciou recentemente a jurisprudência arbitral na decisão do CAAD, de 19 de novembro de 2018, proferida no âmbito do processo n.º 58/2018-T.

l)             Sem prejuízo, sempre se dirá que a interpretação do disposto no artigo 93.º, n.º 5, do CIEC, conforme defendida pela AT, colide com o princípio constitucional da proporcionalidade, na sua vertente da proibição do excesso, consagrado no artigo 18.º da CRP.

m)          Neste sentido se pronunciou a jurisprudência arbitral na decisão proferida em 7 de janeiro de 2019, no âmbito do processo arbitral n.º 69/2018-T.

n)           Caso assim não se entenda, mas sem conceder, deverá o entendimento da AT ser considerado ilegal por violação dos princípios gerais de direito da EU da proporcionalidade, segurança jurídica e efetividade.

o)           Neste sentido, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça d União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (cf. artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).

p)           Conclui com o pedido de reembolso dos valores pagos e o pagamento dos juros indemnizatórios devidos.

 

8.            A AT contestou a pretensão da Requerente, apresentando defesa por impugnação, mediante os seguintes fundamentos que, em síntese, se expõem de seguida:

 

a)            Relativamente à venda de GCM sem fatura em nome do titular do cartão, entende a Requerida que a exigência da fatura em nome do titular do cartão, não constitui um requisito formal, mas sim uma causa relevante de responsabilização pelo pagamento do IEC, em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular.

b)           Cita, para o efeito, as decisões do CAAD proferidas nos processos n.ºs 552/2017-T, 265/2018-T, 459/2018-T, 459/2018-T e 614/2018-T, posteriores àquele em que se apoia a requerente.

c)            A exigência de emissão de fatura em nome do titular visa, entre outras, obviar ao risco da utilização abusiva de cartões de terceiros nos registos no sistema de controlo (TPA), pelo que também não poderia proceder uma interpretação segundo a qual, conforme pretende o Requerente, o facto de haver registos nos TPA para quantidades coincidentes com as faturadas sem identificação do adquirente, constitui prova da venda ao respetivo titular do cartão de microcircuito.

d)           Assim, a venda de GCM em 2015, 2016, 2017 e 2018, sem que a fatura que titula a operação de venda identifique o adquirente, viola a prescrição legal que decorre do n.º 5, in fine, do artigo 93.º do CIEC.

e)           No decurso da inspeção foram também apuradas vendas de GCM que não foram devidamente registadas no terminal TPA, em violação das obrigações decorrentes dos artigos 5.º e 6.º da Portaria n.º 361-A/2008 e do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

f)            Não colhe, quanto a estes factos, a alegação de que cabia à AT fazer as diligências junto de outras entidades já que é da Requerente o ónus da prova.

g)            Improcede igualmente a argumentação da requerente ao defender que o registo das vendas no sistema eletrónico constitui um meio probatório que pode ser substituído por qualquer outro.

h)           O regime jurídico aplicável ao benefício fiscal é claro ao impor que o GCM só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito/eletrónico, os quais são pessoais e intransmissíveis e através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela SIBS.

i)             Assim, as vendas efetuadas sem o correspondente registo no TPA/POS contraria o disposto nos artigos 5.º e 6.º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio e no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

j)             Neste sentido, veja-se as decisões arbitrais do CAAD relativas aos processos n.ºs 483/2014-T ou 459/2018-T.

k)            Os presentes fundamentos são igualmente válidos para as vendas de GCM em que o registo no terminal POS não ocorreu no momento da transação (mapa 3 anexo ao Relatório final da inspeção).

l)             Em sede de alegações, a Requerida impugnou todos os documentos apresentados pela Requerente em 5 de março (Doc. n.ºs 8 a 20) para justificar os factos supra descritos no n.º 7, al. f) pontos i) e ii) e al. g), pontos i), iv), v), vi) e vii) do pedido apresentado pela Requerente.

m)          Relativamente à alegada violação dos princípios constitucionais da tipicidade dos tipos sancionatórios, do princípio ne bis in idem e da proporcionalidade, a Requerida alega que a Requerente confunde os conceitos jurídicos de imposto e sanção.

n)           De facto, o que se discute neste processo é matéria exclusivamente tributária e não infracional que têm pressupostos distintos: no imposto, a incidência subjetiva e responsabilidade tributária; do outro, os pressupostos da responsabilidade penal ou contraordenacional na esfera dos devedores.

o)           Num caso, estamos perante a constituição da obrigação do pagamento do imposto o qual ocorre quando há lugar à eliminação do benefício fiscal e à reposição regra de tributação de ISP; no outro, estamos perante a suscetibilidade de aplicação de sanções por facto ilícito previsto e punido pelo RGIT.

p)           Pelo exposto, o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC não pode ser entendido como uma norma sancionatória, mas sim como uma regra de incidência tributária que determina a reposição da tributação-regra perante a inobservância de requisitos legais (e materiais) essenciais do regime de tributação privilegiado do abastecimento e comercialização de gasóleo.

q)           Quanto à pretensa violação do princípio constitucional da proporcionalidade com base na alegada existência de deveres excessivamente onerosos impostos à Requerente, há que entender que estamos perante a necessidade de controlo dos benefícios fiscais (Vide neste sentido a decisão arbitral do CAAD, relativa ao proc. n.º 459/2018-T).

r)            O mesmo se diga relativamente à alegada violação do princípio constitucional da liberdade de iniciativa privada: as taxas reduzidas de ISP constituem benefícios fiscais condicionados ao cumprimento de requisitos que devem ser observados.

s)            Por fim, a Requerida contesta a alegada falta de fundamentação por parte da AT relativamente a comunicações inscritas num documento n.º 10 que protesta juntar, afirmando que as razões de facto e de direito foram devidamente explanadas no relatório de inspeção.

 

9.            Face às posições das partes e prova documental apresentada, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, prosseguindo o processo para a fase de alegações escritas facultativas.

 

10.          A Requerente apresentou alegações no dia 5 de maio de 2020 e a Requerida apresentou contra-alegações em 15 de maio de 2020.

 

II – Matéria de facto

 

II.1. Factos provados

 

No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é uma sociedade de direito português que tem como atividade principal o comércio por grosso de produtos petrolíferos, identificada com o CAE 46711.

 

B.            No âmbito da sua atividade, a Requerente comercializa e distribui combustíveis líquidos, entre os quais se inclui o gasóleo colorido e marcado (GCM), vulgarmente designado por “gasóleo verde”.

 

C.            O GCM comercializado pela Requerente é adquirido a um único fornecedor, a B..., S.A.

 

D.           Os combustíveis vendidos pela Requerente são carregados nas instalações da B..., S.A. e entregues pela Requerente nas instalações dos clientes, em camião cisterna

 

E.            Em determinadas situações, nomeadamente quanto à comercialização de GCM, o carregamento é feito diretamente pelos clientes, e não pela Requerente, nas instalações da B..., S.A.

 

F.            A Requerente vende CGM a revendedores e a clientes finais.

 

G.           No que se refere ao procedimento de comercialização de CGM a revendedores, a Requerente emite a correspondente fatura ao revendedor, sendo o registo no sistema informático de controlo efetuado pelo revendedor, no momento do abastecimento do combustível ao cliente final, titular do cartão de microcircuito.

 

H.           Todas as vendas a clientes finais são registadas pela Requerente no TPA / POS.

 

I.             Quando ocorre alguma anomalia no registo no TPA / POS, a Requerente procede à comunicação manual do abastecimento nos termos da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio.

 

J.             Em 13 de dezembro, foi iniciada uma inspeção externa, com a ordem de serviço n.º OI2018..., relativa ao período compreendido entre 01/01/2015 e 13/12/2018, tendo em vista apurar o cumprimento do disposto no artigo 93.º, n.º 5, do CIEC e Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio.

 

K.            No desenvolvimento da referida ação inspetiva, foram realizadas entrevistas aos responsáveis da Requerente, tendo esta sido notificada para apresentar os registos da faturação, designadamente os seus ficheiros SAF-T.

 

L.            Foram analisados os registos de faturação da Requerente, designadamente as vendas de GCM que tiveram lugar no período supra aludido, tendo tais registos sido comparados com os registos efetuados no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS) da Requerente, disponibilizados pela Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).

 

M.          Foi igualmente verificada a regularidade das vendas de GCM a revendedores de combustíveis, tendo a administração tributária atestado que aqueles eram titulares de TPA/POS.

 

N.           Em maio de 2019, a Requerente foi notificada do projeto de relatório (cf. doc. n.º 1) no qual a administração tributária projetava as seguintes correções:

i.             Em sede de ISP- € 89.628,10;

ii.            Em sede de CSR - € 44.652,02.

 

O.           No âmbito da inspeção realizada foram detetadas, essencialmente, três irregularidades: (i) incumprimento da obrigação de registo de GCM no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS); (ii) incumprimento da obrigação de emissão de faturas em nome do titular de cartão de microcircuito relativas a transações de GCM registadas no sistema eletrónico (TPA/POS); e (iii) incumprimento de obrigação de registo contemporâneo no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS) das transações de GCM efetuadas.

 

P.            No que concerne à alegada existência de faturas sem que tenha sido efetuado o correspondente registo no sistema eletrónico de controlo, esclareceu a Requerente que se tratavam de vendas a revendedores e que, por esta razão, “(…) os montantes referentes às vendas a estes clientes não deverão ser tidos em consideração no apuramento do montante da dívida.”.

 

Q.           Por outro lado, quanto às omissões de registo do sistema eletrónico de controlo relacionadas com vendas de GCM a clientes, a Requerente clarificou que os serviços de inspeção não relevaram devidamente as seguintes situações:

i.             “Passagens de cartões dos clientes nos TPA's(…)”, e

ii.            “Comunicações manuais à DGARDR” (cf. p. 4 do doc. n.º 2).

 

R.            A estas realidades, acrescem outras situações que também não resultaram de omissões de registos no sistema eletrónico de controlo da Requerente, mas sim de erros de digitalização nesse mesmo sistema, em que as quantidades de Diesel e Agrodiesel a um cliente foram, por lapso, trocadas aquando da passagem do cartão no TPA e de faturação ao cliente, acompanhada de registo no sistema eletrónico de controlo com um cartão titulado pelo seu cônjuge ou outro familiar (cf. p. 4 do doc. n.º 2).

 

S.            Por seu turno, relativamente às situações de vendas listadas pela administração tributária como tendo sido objeto de registo no sistema eletrónico de controlo sem que a transação fosse titulada com a emissão de fatura em nome adquirente e titular do cartão eletrónico de microcircuito, salientou a Requerente que a administração tributária não relevou os “(…) os documentos de venda nominativos, ou seja, emitidos em nome do titular do cartão (…)” (cf. p. 5 do doc. n.º 2).

 

T.            A Requerente reuniu prova de que dos 127 registos apresentados pela AT 108 correspondem a vendas efetuadas diretamente aos titulares dos cartões (70) e 38 a vendas efetuadas aos respetivos revendedores de Combustíveis (cf. p. do doc. n.º 2).

 

U.           A Requerente juntou prova de que:

- 1 dos registos se reporta a uma transação em relação à qual se procedeu à anulação do correspondente registo no sistema eletrónico de controlo;

- 6 dos registos estão relacionados com transações em que se verificaram erros de digitalização/troca de produto;

- 5 registos são relativos a passagens em duplicado do cartão eletrónico de microcircuito/erros na passagem desse mesmo cartão;

- 7 registos encontram-se titulados por faturas emitidas aos clientes em que o cartão eletrónico de microcircuito utilizado era de familiares/empresas grupo (cf. doc. n.º 2).

 

V.           A Requerente juntou ainda prova documental de passagem de cartão de microcircuito em TPA em incorreto funcionamento (o qual originou a passagem de microcircuito em triplicado, tendo a mesma sido comunicada à DGADR), bem como, de uma situação de entrega de Diesel E+, em que foi efetuada a passagem do cartão de microcircuito, por lapso (cf. doc. n.º 2).

 

W.          Muitas vezes, a passagem do cartão de microcircuito no TPA é realizada antes do abastecimento e com base numa estimativa do combustível a abastecer que, por vezes, não coincide com o abastecimento efetuado e titulado pela fatura (cf. doc. n.º 2).

 

X.            A Requerente foi notificada da instauração do processo de contraordenação n.º 305 0370-19 (cf. doc. n.º 6), onde se refere que “Estas situações preenchem o tipo de contraordenação aduaneira de introdução irregular no consumo, prevista e punida nos termos do artigo 109.º, n.º 2, alínea p), do RGIT.” (cf. doc. n.º 6).

 

Y.            A Requerente requereu a suspensão do processo de contraordenação (cf. doc. n.º 7).

 

Z.            A AT liquidou, em 21/06/2019, imposto relativo a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nos valores de € 44.539,61 e € 21.572,35.

 

AA.        Do “Mapa Resumo de Apuramento da Dívida” constante do Relatório Final de Inspeção consta a seguinte informação:

Motivo da dívida              Valores em dívida

ISP                          CSR     SOMA

Movimentos faturados e não registados no TPA 7.938,24               3.976,62               11.914,86

Movimentos registados no TPA e não faturados 36.601,37             17.595,73            54.197,10

                                             TOTAIS              44.539,61            21.572,35             66.111,96

 

BB.         A Requerente procedeu ao pagamento do imposto e juros apurados.

 

CC.         Por não concordar com as referidas correções, em 10 de outubro de 2019, a Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

II.2. Factos não provados

 

11.          Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

II.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12.          Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

III – Saneamento

 

13.          O Tribunal foi regularmente constituído nos termos do RJAT.

 

14.          O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

15.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

16.          O processo não enferma de nulidades.

 

IV – Matéria de Direito

 

B.1. Enquadramento normativo

 

A matéria em discussão convoca o regime jurídico-tributário do gasóleo colorido e marcado contido no Código dos IEC, em particular o disposto seu artigo 93.º, que se transcreve na parte aplicável:

 

“Artigo 93.º

Taxas reduzidas

1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3.

3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:

a) Motores estacionários utilizados na rega;

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;

c) Tratores agrícolas, ceifeiras debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola e na pesca com a arte-xávega, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar ; (Redação dada pelo artigo 211.º, da Lei n.º 42 /2016, de 28.12) 

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;

e) Motores fixos;

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

4 - O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.

5 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão. (Redação dada pelo artigo 207.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31.12)

                6 - A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.ºs 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias e em legislação especial.

                7 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis.

                […]”

 

O Código dos IEC é ainda complementado por um conjunto de normas regulamentares. Com relevo para o caso vertente, interessa referir as constantes da Portaria n.º 117-A/2008, de 08.02, que atualiza e revê o processo de reconhecimento prévio das isenções e das taxas reduzidas do ISP, e da Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05, incidente sobre o gasóleo colorido e marcado, aprovadas ainda na vigência do anterior Código dos IEC e tendo por referência habilitante o seu artigo 74.º, cuja manutenção resulta do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21.06, que aprovou o novo Código dos IEC.

 

Merece referência especial a Portaria n.º 361-A/2008, de 12.05, que, neste âmbito, estabelece regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado e mecanismos de controlo, designadamente:

“[…]

5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

7.º Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efetuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no ato e no local do respetivo abastecimento.

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respetivo cartão de microcircuito.

9.º Os registos das transações referidas no n.º 5.º são enviados em suporte informático pela SIBS à DGADR, a qual, para além das funções de coordenação nacional que lhe incumbem, gere a base de dados relativa ao gasóleo colorido e marcado e é responsável pela emissão, suspensão ou cancelamento dos cartões.

11.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser abastecido aos equipamentos previstos no n.º 3 do artigo 74.º do CIEC, após a verificação, pela entidade competente, dos pressupostos e das condições exigíveis nos termos da legislação aplicável e a atribuição aos respetivos beneficiários do cartão referido no n.º 5.º.

12.º Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos terminais POS, devem os mesmos ser imediatamente comunicados, por escrito, preferencialmente por correio eletrónico, à DGADR, a fim de serem efetuadas as respetivas correções.

[…]”

 

De referir, adicionalmente, o disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 117-A/2008, de 08.02, segundo o qual:

“2.º Podem beneficiar de isenção ou da aplicação de uma taxa reduzida do imposto as pessoas singulares ou coletivas que, comprovadamente, utilizem produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a ISP nas atividades ou nos equipamentos previstos nas disposições legais referidas no número anterior, desde que cumpram as seguintes condições:

a) Essa atividade esteja devidamente declarada, nos termos da legislação tributária aplicável, exceto quando dispensada por lei ou pela natureza da isenção;

b) Tenham a sua situação tributária e contributiva regularizada;

c) Tenham cumprido as suas obrigações declarativas em sede de impostos sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado.”.

 

Dispõe, ainda, o artigo 5.º da Portaria n.º 117-A/2008 que os “benefícios fiscais concretizados através da utilização de gasóleo colorido e marcado são efetuados obrigatoriamente através da utilização de um cartão de microcircuito”.

 

No tocante à contribuição de serviço rodoviário ou CSR, a mesma foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31.08, e, de acordo com o disposto no seu artigo 1.º, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E.. Esta contribuição constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigo 3.º, n.º 1). De acordo com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 55/2007, a CSR “incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”, variando o seu valor em função do produto petrolífero utilizado (gasolina ou gasóleo rodoviário).

 

A CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP (artigo 5.º, n.º 1) e, não obstante constituir receita da EP – Estradas de Portugal (artigo 6.º), a sua liquidação e cobrança incumbe à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (hoje AT), aplicando-se à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos IEC. Em síntese, estamos perante um tributo devido pelos sujeitos passivos de ISP que incide sobre o gasóleo rodoviário sujeito a ISP e deste imposto não isento.

 

Na situação objeto de análise, são imputadas à Requerente três práticas distintas que se apreciam de seguida, a saber:

 

(i)           Omissão da obrigação de registo das vendas de gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS);

(ii)          Omissão da obrigação de emissão de faturas em nome do titular de cartão de microcircuito relativas a transações de GCM registadas no sistema eletrónico (TPA/POS).

 

B.2. Análise das correções: (i) Omissão da obrigação de registo das vendas de gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS)

 

Relativamente às transações de GCM em que houve emissão da fatura sem que tenha sido efetuado o correspondente registo no sistema eletrónico de controlo, a administração tributária apurou uma dívida em sede de ISP de € 7.938, 24 e de CSR de € 3.976,62.

 

Sobre este ponto, a Requerente alega que, no cômputo das situações identificadas pelos serviços de inspeção tributária, constam vendas efetuadas pela Requerente a revendedores, identificadas nos documentos n.º 8 e n.º 9. Estão em causa vendas de combustível a revendedores, os quais, por seu turno, irão revender aos titulares do cartão de microcircuito, e é sobre os revendedores e não sobre a Requerente que recai a obrigação de registo no sistema informático no momento do abastecimento ao cliente final. Estas vendas podem resultar de entregas diretas, quer da Requerente, quer dos revendedores ao cliente final, sendo certo que a obrigação de passagem do cartão no TPA recai sobre aquele que efetua a entrega porque a passagem do cartão é efetuada no momento da entrega do GCM ao cliente.

 

Já quanto à obrigatoriedade de emissão da fatura, a mesma recai sobre ambos, isto é, a Requerente emite a fatura ao revendedor e este emite a fatura ao cliente final e titular do cartão, pelo que, na realidade, não houve, na esfera da Requerente, vendas de GCM sem registo no sistema eletrónico de controlo. Sendo assim, são esses mesmos revendedores os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda de GCM, quem o vende a titulares de cartão microcircuito e leva a cabo o correspondente registo no sistema eletrónico de controlo, pelo que não pode a administração tributária vir exigir à Requerente o cumprimento de uma obrigação de que a mesma não está incumbida legalmente.

 

Assim, entende a Requerente que os valores por si faturados que correspondem a vendas a revendedores não deverão ser tidos em consideração no apuramento do montante da dívida apurada em sede de ISP e CSR pela AT. Acrescenta, ainda, que os serviços de inspeção tributária se limitaram a concluir pela alegada irregularidade quanto ao registo no sistema informático de controlo, sem, contudo, promover qualquer diligência junto dos revendedores, em violação do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT.

 

Em segundo lugar, alega a Requerente que, das alegadas irregularidades identificadas pelos serviços de inspeção no anexo 1, constam situações em que o registo no TPA/POS foi substituído por comunicações manuais à DGADR, em cumprimento do que estatui o n.º 12.º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio. Pelo que, destinando-se a condição de a obrigatoriedade estabelecida das vendas serem registadas no sistema eletrónico de controlo a assegurar o controlo imediato das quantidades vendidas de GCM aos respetivos beneficiários, mediante os dados do terminal POS, só poderá considerar-se que, nos casos enunciados, tal finalidade se encontra assegurada. Ainda em relação a estas situações, alega a administração tributária no relatório final que a quantidade comunicada não coincide com a fatura sem, contudo, identificar os elementos analisados em que sustenta tal conclusão. Entende a Requerente que esta situação não é suscetível de a fazer incorrer no encargo do imposto por ser usual que as quantidades comunicadas nem sempre coincidam com a quantidade faturada, porquanto a comunicação antecede o abastecimento e, por vezes, no momento do abastecimento verifica-se que o depósito não tem capacidade para a quantidade que se fez constar da comunicação. Contudo, é inequívoco que nas situações identificadas o abastecimento foi efetuado a um titular de cartão de microcircuito e, por outro lado, a quantidade que foi abastecida é a que efetivamente consta da fatura.

 

Documentos juntos pela Requerente após o pedido de pronúncia arbitral:

 

Documento 8

Documento de onde constam vendas efetuadas pela Requerente a revendedores.

 

Sobre o documento n.º 8, junto pela Requerente já depois de apresentada a petição inicial, a AT contesta nos seguintes termos:

No mapa apresentado neste documento são calculados os montantes de ISP e CSR a tributar, referentes a vendas de GCM cujo adquirente, identificado na fatura, não coincide com o titular do cartão de microcircuito identificado pelo operador em sede de audição prévia. A AT contesta que sejam dados relativos a revendedores, afirmando que são particulares adquirentes de GCM para consumo.

Refere ainda que a Requerente associou movimentos do TPA como sendo correspondentes a estas faturas, mas esses movimentos referem-se a registos de cartões em nome de beneficiários que são diferentes dos nomes dos adquirentes identificados nas faturas em causa. Refere inclusivamente a A...  que a passagem no TPA foi efetuada com um cartão do cunhado da pessoa que é indicada nas faturas, o que contraria frontalmente o disposto no nº 5 do artigo 93º do CIEC, conjugado com o nº 8 da Portaria nº 361-A/2008, de 12 de Maio.

 

Sobre o documento n.º 9, a AT contesta nos seguintes termos:

Neste documento foram calculados montantes de ISP e CSR relativos a uma venda de GCM a um cliente sem que tenha existido o correspondente registo no POS/TPA. A Requerente alegou que se trata de uma venda efetuada a um revendedor, mas, para que não fosse obrigatório o registo desta transação no POS/TPA da alegante, seria necessário e obrigatório que o cliente em causa fosse detentor de um terminal desse tipo, nos termos do n.º 3 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, que estipula que “O gasóleo colorido e marcado só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais point of sale” – o que não se verificou.

 

Do documento 10 constam situações em que o registo no TPA/POS foi substituído por comunicações manuais à DGADR, em cumprimento do que estatui o n.º 12.º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio.

 

Do documento 11 constam situações de erros de digitalização no sistema eletrónico de controlo: a Requerente entregou dois produtos ao cliente – Diesel e Agrodiesel – mas as quantidades de Agrodiesel abastecidas foram trocadas com as de Diesel com a passagem do cartão no TPA.

 

Também nas situações identificadas no documento 12 houve uma troca de produto.

 

Posição da AT sobre os documentos n.º 10, n.º 11 e n.º 12

Estes documentos reportam-se ao cálculo de montantes de ISP e CSR relativos à diferença entre as quantidades de GCM faturadas e as registadas no POS/TPA. No mapa de cálculo da dívida estão identificadas as faturas de venda e os respetivos registos no POS/TPA que deram origem às diferenças apuradas. Essas diferenças consubstanciam quantidades faturadas e não registadas no POS/TPA. Todas as comunicações manuais, mencionadas no ponto 96.º do pedido arbitral, e apresentadas pela A..., Lda à DGADR foram consideradas pela inspeção. Mesmo considerando estas comunicações manuais, subsistem diferenças entre as quantidades faturadas e as registadas nos POS/TPA, que foram tributadas, como se impunha.

 

Documento 13

A situação identificada no documento n.º 13 resulta de um erro da administração tributária, uma vez que a quantidade identificada pela administração tributária teve origem em dois cartões e não apenas no cartão identificado pelos serviços.

 

Posição da AT sobre o documento 13

A menção feita a este documento no ponto 112.º da petição inicial, de que houve um erro da administração tributária, ao não considerar a quantidade identificada como tendo origem em dois cartões, está incorreta. No decorrer no processo inspetivo foram calculados montantes de ISP e CSR, relativos à diferença entre a quantidade de GCM (500 litros), cuja venda foi titulada pela fatura n.º ZF3 1/4610021314, de 17/04/2015, e a quantidade registada no POS/TPA na mesma data (1000 litros). A empresa vem agora alegar, tal como já o havia feito em sede de audição prévia, que a fatura válida é a ZF3 1/4610021313, de 17/04/2015, relativa à venda de 1000 litros de GCM e que só existe um registo de 1000 litros no POS/TPA na mesma data, através do cartão microcircuito n.º... .

Relativamente a este ponto há que esclarecer o seguinte:

- Em 17/04/2015 a A... emitiu duas faturas, cada uma delas relativa à venda de GCM ao cliente C..., Lda, NIF... . Essas faturas têm os n.ºs ZF3 1/4610021313 e ZF3 1/4610021314 e titulam vendas de 1000 litros e 500 litros, respetivamente;

- Na mesma data foram registados dois movimentos no TPA/POS n.º 562630, de 1000 litros cada. Um movimento, através do cartão n.º..., às 15h24, e outro movimento através do cartão n.º 2319240, às 16h57. Ambos os cartões pertencem à referida Sociedade C..., Lda.

- No decurso da inspeção foram cruzadas as mencionadas duas vendas de GCM com os dois registos referidos. Numa das vendas de GCM, verifica-se a coincidência da quantidade faturada com a quantidade registada no POS/TPA. No entanto, na outra transação existe uma diferença de 500 litros entre a quantidade faturada (500 litros na fatura n.º ZF3 1/4610021314) e a registada no POS/TPA (1000 litros), pelo que relativamente a esta diferença foi calculada dívida em sede de ISP e CSR, porquanto consubstancia um registo no TPA sem que exista fatura de venda correspondente para essa quantidade.

 

Dos documentos 14 e 15 constam situações em que a quantidade registada no TPA não coincide com a quantidade constante da fatura. De acordo com a Requerente, todas estas situações resultam do facto de o registo no sistema informático ter lugar em momento anterior ao abastecimento. Por exemplo, no momento em que tem lugar o registo informático, o titular do cartão pode declarar que pretende abastecer 50 litros e, depois, no momento do abastecimento, constatar que o depósito só permite abastecer 48 litros.

 

Posição da AT sobre o documento n.º 14

Aqui são apresentados cálculos de ISP e CSR, relativos a diferenças entre as quantidades faturadas de GCM e os respetivos registos no POS/TPA.

A A... acrescentou um comentário neste documento, em que refere estas situações como erros de procedimento, indicando que o procedimento correto seria só “passar o cartão”. O procedimento correto deverá ser sempre emitir a fatura de venda de GCM com a mesma quantidade registada no POS/TPA, de modo a não desvirtuar o controlo da regularidade das transações de GCM. Ao contrário do referido no 114.º da exposição da A... não estamos em presença de “pequenas incongruências”, mas sim de diferenças significativas de várias dezenas de litros, tal como se pode observar através da leitura do mapa constante do citado documento n.º 14.

 

Posição da AT sobre o documento 15

Tal como no documento n.º 14, neste documento são apresentados cálculos de ISP e CSR relativos a diferenças entre as quantidades faturadas de GCM e os respetivos registos no POS/TPA. É agora comentado pela A... que se tratam de “pequenas diferenças”, em virtude de procederem ao registo no POS/TPA em momento anterior ao abastecimento. Refira-se que no relatório da ação inspetiva foi referido o facto de não terem sido consideradas as diferenças iguais ou inferiores a 1 litro, entre as quantidades faturadas e as registadas no POS/TPA, por se considerar tratar-se de arredondamentos. Assim, os argumentos agora apresentados não adicionam factos novos que permitam alterar as anteriores conclusões.Refira-se que entre os valores que a A... considera “pequenas diferenças”, existem algumas de mais de 100 litros, evidenciadas neste mapa que constitui o documento n.º 15.

 

Em conclusão, refere a Requerente que houve respeito pelos requisitos materiais da isenção (os destinatários das vendas eram titulares do cartão de microcircuito), pelo que, mesmo não tendo sido cumpridas todas as formalidades, deve manter-se o direito à redução de taxa.

 

Expostos os argumentos de ambas as Partes, cumpre decidir:

 

Em linha com a posição da Requerente, dir-se-á desde já que o registo das vendas e, como se verá de seguida, também a emissão de faturas com a identificação dos compradores, constituem requisitos ad probationem, meios probatórios que podem ser substituídos por outros, e não elementos essenciais à (ou condições de) atribuição do benefício de redução de taxa do gasóleo. Ad substantiam é a titularidade do cartão de microcircuito, sem a qual não pode realizar-se o abastecimento. 

 

Interessa notar que o artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC não recorta uma norma autónoma de incidência que venha instituir um novo facto tributário gerador de tributação, nem uma norma sancionatória, que preveja e estatua uma sanção específica para o atraso no cumprimento da obrigação fiscal acessória (o registo das operações no sistema eletrónico de controlo). É, isso sim, uma norma que institui um caso de responsabilidade tributária que impõe, desde logo, a preexistência de uma obrigação tributária originária que não é por si definida.

 

É certo que o n.º 6 da Portaria n.º 361-A/2008 estabelece a obrigação de as vendas de gasóleo colorido e marcado serem “registadas nos terminais POS no momento em que ocorram”. No entanto, este é um instrumento de natureza regulamentar que cria uma obrigação tributária acessória e não prestativa. Aliás, se fosse mais do que isso, a norma seria inválida, por violação do princípio da legalidade, como afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 176/2010, de 05.05 (ainda que a propósito de uma outra portaria, entretanto revogada), de que se retira o seguinte excerto:

“É inquestionável que o princípio da legalidade fiscal impõe que seja a lei, ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, a criar os impostos e também a definir os seus elementos essenciais (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, da Constituição).

Expressando o entendimento seguido por este Tribunal a esse respeito, disse-se no Acórdão n.º 127/2004:

«O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103.º, n.º 2.

Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante atualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objetiva e subjetiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a obrigação tributária esteja reservada à lei.

Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua aceção material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.»”

 

Com efeito, o instituto da responsabilidade tributária, que a LGT regula nos seus artigos 22.º a 28.º, insere-se inequivocamente no domínio de conformação da incidência tributária e das garantias dos contribuintes, pelo que não prescinde de um ato legislativo, na aceção do artigo 112.º da Constituição.

 

Deste modo, entende-se que o registo da venda do gasóleo colorido e marcado no sistema eletrónico de controlo, em momento posterior ao previsto na Portaria n.º 361-A/2008 [momento da venda], configura uma irregularidade passível de gerar responsabilidade contra-ordenacional, in casu a prevista no artigo 109.º, n.º 2, alínea p) do RGIT (ex vi artigo 93.º, n.º 6 do Código dos IEC), por infração das regras de comercialização. Todavia, não consubstancia um facto tributário autónomo de incidência de ISPPE (e, por inerência, de CSR), nem dá origem ao nascimento de responsabilidade tributária na esfera da Requerente, por não preencher as condições da hipótese normativa que prevê essa responsabilidade, de acordo com o artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC.

 

Tendo sido demonstrado o registo, pela Requerente, das operações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado aos seus clientes, no sistema eletrónico de controlo, enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito a correção efetuada pela AT com fundamento na pretensa omissão desse registo, pelo que é, neste segmento, procedente o vício substantivo invocado pela Requerente, gerador de anulabilidade nos termos e para os efeitos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”). 

 

B.3. Análise das correções: (ii) do incumprimento da obrigação de emissão de faturas em nome do titular de cartão de microcircuito relativas a transações de GCM registadas no sistema eletrónico de controlo (TPA/POS)

 

A administração tributária considerou que a Requerente havia igualmente incumprido as regras de comercialização do GCM por omissão de emissão de faturas em nome do adquirente em situações em que foi efetuado o correspondente registo nos TPA/POS – o que consubstancia, no entender da AT, uma violação das obrigações decorrentes do artigo 93.º, n.º 5, in fine, do CIEC e do artigo 8.º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio. Em consequência, exige à Requerente o imposto correspondente ao diferencial de tributação entre o gasóleo colorido e marcado e o gasóleo rodoviário, em relação às quantidades para as quais não tenham sido emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão.

 

A Requerente refere novamente a este propósito que estão em causa situações relativas a operações com revendedores (documento n.º 16), e que nessas operações o cumprimento dos requisitos constantes do artigo 93.º, n.º 5, do CIEC e da Portaria n.º 261-A/2018, deve ser aferido na esfera do revendedor no âmbito da relação com o consumidor final. Novamente refere que a AT não realizou quaisquer diligências junto dos revendedores e que, como tal, violou o princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT. No demais, refere também que as discrepâncias entre as quantidades registadas e as quantidades constantes das faturas resultam da circunstância de o registo no sistema informático ser efetuado em momento anterior ao abastecimento (por vezes o abastecimento acaba por ser inferior, outras acaba por ser superior). Já o valor faturado corresponde sempre ao valor efetivo.

 

Refere também situações em que:

- por lapso, o cartão de microcircuito foi registado em duplicado (documento 17);

- por lapso, foi incorretamente registada a quantidade no TPA (documento 18);

- por lapso, foi feito o registo, mas não foi feito o abastecimento (documento 19).

 

Existem também situações, referidas no documento 20, em que, contrariamente ao entendimento da AT, a Requerente refere que foi emitida fatura.

Documento 16

Situações relativas a operações com revendedores.

 

Posição da AT sobre o documento 16

A A... alega que neste documento constam situações relativas a operações com revendedores sem, contudo, as identificar. O mapa deste documento é apenas relativo a registos no POS/TPA da A..., não faturados por esta em nome do adquirente, que foram tributados em sede de ISP e CSR, nos termos do n.º 5 do Artigo 93.º do CIEC.

Ora, ao tratar-se de operações com revendedores, conforme refere a requerente, em momento algum deveriam as quantidades faturadas ser registadas no POS/TPA da A... . É obrigatoriedade de quem vende gasóleo colorido e marcado assegurar-se que os titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados sejam detentores de terminais point of sale, em cumprimento do disposto no n.º 3 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 Maio.

E, se a A... disso não se tivesse assegurado e tivesse emitido faturas a revendedores não titulares de POS/TPA, estaríamos perante a situação inversa, ou seja, a existência de faturas sem que tivesse sido efetuado o correspondente registo no POS/TPA. Ora, no caso em apreço estamos apenas em presença de situações em que o NIF do adquirente identificado na fatura é diferente do NIF do titular do cartão de microcircuito utlizado no TPA e não em presença de transações com revendedores.

 

Documentos 17, 18, 19, 20

             17

Requerente - situações em que, por lapso, o cartão de microcircuito foi registado em duplicado.

AT - neste mapa foram calculados montantes de ISP e CSR relativos a registos no POS/TPA sem que tivesse sido emitida a correspondente fatura de venda. A empresa vem agora justificar estas situações como sendo duplicações de registos, porque “o motorista pensou que o sistema não tinha registado a passagem inicial”.

Este argumento não pode ser aceite. De facto, em caso de erros nos registos no POS/TPA, os titulares daqueles terminais deverão apresentar a respetiva justificação e pedido de anulação à DGADR, o que não se verificou, nem, nesta fase, a empresa apresenta qualquer documento que sustente o que alega.

 

             18

Requerente - situações em que, por lapso, foi incorretamente registada a quantidade no TPA.

AT - cálculo de montantes de ISP e CSR relativos a registos no POS/TPA sem a emissão das correspondentes faturas de venda.

Apesar do referido nos pontos 150.º e 152.º da exposição, não apresenta a alegante, tal como não apresentou em fase de audição prévia do procedimento inspetivo, qualquer documento que comprove que não existiu abastecimento relativamente ao registo efetuado no POS/TPA.

 

             19

Requerente - situações em que foi efetuado o registo do cartão, mas não houve abastecimento.

AT - cálculo de montantes de ISP e CSR relativos a registos no POS/TPA sem a emissão das correspondentes faturas de venda.

Apesar do referido nos pontos 150.º e 152.º da exposição, não apresenta a alegante, tal como não apresentou em fase de audição prévia do procedimento inspetivo, qualquer documento que comprove que não existiu abastecimento relativamente ao registo efetuado no POS/TPA.

 

             20

Requerente - situações em que, contrariamente ao aduzido pela administração tributária foi emitida fatura.

AT - A este documento é feita referência no ponto 153.º do requerimento inicial, sendo indicado que foi emitida fatura. Neste documento estamos em presença de um mapa de cálculo da tributação, em sede de ISP e CSR, relativa a um registo de 999 litros de GCM no POS/TPA, ocorrido em 06/09/2018. A empresa vem agora alegar que este registo se refere à venda de GCM titulada pela fatura 4610045338.

Relativamente a esta situação é importante referir o seguinte:

Em Setembro de 2018 foram emitidas duas faturas de venda de GCM ao cliente D..., Lda, NIF ... . Estas faturas têm os n.ºs ZF3 1/4610045338, de 10/09/2018 e ZF3 1/4610045607, de 25/09/2018, sendo relativas a vendas de 999 litros de GCM e 1000 litros de GCM, respetivamente.

No mesmo mês foram efetuados três registos nos POS/TPA em nome da empresa D..., Lda:

- um registo de 999 litros no POS/TPA n.º 562631, em 06/09/2018, às 16h48;

- um registo de 1000 litros no POS/TPA n.º 819187, em 14/09/2018, às 13h41;

- um registo de 999 litros no POS/TPA n.º 819187, em 21/09/2018, às 17h18.

Verifica-se, pois, que, em Setembro de 2018 foram emitidas duas faturas de venda de GCM, relativas a 999 e a 1000 litros respetivamente e no POS/TPA constam três movimentos, de 999 litros, 1000 litros e 999 litros.

Em sede de audição prévia, a A... indicou que o movimento do POS/TPA ocorrido em 21/09/2018 se refere à fatura de venda n.º ZF31/4610045338, de 10/09/2018 Considerando que o registo de 1000 litros no POS/TPA ocorrido em 14/09/2018 é titulado pela fatura de venda n.º ZF3 1/4610045607, verifica-se que não foi emitida fatura de venda relativamente ao movimento de 999 litros registado no POS/TPA, em 06/09/2018, pelo que essa quantidade tinha de ser, como foi, tributada.

 

Finaliza a Requerente dizendo que o incumprimento da formalidade referente à emissão da fatura não pode conduzir à tributação nos termos gerais porquanto tal obrigatoriedade não se reconduz a um requisito ad substantiam (não está em causa o não preenchimento de um requisito material do benefício, mas apenas um elemento de controlo da sua atribuição, i.e., que efetivamente o gasóleo foi vendido a quem tinha o direito de o comprar com redução de taxa).

 

Argumenta ainda que, quer com a emissão do ato tributário em apreço, quer com a instauração do processo de contraordenação, a administração tributária visa sancionar o incumprimento das mencionadas formalidades – o que consubstancia uma punição da mesma infração por várias vias, sendo que, ambas as normas sancionatórias tutelam o mesmo bem jurídico, o que se revela uma violação do princípio ne bis in idem, uma vez que a não observância das formalidades em causa já se encontra sujeita à punição como contraordenação (cf. artigo 109.º do RGIT).

 

Por outro lado, defende que a interpretação do disposto no artigo 93.º, n.º 5, do CIEC, conforme defendida pela administração tributária, colide com o princípio constitucional da proporcionalidade, na sua vertente de proibição do excesso, consagrado no artigo 18.º da CRP. No fundo, a AT considera que os consumidores finais eram titulares dos cartões de microcircuito, verificando-se um mero incumprimento de formalidades por parte da Requerente, pelo que não houve qualquer dano para a receita fiscal. Não tendo ocorrido dano, não se verifica o correspetivo dever indemnizatório decorrente da ratio da norma.

 

No que concerne às vendas a revendedores, entende a Requerente que a mesma colide com o princípio constitucional da liberdade de iniciativa privada, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, da CRP. A interpretação defendida pela administração tributária impede a venda de gasóleo verde através de intermediários e revendedores, apenas se permitindo a relação e venda direta entre o fornecedor e o cliente final e eliminando as estruturas de revendas.

 

Considera ainda a Requerente que a liquidação em apreço é manifestamente ilegal por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da efetividade e sugere que, estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia, deverá submeter-se a respetiva

interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (cf. artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).

 

Resulta do probatório que a Requerente emitiu faturas de venda de gasóleo colorido e marcado sem ter identificado o número de identificação fiscal do adquirente e titular do cartão de microcircuito. Não obstante, as vendas foram registadas no sistema de controlo e os respetivos adquirentes eram titulares do referido cartão com direito ao benefício fiscal, pelo que não está em causa a realidade e regularidade desses fornecimentos.

 

A questão é, portanto, a de saber se, nestas circunstâncias concretas, é aplicável o regime de responsabilidade tributária introduzido pela LOE 2015, no artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC, “em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão”, ou, sendo-o, se este passa o teste da respetiva conformidade constitucional. 

 

Segundo a Requerente, não é requisito de aplicação do regime de isenção ou de desagravamento do gasóleo colorido e marcado, a emissão das faturas com a identificação fiscal dos titulares dos cartões. Os requisitos constitutivos deste benefício fiscal são aqueles de que a lei faz depender a atribuição do cartão de microcircuito – requisito ad substantiam – sujeito a um ato de reconhecimento (prévio) por parte da DGADR.

 

Defende a Requerente que o registo das operações no sistema eletrónico de controlo, tal como a obrigação de emissão de faturas com a identificação fiscal do titular do cartão configuram elementos de controlo ou de verificação – requisitos ad probationem – e não requisitos materiais do benefício.

 

As consequências da aludida prática – de não emissão de faturas com identificação fiscal dos adquirentes para alguns dos fornecimentos realizados pela Requerente – resumem-se, na perspetiva desta, à eventual responsabilidade contraordenacional, nos termos do artigo 109.º, n.º 2, alínea p) do RGIT, não podendo estender os seus efeitos à aplicação de um regime de responsabilidade pelo pagamento da diferença de imposto que seria devida pela aplicação do regime do gasóleo rodoviário, ao proprietário ou explorador do posto de abastecimento (ou seja, a Requerente), por força do disposto nos artigos 93.º, n.º 5 e 4.º, n.º 2, alínea h) do Código dos IEC.

 

O regime de responsabilidade que consta do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC constitui um caso especial de responsabilidade por dívidas fiscais de outrem. A disciplina jurídica em apreço não contém a definição originária da obrigação fiscal na esfera do sujeito passivo no qual se manifesta a capacidade contributiva. É um regime de salvaguarda, que pretende assegurar, nas diversas manifestações que assume, designadamente as previstas nos artigos 22.º a 28.º da LGT , o pagamento efetivo de receitas que sejam devidas ao credor tributário. Como salienta LIMA GUERREIRO, a “responsabilidade especificamente fiscal é, na verdade, por dívidas de outrem e não por dívidas próprias” (cf. LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p.126) e, nas palavras de SALDANHA SANCHES, constitui “um regime cuja severidade coloca sérios problemas na aplicação do princípio da proporcionalidade nas relações entre Estado e contribuinte” (cf. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2007.

 

A este respeito, SÉRGIO VASQUES nota que “o responsável surge obrigado ao cumprimento da prestação tributária na medida em que o contribuinte direto não se mostra capaz de a satisfazer e porque o responsável, em virtude das suas funções, se encontra em posição de influenciar o seu comportamento ou na incumbência de o fiscalizar de algum modo. O responsável tributário, assim observa Pasquale Russo, mostrando-se estranho ao facto tributário e respondendo nesse exato sentido por dívida de outrem, garante com o seu património o cumprimento da prestação tributária na medida em que da sua atuação depende a declaração desse facto ou a preservação do património do contribuinte direto” (cf. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p. 349.

 

Contextualizado o problema no âmbito do mecanismo da responsabilidade tributária, que permite exigir a prestação tributária a outrem que não o sujeito passivo (originário) da relação jurídica tributária, por força de uma especial posição que detém ou ocupa relativamente aos factos tributários e/ou aos seus sujeitos, parece ser necessário que se verifique a existência da obrigação tributária originária, na base da qual surja a obrigação tributária [responsabilidade] derivada. Dito de outro modo, a responsabilidade tributária só deve operar se se constatar a condição de precedência do facto gerador da obrigação fiscal “originária”, tipificado, nos seus pressupostos objetivos e subjetivos, em ato legislativo.

 

Na situação submetida à apreciação deste tribunal, ficou demonstrado que apesar de a emissão das faturas não ter observado o requisito de identificação do adquirente, que, assinale-se, consubstancia um requisito inovador da LOE 2015, a comercialização do gasóleo colorido e marcado foi efetuada com observância das condições legalmente estabelecidas para aplicação do regime de desagravamento fiscal: a venda a titulares do cartão de microcircuito, que foram devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo.           Deste modo, não se pode presumir no caso concreto que a irregularidade formal praticada na emissão da fatura comprometeu a isenção parcial de que o gasóleo colorido e marcado beneficia, cuja quebra [da isenção] está subjacente ao regime de responsabilidade do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC.

 

Com efeito, entende-se não ser aplicável tal regime de responsabilidade porque, apesar da irregularidade, não parece estar em causa a inexistência do direito ao benefício fiscal.

 

Nesse sentido, considera este Tribunal Arbitral que os requisitos implícitos e necessários do regime de responsabilidade tributária previsto na parte final do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC não estão preenchidos, por inexistência da obrigação tributária originária que teria de estar subjacente ou poder ser presumida, padecendo a correção feita pela AT neste âmbito de erro de direito, com a consequente anulabilidade do ato tributário na parte correspondente.

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, como as que se referem à inconstitucionalidade de uma dada interpretação do artigo 93.º, n.º 5 do Código dos IEC. 

 

Importa, por fim, analisar o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT. A referida norma legal estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso, o erro que afeta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu sem o necessário suporte legal.

 

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos atos anulados e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

VI – Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral;

b)           Declarar a ilegalidade do ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivos juros compensatórios, referentes ao período compreendido entre 01.01.2015 e 13.12.2018, identificada com o registo de liquidação n.º..., notificada através do Ofício n.º..., de 25.06.2019;

c)            Determinar a restituição do montante de imposto pago pela Requerente a título de ISP, CSR, bem como do que foi pago a título de juros compensatórios;

d)           Determinar o pagamento de juros indemnizatórios;

e)           Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VII – Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 70.446,10.

 

VII – Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de junho de 2020

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

Raquel Franco

Amândio Silva