Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 682/2019-T
Data da decisão: 2020-11-20  IVA  
Valor do pedido: € 20.125,18
Tema: IVA – Caducidade do direito à liquidação; Artigo 45.º, n.º 5 da LGT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Sumário:

Nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT, o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação só é de admitir se houver coincidência entre os factos objeto da investigação em processo de inquérito, e os que constituem fundamento para as liquidações.

 

Decisão Arbitral

 

                O árbitro Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de janeiro de 2020, decide o seguinte:

               

                1. Relatório

 

A..., S. A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ... ... ..., (doravante, a "Requerente") tendo sido notificada em nome da B..., LDA., que tinha o NIPC ..., uma vez que esta sociedade foi fundida na Requerente, do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada das liquidações adicionais de IVA relativas a diversos períodos do ano de 2012, com os respetivos juros compensatórios, bem assim das demonstrações de acerto de contas, para pagar a quantia total de € 19.392,35, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação atual (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação do indeferimento da reclamação graciosa, e consequentemente das liquidações adicionais de IVA e demonstrações de acerto de contas, a condenação da Requerida à devolução da quantia paga e, ainda, ao pagamento dos juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-10-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-11-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 02-01-2020.

 

Para fundamentar a sua pretensão a Requerente veio alegar, em síntese, a caducidade do direito de liquidação, bem como erro nos pressupostos de facto, quer considerando a Fatura emitida pela C... Lda., NIPC ... à B..., quer do IVA dedutível na aquisição de gasóleo, e dos gastos com a conservação e reparação de viaturas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta a 4 de fevereiro de 2020, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, e juntou o processo administrativo aos autos a 3 de fevereiro de 2020.

 

Por despacho de 3 de março 2020, foi marcada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT mas, considerando a situação excecional e de acordo com o ponto 8 do plano de contingência COVID-19 do CAAD e seguindo a Orientação n.º 006/2020, de 26 de fevereiro de 2020, emitida pela Direção-Geral de Saúde suspendeu-se, pelo período de 15 dias, a realização de diligência agendada.

Por despacho de 8 de junho de 2020 foi reagendada a reunião que foi, posteriormente, dada sem efeito considerando as medidas excecionais causadas pela situação pandémica.

Por despacho de 3 de julho de 2020 foi marcada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT para dia 11 de setembro de 2020, com início às 10:30, que se realizou por videoconferência via Cisco Webex Meetings, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente, D..., E..., F..., G... . A Requerente prescindiu da inquirição da testemunha H..., e a Requerida prescindiu da inquirição da testemunha por si arrolada, I... .

 

Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, reiterando a posição jurídica assumida.

Por despacho de 2 de novembro de 2020 foi prorrogado o prazo da arbitragem por mais dois meses, nos termos do n.º 2 do art. 21.º do RJAT, e indicou-se como data limite previsível para ser proferida a decisão, o dia 7 de Dezembro de 2020. 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A.           A Requerente foi notificada das seguintes demostrações de liquidação de IVA e respetivos acertos de contas relativo a diversos períodos do exercício de 2012, no valor global de 19.392,35 €:

N.º da liquidação             Data da liquidação          N.º do documento          N.º da compensação      Data da compensação

2018 ....               2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018...                 

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

2018 ... 2018-09-14          2018 ...               

                               2018 ... 2018 ... 2018-09-18

 

B.            A liquidação decorre do procedimento inspetivo levado a cabo pela Equipa … da Divisão II do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2017... e que incidiu no exercício de 2012.

C.            A Requerente em 25/02/2019, apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional, à qual foi atribuído o número ...2019... .

D.           Pelo ofício n.º 2019..., a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa.

E.            A Requerente procedeu ao pagamento da dívida nas seguintes datas:

 

Data de pagamento       Montante

24/10/2018         395,21 €

24/10/2018         100,74 €

25/10/2018         11 993,81 €

24/10/2018         3 017,59 €

25/10/2018         646,01 €

24/10/2018         158,22 €

25/10/2018         383,43 €

24/10/2018         92,61 €

25/10/2018         392,40 €

24/10/2018         93,44 €

25/10/2018         576,12 €

24/10/2018         133,21 €

25/10/2018         602,64 €

24/10/2018         135,45 €

25/10/2018         549,82 €

24/10/2018         121,65 €

Total      19 392,35 €

 

F.            A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral a 9 de outubro de 2019.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e PA juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece o seguinte:

 

Artigo 124.º

 

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

 

                1 – Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

                2 – Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

 

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

 

                Este artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Sendo a matéria de facto relativa ao invocado vício de caducidade do direito de liquidação completamente autónoma em relação à respeitante aos restantes vícios e podendo a procedência daquele vício implicar a inutilidade de conhecimento dos restantes, justifica-se que se comece por apreciar aquele vício [cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil (CPC)].

 

3.1. Da caducidade do direito de liquidação

 

Resulta do art. 45.º da LGT que,

 

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

[...]

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

O prazo geral de exercício do direito de liquidação de IVA é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário, de acordo com o disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.

Não obstante, no caso em apreço, os factos tributários ocorreram 2012, e as liquidações impugnadas foram emitidas em 2018, todas elas depois do decurso do respetivo prazo geral referido.

No entanto, artigo 45.º, n.º 5, da LGT, reintroduzido pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece-se que:

5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

 

Alega a AT que em 15-12-2016 foi instaurado processo de inquérito englobando a B... e outros sujeito passivos e a ação inspetiva teve início em 03-04-2017, tendo o sujeito passivo sido notificado da abertura do processo de inquérito. Os atos de inspeção foram concluídos em 23-08-2018, com o envio da nota de diligência por correio registado e procedimento inspetivo terminado com o envio do relatório da inspeção tributária por correio registado. Concluindo a Requerida que estamos em presença de factos relacionados com o objeto da ação inspetiva e por estar em causa faturação cruzada, nos recebimentos e pagamentos, foi a mesma suspensa, conforme notificação efetuada ao sujeito passivo, concluindo que inexiste qualquer caducidade da liquidação ora efetuada atendendo ao artigo 45.º. n.º 5, da LGT.

Cumpre apreciar,

É posição do Supremo Tribunal Administrativo – proferida no âmbito do proc. n.º 01477/13 proferida a 21/10/2015 que:

“I - O n.º 5 do art. 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), veio estabelecer que, quando o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 daquele artigo é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

II - Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005 (que consagra solução que resultaria já do art. 12.º do CC e 12.º da LGT), essa extensão do prazo é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor daquela lei, ou seja, em 1 de Janeiro de 2006.

III - A aplicação imediata do n.º 5 do art. 45.º do LGT, determinada pelo n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005, não consubstancia uma aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova; só assim não seria caso determinasse a aplicação da nova regra os prazos já findos.

IV - A data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração”.

                As causas de suspensão e interrupção do prazo de caducidade têm presente interesses de ordem pública em contraponto com as garantias de que as situações jurídicas – decorrido determinado período de tempo – se tornem certas e intocáveis. Neste balanço impõe-se o preenchimento escrupuloso dos requisitos previstos na lei para aqueles efeitos.

No n.º 5 do art. 45.º da LGT, o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação só é de admitir se houver coincidência entre os factos objeto da investigação em processo de inquérito e os que constituem fundamento para as liquidações.

Conforme resulta do ac. do STA de 01 de outubro de 2014 – Proc. 0178/14, “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos, nos termos do art. 45.º, n.º 5 da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”, acrescentando que nem sequer é possível apreciar tal questão caso “não se encontrarem fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvos da investigação criminal”.

É necessário, assim, que haja uma relação entre a possibilidade de exercício do direito de liquidação e a pendência do processo de inquérito, de forma a poder afirmar-se que o direito de liquidação não podia ser exercido nos termos corretos sem conhecimento de factos apurados no inquérito.

Daí decorre que é sempre necessário que haja uma relação entre a possibilidade de exercício do direito de liquidação e a pendência do processo de inquérito, de forma a poder afirmar-se que o direito de liquidação não poderia ter sido exercido nos termos corretos sem conhecimento dos factos apurados no inquérito.

Do mesmo modo decidiu o TCA-Norte a 18 de janeiro de 2012 – no âmbito do Proc. 00670/08.1BEBRG quando conclui que tal se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afetar o exercício do direito de liquidação dos tributos.

A ratio legis do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação é, como se pode concluir da decisão proferida no âmbito do processo n.º 199/2015-T:

“[S]ó operará a extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, a que se refere o artigo 45.º/5 da LGT, caso se demonstre que aquele direito estava – efectivamente e em concreto – condicionado pelo resultado da investigação criminal, indo assim ao encontro dos trabalhos preparatórios, pertinentemente recordados pela Requerente, e onde se pode ler que a “alteração do regime da caducidade do direito à liquidação dos tributos [foi] no sentido de se prever que, estando o correcto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal, aquele prazo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da respectiva sentença, acrescido de um ano”.

            Aqui chegados, cumpre notar que sendo a AT quem se pretende prevalecer da norma em causa (da previsão do n.º 5 do artigo 45.º da LGT), seria ela quem, nos termos do artigo 74.º/1 da LGT, estava onerada com a demonstração de que, efetivamente e em concreto, “o correto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal”, demonstração essa que não foi feita.

            “Deste modo, não estando demonstrados os pressupostos da referida norma do artigo 45.º/5 da LGT, não poderá operar o alargamento do prazo de caducidade ali consagrado”.

Posição que seguimos e que resulta ainda, nomeadamente, da sentença proferida no âmbito do processo n.º 633/2017-T, bem como da decisão 644/2018-T do CAAD (in www.caad.org.pt).

De facto, a Requerida sustenta que em 15-12-2016 foi instaurado processo de inquérito englobando a B... e outros sujeito passivos relacionados entre si, acrescentando que engloba os factos descritos, i.e., “Conforme exposto no RIT e que damos por integralmente reproduzido, a ordem de serviço nº OI2017... ao Sujeito Passivo B..., Lda (doravante B...) NIPC: ... foi emitida pelo facto de no decurso do procedimento inspetivo a esta empresa (iniciado em 30-11-2016 e terminado 22-12-2016), credenciada pelo despacho externo nº DI2016..., ao ano de 2012 se ter verificado que emitiu uma fatura no montante de 64.800,00€ para a "J..., Ltd", empresa sediada em Malta e contabilizado no mesmo período, e uma fatura emitida pela "B..., Lda", no montante de 62.992,00€. (iva incluído no valor de 11.592,00€).

Ambas as faturas têm data do mesmo mês, os pagamentos e recebimentos foram em datas aproximadas e todas estas empresas têm o mesmo sócio, K... .”

A Requerida, como transcrito, refere sumariamente que as faturas são a garantia da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT por se encontrar instaurado processo criminal mas, nada consta do processo qualquer outro elemento factual que permita concluir que as liquidações impugnadas respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal e que aquele constitui uma questão prejudicial, ou seja, que as liquidações estavam dependentes da investigação no processo-crime.

No caso em apreço, a AT refere a existência do processo-crime de facto – e que a Requerente não nega – mas, ainda que o alegue, a verdade é que não demonstra que os factos em apreço nos autos, e que resultam do relatório de inspeção constituem, por um lado objeto do processo-crime. E, por outro lado, não se vislumbra qualquer identificação e correspondência da identificação dos factos que determinaram a instauração do inquérito criminal e, em segundo lugar, a invocação – e comprovação que se lhe impunha – de que as liquidações em apreço nos presentes autos estavam dependentes da investigação no processo criminal fiscal, e de que o conhecimento dos factos determinantes da liquidação foi obtido a partir das investigações no âmbito do processo-crime.

A invocação da existência de processo de inquérito não é suficiente, nem o é o exercício, em abstrato, que os factos do relatório integrarão o âmbito de um processo-crime, para se socorrer o n.º 5 do art. 45.º da LGT.

Desta forma, era essencial, na esteira das decisões referidas, que a AT demonstrasse que as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral respeitam a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal – no aludido duplo ónus – nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT.

Pelo exposto é forçoso concluir que, não tendo sido feita a demonstração de que o apuramento da situação tributária estava dependente de factos apurados em inquérito criminal, não podem considerar-se verificados os pressupostos da aplicação do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT e, nessa esteira, não pode operar o alargamento do prazo geral caducidade.

Deste modo, e por todo o exposto, tendo as liquidações objeto do presente processo sido emitidas para lá do prazo de caducidade, serão as mesmas ilegais, por violação do artigo 45.º, n.º 1 da LGT.

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

                Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objeto do presente processo, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

                 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados aos atos impugnados, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

                Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

                Assim, julga este Tribunal Arbitral Singular procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente, anulando, em consequência, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações impugnadas.

 

                4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois a ilegalidade daqueles atos, consubstanciada no exercício intempestivo do direito de liquidação, é imputável à AT.

Está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Declarar a anulação do indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente declarar ilegais e anular as liquidações de IVA e respetivos acertos de contas relativas ao exercício de 2012;

C)           Condenar a AT a devolver à Requerente as quantias que pagou referentes às liquidações impugnadas acrescidas de juros indemnizatórios desde as datas em que ocorreram os pagamentos até integral liquidação.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 20.125,18.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20 de novembro de 2020

 

O Árbitro

(Marisa Almeida Araújo)