Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 68/2021-T
Data da decisão: 2021-11-08  IRC  
Valor do pedido: € 39.498,62
Tema: IRC — Agências de viagens - Valor tributável
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

I – RELATÓRIO

 

A.

1.            No dia 28 de janeiro de 2021, A..., S.A., com sede na Rua..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, titular do NIPC n.º..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (RJAT), pedindo a ilegalidade da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado e, em consequência, se determine o reembolso à Requerente do IRC pago em excesso e de juros vencidos, acrescido de juros indemnizatórios.

2.            No dia 28 de janeiro de 2021 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 03 de maio de 2021 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21 de maio de 2021.

6.            No dia 7 de julho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.

7.            No dia 19 de julho de 2021 foi a Requerente notificada para, querendo, se pronunciar sobre a matéria da exceção, o que fez a 8 de setembro de 2021.

8.            A 22 de outubro foi proferido despacho dispensando a realizada uma reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, tendo sido indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 15 de novembro de 2021.

9.            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º e 6.º, 1, do RJAT.

10.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

11.          O processo não enferma de nulidades.

12.          Iremos apreciar primeiramente a alegada exceção de incompetência material deste Tribunal e, depois, sendo oportuno, o mérito da causa.

 

B. Posição das partes

                Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que exerce a atividade de agência de viagens e turismo, nomeadamente, a organização de programas e viagens de turismo. Daí que se encontra sujeita ao regime das agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos, previsto no DL 221/85, de 3 de julho, conhecido como “Regime da Margem”.

                Ora, decorre da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, que as operações efetuadas por uma agência de viagens, nos termos acima referidos, para a realização de uma viagem, são consideradas como uma única prestação de serviços realizada ao cliente, sendo como tal tributada no Estado-Membro da sede da agência de viagens ou estabelecimento estável a partir do qual é prestado o serviço.

                Assim, o valor tributável da prestação de serviços corresponde à margem da agência de viagens, entendida como a diferença entre (i) o montante total, liquido de IVA, pago pelo cliente e o (ii) custo efetivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas de bens e às prestações de serviços efetuadas por outros sujeitos passivos em beneficio direto do cliente.

                No ano de 2004, a Requerente entregou atempadamente as declarações de IVA a que estava obrigada, tendo procedido ao pagamento do imposto apurado dentro do prazo legal.

                Da mesma forma, em 2005 a Requerente entregou a declaração de rendimentos – Modelo 22, e procedeu ao pagamento do valor apurado.

                Acontece que, em 2007, o SP verificou que o cálculo para apuramento do IVA era erradamente efetuado, tendo apresentado as correspondentes declarações de substituição, no valor de €122.385,41.

                Sendo o IVA devido de montante superior, a base de cálculo do IRC relativa ao exercício de 2004 fora superior à efetiva, porque a margem deveria reduzir-se no mesmo montante.

                Este cálculo não foi questionado, tendo a AT aceitado a substituição das declarações de IVA e o pagamento do imposto daí resultante.

                Ora, se o SP entregou IVA no valor de 122.385,11 euros resultante das declarações de IVA de substituição, esse valor teria de ser deduzido ao que considerara o seu ganho sujeito a IRC, porque de facto não se tratou de um ganho, isto porque, a um aumento do IVA liquidado, necessariamente correspondeu uma redução da margem e, nesse sentido, do IRC apurado, porquanto o ganho da Requerente foi reduzido na mesma proporção.

                Assim, se a matéria coletável da Requerente, em 2004, fora de €274.650,73 e a coleta de €68.662,68, depois de deduzidos os €122.385,11, a matéria coletável passou a €152.265,32, e a coleta a €38.066,33.  Daí que a Requerente pagou IRC em excesso, no montante de €30.596,35, correspondente à diferença positiva entre os €68.662,68 e os €38.066,33.

                Consequentemente, pede que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado e, em consequência, se determine o reembolso à Requerente do IRC pago em excesso e de juros vencidos, acrescido de juros indemnizatórios.

                Por sua vez, a AT veio defender-se por exceção e por impugnação.

                Por exceção, alegando incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Para a AT, o ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pedido que foi expressamente indeferido com fundamento na falta de apresentação de quaisquer comprovativos dos lapsos cometidos no apuramento do IVA e eventuais consequências a nível de IRC. Assim sendo, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação, porquanto o SP não disponibilizou elementos necessários à efetiva apreciação do seu pedido, o que equivale a dizer que a AT não se pronunciou sobre o mérito da questão.

                Na perspetiva da AT, a Requerente absteve-se de identificar o ato de autoliquidação, de invocar em concreto as causas da sua ilegalidade, bem como de pedir a respetiva declaração de ilegalidade e anulação. Daí que pugna por afirmar que a presente ação tem apenas como objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, não tendo como objeto mediato qualquer ato de liquidação.

                Por impugnação, alega a AT que as correções efetuadas ao nível do IVA apurado nos últimos quatro trimestres do ano de 2004 poderão não implicar necessariamente uma diminuição dos proveitos declarados nesse exercício, para efeitos de IRC; importava analisar os documentos contabilísticos que suportassem essa diminuição. No entanto, eles não foram apresentados pela SP, como lhe competia, pois sobre ele recai o ónus da prova.

                Sustenta ainda a AT que o SP não identificou minimamente onde se verifica a violação do princípio da capacidade contributiva, do princípio da proporcionalidade (ou princípio da proibição do excesso) do princípio da legalidade e do princípio da justiça, bem como discorda da interpretação que é dada ao princípio da tributação das empresas com base no lucro real.

                Posto isto, também pugna pela ausência de fundamentação do pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, já que o presente pedido está destinado, na sua opinião,  a ser indeferido, o que sustenta, a final.

                Conclui pedindo que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

                Em resposta, veio a Requerente rebater a alegada exceção, mantendo a posição que inicialmente tinha defendido.

 

II. DECISÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A.           A Requerente é uma agência de viagens e turismo que tem como atividade a organização de programas e viagens de turismo.

B.            No exercício da sua atividade, a Requerente trabalha com diversos tipos de dossier ou programa: i) Dossiers comunitários (sujeitos a IVA); ii) Dossiers não comunitários (isentos de IVA); iii) Dossiers mistos (que apenas são sujeitos a IVA na proporção do tempo referente à componente comunitária).

C.            No ano de 2004 a Requerente entregou atempadamente as correspondentes declarações de IVA, tendo procedido ao pagamento do imposto apurado dentro do prazo legal.

D.           Em 2005 a Requerente entregou a declaração de rendimentos – Modelo 22, do exercício de 2004, o que originou a liquidação n.º ..., de 11.07.2005, tendo procedido ao pagamento do valor apurado.

E.            Em 2007 a Requerente concluiu que apurou incorretamente o IVA referente ao ano de 2004 considerando o regime especial da margem, nos termos do DL 221/85, de 3 de março, a que se encontra sujeita.

F.            Verificou que o IVA deveria ser calculado independentemente do 'dossiê' de cada circuito turístico se encontrar ou não encerrado, isto é, independentemente de se encontrarem ou não apurados todos os custos.

G.           Para efeitos do IRC, o rendimento tributável correspondia ao somatório do ganho apurado em cada circuito turístico, deduzidas as despesas gerais (a margem).

H.           O SP entregou novas declarações periódicas — Modelo C — de substituição, do IVA referente a 2004, conforme o seguinte mapa, do qual resultou um aumento do IVA liquidado a favor do Estado no montante de 122.385,41 €:

 

I.             A AT aceitou a substituição das declarações de IVA e o pagamento do imposto daí resultante.

J.             A matéria coletável do SP, em 2004, foi de 274.650,73 € e a coleta de 68.662,68 €.

K.            Considerando a liquidação adicional de IVA, de 122.385,41 euros, e deduzindo-se este valor à matéria coletável, esta passa para 152.265,32 € e a coleta para 38.066,33 €.

L.            A Requerente pagou IRC em excesso, no montante de 30.596,35 €, correspondente à diferença positiva entre os 68.662,68 € e os 38.066,33 €.

M.          O SP apresentou em 27 de dezembro de 2007, junto da AT, um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC, do exercício de 2004.

N.           A Diretora de Serviço da Divisão de Administração II, da DSIRPC, decidiu a 23 de janeiro de 2009 pelo indeferimento do pedido formulado, conforme fundamentação a fls. do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente porquanto "o indeferimento do presente processo deve-se à intempestividade do pedido de revisão e ao facto de o mesmo não reunir as condições impostas e com os limites temporais referidos no art, 78.º da LGT para a revisão oficiosa da matéria coletável (...)".

O.           O SP apresentou recurso hierárquico da referida decisão.

P.            Por despacho de 10 de agosto de 2009, o Subdiretor-Geral proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado — cf. fls. do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Q.           Foi interposta junto do TAF do Porto ação administrativa especial impugnando a decisão da AT, a que foi atribuído o n.º .../09...BEPRT

R.            Por sentença transitada em julgado resulta:

 

                S. A referida sentença conclui:

 

                T. Em cumprimento da sentença citada, veio a AT, a 20 de maio de 2020, apresentar projeto de decisão, do qual consta o seguinte segmento:

 

(...)

 

                U. O SP exerceu o direito de audição prévia, datado de 29 de junho de 2020, concluindo:

 

                V. A AT pronunciou-se a 3 de setembro de 2020 sobre a argumentação apresentada pelo            SP, referindo, entre outros pontos:

 

(...)

 

(...)

 

                W.  Notificado para exercer de novo o direito de audição prévia, o SP nada disse.

X.            Por despacho da Chefe de Divisão por subdelegação de competências, da DSIRPC, datado de 23 de outubro de 2020, manteve-se o projeto de decisão, que se converteu em definitivo, de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

                Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

                Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e), RJAT).

                Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

                Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                De acordo com o disposto no art. 608.º, 1, CPC, aplicável por força do disposto no art. 29.º, RJAT, “a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais

que possam determinar a absolvição da instância (...)", devendo o juiz “resolver todas as  questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (...)”.

                Vejamos então.

 

                B.1. Da exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa

                A infração das regras de competência em razão da matéria determina a

incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

                A procedência da exceção suscitada, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões em conflito. Daí que importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se esta abrange, ou não, os atos praticados pela AT e se a AT, neste caso, está vinculada à jurisdição deste Tribunal.

                Para a AT, o ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por sua vez assente na falta de apresentação por parte do SP de quaisquer comprovativos dos lapsos cometidos no apuramento do IVA e eventuais consequências a nível de IRC. Deste modo, para a AT, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação, o que equivale a dizer que a AT não se pronunciou sobre o mérito da questão.

                Além disso, alega a AT que o SP absteve-se de identificar o ato de autoliquidação, de invocar em concreto as causas da sua ilegalidade, bem como de pedir a respetiva declaração de ilegalidade e anulação. Daí que pugna por afirmar que a presente ação tem apenas como objeto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa, não tendo como objeto mediato qualquer ato de liquidação.

                 Depois de notificado para se pronunciar, veio o SP alegar que o CAAD é materialmente competente para apreciar também decisões de indeferimento por parte da AT de pedidos de revisão oficiosa, citando doutrina e jurisprudência que sustenta esta posição.

                Estamos perante uma questão que, na verdade, exige a apreciação do problema dos atos de primeiro grau e graus subsequentes e da limitação da competência do CAAD em relação a atos de segundo grau que comportem a apreciação da legalidade de atos primários.

                O âmbito da jurisdição arbitral é delimitado pelo disposto no art. 2.º, RJAT, que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de competência material.

               

                Determina o citado preceito que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

                Sobre este tema já se pronunciaram inúmeros acórdãos do CAAD. É jurisprudência e doutrina dominantes que apenas nos casos em que o ato de segundo ou terceiro grau apreciou apenas e somente uma questão prévia cuja solução obstou à apreciação da legalidade do ato

primário – como, por exemplo, intempestividade, ilegitimidade ou incompetência – é que estariam fora do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais a apreciação de pedidos

de revisão oficiosa — cf., por todos, Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 111, ss.

                Dito de outra maneira, caso a AT haja recusado a apreciação do pedido de revisão oficiosa com fundamento em qualquer questão prévia que obste ao conhecimento da legalidade do ato tributário de primeiro grau, verifica-se uma situação em que tal ato teria de ser impugnado por via da ação administrativa e, consequentemente, caberia fora da esfera de competência do tribunal arbitral.

                No caso concreto temos uma decisão judicial transitada em julgado que, expressamente, interpela a AT para apreciar o mérito da questão que é o cerne do pedido de revisão oficiosa.

                Na sequência dessa decisão, a AT veio notificar o SP do projeto de decisão, do qual resulta:

 

                Nas peças subsequentes, a AT sempre alegou a ausência de prova que recaía sobre o SP como fundamento para indeferir o pedido apresentado.

                Acontece que, no entanto, o mérito da questão in casu consiste em saber se, por o SP se encontrar abrangido pelo regime especial da margem, previsto no DL 221/85, de 03.07, face aos elementos que resultam dos autos, uma alteração ao cálculo da margem implica ou não uma redução imediata dos proveitos e, consequentemente, uma alteração da matéria coletável do SP.

                Para aferir dessa prova e da sua necessidade, a AT não deixou de apreciar a questão da legalidade do ato de autoliquidação do IRC 2004, nomeadamente, quando considerou o regime especial da margem, previsto no DL 221/85, de 03.07, e quando menciona que uma alteração ao cálculo da margem não implica uma redução imediata do valor do serviço prestado. Isto porque, a AT deixa trespassar que, não fora uma alegada omissão de uma putativa prova para demonstrar a que se deve a correção da margem que serviu de base tributável em sede de IVA e qual o impacto dessa correção no apuramento dos resultados do exercício de 2004, nomeadamente, na sua redução (portanto, sendo a prova positiva), que seria dada razão ao SP.

                Dito de outra forma; se a apreciação pela AT se tivesse circunscrito a alguma questão prévia, como por exemplo, intempestividade, ilegitimidade, incompetência ou não verificação de pressupostos para uso do meio processual em causa, não teríamos dúvidas em declarar o presente Tribunal como materialmente incompetente. Mas a AT foi mais longe na sua decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, tanto no início como nas decisões subsequentes. Ao fazê-lo, embora reduzindo a questão à prova que alegadamente não foi feita (e mal, na nossa opinião) apreciou a legalidade do ato em causa, porque a decisão da ausência de prova comporta essa mesma análise.

                Aliás, neste sentido, cf. Jorge Lopes de Sousa, idem, p. 114: "À face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da ação administrativa delineada pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um ato de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, bastando que esse ato a comporte, o que, neste contexto, significa que no ato impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um ato de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão.".

                Veja-se também o Ac. CAAD, Processo n.º 630/2014-T, que se confrontou com tema de semelhante natureza: "Ora, no caso em apreço, para além de a indicação do regime de reavaliação do activo imobilizado que se expõe na Informação consubstanciar uma definição de qual é a «legalidade» aplicável, há na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa um juízo expresso sobre a legalidade da autoliquidação de IRC de 2010, entendendo-se que nela «não foi cometido qualquer erro que justifique a sua revisão, e, muito menos, um erro imputável aos serviços».

                Por isso, não exigindo a expressão «comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação», utilizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, que tal apreciação seja fundamento da decisão, deverá entender-se que se está perante um acto enquadrável naquela norma para cuja impugnação nos tribunais tributários seria adequado o processo de impugnação judicial."

                Nos presentes autos, o juízo sobre a legalidade do ato de liquidação não deixou de ser efetuado pela AT.

                Quanto ao outro ponto, alega a AT que o SP se absteve de identificar o ato de autoliquidação, de invocar em concreto as causas da sua ilegalidade, bem como de pedir a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.

                O SP, no PPA, veio identificar o ato de autoliquidação — a autoliquidação do IRC do período do exercício de 2004 ¬— invocou as causas da sua ilegalidade (cf. o PPA) e pediu a declaração da sua ilegalidade indiretamente, por via do pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, como consequente reembolso do IRC pago em excesso.

                Com efeito, e citando de novo Jorge Lopes de Sousa, ibidem, p. 112, "nos casos em que o ato de segundo grau ou de terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que a apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação".

                No mesmo sentido, cf. o já citado Ac. CAAD, Processo n.º 630/2014-T: "Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do  RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa".

                Também aqui, a decisão a pronunciar comporta, porque pedido pelo SP, a apreciação do ato de autoliquidação do IRC do período do exercício de 2004.

                Soçobra portanto razão à AT, sendo este Tribunal materialmente competente para apreciar a questão sub iudice, por força do disposto na alínea a) e d) do n.º 1 do art. 97.º, CPPT, e do art. 2.º, RJAT.

 

B.2. Do mérito

 

Vejamos agora a questão de fundo.

Resumidamente, o SP sustenta que aplicando-se o regime da margem, um aumento do IVA a entregar ao Estado reflete-se diretamente no valor dos proveitos do SP e, consequentemente, do valor a pagar em sede de IRC. Isto é, um aumento do IVA origina necessariamente uma diminuição do valor tributável para efeitos de IRC, porque o apuramento é feito por pacotes ou 'dossiês' turísticos e os proveitos serem estabelecidos como saldo final depois de subtraído, entre outras custos, o IVA correspondente.

                Por sua vez, entende a AT que concorrem para o apuramento do rendimento diversas componentes "como o serviço prestado ao cliente, cujo valor não se poderá alterar (consequentemente o proveito em sede de IRC) e os diversos custos ocorridos para a prestação do serviço, como tal, não se mostra evidente que uma alteração ao cálculo da margem implique necessariamente uma redução imediata do valor do serviço prestado."

Além disso, esgrima que "não obstante se tratar de prestações de serviços e correções ao nível do IVA que foram aceites pela AT, impõe-se, em sede de IRC e tendo em conta que foi a Requerente que apurou a sua matéria Tributável e autoliquidou o imposto, proceder a análise dos documentos contabilísticos, que não foram apresentados pela Requerente."

Basicamente, confrontamo-nos com dois topoi para ponderar: i) se, em abstrato, para as entidades que estão sujeitas ao regime da margem, um aumento do IVA impacta, na mesma medida, e inversamente, no valor dos seus proveitos; e ii) se a não junção dos documentos contabilísticos por parte do SP e o art. 74.º, 2, LGT, fundamentam a posição da AT nos autos. 

Quanto ao primeiro ponto.

O DL 221/85, de 3 de julho, alterado pelos DL 206/96, de 26 de outubro, Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, DL 206/2006, de 26 de outubro, e pelo DL 197/2012, de 24 de agosto, entre outros, veio estabelecer as normas de determinação do IVA por que se regem as agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos relativamente às operações em que atuem em nome próprio perante o cliente e façam recurso, para a realização dessas mesmas operações, a transmissões de bens ou a prestações de serviços efetuadas por terceiros.

Conforme resulta do Ac. TCAS, proc. 709/03.7BTLRS, de 25-02-2021, "o Regime da Margem foi criado atendendo à natureza específica do sector das agências de viagens e à complexidade e à localização dos serviços.

Efetivamente, o Regime da Margem foi estabelecido com vista a assegurar que as receitas de IVA são atribuídas ao Estado-Membro do consumo final de cada serviço, sendo, neste sentido, o IVA sobre a margem de lucro das agências de viagens atribuído ao Estado-Membro do respetivo estabelecimento.

Em termos técnicos, o Regime da Margem traduz-se na substituição do método do “crédito de imposto” — assumido como o método geral do IVA — pelo denominado método da “base de base” no cálculo do imposto, incidindo, assim, apenas sobre a margem bruta da agência de viagens na venda de pacotes turísticos." (o negrito é nosso).

Portanto, de acordo com o citado diploma, o apuramento do IVA é efetuado da seguinte forma: 1) total das contraprestações, IVA incluído, devidas pelos clientes, deduzido do custo suportado nas transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas por terceiros para benefício direto do cliente, com inclusão do IVA; 2) o valor assim obtido será dividido por 1,23 — este montante corresponderá à base tributável das operações abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 221/85; 3) aplicando a taxa de imposto, atualmente em vigor (23%), ao valor da base tributável obtemos o imposto do período apurado.

                Ou seja, considerando um valor de 100 obtido na contraprestação do cliente e um custo de 85 (IVA incluído), o valor da margem com IVA corresponderia a 15. Destes 15, 12 serão a base tributável e 3 o imposto liquidado.

                Depois, deverá ter-se em conta o art. 1.º, 3 e 4, do regime especial: i) se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a terceiros forem efetuadas por estes fora da UE, a prestação de serviços da agência é assimilada a uma atividade de intermediário, isenta por força da alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA; ii) e as operações forem efetuadas na UE e fora dela, só é considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens referente às operações realizadas fora da UE.

                Este regime da margem foi criado, entre outras razões, para  distribuir adequadamente as receitas de IVA entre os Estados-Membros, considerando que é um imposto sobre o consumo, isto é, assegurar que as receitas de IVA são atribuídas ao Estado-Membro do consumo final de cada serviço, sendo, neste sentido, o IVA sobre a margem de lucro das agências de viagens atribuído ao Estado-Membro do respetivo estabelecimento.

                Portanto, a matéria coletável para efeitos de IVA corresponde à margem de lucro realizada pela agência de viagens na venda dos referidos pacotes turísticos, não podendo, assim, deduzir o IVA pago a montante sobre as operações que lhe são imputadas e das quais o cliente é o beneficiário direto.

O SP, de acordo com a atividade exercida, apura o IVA pelo regime especial da margem, previsto no DL 221/85, de 3 de julho.

Como vimos, o IVA não é apurado tendo por base a totalidade dos valores faturados ao cliente mas sim o proveito (a margem) de cada operação.

O rendimento coletável para efeitos de liquidação do IRC resulta, consequentemente, dos saldos destas operações turísticas deduzidas depois das despesas gerais do SP indispensáveis à prestação desses seus serviços.

In casu, concorrem para o apuramento do IVA diversas componentes.

Ora, a própria AT admite a aplicação do DL 221/85, de 3 de julho, e o cálculo que o diploma origina para determinar a base tributável de IVA. Daí que como o valor do serviço cobrado ao cliente é inalterável e os custos de 2004 do SP não foram colocados em causa pela AT (admitiu-os como bons, aceitando a autoliquidação do IRC pelo SP), obviamente que se da margem se retirar IVA que não foi liquidado inicialmente, tem de originar necessariamente uma redução da matéria coletável para efeitos de IRC e na proporção daquela alteração.

Considerando o alegado, a resposta da AT e o regime a aplicar, verifica-se que não ocorreu qualquer alteração das componentes que são consideradas para apuramento dos proveitos do SP, com exceção, do lado dos custos, do erro em que este ocorreu e que corrigiu com a apresentação das declarações de substituição do IVA 2004, e que originaram uma liquidação adicional de 122.385,41 €.

Portanto, parece-nos óbvio que se os proveitos se mantém estáveis e se o valor do IVA a liquidar aumenta, como este IVA considera a margem obtida pelo SP os ganhos (a margem) necessariamente diminui. Se diminui a margem diminui a matéria coletável para efeitos de IRC na exata proporção, quando não resulta dos autos qualquer outra alteração quanto ao trinómio receitas - custos - iva, com exceção do item mencionado.

Além do mais importa considerar que este raciocínio foi aceite pela AT quando o SP apresentou as mencionadas declarações de substituição do IVA referente a 2004. Nessa altura deveria ter sido o SP o primeiro a referir também uma alteração ao nível dos custos, se eles tivessem ocorrido, com o objetivo de diminuir o IVA a liquidar. Mas não foi o caso. Portanto, é razoável concluir que não ocorreu qualquer alteração dos componentes que permitem a liquidação do IVA e do IRC além daquele que serviu à AT para recolher mais receita de IVA.

É manifesto que a AT não pode dar como provado determinados pressupostos, admitindo isso de barato, para efeitos de aumento da receita do IVA e, depois, alegar que a prova não foi produzida quando ela sustenta a devolução de IRC pago a mais pelo contribuinte.

Quanto ao segundo ponto.

Antes de mais, a LGT determina no seu art. 58.º que recai sobre a AT o dever de, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. A falta de realização pela AT de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento constitui, inclusive, vício do procedimento.

Por sua vez, determina o art. 74.º, LGT que 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributaria, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária.

Ainda, prescreve o art. 75.º, 1, LGT, que "Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.".

É doutrina consistente quando se conclui que "se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações (as apresentadas pelo contribuinte), contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro.

Este ónus da prova da Administração Tributária persiste no caso de o contribuinte ter apresentado declaração de substituição e, depois, ter impugnado judicialmente, com fundamento em não corresponder à realidade o afirmado nesta declaração." — cf. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012.

Conforme Ac. TCAS, de 16.01.2007, recurso 1389/06, "Quer a declaração inicial de rendimentos quer a declaração de substituição oportunamente apresentada pelo contribuinte são de presumir como verdadeiras e de boa fé, as declarações e apuramentos delas constantes".

Daqui resulta que, se a AT admitiu como boas as declarações de substituição para efeitos de liquidação do IVA 2004 e se, como vimos, essas alterações impactaram diretamente no rendimento para efeitos de apuramento da matéria coletável em sede de IRC, não vemos como agora a AT possa vir dizer que carecia o SP de demonstrar os factos que permitissem provar a sua pretensão.

Além disso, os factos que sustentam a diminuição dos proveitos do SP resultam diretamente, como já vimos, atento ao particular regime da margem, das correções efetuadas em sede de liquidação do IVA de 2004.

A concluir, importa também mencionar que a AT não teve qualquer prejuízo com o comportamento do contribuinte; antes pelo contrário. A AT arrecadou 122.385,41 €, resultante das declarações de substituição do IVA, voluntariamente apresentadas pelo SP, e vê reduzido a sua receita em sede de IRC em 30.596,35 €. 

Portanto, quanto ao mérito da questão, tendo em consideração o disposto nos arts. 1.º, 3.º e 17.º, ambos do CIRC, assim como os princípios da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da justiça, assiste razão à Requerente, decidindo-se pela anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com as devidas consequências.

 

B.3. O pedido de reembolso de quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios

                A Requerente formula um pedido de reembolso do montante de 30.596,35 €, que resulta da diferença positiva entre os 68.662,68 € (a coleta, considerando uma matéria coletável de 274.650,73 €) e os 38.066,33 € (a coleta, considerando uma matéria coletável de 152.265,32 €).

                É jurisprudência uniforme — maxime, cf. Ac. 630/2014-T, CAAD — que de acordo com disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT "a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

                E continua o citado Ac.: "Com efeito, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

                Sendo processualmente viável apreciar o pedido de juros indemnizatórios será necessariamente também possível apreciar o pedido de reembolso da quantia indevidamente paga, cujo montante é factor de determinação do montante dos juros indemnizatórios.

                Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

                Ficou dado como provado (art. 110.º, 7, CPPT, ex vi, art. 29.º, RJAT, e art 16.º, e), RJAT) que a matéria coletável do SP, em 2004, foi de 274.650,73 € e a coleta de 68.662,68 €. Considerando a liquidação adicional de IVA, de 122.385,41 euros, e deduzindo-se este valor à matéria coletável, esta passa para 152.265,32 € e a coleta para 38.066,33 €. A Requerente pagou IRC em excesso, no montante de 30.596,35 €, correspondente à diferença positiva entre os 68.662,68 € e os 38.066,33 €.

                Consequentemente, determino que a AT reembolse a Requerente do IRC — 2004, pago em excesso, conforme fundamentação já expedida supra, no valor de 30.596,35 €.

Quanto aos juros indemnizatórios.

A Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor de 30.596,35 €.

Determina o art. 24.º, 5, RJAT, que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere o art. 78.º, 1, LGT — cf. Ac. STA, de 12-7-2006, processo n.º 402/06.

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no art. 131.º, 1, CPPT.

Nestes casos, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do ato tributário — cf. art. 43.º, 3, c), LGT.

Quanto aos juros de mora, só serão devidos se for excedido o prazo de execução espontânea que recai sobre a AT ¬— cf. art. 175.º, 1, 3, CPTA —, sem prejuízo do disposto no art. 100.º, LGT, e 61, 5, CPPT, no sentido que não se admite a cumulação de juros relativamente ao mesmo período (cf. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 235).

 

* * *

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, determino a anulação parcial da nota de liquidação de IRC relativa ao período de 2004, n.º..., de 11.07.2005;

b)           Julgar procedente o pedido de reembolso quanto ao valor de 30.596,35 €, relativamente ao IRC indevidamente liquidado bem como os respetivos juros indemnizatórios, calculados nos termos do art. 43.º, 3, c), LGT, condenado a Autoridade Tributária a efetuar o respetivo pagamento à Requerente;

c)            Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

                Fixa-se o valor do processo em 39.498,62 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

                Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de novembro de 2021

 

O Árbitro Singular

(Ricardo Marques Candeias)