Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 68/2019-T
Data da decisão: 2019-07-02  IRS  
Valor do pedido: € 7.271,44
Tema: IRS - Pagamento de juros; Mais – Valias.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para integrar o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

1             RELATÓRIO

1. A..., contribuinte n.° ... (doravante “Requerente”), com domicílio fiscal na Rua ... n.º..., ..., ...-... LISBOA, veio pedir a constituição de tribunal arbitral tendo em vista a pronúncia de decisão arbitral sobre a liquidação adicional de IRS n.º 2017..., de 2017-04-18, relativa ao ano fiscal de 2013, com o valor a pagar, após compensação, de € 7.271,44, que inclui € 752,31 de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 19.06.2017.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 05.02.2019.

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 27.03.2019.

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 16.04.2019.

6. Pretende o Requerente obter pronúncia arbitral sobre a legalidade da liquidação adicional de IRS efetuada com referência do ano fiscal de 2013, por alegada errónea quantificação e qualificação da matéria coletável ou, subsidiariamente, por vício de forma, por falta de fundamentação e violação do princípio da capacidade contributiva, em qualquer caso com as devidas consequências legais, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até à data em que vier a ser processado o respetivo reembolso.

7. A AT (ou “Requerida”), tendo sido notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, para apresentar a sua resposta, veio sustentar, em contestação de 16.05.2019, a improcedência do presente pedido de pronuncia arbitral, a manutenção na ordem jurídica do ato tributário de liquidação impugnado e a sua absolvição do pedido.   

8. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, através de despacho proferido em 17.05.2019.

 

1.1          Descrição dos factos

9. O Requerente, residente em território português e aqui sujeito a IRS pela universalidade dos seus rendimentos, apresentou, oportunamente, a sua declaração anual de IRS modelo 3, relativa ao ano fiscal de 2013, a qual integrava o Anexo J, relativo aos rendimentos obtidos fora do território português, tendo apenas declarado, no referido anexo I, operações de compra e venda de valores mobiliários, geradoras de mais valias ou de menos-valias.

10. O Requerente foi notificado, através do ofício n.º..., de 05.04.2017, pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, de um projeto de correção da sua declaração, no montante de € 24.984,52, por rendimentos obtidos fora do território português e transmitidos às autoridades fiscais portugueses pelas autoridades fiscais da Suíça ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva 2003/48/CE).

 

 

 

11. Em concreto, tais rendimentos seriam assim discriminados:

País        Entidade pagadora          Número de conta            Montante

Suíça     B..., SA  ...            € 24 984,52

 

12. Em 07.04.2017, apresentou a declaração de substituição declarando no anexo J, no quadro e campos que lhe foram indicados, aquela importância de € 24.984,52, autoqualificada como "Rendimentos derivados da Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE - Restantes rendimentos não abrangidos pelo período de transição" (designação constante do mencionado campo).

13. Em 18.04.2017 a AT efetuou a liquidação de IRS com o n.º 2017..., da qual, após feita a compensação com o resultado da liquidação anterior, resultou, já com o valor de € 752, 31 de juros compensatórios, o montante a pagar de € 7.271,44, pago em 19.05.2017.

14. Em 24.05.2017, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra o mencionado ato de liquidação, anexando, entre outros, o "Statement of interest subjet to European Union savings tax, from 1 January 2013 to 31 December 2013", produzido pelo B..., conhecida pela sigla ESD;

15. Notificado pela AT do projeto da decisão de indeferimento, o Requerente juntou aos autos de reclamação graciosa, em 14.12.2017, requerimento contendo uma carta emitida pelo B... e uma declaração com a composição da carteira de títulos detida no mesmo Banco, reportada a 31.12.2013, da qual resulta demonstrada a titularidade pelo requerente dessa mesma carteira de títulos. Em 31.10.2018, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da sua reclamação graciosa.

16. À data dos factos, o Requerente tinha contratualizado com a C... (Suisse), uma sociedade de gestão financeira de direito suíço, a gestão da sua carteira de títulos, efetuando com o "gestor de conta" na C... (Suisse) todos os contactos e dele recebendo os dados relativos à gestão dos seus investimentos na carteira.

17. É da responsabilidade da C... (Suisse) a opção pelo B... para depositário da referida carteira, não tendo o Requerente com este quaisquer contatos, nem dele recebendo, diretamente, qualquer tipo de informação sobre os seus investimentos em títulos. 

 

1.2          Argumentos das partes

18. Os argumentos trazidos aos autos centram-se nas exigências sobre o conteúdo das informações transmitidas pelas autoridades fiscais suíças à AT para efeitos de qualificação jurídico-fiscal dos rendimentos efetivamente pagos ao Requerente.

19. O Requerente alega que o ato de liquidação em crise é ilegal com argumentos que a seguir se sintetizam:

a)            A Diretiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003, transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de março, visou assegurar a tributação efetiva dos "juros" no país da residência do seu titular, tendo estabelecido, em coexistência, o sistema da informação ao país da residência e o sistema da retenção por conta do imposto devido no país da residência;

b)           Os artigos 8.º e 9.º desta Diretiva sujeitam a informação a transmitir entre Estados-Membros ao princípio da fragmentação, por natureza da subcategoria de rendimentos e da operação que os gerava, sendo excecional a comunicação sintética, mas ainda aí tendo de segregar-se o montante total dos juros do montante total do produto da cessão, do resgate ou do reembolso, aplicando-se à comunicação da autoridade competente do Estado-Membro do agente pagador à autoridade competente do Estado-Membro da residência do beneficiário efetivo;

c)            No artigo 2.º do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, que prevê medidas equivalentes às previstas à Diretiva em causa , dispõe-se, quanto à comunicação sobre os juros (na aceção da Diretiva) pagos, que a Suíça deve estabelecer um procedimento que permita ao beneficiário efetivo evitar a retenção na fonte especificada, autorizando expressamente o seu agente pagador na Suíça a notificar a autoridade competente desse Estado dos pagamentos de juros, abrangendo essa autorização todos os pagamentos de juros efetuados ao beneficiário efetivo por esse agente pagador;

d)           O conteúdo mínimo das informações a comunicar pelo agente pagador ao Estado suíço, inclui, nos termos do artigo 2.º n.º 2 do Acordo, pelo menos, a identidade e residência do beneficiário efetivo, determinadas nos termos do artigo 5.º, o nome ou denominação e endereço do agente pagador, o número de conta do beneficiário efetivo ou, na sua falta, a identificação do crédito gerador do pagamento dos juros e o montante do juro pago calculado nos termos do artigo 3.º, devendo essas informações ser comunicadas à autoridade competente do Estado-Membro de residência do beneficiário efetivo de forma automática e pelo menos uma vez por ano, no prazo dos seis meses subsequentes ao final do exercício fiscal na Suíça, em relação a todos os pagamentos de juros realizados durante esse ano;

e)           Sempre que o beneficiário efetivo opte por este procedimento de divulgação voluntária da informação ou declare o rendimento a título de juros, obtido do agente pagador suíço, às autoridades fiscais do seu Estado-Membro da residência, o rendimento de juros em causa será sujeito a tributação nesse Estado-Membro às mesmas taxas que as aplicadas a rendimentos análogos gerados nesse Estado;

f)            Conjugando o disposto no artigo 2.º do Acordo com as normas do mesmo para que remete, conclui-se que a informação a transmitir às autoridades fiscais suíças obedece ao princípio da fragmentação, por natureza da subcategoria de rendimentos e da operação que os gerava e, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 9.º, o objeto imediato da comunicação da autoridade competente do Estado-Membro do agente pagador à autoridade competente do Estado-Membro da residência do beneficiário efetivo era constituído pelas "informações referidas no nº 2".

g)            A remissão feita no n.º 2 do artigo 2.º do Acordo, para o cálculo "nos termos do artigo 3.º", isto é, operação a operação suscetível de gerar juros abrangidos, e o simples facto de nela se não falar no "montante total do juro pago”, mas tão só no "Montante do juro pago”, parecem suficientes para interpretar a norma referida no sentido de impor uma comunicação desagregada dos pagamentos de juros e das operações suscetíveis de os gerarem e não uma comunicação de "valores acumulados" ou de "totais", o que as autoridades fiscais suíças não fizeram; 

h)           O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de março, que disciplinou a obrigação de comunicação dos rendimentos sujeitos ao regime da Diretiva Poupança, considerando a sua concretização no mod. 35 aprovado pela Portaria n.º 563-A/2005, de 28 de junho, adotou a posição maximalista prevista no n.º 2 do artigo 8.º daquela, e não a minimalista do seu último parágrafo, uma vez que das instruções de preenchimento decorre que os rendimentos devem ser comunicados aplicação a aplicação que os gerou, assim devendo ser transmitidos ao Estado da residência – exceto quando se utiliza o mod. 36, destinado a comunicar rendimentos que não são pagos a beneficiários efetivos (artigo 9.º do diploma):

i)             Concedendo as autoridades fiscais portuguesas, sempre que comuniquem à Confederação Suíça juros na aceção e nos termos da Diretiva da Poupança, informação desagregada e não por total, deveriam as autoridades fiscais suíças fazer o mesmo à luz da regra da reciprocidade;

j)             A liquidação impugnada padece da errónea quantificação e qualificação do montante dos "juros" acrescidos no campo 422 do quadro 4 da declaração de substituição por "indicação" da AT, violando a distribuição legal do ónus da prova do n.º 1 do artigo 74.º da LGT;

k)            Em todo o procedimento, a AT limitou-se a invocar uma comunicação recebida de um País estrangeiro, ao abrigo de um Acordo que a Comunidade Europeia, de que Portugal era parte integrante, com ele celebrou, mas que não cumpre os requisitos nele previstos; 

l)             O Parecer emitido pela Direção de Serviços das Relações Internacionais da AT anexo à fundamentação que suporta a decisão de indeferimento proferida na reclamação graciosa é um "parecer de parte", sendo tendencioso e revelando desconhecimento propositado da sucessão de factos que levaram ao preenchimento do anexo I na parte relativa aos “juros";

m)          O Requerente forneceu à AT, juntamente com a sua Declaração de IRS, a ESD, isto é, o documento designado por “A Statement of interest subject to European Union savings tax from 1 january 2013 to 31 december 2013” (Declaração de juros sujeitos à tributação sobre a poupança na União Europeia desde 1 de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2013), relativa à conta ..., emitido pelo B..., que confirmou o requerente como titular da conta;

n)           Da análise da ESD e em que se tenha em conta o princípio da prevalência da substância sobre a forma, decorre a suscetibilidade de qualificação distinta dos rendimentos para efeitos de tributação interna daquela que resulta da qualificação que eventualmente tenha de ser feita para efeitos do Acordo, porque se trata de realidades jurídicas distintas;

o)           Na EŞD estavam discriminadas 6 (seis) operações de recebimento de dividendos (Cash dividends), no total de € 1.839,24; 6 (seis) operações de recebimento de juros (Interest), no total de € 6.660,01 e 2 (duas) operações de resgate (Redemption), no total de € 16,357,52;

p)           A AT não fez qualquer tipo de análise sobre a ESD, apenas se tendo preocupado em saber se dizia respeito a uma conta do Requerente a quem censurou por não ter feito a "discriminação" como se, tendo-a feito, não viesse posteriormente a DF de Lisboa dizer que a declaração de substituição não estava bem preenchida porque "só" tinha declarado juros no montante de € 6.660,01 quando o que tinha a declarar como rendimento assim qualificado era € 24.858,07;

q)           A declaração "Income Report" (...), foi enviada para o Requerente preencher a declaração de IRS relativamente aos rendimentos da carteira de títulos de acordo com as normas de incidência nacionais e não com as da Diretiva da Poupança ou do Acordo celebrado pela UE com a Confederação Suíça, sendo que estas não modificaram, para efeitos de tributação interna, o conceito de "juros" do artigo 5.º do CIRS;

r)            A análise conjunta das Declarações ESD e ... permite detetar três "divergências" que se justificam nos termos seguintes:

a.            A operação datada de 18.12.2013 na ESD, localizada na Irlanda e relativa a ISHARES3 EUR.COVERED BOND EUR – ISIN ..., identificada como "cash dividend" (pagamento de dividendos), no valor de “juros” de € 695,50, não se mostra registada no ... porque dela a C... (Suisse) não teve informação durante o ano de 2013. A informação apenas lhe chegou em 2014, constando do Income Report de 2014, com data de 08.01.2014, sendo relevante para o ano de 2014;

b.            A operação datada de 30.07.2013 na ESD, localizada no Luxemburgo e relativa a  1.229,709 unidades de participação no fundo de investimento  D...EUR H1-CAP – ISIN..., identificada como "redemption" (resgate) e com o valor de "juros" de € 4.832,02, é registada como no ... como REALIZED GAINS & LOSSES (ganhos e perdas realizados), em Mutual Fund Bonds (EUR), tendo como data de "open" (data de aquisição) 12.02.2013 e data de "close" (data de realização) 30.07.2013, e como "cost basis” (valor de aquisição) € 25.491,87 e como "proceeds” (valor de resgate) € 24.839,16, o que se traduz numa menos-valia de € 652,71;

i.             O Requerente não sabe, nem é obrigado a saber, a razão pela qual na ESD está registado um "juro" de € 4.832,02 nesta operação, que ele manifestamente não recebeu; admite que o valor tenha sido determinado com base em alguma das regras previstas no artigo 7.º do Acordo, mas face à lei interna portuguesa de qualificação, elas não lhe são oponíveis nem prevalecem sobre a qualificação interna;

c.            A operação datada de 08.08.2013 na ESD, localizada no Luxemburgo e relativa a 623 unidades de participação no fundo de investimento E..., ISIN LU..., identificada como “redemption” (resgate) e com o valor de "juros" de € 11.525,50, é registada como no ... como REALIZED GAINS & LOSSES (ganhos e perdas realizados), em Mutual Fund Bonds (EUR), tendo como data de "open" (data de aquisição) 13.02.2013 e data de "close" (data de realização) 08.08.2013, e como "cost basis” (valor de aquisição) € 64.387,50 e como "proceeds" (valor de resgate) € 63.683,78, o que se traduz numa menos-valia de € 703,27.

i.             Requerente não sabe, nem é obrigado a saber, a razão pela qual na ESD está registado um "juro" de € 11.525,50 nesta operação, que ele manifestamente nunca recebeu; admite, sem conceder, que o valor tenha sido determinado com base na de alguma das regras previstas no artigo 7.º do Acordo, mas face à lei interna portuguesa de qualificação, elas não lhe são oponíveis nem prevalecem sobre a qualificação interna;

d.            Adicionalmente, na declaração Activity Report relativa à mesma conta e ao período de 01.01.2013 a 31.12.2013, que ora se junta (Doc. 12), é possível identificar os registos de:

i.             Em 12.02.2013, compra de 5.062,00 unidades de participação ou parte do fundo D...- Global Total Return EUR Hedged, pelo valor total de 104.935,26, o que se converte num custo médio de aquisição por unidade de € 20,73. Assim, o valor de aquisição das 1.229,71 up ou partes posteriormente alienadas é de 1.229,71 x 20,73 = € 25.491,87; Em 30.07.2013, alienação de 1.229,71 unidades de participação ou partes do fundo D...- Global Total Return EUR Hedged pelo valor de € 24.893,16;

ii.            Em 13.02.2013, compra de 623 unidades de participação ou partes do fundo E...- Total Return Fund, pelo valor de € 64.387,05; Em 08-08-2013, alienação de 623 unidades de participação ou partes do fundo E...- Total Return Fund, pelo valor de € 63.683,78.

e.            Nas operações acima mencionadas o Requerente realizou perdas porque resgatou as unidades de participação por valor inferior ao preço por que as tinha adquirido. Mesmo na redação anterior à da reforma de 2015, a generalidade da doutrina considerava que o resgate de unidades de participação em fundos de investimento era uma operação equivalente a alienação onerosa e que, por isso, gerava mais-valias ou menos-valias, nos termos gerais. Não poderia ser de outro modo, porque a categoria E nunca admitiu "rendimentos negativos" à luz do princípio, que o mercado veio agora por em causa, de que não existem "juros negativos".

s)            Em conclusão e com os fundamentos invocados e a prova efetuada, o Requerente considera que não tem que declarar, para efeitos de tributação segundo as regras de incidência nacionais, a importância correspondente aos "juros" (que, como disse, ignora a forma como foram apurados, mas que nunca recebeu) imputados nas operações de "redemption" de unidades de participação ou partes de fundos de investimento e que, SED, totalizam a importância de € 16.357,52;

t)            Não existe, sequer, para efeitos de tributação interna, qualquer norma que presuma a existência de juros neste tipo de operações e que, de algum modo, justificasse a tributação de rendimentos presumidos;

u)           Não tem que declarar a importância de € 695,50, relativa a "dividendos", uma vez que tal importância só em 2014 foi registada na sociedade com quem contratualizara a gestão da sua carteira de títulos e está registada no Income Report daquele ano, pelo que é nele que é tributada, de acordo com o aspeto temporal do elemento objetivo da incidência;

v)            Considera dever ser tributado, relativamente ao ano de 2013, por rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, tendo em conta os valores declarados no BPIS, pelo montante de rendimento de € 8.006,35, requalificado em € 1.684,72 de dividendos e € 6.321,63 de juros;

w)          Ainda que assim se não entenda, a liquidação impugnada não pode manter-se neste caso integralmente, por manifesta insuficiência de fundamentação, que equivale à falta de fundamentação;

x)            Os documentos juntos eram redigidos em inglês e esses, como de resto na própria informação se reconhece, não precisam de ser traduzidos, nos termos do ali mencionado oficio-circulado n.º 20124.

 

20. A AT contra-argumentou com base nos seguintes fundamentos:

a)            Com base na Diretiva da Poupança e no Decreto-Lei n.º 62/2005 de 11/03, verifica-se que foi transmitida a informação pelas autoridades fiscais da Suíça que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de € 24.984,52, reportados ao Requerente.

b)           O Decreto-Lei nº 62/2005 de 11/03, estabelece o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efetivas pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro da União Europeia;

c)            Com base na informação prestada pelas autoridades fiscais suíças, resultante do mecanismo de troca automática previsto na Diretiva da Poupança, foi desencadeado o processo referente à correção da declaração mod. 3 de IRS do ano de 2013, referente ao Requerente;

d)           O Requerente, não tendo declarado as importâncias recebidas na sua declaração modelo 3, referente ao ano de 2013, concordou com a necessidade da substituição da declaração, mas não com os valores transmitidos pelas autoridades fiscais suíças;

e)           Sobre a declaração do Requerente existe a presunção de veracidade e de boa-fé, nos termos do artigo 75º da LGT, cujo afastamento ocorre nos termos respetivo n.º 2 alíneas a) e b), cabendo-lhe, dada a omissão na sua declaração, a responsabilidade da prova e o dever de esclarecimento da sua situação tributária, face à informação recebida pelas autoridades fiscais suíças;

f)            Cabe ao Requerente comprovar e documentar, nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT, as operações em causa, podendo recorrer à prova documental ou testemunhal, estando obrigado a proceder à entrega da respetiva declaração de rendimentos, da qual devem constar todos os rendimentos obtidos, quer no território nacional, quer no estrangeiro, por força do disposto no artigo 15.º do CIRS, devendo fazer prova, no caso de ter sido suportado imposto no estrangeiro relativamente aos rendimentos aí obtidos, do respetivo pagamento;

g)            Os rendimentos em causa no presente processo, não foram auferidos no território nacional, como resulta da interpretação a contrário do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS, uma vez que foram pagos no âmbito de uma conta suíça, por uma entidade suíça, devendo, por isso, considerar-se obtidos na Suíça; 

h)           Os rendimentos cuja tributação é contestada pelo Requerente foram comunicados pela autoridade fiscal suíça, por encontrarem cabimento no âmbito da aplicação da Diretiva Poupança e do Acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e a Confederação suíça que prevê medidas equivalentes às estabelecidas na Diretiva;

i)             Esta tem por objetivo final permitir que os rendimentos da poupança sob a forma de juros pagos num Estado-Membro a beneficiários efetivos que sejam pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro, sejam sujeitos a uma tributação efetiva em conformidade com a legislação deste último Estado-Membro;

j)             Sempre que o beneficiário efetivo dos juros seja residente num Estado-Membro distinto daquele em que se encontre estabelecido o agente pagador, o conteúdo mínimo das informações a comunicar pelo agente pagador à autoridade competente do seu Estado-Membro de estabelecimento, deve conter os elementos constantes das varias alíneas do n.º 1 do artigo 8.º da referida Diretiva, devendo esta autoridade comunicar essas informações, de forma automática, à autoridade competente do Estado-Membro de residência do beneficiário efetivo;

k)            Na Diretiva estabelece-se que, para os respetivos efeitos, se devem entender por “pagamento de juros”, nomeadamente e de acordo com o preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva, “os rendimentos realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação nos organismos e entidades seguintes, caso tenham investido, direta ou indiretamente, por intermédio de outros organismos de investimento coletivo ou autoridades abaixo referidas, mais de 40% do seu ativo em créditos referidos na alínea a) “. Idêntica disposição consta da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Acordo celebrado com a Confederação Suíça;

l)             No n.º 3 do referido artigo dispõe-se que “no que se refere à alínea d) do n.º 1, caso um agente pagador não tenha qualquer informação relativa à percentagem do ativo investido em créditos ou em partes ou unidades de participação tal como definidos nessa alínea, essa percentagem deve ser considerada como superior a 40%. Quando o agente pagador não possa determinar o montante do rendimento realizado pelo benefício efetivo, considera-se que o rendimento é o produto da cessão, do reembolso ou do resgate das partes ou unidades de participação”;

m)          Resulta que, nos termos da Diretiva bem como do Acordo celebrado com a Confederação Suíça, a operação que o Requerente refere estar subjacente aos rendimentos em causa é qualificada como “pagamentos de juros”;

n)           Por conseguinte, face à primazia das diretivas na ordem jurídica interna e aos elementos que foram comunicados pelas autoridades fiscais da Suíça, só poderão considerar-se os rendimentos aqui em causa como rendimentos relativos a pagamentos de juros, sujeitos a tributação nos termos previstos no Código de IRS, na redação á data dos factos, não padecendo a liquidação de IRS em análise de qualquer ilegalidade;

o)           O “Statement of interest subject to European Union savings tax, From 1 January 2013 to 31 December 2013”, junto aos autos, constitui uma cópia simples e não tem qualquer identificação do titular dos rendimentos, o Requerente ou terceiro, dele constando a importância total de € 24.858,07, valor que coincide com o que foi comunicado pelas entidades fiscais suíças às autoridades fiscais portuguesas;

p)           Não consta qualquer extrato financeiro ou declaração do banco em causa, em como o Requerente não auferiu a quantia de € 24.858,07, para efeitos de rendimentos da categoria E de IRS, do ano de 2013;

q)           Conclui-se da documentação junta pelo Requerente, que o valor dos rendimentos de capitais (categoria E do IRS), é globalmente consistente com o valor que foi comunicado pela entidade fiscal suíça, não permitindo afastar a qualificação dos rendimentos como juros da Diretiva da Poupança;

r)            A AT limitou-se a tributar em Portugal, no estrito cumprimento da lei, os rendimentos sujeitos a imposto, em conformidade com informação prestada pelas autoridades suíças e que o Requerente não logrou contrariar, pelo que, é de manter na ordem jurídica a liquidação de IRS ora impugnada;

s)            As razões da AT foram amplamente compreendidas e posteriormente referenciadas e atacadas pelo Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral que, de outra forma, não o teria apresentado, pelo que se tem por não verificado o vício de falta de fundamentação, cabendo em todo o caso ao Requerente, se assim não fosse, lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade, o que não se verificou.

2             SANEAMENTO

21. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  

22. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

23. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

24. O processo não padece de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão do mérito da causa.

 

3             FUNDAMENTAÇÃO

3.1          Factos dados como provados

25. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

a)            O Requerente apresentou a sua declaração anual de IRS modelo 3, relativa ao ano fiscal de 2013, com o Anexo J, relativo aos rendimentos obtidos fora do território português, tendo declarado, no referido anexo I, operações de compra e venda de valores mobiliários, geradoras de mais valias ou de menos-valias. (cfr. Documento 1)

b)           O Requerente foi notificado, através do ofício n.º..., de 05.04.2017, pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças de Lisboa, de um projeto de correção da sua declaração, no montante de € 24.984,52, por rendimentos obtidos fora do território português e transmitidos às autoridades fiscais portugueses pelas autoridades fiscais da Suíça ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva 2003/48/CE). (cfr. Documento 2)

c)            O Requerente apresentou declaração de substituição, inscrevendo no campo 422, do quadro 4, do anexo J, o valor de € 24.984,52, referente a rendimentos da poupança sob a forma de juros auferidos na Suíça, a qual deu origem à liquidação adicional n.º 2017..., de 18.04.2017, que deu causa à reclamação graciosa, apresentada a 24.05.2017 e ao respetivo indeferimento, a 30.10.2018 (Cfr. Documentos 3, 4, 5, 6 e 8)

d)           Nesta reclamação graciosa, o Requerente forneceu à AT, o ESD, designado por “Statement of interest subject to European Union savings tax from 1 january 2013 to 31 december 2013” (Declaração de juros sujeitos à tributação sobre a poupança na União Europeia desde 1 de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2013), correspondente à conta n.º..., documento emitido pelo B..., verificando-se que só em 06.12.2017 é que o Requerente surge identificado, pelo B..., como titular da referida conta ... (cfr. Documentos 5, 6 e 7)

e)           Na EŞD estavam discriminadas 6 (seis) operações de recebimento de dividendos (Cash dividends), no total de € 1.839,24, 6 (seis) operações de recebimento de juros (Interest), no total de € 6.660,01 e 2 (duas) operações de resgate (Redemption), no total de € 16,357,52. (cfr. Documento 7)

f)            A operação datada de 18.12.2013 na ESD, localizada na Irlanda e relativa a ISHARES3 EUR.COVERED BOND EUR - ISIN ..., identificada como "cash dividend" (pagamento de dividendos), no valor de “juros” de € 695,50, não se mostra registada no ..., constando do Income Report de 2014, com data de 08.01.2014; (cfr. Documento 7 e 11)

g)            A operação datada de 30.07.2013 na ESD, localizada no Luxemburgo e relativa a  1.229,709 unidades de participação no fundo de investimento D...– ISIN LUO...., identificada como "redemption" (resgate) e com o valor de "juros" de € 4.832,02, é registada como no BPIS como REALIZED GAINS & LOSSES (ganhos e perdas realizados), em Mutual Fund Bonds (EUR), tendo como data de "open" (data de aquisição) 12.02.2013 e data de "close" (data de realização) 30.07.2013 e como "cost basis” (valor de aquisição) € 25.491,87 e como "proceeds” (valor de resgate) € 24.839,16, o que se traduz numa menos-valia de € 652,71; (cfr. Documentos 7, 9 e 10)

h)           A operação datada de 08.08.2013 na ESD, localizada no Luxembourg e relativa a 623 unidades de participação no fundo de investimento E... -TOT.RET.BOND C CAP, ISIN LU..., identificada como “redemption” (resgate) e com o valor de "juros" de € 11.525,50, é registada como no BPIS como REALIZED GAINS & LOSSES (ganhos e perdas realizados), em Mutual Fund Bonds (EUR), tendo como data de "open" (data de aquisição) 13.02.2013 e data de "close" (data de realização) 08.08.2013, e como "cost basis” (valor de aquisição) € 64.387,50 e como "proceeds" (valor de resgate) € 63.683,78, o que se traduz numa menos-valia de € 703,27 (cfr. Documentos 7, 9 e 10);

i)             Na declaração Activity Report relativa à mesma conta e ao período de 01.01.2013 a 31.12.2013, consta em 12.02.2013, a compra de 5.062,00 unidades de participação ou parte do fundo D...- Global Total Return EUR Hedged, pelo valor total de 104.935,26, o que se converte num custo médio de aquisição por unidade de € 20,73. Assim, o valor de aquisição das 1.229,71 up ou partes posteriormente alienadas é de 1.229,71 x 20,73 = € 25.491,87. Em 30.07.2013, alienação de 1.229,71 unidades de participação ou partes do fundo D...- Global Total Return EUR Hedged pelo valor de € 24.839,16. Em 13.02.13, compra de 623 unidades de participação ou partes do fundo E...- Total Return Fund, pelo valor de € 64.387,05. Em 08.08.2013, alienação de 623 unidades de participação ou partes do fundo E...- Total Return Fund, pelo valor de € 63.683,78. (Documento 12)

3.2          Factos não provados

26. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

3.3          Motivação

27. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

28. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

29. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3.4          Questão decidenda

30. A questão decidenda prende-se com a qualificação, para efeitos jurídico-tributários, dos rendimentos alegadamente obtidos pelo Requerente fora do território português e como tal transmitidos às autoridades fiscais portuguesas pelas autoridades fiscais da Suíça ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva 2003/48/CE) e do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça. 

31. O artigo 15.º, n.º 1, do CIRS, adotando o princípio do rendimento mundial (worldwide income principle), estabelece que, tratando-se de pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Visando reduzir os riscos de dupla tributação e dupla não tributação (i.e. evasão fiscal e elisão fiscal), a  Diretiva Poupança, procurou assegurar a tributação efetiva dos "juros" no país da residência do beneficiário efetivo, tendo estabelecido, em coexistência, o sistema da informação ao país da residência – edificando sobre o regime da Diretiva 77/799/CEE do Conselho – e o sistema da retenção na fonte por conta do imposto devido no país da residência em conformidade com a respetiva legislação .

32. O conceito de “pagamento de juros” adotado pela Diretiva Poupança é consideravelmente amplo, abrangendo, nos termos do artigo 4.º n.º 1 alíneas a) e d), entre outros, rendimentos realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação nos organismos e entidades seguintes, caso tenham investido, direta ou indiretamente, por intermédio de outros organismos de investimento coletivo ou autoridades abaixo referidas, mais de 40 % do seu ativo em créditos de qualquer natureza,  com ou sem garantia hipotecária e com direito ou não a participar nos lucros do devedor, nomeadamente os rendimentos da dívida pública e de obrigações de empréstimos, incluindo prémios atinentes a esses títulos. Relativamente a estes rendimentos, o n.º 3 do mesmo artigo 4.º dispõe que, caso um agente pagador não tenha qualquer informação relativa à percentagem do ativo investido em créditos ou em partes ou unidades de participação tal como definidas nessa alínea, essa percentagem deve ser considerada como superior a 40 %, e bem assim que, quando o agente pagador não possa determinar o montante do rendimento realizado pelo beneficiário efetivo, considera-se que o rendimento é o produto da cessão, do reembolso ou do resgate das partes ou unidades de participação.

33. No entanto, o conceito amplo de “pagamento de juros” utilizado pela Diretiva Poupança e pelo Acordo não pretende fazer corresponder uma única definição de juros, de alcance europeu, ao conceito de juros que os Estados-Membros utilizem internamente nas suas próprias normas legais de incidência fiscal. Aquele conceito serve, acima de tudo, para delimitar e conformar positivamente o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores no quadro da comunicação de informação que deve existir entre o Estado da residência do agente pagador e o Estado da residência do beneficiário efetivo.

34. Nos termos do artigo 8.º, n.º1, da Diretiva Poupança, o conteúdo mínimo das informações a comunicar pelo agente pagador à autoridade competente do seu Estado-Membro de estabelecimento inclui, obrigatoriamente, a identidade e residência do beneficiário efetivo, o nome ou denominação e endereço do agente pagador, o número de conta do beneficiário efetivo ou, na sua falta, identificação do crédito gerador dos juros, informações relativas ao pagamento de juros e a informação especificando, de maneira fragmentada, os diferentes tipos e montantes de juros pagos ou creditados e os rendimentos de outras operações (v.g. cessão, reembolso, resgate, distribuição), tendo como referência a definição de juros do artigo 6.º.

35. O artigo 8.º admite que os Estados-Membros limitem o conteúdo mínimo das informações que o agente pagador deve comunicar no que se refere ao pagamento de juros, ao montante total dos juros ou dos rendimentos e ao montante total do produto da cessão, do resgate ou do reembolso. Em todo o caso, ainda assim se obriga a diferenciar entre juros, rendimentos e produto da cessão, do resgate e do reembolso. O artigo 9.º sujeita essas informações a um sistema de troca automática entre os Estados-Membros do agente pagador e do beneficiário efetivo, a realizar pelo menos uma vez por ano, nos seis meses subsequentes ao termo do exercício fiscal do Estado-Membro do agente pagador, em relação a todos os pagamentos de juros efetuados durante esse ano. O Decreto-Lei nº 62/2005 de 11.03, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva Poupança, estabelece o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efetivas pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro da União Europeia.

36. O Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, prevê medidas equivalentes às da Diretiva 2003/48/CE, tendo os conceitos por esta utilizados (v.g. beneficiário efetivo, pagamento de juros) como seu ponto de referência semântico. O Acordo estabelece, no seu artigo 1.º, n.º1, que se o agente pagador estiver estabelecido na suíça, os juros pagos a um beneficiário efetivo residente num Estado-Membro da União Europeia estarão sujeitos uma retenção a uma taxa variável com o decurso do tempo, obrigando, no artigo 2.º, n.º1, a Suíça  a estabelecer um procedimento que permita que o beneficiário efetivo evite a retenção mencionada, autorizando expressamente o seu agente pagador na Suíça a notificar a autoridade competente desse Estado dos pagamentos de juros, abrangendo, essa autorização, todos os pagamentos de juros efetuados ao beneficiário efetivo por esse agente pagador.

37. O conteúdo mínimo das informações a serem comunicadas e o procedimento a seguir correspondem largamente aos da Diretiva, dizendo-se, no artigo 2.º, n.º 4, que sempre que o beneficiário efetivo opte por este procedimento de divulgação voluntária da informação ou declare o rendimento a título de juros, obtido do agente pagador suíço, às autoridades fiscais do seu Estado-Membro da residência, o rendimento de juros em causa será sujeito a tributação nesse Estado-Membro às mesmas taxas que as aplicadas a rendimentos análogos gerados nesse Estado. Os paralelos entre o Acordo e a Diretiva detetam-se, ainda, em domínios como o conceito amplo de pagamento de juros e a mencionada “regra dos 40%”, que determina a inclusão nesse conceito dos rendimentos realizados na altura da cessão, reembolso ou resgate de partes ou unidades de participação nos organismos e entidades seguintes, caso tenham investido, direta ou indiretamente, por intermédio de outros organismos de investimento coletivo ou das entidades abaixo referidas, mais de 40 %.

38. Com base nestes instrumentos normativos, as autoridades fiscais suíças comunicaram à AT a informação de que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de €  24.984,52, reportados ao Requerente. Fizeram-no, desde logo, porque os mesmos se enquadram no conceito amplo de “pagamento de juros” relevante para efeitos de obrigação de comunicação de informação. No entanto, a comunicação foi feita de forma sintética, pela totalidade, sem desagregar a informação relativamente às várias subcategorias de rendimento.

39. Este aspeto reveste-se de grande importância prática, na medida em que, se é certo que, nos termos e para efeitos do regime de comunicação da informação da Diretiva e do Acordo, as operações subjacentes aos rendimentos em causa devem ser qualificadas como “pagamentos de juros”, daí não decorre necessariamente que, uma vez desagregadas, as mesmas devam sempre ser consideradas como “juros” para efeitos de tributação em sede de Categoria E.

40. A tributação direta continua a ser competência reservada aos Estados, não tendo sido objeto de harmonização pelo direito da União Europeia em matéria de incidência subjetiva e objetiva – sem prejuízo da sua subordinação aos respetivos princípios estruturantes (v.g. não discriminação em razão da nacionalidade e residência, salvaguarda da concorrência não falseada no mercado interno). De resto, quer a Diretiva Poupança, quer o Acordo, apontam para o objetivo de que a tributação efetiva dos rendimentos auferidos pelo beneficiário efetivo seja feita em conformidade com a legislação do Estado da sua residência. Assim sendo, continua entre nós a ser ao CIRS que cabe qualificar os diferentes tipos de rendimento, incluindo os obtidos no estrangeiro, para efeitos de subsunção às diferentes categorias de tributação.

41. No caso concreto, foi com base na informação transmitida, resultante do mecanismo de troca automática, que foi desencadeado o processo referente à correção da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2013. Pretendia-se, desse modo, aplicar aos juros pagos o disposto no artigo 5.º do CIRS, respeitante à Categoria E, dos rendimentos de capitais, que inclui, nomeadamente, os juros e outras formas de remuneração de títulos de participação. O Requerente, não tendo declarado as importâncias recebidas na sua declaração modelo 3, referente ao ano de 2013, concordou com a necessidade da substituição da declaração, mas não com os valores transmitidos pelas autoridades fiscais suíças.

42. Sobre a declaração do Requerente existe a presunção de veracidade e de boa-fé, nos termos do artigo 75.º da LGT, cujo afastamento ocorre nos termos respetivo n.º 2 alíneas a) e b), cabendo-lhe, dada a omissão na sua declaração, a responsabilidade da prova e o dever de esclarecimento da sua situação tributária, face à informação recebida pelas autoridades fiscais suíças. Cabe-lhe comprovar e documentar, nos termos do artigo 74.º, n.º1, da LGT, as operações em causa, podendo recorrer à prova documental ou testemunhal, estando obrigado a proceder à entrega da respetiva declaração de rendimentos, da qual devem constar todos os rendimentos obtidos, quer no território nacional, quer no estrangeiro, por força do disposto no artigo 15.º do CIRS, devendo fazer prova, no caso de ter sido suportado imposto no estrangeiro relativamente aos rendimentos aí obtidos, do respetivo pagamento.

43. A boa-fé do Requerente pode ser confirmada pela apresentação, depois da notificação de da AT, de 06.04.2017, de uma declaração de substituição, em que inscreveu no campo 422, do quadro 4, do anexo J, o valor de € 24.984,52, referente a rendimentos da poupança sob a forma de juros auferidos na Suíça, a qual deu origem á liquidação, objeto da presente impugnação. No entanto, em sede de reclamação graciosa, o Requerente juntou documentos bancários, que permitem sustentar que algumas operações mencionadas no ESD não podem legitimamente ser consideradas juros, passíveis de tributação como rendimentos da Categoria E, no CIRS. Dos mesmos foram apresentadas e juntas aos autos cópias autenticadas, em 12.06.2019. 

44. Da análise da documentação constante dos autos deduz-se, efetivamente, que quando, em 14.12.2017, a AT apresentou ao Requerente o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a mesma já dispunha da carta do Banque B... que confirmava que o Requerente era o titular e beneficiário efetivo da conta n.º... .

45. Por seu lado, a análise do ESD permite concluir que a conta n.º ... realizou perdas porque resgatou as unidades de participação por valor inferior ao preço pelo qual as tinha adquirido. Assim, das operações de aquisição e alienação relativas a 1.229.709 unidades de participação no fundo de investimento D... EUR H1-CAP – ISIN LU..., resulta uma menos-valia de € 652,71, ao passo que nas respeitantes a 623 unidades de participação no fundo de investimento E...-TOT.RET.BOND C CAP, ISIN LU... regista-se uma menos-valia de € 703,27.

46. Verifica-se igualmente que a operação datada de 18.12.2013 na ESD, localizada na Irlanda e relativa a ISHARES3 EUR.COVERED BOND EUR - ISIN IE..., identificada como "cash dividend" (pagamento de dividendos), no valor de “juros” de € 695,50, não se mostra registada no BPIS, constando do Income Report de 2014, com data de 08.01.2014.

47. As operações documentadas mostram que se está diante do resgate de unidades de participação em fundos de investimento, operações equivalentes a uma alienação onerosa, por conseguinte geradoras de mais-valias ou menos-valias, nos termos gerais, facto que remete a sua tributação para a Categoria G, de acordo com as normas legais correspondentes vigentes à data. No âmbito desta categoria considera-se mais-valias o rendimento proveniente do resgate de unidades de participação em fundos de investimento (art. 10.º CIRS) . Este aspeto reveste-se da maior importância, na medida em que, como há se disse, à luz da Diretiva Poupança e do Acordo, a tributação deve ser feita de acordo com a legislação do Estado do beneficiário efetivo.

48. A tributação dos rendimentos das diferentes categorias depende da verificação do correspondente facto tributário, constitutivo da relação jurídico-tributária (art. 36.º, n.º1, da LGT). Os princípios da justiça e da verdade material obrigam a que sejam tomados em conta os elementos probatórios adequados e necessários à respetiva comprovação. À AT incumbe, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido . Nos termos do artigo 100.º, n.º1, do CPPT, “[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”

49. No caso, concreto, e diante dos documentos disponibilizados pelo Requerente à AT em sede de reclamação graciosa, uma análise cuidadosa e circunstanciada da informação deles constantes permitiria concluir que das operações discriminadas na EŞD, aquele não tem que declarar, para efeitos de tributação segundo as regras de incidência nacionais, a importância correspondente aos "juros" imputados nas operações de "redemption" de unidades de participação ou partes de fundos de investimento e que, SED, totalizam a importância de € 16.357,52, nem a importância de € 695,50, relativa a "dividendos", uma vez que tal importância só em 2014 foi registada na sociedade com quem contratualizara a gestão da sua carteira de títulos e está registada no Income Report desse ano. Deste modo, deve ter procedência o pedido do Requerente, no sentido da declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2017..., de 18.04.2017, relativa ao ano fiscal de 2013, com o valor a pagar, após compensação, de € 7.271,44 que inclui € 752,31 de juros compensatórios.

 

 

 

3.5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

50. O Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

51. Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

52. Apesar de ser, essencialmente, um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação de admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

53. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

54. No caso em apreço, a AT errou na medida em que se impunha que a mesma, respondendo à indicação do Requerente, analisasse os elementos documentais carreados para o procedimento e a especificação das operações constantes do ESD, de forma a garantir a tributação dos rendimentos efetivamente auferidos pelo sujeito passivo em conformidade com o regime de IRS em vigor relativamente ao ano de 2013. Neste âmbito, deveria ser tido em conta o facto de que o conceito de “pagamento de juros” relevante para efeitos do sistema de comunicação da informação constante da Diretiva Poupança e do Acordo entre a União Europeia e a Suíça, não corresponde necessariamente ao conceito congénere para efeitos de incidência do artigo 5. º do CIRS.   

 

4             DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

1)            Declarar a ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2017..., de 18.04.2017, relativa ao ano fiscal de 2013, com o valor a pagar, após compensação, de € 7.271,44 que inclui € 752,31 de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 19.06.2017;

2)            Julgar procedente o pedido de restituição à Requerente do imposto liquidado no valor de € 7.271,44, que inclui € 752,31 de juros compensatórios, correspondente à liquidação n. º 2017..., bem como o pedido de juros indemnizatórios sobre ela calculados, à taxa legal, desde a data do pagamento até emissão da respetiva nota de crédito.

 

5             VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 7.271,44, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6             CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em € 612.00 nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de julho de 2019

 

O Árbitro

 

Jónatas Machado