Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 671/2018-T
Data da decisão: 2019-11-26  IMI  
Valor do pedido: € 474.380,40
Tema: AIMI – Terrenos para construção afetos a fins não habitacionais – Não exclusão de tributação – Art. 135.º-B, n.º 2 CIMI – Inconstitucionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Prof. Doutor Sérgio Vasques, árbitro presidente, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), Dra. Alexandra Coelho Martins, designada pelas Requerentes, e Prof. Doutor Manuel Pires, designado pela Requerida, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede em..., ..., ...-... ...; B..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede em ..., ...-... ...; C..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede em ..., ..., ...-..., ...; e SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DO D..., S.A., pessoa colectiva número..., com sede em ..., Sítio de ..., ...-..., ..., doravante em conjunto designadas por “Requerentes”, vêm, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, para pronúncia sobre a (i)legalidade das liquidações de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) referentes a 2018, no valor global de € 474.380,40.

Neste âmbito, as Requerentes peticionam a anulação dos referidos atos tributários por vício de violação de lei e a condenação da AT à restituição do valor do imposto pago de € 474.380,40, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), até integral reembolso. A título subsidiário, requerem a anulação parcial dos atos tributários, na parte referente a terrenos para construção afetos a “comércio, indústria e para serviços” no montante de € 60.133,24, por padecerem de erro nos pressupostos, e o consequente reembolso desse valor adicionado dos juros indemnizatórios correspondentes.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

As Requerentes designaram como Árbitro a Dra. Alexandra Coelho Martins, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 2 do RJAT.

 

Em 26 de dezembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 2 de janeiro de 2019.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da AT designou como Árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires.

 

Em 14 de março de 2019, os Árbitros designados pelas Partes comunicaram ao CAAD a designação do Prof. Doutor Sérgio Vasques como Árbitro Presidente, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 20 de março de 2019, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 9 de abril de 2019.

 

POSIÇÃO DAS REQUERENTES

 

Como causa de pedir as Requerentes invocam que se dedicam à atividade imobiliária, pelo que o substrato da sua atividade implica necessariamente a detenção de bens imóveis imprescindíveis à realização do seu objeto social. Os imóveis em causa são elementos do seu processo produtivo, destinados exclusivamente à prossecução de atividades económicas e, em consequência, não se pode presumir que sejam demonstrativos de riqueza ou indicadores de capacidade contributiva para efeitos de AIMI.

 

Segundo as Requerentes, de acordo com a ratio legis do regime do AIMI, o artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI tem implícita a exclusão da incidência objetiva de AIMI de prédios urbanos afetos a atividades económicas. Na génese desta norma e da criação do AIMI está a intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social.

 

                A título subsidiário as Requerentes sustentam que os terrenos para construção destinados, nos termos das respetivas cadernetas prediais, a fins “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” não podem estar abrangidos pela incidência de AIMI por tal ser contrário ao espírito da lei. Invocam, de novo, que a ratio legis da exclusão de incidência de AIMI é a de não onerar os prédios com este tipo de afetação económica que, acrescentam, não é privativa dos prédios urbanos classificados nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea b) do Código do IMI, pois o coeficiente de afetação (Ca) previsto no artigo 41.º do Código do IMI contempla os vários tipos de utilização dos prédios e é igualmente utilizado para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. Neste contexto, pretendem (subsidiariamente) a anulação parcial, no valor de € 60.133,24, correspondente à parte da coleta calculada sobre terrenos para construção afetos a fins “comerciais, industriais ou para serviços”. 

 

                Por fim, as Requerentes alegam a inconstitucionalidade do regime do AIMI, por violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, ao abrigo dos artigos 13.º, 104.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”), na sua dimensão igualizadora e diferenciadora, também consagrados nos artigos 5.º e 55.º da LGT.

 

                A este respeito, as Requerentes assinalam que os artigos 135.º-A e 135.º-B do Código do IMI promovem o tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, tributando de forma indiscriminada todos os terrenos para construção, desconsiderando o critério legal da afetação do prédio, de forma desproporcional e inadequada. Todos os prédios afetos a atividades económicas devem, em seu entender, estar excluídos de tributação.

 

                Neste ponto, as Requerentes concluem que o artigo 135.º-B do Código do IMI, quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de incidência do AIMI terrenos para construção com fins “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros”, é contrário ao princípio da igualdade e deve ser desaplicado “no caso concreto”, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da CRP. 

 

                Por outro lado, consideram que as entidades dedicadas à exploração imobiliária são objeto de uma discriminação negativa injustificada. O património imobiliário detido por entidades dedicadas à exploração imobiliária não pode, em seu entender [das Requerentes], constituir indício de acrescida capacidade contributiva, uma vez que é na esfera daquelas um fator produtivo e meio de exercício de atividade económica, sem relação com o rendimento real da atividade desenvolvida, sob pena de o setor de atividade imobiliário resultar penalizado em detrimento dos restantes.

 

                Desta forma, preconizam que o artigo 135.º-A do Código do IMI, ao abranger pessoas coletivas que desenvolvem uma atividade imobiliária, atenta contra os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pelo que deve ser desaplicado nos termos do artigo 204.º da CRP.

 

                As Requerentes juntaram 6 documentos, não tendo requerido prova testemunhal.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

                Em 21 de maio de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação.

 

                Em matéria de exceção, sustenta que a coligação de Requerentes é ilegal porque os pedidos formulados respeitam a liquidações distintas sobre prédios distintos e não estão entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência, conforme exigido pelo artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, interpretado em conjugação com o artigo 36.º do Código de Processo Civil (“CPC”), pelo que deve ser absolvida da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 577.º, alínea f) do CPC).

 

                Na defesa por impugnação, a Requerida alega que a lei estabelece clara e inequivocamente a incidência do AIMI sobre os terrenos para construção, independentemente da afetação potencial destes, não tendo o legislador feito constar da norma de delimitação negativa de incidência a sua afetação potencial [a comércio, indústria ou serviços].

 

                Invoca ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) sobre a questão que se suscita no âmbito do IMI relativa à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, segundo a qual não há lugar, no caso dos terrenos para construção, à consideração dos coeficientes de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq).

 

                Na perspetiva da Requerida, de harmonia com o afirmado na Decisão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15 de janeiro de 2019, o legislador não pretendeu garantir que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica. Não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que o legislador definiu a exclusão de incidência (conforme chegou a constar da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017), mas, de acordo com a redação final do texto legal, essa exclusão assenta nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI. Tratou-se, pois, de uma opção legislativa ponderada que há que respeitar, não se verificando qualquer ilegalidade na aplicação do AIMI.

 

                A Requerida considera que as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI foram efetuadas dentro da margem de liberdade de conformação legislativa e não são atentatórias do princípio da igualdade. Os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, têm valor económico intrínseco e cotação no mercado imobiliário. O AIMI constitui uma imposição específica sobre o património e não sobre o rendimento, pelo que se impõe uma igualdade horizontal, não relevando o êxito ou inêxito da actividade comercial, ou a espécie de ativos imobiliários detidos. Para este efeito, a titularidade de património imobiliário de valor elevado por parte de pessoas coletivas é reveladora de capacidade contributiva independentemente de valer como fator de produção de riqueza.

 

A Requerida conclui pela procedência da exceção dilatória de coligação ilegal de autores ou, se assim não se entender, pela improcedência do pedido, com a consequente absolvição de todos os pedidos. Por fim, em caso se discordância, requer a notificação do acórdão arbitral ao Ministério Público.  Requereu a dispensa de junção do PA por constarem dos autos os elementos documentais relevantes.

 

Por despacho de 29 de maio de 2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se considerar desnecessária, tendo sido notificadas as Requerentes para se pronunciarem, querendo, sobre a exceção suscitada pela Requerida.

 

As Requerentes optaram por exercer o contraditório relativo à matéria de exceção em fase de alegações.

 

                Subsequentemente, por despacho de 2 de julho de 2019, foram as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas.

 

                Em 17 de Julho de 2019, as Requerentes produziram as suas alegações finais. Em relação à exceção de coligação ilegal invocada pela Requerida, sustentam que estão reunidas as condições legais da coligação de autores previstas no artigo 3.º, n. 1 do RJAT, segundo o qual a procedência dos pedidos deve depender da “apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”. Consideram que a causa de pedir é idêntica – “a pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de AIMI” –, como previsto no artigo 36.º do CPC. Entendem, por outro lado, que está em causa a apreciação dos mesmos factos – detenção de imóveis em território português indevidamente tributados em AIMI – e a interpretação dos mesmos princípios e regras de direito – artigos 135.º-A e seguintes do Código do IMI, invocando diversa jurisprudência do STA e arbitral.  Retiram a mesma conclusão à luz do disposto no artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

                Quanto ao mérito, as Requerentes reiteram a posição expressa no articulado inicial. 

 

                A Requerida juntou as suas alegações em 6 de setembro de 2019. Mantém o entendimento de que a coligação é ilegal, por inexistir identidade da causa de pedir ou dos pedidos, dado estarmos perante imóveis diferentes que deram origem a atos de liquidação diferenciados, não tendo a Requerente sequer feito prova da identidade de classificação matricial dos prédios em causa.

 

                Sobre a legalidade dos atos impugnados, mantém a posição inicial e invoca em reforço a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional (Acórdão do Plenário n.º 299/2019, de 21 de maio de 2019) que veio esclarecer que a tributação do AIMI dos terrenos para construção com afetação diferente da habitacional não merece censura à luz dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, bem como múltipla jurisprudência arbitral.

 

Por despacho de 30 de setembro 2019, atenta a complexidade das questões, foi prorrogado por dois meses o prazo de prolação da Decisão Arbitral.

 

II.            SANEAMENTO. DA EXCEÇÃO DE COLIGAÇÃO ILEGAL

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de AIMI, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

DA EXCEÇÃO DE COLIGAÇÃO ILEGAL SUSCITADA PELA REQUERIDA

 

Os requisitos da coligação de autores no processo arbitral tributário estão consagrados no artigo 3.º do RJAT que dispõe, no seu n.º 1, o seguinte:

 

“Artigo 3.º

Cumulação de pedidos, coligação de autores e impugnação judicial

“1 – A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”

 

O texto legal apela a dois critérios cumulativos, exigindo que estejam em apreciação as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação do mesmo quadro legal. Embora a formulação não seja rigorosamente igual, o teor da norma em análise é semelhante ao do artigo 104.º do CPPT, na versão ainda em vigor , que apela à “identidade […] dos fundamentos de facto e de direito invocados”.

                Convém notar que a regulação desta matéria pelo RJAT dispensa a aplicação de outros subsídios, designadamente do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”, artigo 12.º) e do CPC (artigo 36.º), o que apenas se justificaria se se suscitassem dúvidas interpretativas e conquanto se verificasse uma similitude de propriedades dos casos fundamentadora de solução análoga.

 

                Quer o CPTA, quer o CPC, delimitam a coligação às situações em que a “causa de pedir seja a mesma e única”, conceito e exclusividade para os quais não remetem os compêndios processuais tributários, em particular o RJAT, que utiliza o advérbio “essencialmente” em vez de “única” e se reporta a “circunstâncias de facto” e não a “causa de pedir”. Por outro lado, aqueles Códigos preveem como possível a coligação quando os pedidos não procedam da mesma causa de pedir, mas estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, hipótese que o RJAT não equaciona.

 

Não se rejeita o paralelismo entre a causa de pedir e os factos que fundamentam a pretensão deduzida. Na definição que é dada por ABRANTES GERALDES, a causa de pedir corresponde ao facto ou o conjunto de factos essenciais (jurídicos) de que procede a pretensão deduzida, pelo que aquela acaba por se reconduzir a fundamentos de facto – cf. Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª ed., Almedina, 2003, p. 189. Porém, tendo o RJAT, e bem assim o CPPT, optado por não empregar tal conceito, para além de não reclamar uma “única” causa de pedir como condição da coligação, nem prever pedidos em relação de prejudicialidade ou dependência, afigura-se ser de afastar uma interpretação conjunta com o CPC, como defendido pela Requerida.

 

Na situação concreta, as Requerentes alegam que o seu objeto social de promoção turística e de atividade imobiliária e, a título subsidiário, a detenção de terrenos para construção aos quais foi aplicado o coeficiente de afetação a serviços, constituem fundamento de exclusão da respetiva tributação em AIMI, pela atividade económica desenvolvida no âmbito da qual os imóveis são fatores produtivos (incidência subjetiva – artigo 135.º-A do Código do IMI) e pela natureza dos ativos (incidência objetiva – artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI).

 

Neste âmbito, as Requerentes defendem que a causa de pedir é idêntica, reconduzindo-a à “pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de AIMI” , e que estão em apreciação os mesmos factos – detenção de imóveis em território português indevidamente tributados em AIMI – e os mesmos princípios e regras de direito – artigos 135.º-A e seguintes do Código do IMI.

 

Para a Requerida, o facto de estarmos perante liquidações distintas, sobre prédios distintos, feitas a sujeitos passivos independentes, circunscrevendo-se a identidade à aplicação das regras do AIMI, é suficiente para não se considerarem verificados os requisitos de que depende a coligação.

 

Afigura-se que o facto de estamos perante liquidações distintas e prédios distintos não afasta que as circunstâncias factuais sejam “essencialmente” as mesmas. Aliás, a regra é que as liquidações de impostos sobre o património, como o IMI e o AIMI, quando se trate de proprietários com pluralidade de imóveis, abranjam prédios distintos, sem que tal implique, em caso de discordância das liquidações pelo mesmo fundamento jurídico, que os sujeitos passivos tenham de propor tantas ações quantos os prédios em causa, sendo os requisitos da cumulação de pedidos os mesmos da coligação de autores.

 

Por outro lado, o facto de os atos de liquidação serem distintos também não é, por si, determinante, pois distintas liquidações não refletem necessariamente circunstâncias de facto díspares. Na maioria dos casos, quando se trata de impostos com periodicidade mensal, como sucede com o IVA, ou quando são realizadas correções similares de IRC em exercícios sucessivos, são emitidos atos de liquidação para cada período de imposto (mês ou ano) sem que tal impeça a sua impugnação conjunta, desde que os demais pressupostos da cumulação sejam preenchidos. Assim, não só a lei não erige em critério de cumulação e coligação que se trate do mesmo ato de liquidação, como diferentes liquidações podem respeitar a idênticas circunstâncias de facto, embora respeitantes a períodos diferentes, e/ou, como na situação vertente, a diversos sujeitos passivos.

 

Ponto é que os factos relevantes (“essenciais”) dos quais derivam as pretensões deduzidas na ação arbitral sejam idênticos e, no presente caso, julgamos que o são, pois os fundamentos da alegada ilegalidade dos atos controvertidos correspondem, a título principal, à afetação ao desenvolvimento de atividades turísticas e imobiliárias [das Requerentes] de um acervo imobiliário (que foi tributado em AIMI) e, a título subsidiário, à detenção de terrenos para construção que constam das respetivas cadernetas prediais com afetação (potencial) a serviços. Nada existe de diferenciador nestes fundamentos para as quatro Requerentes, pelo que está efetivamente em questão a avaliação das mesmas circunstâncias de facto.

 

No que se refere ao segundo requisito da coligação, relativo à interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, a própria Requerida concede que este se verifica , embora acabe por afirmar que a coligação não deve ser admitida, em virtude de os pedidos formulados não estarem entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. Não é, contudo, de sufragar a posição da Requerida, pois não só as referidas relações de prejudicialidade ou dependência não são conformadas pelo RJAT, e diga-se, nem pelo CPPT, como requisitos da coligação, ao contrário do que sucede no processo civil e no processo administrativo, como, mesmo quanto a estes últimos, essas relações apenas são convocadas como critério alternativo, se não se observar o primeiro pressuposto de estarmos perante a mesma causa de pedir, ou como diz o RJAT, as mesmas circunstâncias de facto, o que, como se assinalou, se tem por verificado na situação concreta.

 

O entendimento adotado é o que melhor se coordena com princípio constitucional da plenitude da tutela judicial efetiva, subjacente ao artigo 7.º do CPTA, que privilegia uma interpretação favorável ao acesso ao Direito – pro actione – e postula a condução da lide processual em ordem à obtenção de uma pronúncia sobre o mérito das questões , não enredada em formalismos procedimentais e processuais (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), como declarado pelo Acórdão do STA de 29 de janeiro de 2014, no processo n.º 01233/13 .

 

Em fase de alegações, a Requerida acrescenta o argumento de que as Requerentes não cumpriram o ónus que lhes competia de demonstrar e justificar a identidade de facto ou a natureza e classificação dos prédios, pelo que a coligação teria de soçobrar. Não lhe assiste, no entanto, razão. Em primeiro lugar, porque o pedido principal das Requerentes não assenta na específica natureza dos prédios, mas na atividade das Requerentes ao exercício da qual o acervo imobiliário detido está afeto. Em segundo lugar, porque, no âmbito do pedido subsidiário, as Requerentes provaram a detenção de terrenos para construção por si detidos com afetação a serviços (geradores de AIMI no valor de € 60.133,24 – ponto E da matéria de facto). Por fim, porque a Requerida confunde condição de procedência da ação – pressuposto substantivo da pretensão deduzida – com os pressupostos da coligação – que dependem apenas da relação material alegada nos moldes conformados pela Requerente, independentemente da sua comprovação.

 

Deste modo, conclui este Tribunal Arbitral que os pedidos de apreciação de ilegalidade dos atos tributários de AIMI impugnados envolvem a apreciação das mesmas circunstâncias factuais e dos mesmos princípios ou regras de direito, os artigos 135.º-A e 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, cumprindo a conexão exigida pelo artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, pelo que improcede a exceção de coligação ilegal invocada pela Requerida.

* * *

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           As Requerentes são sociedades que se dedicam à promoção turística – A..., S.A. [...]; B..., S.A. [...] e à actividade imobiliária –C..., S.A. [...] e SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DO D, S.A. [...], como se infere das respetivas denominações sociais (também provado por acordo).

 

B.            As Requerentes foram notificadas das liquidações de AIMI, referentes ao ano 2018, no valor global de € 474.380,40, de seguida enumeradas:

 

a)            Liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30 de junho de 2018, emitida à Requerente A..., S.A., no valor de € 314.908,14, com data limite de pagamento em setembro de 2018;

b)           Liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30 de junho de 2018, emitida à Requerente B..., S.A., no valor de € 85.932,32, com data limite de pagamento em setembro de 2018;

c)            Liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30 de junho de 2018, emitida à Requerente C..., S.A., no valor de € 54.665,76, com data limite de pagamento em setembro de 2018;

d)           Liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30 de junho de 2018, emitida à Requerente SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DO D..., S.A., no valor de € 18.874,18, com data limite de pagamento em setembro de 2018;

– cf. documentos 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).

 

C.            As referidas liquidações de AIMI tiveram por base de incidência os prédios urbanos detidos pelas Requerentes, excluindo os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” – cf. documentos 1 a 4 juntos com o ppa e provado por acordo.

 

D.           As Requerentes procederam ao pagamento das liquidações de AIMI no valor global de € 474.380,40 por transferências bancárias ordenadas em 27 de setembro de 2018 – cf. documento 5 junto com o ppa.

 

E.            As Requerentes são proprietárias dos seguintes imóveis classificados como terrenos para construção e como tal identificados nas respetivas cadernetas prediais, todos localizados na freguesia de ..., concelho de Faro, encontrando-se afetos a “serviços” pela aplicação do Coeficiente de afetação 1,10 constante das mencionadas cadernetas prediais nos termos do artigo 45.º do Código do IMI:

 

a)            Artigos matriciais ..., ..., ... e ..., perfazendo o valor patrimonial tributário de € 14.356.945,62 e AIMI de € 57.427,79, pertencentes à sociedade A..., S.A.;

b)           Artigos matriciais ... e ..., perfazendo o valor patrimonial tributário de € 417.967,33 e AIMI de € 1.671,87, pertencentes à C..., S.A.; e

c)            Artigo matricial ..., com o valor patrimonial tributário de € 258.395,98 e AIMI de € 1.033,58, pertencentes à SOCIEDADE IMOBILIÁRIA DO D..., S.A.

– cf. documento 6 junto com o ppa, também provado por acordo.

 

F.            Em 21 de dezembro de 2018, as Requerentes, não se conformando com os atos tributários de AIMI acima identificados, apresentaram o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas pelas Partes em relação aos mesmos, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            QUESTÕES DECIDENDAS

 

                A primeira questão a apreciar prende-se com o âmbito de aplicação subjetiva do imposto, na conformação do artigo 135.º-A do Código do IMI, e a alegada exclusão, pretendida pelas Requerentes por via interpretativa (restritiva ou até ab-rogante), de entidades que detêm património imobiliário como consequência inevitável da atividade económica que desenvolvem. Na hipótese desta interpretação não ter acolhimento, suscita-se a apreciação da  inconstitucionalidade da norma, com a consequente desaplicação, com fundamento no tratamento diferenciado e desigualdade injustificada entre os contribuintes, atentatória do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3, também da CRP.

 

                A segunda questão, colocada a título subsidiário, respeita à norma de delimitação negativa de incidência constante do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, que as Requerentes entendem dever abranger, por interpretação extensiva, os terrenos para construção que se destinem aos fins de comércio, indústria ou serviços, por serem prédios potencialmente afetos a essas atividades económicas. Se assim não se entender, coloca-se novamente o tema da inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ao abrigo dos citados artigos 13.º e 104.º, n.º 3, ambos da CRP.

 

                Por fim, o Tribunal tem pronunciar-se sobre o pedido de condenação da Requerida ao reembolso do AIMI pago acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT, 43.º e 100.º da LGT.

 

2.            A TRIBUTAÇÃO DO SUBSTRATO DA ACTIVIDADE – ART. 135.º-A DO CÓDIGO DO IMI

 

                Sobre as questões suscitadas já se pronunciou amplamente a jurisprudência constitucional e arbitral, em sentido que acompanhamos e que é contrário ao preconizado pela Requerente.

 

                No patamar infraconstitucional segue-se de perto a fundamentação das Decisões Arbitrais dos processos n.ºs 664/2017-T, de 26 de junho de 2018, e 420/2018, de 15 de janeiro de 2019, do CAAD , que concluem que a redação do artigo 135.º-B do Código do IMI que veio a ser aprovada não “afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica.” Contextualiza, a este respeito a Decisão do processo arbitral n.º 420/2018 que:

 

                “A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

                No entanto, não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ao funcionamento das pessoas coletivas.

                São conceitos distintos a afetação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

                Se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

                Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afetação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afetos à atividade das pessoas coletivas não relevem para a incidência do AIMI.

                Por isso, é de concluir que a afetação dos imóveis às atividades económicas de pessoas coletivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

                A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido  património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.

                […]

No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.

                Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.

                […]

                Desta perspetiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão atividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas atividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.

                […]

                O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objetiva e racional.

                Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objetiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento.

                Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objetivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

                A capacidade contributiva das pessoas coletivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da atividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta ótica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais». (5) - SÉRGIO VASQUES, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36. 

                Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a atividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas atividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas atividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das atividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe proteção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das atividades criadoras de riqueza.

                Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta da tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.

                Por outro lado, não sendo objetivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objetivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade.

Desta perspetiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas coletivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social.

                Por isso, afigura-se que não se demonstra que seja violado o princípio da proporcionalidade.”

               

                De igual forma se decide no processo arbitral n.º 664/2017-T, cujos fundamentos se transcrevem na parte aplicável e que são transponíveis, na íntegra, para a situação dos presentes autos:

 

                               “[…] o entendimento segundo o qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afetos a atividades económicas, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpretação.

                               Uma tal leitura pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função afetação do imóvel, em termos práticos, efetivos, a uma atividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva.

                               Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto como o fez, recorrendo a conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de usar elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).

                               Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afetos à atividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.”

 

                Nos termos supra expostos, não assiste razão às Requerentes na visada redução teleológica da norma de incidência subjetiva constante do artigo 135.º-A do Código do IMI, que deve ser interpretada no seu sentido literal que é consentâneo com a ratio e objetivos do regime do AIMI, conforme externados nos elementos do respetivo processo legislativo.

 

                Sobre o vício de inconstitucionalidade suscitado por esta interpretação, com fundamento na sua desconformidade aos parâmetros da igualdade e da capacidade contributiva, nada há a acrescentar ao que foi já dito pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre a mesma questão, ainda na vigência do antecessor do AIMI (a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), como sucede designadamente com os Acórdãos n.ºs 378/2018 (em Plenário), 605/2018 e 22/2019, e recentemente confirmado, no âmbito do AIMI, com os Acórdãos n.ºs 299/2019 (em Plenário) e 530/2019.

 

                Neste âmbito, dada a identidade das questões analisadas, importa compulsar a fundamentação do Acórdão n.º 299/2019  do Tribunal Constitucional que elucida com clareza as razões que presidem a um juízo de não inconstitucionalidade da norma de incidência subjetiva do artigo 135.º-A do Código do IMI no sentido acima preconizado. 

 

                “13. O Adicional ao IMI foi introduzido no ordenamento fiscal pela Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), sucedendo ao Imposto do Selo sobre Prédios Urbanos de Elevado Valor Patrimonial (ISPUEV), previsto na verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, revogado pelo artigo 210.º do diploma orçamental (sobre este imposto, cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 590/2015, 620/2015, 586/2016 e 378/2018).

                Tem na sua origem a Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, sendo a medida caracterizada no Relatório do Orçamento do Estado para 2017 como motivada pela promoção da equidade fiscal na tributação do património imobiliário, com um elemento de progressividade de base pessoal, por via de um limiar de isenção e da exclusão de incidência sobre várias tipologias prediais, assim justificadas:

                «C – Medidas de equidade fiscal

                Em 2017 a distribuição da carga fiscal incidirá menos sobre os rendimentos do trabalho – por via da eliminação faseada da sobretaxa – sendo a perda da receita parcialmente compensada com medidas fiscais que procuram reforçar a progressividade do sistema (com a tributação progressiva do património) e melhorar a prevenção da evasão e do planeamento fiscal agressivo.

                A tributação progressiva do património imobiliário

                O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.»

                Como também se explicita no referido Relatório, o propósito de equidade fiscal encontra-se associado a uma outra finalidade: o reforço e a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, por via da consignação das receitas do imposto ao Fundo de Estabilização da Segurança Social: «A consignação da tributação progressiva do património ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do Governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema». A medida foi igualmente animada pelo propósito de se afastar da traça do imposto que substituiu, que suscitou elevada litigância.

                Importa ter em atenção, porém, que, mantendo-se os propósitos enunciados, no decurso dos trabalhos parlamentares, em particular no que se refere à sujeição das pessoas coletivas e equiparadas, o imposto veio a afastar-se do seu figurino inicial, tido em atenção nos segmentos transcritos do Relatório do Orçamento do Estado para 2017.

                Com efeito, na redacção no n.º 2 do artigo 135.º-B da Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, a norma de exclusão de incidência objetiva do AIMI compreendia «os prédios classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente comprovado o seu destino». Todos os demais prédios urbanos, mesmo aqueles classificados como comerciais ou para serviços, que não comprovadamente afetos a atividade turística, eram sujeitos a tributação. Paralelamente, na mesma Proposta de Lei, o artigo 135.º-C, respeitante às regras de determinação do valor tributável, e à semelhança do estatuído para as pessoas singulares e heranças indivisas, previa a dedução de €600 000,00 ao valor tributável quando o sujeito passivo fosse uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, e os prédios urbanos estivessem diretamente afetos ao seu funcionamento [n.º 2, al. c)]. Isenção essa que, nos termos do n.º 5 do artigo 135.º-C, era afastada quanto às pessoas coletivas cujo ativo fosse composto em mais de 50% por imóveis não afetos a atividades de natureza agrícola, industrial ou comercial, ou a sua atividade consistisse na compra e venda de bens imóveis.

                A redacção do n.º 2 artigo 135.º-B do AIMI que veio a ser aprovada - assim como do artigo 135.º-C, com eliminação das normas aludidas - resulta da votação da Proposta de Substituição n.º 402-C2, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista no decurso da discussão na Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. Sob o título «Exposição de Motivos», lê-se na referida proposta de substituição que através da mesma se procurou introduzir «[a]lterações ao Adicional do IMI decorrentes do debate público desde a apresentação da proposta, assegurando a ausência de impacto na atividade económica, maior progressividade do imposto e o reforço da tributação dos patrimónios imobiliários detidos por entidades residentes em paraísos fiscais».

                No seu recorte definitivo, e centrando a atenção na tributação dos entes coletivos, o AIMI passou tributar todo o património imobiliário do sujeito passivo, sem dedução, ao mesmo tempo que a norma do n.º 2 do preceito passou a atender unicamente à classificação do prédio de acordo com o artigo 6.º do Código do IMI, sem consideração do setor de atividade ou da destinação efetiva. O que significou a eliminação do elemento de progressividade de base pessoal na tributação das pessoas coletivas ou equiparadas comportado na Proposta de Lei n.º 37/XIII, compensado em certa medida pela redução do âmbito de incidência objetiva do imposto, que passou a sujeitar ao imposto apenas às espécies de prédios urbanos não compreendidas na previsão do n.º 2 do artigo 135.º-B, ou seja, de acordo com divisão operada pelo artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI, os prédios urbanos «habitacionais» e os «terrenos para construção».

                O AIMI constitui, então, um novo imposto sobre o património, de alcance parcelar ou analítico – toma a titularidade de património imobiliário e, mesmo dentro deste, tão somente a detenção de algumas tipologias de prédios urbanos – e natureza estática, visando tributar a força económica que se materializa no valor agregado dos prédios urbanos titulados pelo sujeito passivo e, à semelhança de outros tributos sobre o património, como o IMI, independentemente do ganho que produzam. Como refere José Pires, o AIMI «pretende tributar a riqueza de forma progressiva, acima de um determinado valor, quando os titulares são pessoas singulares, e toda a riqueza das pessoas coletivas, independentemente do valor e a uma taxa proporcional» (O Adicional ao IMI e a tributação pessoal do património, Almedina, 2017, p. 7).

                […]

                14. […] «[a] titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um ativo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade económica, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da acrescida atividade económica», aduzindo que «[o] que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da atividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos».

                […]

                16. Nos termos referidos, a recorrente começa por contestar a interferência na esfera patrimonial do contribuinte operada pela norma sindicada ao nível da própria seleção do facto tributário, que entende insuscetível de revelar a força económica de sujeitos passivos que se dediquem por imposição estatutária a atividades imobiliárias, entre os quais se encontra. Defende que a detenção de direitos sobre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção não constituem per se índices de capacidade contributiva, devendo ser recusada essa condição sempre que lhes corresponda a natureza de fator de produção de riqueza. Nessa ótica, quando titulado por sujeitos passivos cuja natureza estatutária comporte o desenvolvimento de atividades imobiliárias […], o património imobiliário que lhes está adstrito constitui o «substrato patrimonial e o meio essencial para a prossecução de tais atividades», insuscetível de sobre o mesmo recair tributação de índole patrimonial. Haverá, tão somente, lugar à tributação do rendimento real por essa via produzido (e quando produzido).

                O argumento não merece acolhimento.

                Desde logo, a tributação do património não pode ser vista como mera alternativa ou sucedâneo da tributação do rendimento, pois constitui finalidade autónoma do sistema fiscal, à qual o plano ordenador da Lei Fundamental atribui, a par da função geral financeira, uma específica função redistributiva (artigos 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 3 da Constituição).

                Ora, não se vê que a prossecução estatutária de atividades de promoção ou exploração imobiliária permita afastar, quanto a todos os sujeitos cuja atividade nesse ramo implique a detenção de direitos sobre imóveis, a tributação da riqueza predial de que sejam titulares.

                É certo que, na espécie, os fundos de investimento imobiliário obedecem a um conjunto de requisitos, de acordo com o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, entre os quais se encontra a constituição do seu ativo por uma proporção mínima de direitos sobre imóveis, podendo desenvolver um conjunto de atividades de índole imobiliária, designadamente, como estatui o artigo 210.º do diploma, a aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; a aquisição de imóveis para revenda; a aquisição de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respetiva exploração económica; a realização de obras de melhoramento, ampliação e de requalificação de imóveis; e o desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis. Mas não é menos certo que todas essas atividades estão abertas ao exercício por qualquer pessoa, coletiva ou singular, podendo ser prosseguidas por quaisquer espécies societárias ou associações, assim como por empresário em nome individual ou, individualmente, como simples forma de gestão de património pessoal. Como acertadamente referido na decisão arbitral recorrida, todas essas atividades são livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à execução de programas imobiliários, não se vendo que o tributo mereça censura constitucional por via da sua abrangência a todos esses sujeitos.

                […]

                 Na verdade, a escolha do facto tributário do AIMI recai sobre realidade económica relevante, pois a titularidade de um prédio imóvel urbano constitui, em si mesma, uma manifestação de riqueza – e uma riqueza determinável, por lhe ser social e juridicamente atribuído um valor de mercado –, revelando uma especial pujança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, que potencia posição negocial no comércio jurídico em geral, em especial a capacidade de angariar meios de financiamento. Exprime uma abastança, que não se mostra por qualquer forma infirmada pela forma como foi obtida (permanece inalterada caso a titularidade de direitos sobre prédios urbanos seja adquirida por ato oneroso ou gratuito), ou pela sua afetação a uma atividade económica, que pode ou não gerar lucro: como sublinha SÉRGIO VASQUES, «[Q]uando se tributa a substância do património não se está a tributar o rendimento pela segunda vez, está-se a tributar algo diferente» («Capacidade Contributiva, Rendimento e Património», Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, p. 39).

                Esse tem sido, aliás, o entendimento acolhido pelo Tribunal perante problema idêntico. Efetivamente, a questão de saber se a própria detenção de imóvel é idónea a revelar acrescida capacidade contributiva, independentemente da natureza jurídica do sujeito passivo e da atividade económica por este desenvolvida, mormente a exploração de uma atividade de índole imobiliária, foi já apreciada pela jurisprudência constitucional, com referência ao imposto que o AIMI substituiu. No Acórdão n.º 378/2018, o Plenário apreciou a conformidade constitucional da norma constante da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.00,00. Fê-lo no âmbito de recurso previsto no artigo 79.º-D, por se verificar oposição de julgados entre os Acórdãos n.º 250/2017 e 568/2016, afastando o entendimento de que naquele imposto se desconsiderava a natureza empresarial do sujeito passivo e confundia manifestações de riqueza e fatores de produção dessa mesma riqueza, ao mesmo tempo que se reconheceu que a titularidade do bem imóvel e a sua afetação social constituem índices seguros de capacidade contributiva. Pode ler-se no referido aresto:

                «Deve (...) sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1., como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de terminados valores patrimoniais, “independentemente da função desempenhada por tais ativos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)” (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentre desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos setores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.

                (...)

                Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muito menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos inerentes a cada um desses ramos de atividade. […]»

                Não obstante as diferenças estruturais do tributo aqui em apreço, atrás referidas, este entendimento mantém-se válido e é transponível para a apreciação da questão colocada no presente recurso. De acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma sindicada, o pressuposto económico atendido pelo legislador no AIMI é o de que persiste a força económica revelada pela detenção de direitos sobre um acervo patrimonial constituído por prédio(s) urbano(s) habitacional(is) e/ou terreno(s) para construção, manifestando, nas categorias de bens visadas pelo legislador – prédios habitacionais e terrenos para construção –, a capacidade contributiva do contribuinte, independentemente do objeto – mormente, do objeto societário - a que se dedique o sujeito, isto é, mesmo que a atividade eleita seja a exploração económica de prédios urbanos.

                Ao invés do defendido pela recorrente, não existe suporte para considerar que a racionalidade subjacente à definição do novo imposto parcial sobre o património não é compaginável com o que designa de oneração do setor imobiliário […].

                E, como já se disse no Acórdão n.º 378/2018, não decorre do programa constitucional de igualização tributária através dos impostos sobre o património uma qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, mormente das empresas do ramo imobiliário, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos.

                […]

                18. A introdução da referida diferenciação na estrutura interna do AIMI assenta eminentemente em razões de política económica: proteger a atividade económica das empresas titulares de prédios urbanos.

                De facto, foi através de razões de índole extrafiscal que o legislador justificou na Proposta de Lei n.º 37/XIII a norma de exclusão tributária, referindo que com ela se pretende «evitar o impacto deste imposto na atividade económica». A prossecução desse objetivo – a proteção da economia – na modulação de um tributo sobre o património é constitucionalmente legítima, por votada à realização de incumbência prioritária do Estado: a promoção das estruturas económicas (artigos 9.º, alínea d), e 81.º, alínea a) da Constituição), o que pressupõe o bom funcionamento das atividades económicas.

                Para prosseguir aquele objetivo de política económica, é patente que a exclusão tributária não se apresenta inadequada, desnecessária ou excessiva, já que o desagravamento tributário constitui um dos instrumentos de política fiscal com aptidão e capacidade para prosseguir o objetivo de proteção e estímulo das atividades económicas visadas. Com efeito, a proteção do comércio, assim como das indústrias, dos serviços ou outras atividades económicas, é um interesse extrafiscal que se pode revelar de maior grandeza do que os ganhos obtidos por via da arrecadação da receita do AIMI.

                Não significa isso, porém, que o legislador se tenha proposto afastar a tributação em AIMI de todas as atividades económicas, ou que o tenha feito em função da natureza dos sujeitos passivos, visando afastar o impacto do tributo nas entidades cujos ativos integrem prédios urbanos, mormente nos sujeitos de natureza empresarial.

                Novamente, a visão proposta pela recorrente comporta um desvio relativamente ao pressuposto económico do tributo e à sua estrutura: este não perspetiva, dinamicamente, a capacidade contributiva dos sujeitos passivos em função do desenvolvimento de uma determinada atividade económica; nem a occasio legis suporta o entendimento de que o legislador, através da norma sindicada, procurou eliminar um qualquer impacto financeiro na atividade dos agentes económicos, nomeadamente das pessoas coletivas que se dediquem a explorar uma atividade compreendida no setor imobiliário, setor económico em que a parcela de custos (dedutíveis em sede de IRC) decorrente da fiscalidade sobre o património imobiliário urbano será previsivelmente superior.

                […]

                Na redação final, os critérios assentes na atividade económica do contribuinte foram substituídos pela remissão para as espécies de prédios urbanos estabelecida no artigo 6.º do IMI, assim convocando para a esfera do AIMI os mesmos critérios e justificações em que assenta a base de incidência objetiva do IMI, ao mesmo tempo que foi afastada a solução de isenção até 600.000,00€, eliminando o elemento progressivo de base pessoal da tributação das pessoas coletivas e equiparadas. Nessa configuração, o âmbito de incidência objetiva do imposto foi significativamente reduzido, por afastada a incidência relativamente a todos os prédios com afetação comercial e para serviços (mesmo aqueles titulados por empresas cujo objeto social seja a de compra e venda de imóveis), além da espécie «outros», sendo essa a opção do legislador para minorar o impacto do tributo no tecido empresarial e preservar a sua competitividade, mormente nos mercados internacionais (nesse sentido, JOSÉ PIRES, O Adicional ao IMI..., p. 50).

                Então, e como refere a decisão recorrida, o racional da delimitação da incidência do imposto em pauta não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas sim, tal como no IMI, da afetação social do prédio urbano.

                […]

                19. […] Poderá objetar-se que os sujeitos passivos que adquirem prédios urbanos habitacionais para venda ou terrenos para construção de edificações, qualquer que seja a respetiva finalidade, e que fazem disso a sua atividade social, detêm os prédios para um fim último de índole comercial. Dir-se-á, então, que a diferença a que atende o legislador – excluindo estes prédios do âmbito da norma de desagravamento fiscal – não possui natureza e peso suficientes para justificar um tratamento desigual.

                Todavia, a situação fiscal dessas empresas já é considerada no âmbito interno do IMI. Com efeito, nos casos de aquisição de prédios para revenda e de terrenos para construção, prevê-se nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI a não sujeição ao IMI durante três e quatro anos, respetivamente, e, por força da alínea a) do n.º 3 do artigo 135.º-C do mesmo diploma, a não sujeição ao AIMI, em relação aos sujeitos passivos que estão coletados para o exercício dessa atividade. Durante o período de «não tributação» não há qualquer efeito tributário a considerar em sede de IMI, não sendo o imóvel uma realidade qualificada como prédio para efeitos fiscais. A razão de ser da não consideração tributária encontra-se no facto de o imóvel durante esse lapso de tempo ser compreendido como mercadoria para os demais efeitos fiscais. Como sublinha JOSÉ PIRES (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3.ª edição, 2015, p. 415), «o regime fiscal em IMI dos prédios comprados para revenda justifica-se pelo princípio de que este não é um imposto sobre as mercadorias mas sobre a riqueza, pelo que não se aplica a prédios para revenda que sejam considerados mercadorias no ativo de uma empresa que exerce aquela atividade. É por essa razão que o legislador fez questão de colocar sistematicamente este regime no capítulo da incidência do imposto e não no das isenções ou no Estatuto dos Benefícios Fiscais. É também por essa razão que a Lei define que a sujeição desses prédios a imposto só se inicia no final do terceiro ano seguinte àquele em que foram afetos ao ativo permutável das empresas. Por essa razão, e em sentido contrário, antes desse momento em que se inicia a tributação não existe sujeição a imposto».

                Em relação a esta espécie de imóveis apenas há diferenciação na estrutura do AIMI após três e quatro anos da detenção dos imóveis para venda ou construção. Todavia, após esse prazo, há motivo razoável bastante para distinguir, à luz do critério normativo em escrutínio, as diferentes espécies de prédios urbanos, pois a função que passaram a desempenhar já os diferencia dos prédios urbanos abrangidos na norma de exclusão tributária, atendendo à finalidade extrafiscal por ela visada.

                […]

                20. Idêntica ponderação do critério de afetação do imóvel pode ser avançada como razão para a exclusão da incidência relativamente aos prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, à luz de uma das finalidades a que destina a nova tributação, como seja a do financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, previsto no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redação da Lei n.º 42/2016. Tendo o princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, nos termos da respetiva Lei de Bases, o propósito de «redução dos custos não salariais da mão-de-obra » (artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), justifica-se ainda a exclusão da incidência quanto aos prédios urbanos destinados a atividades comerciais, industriais e para serviços pela consideração de que, sendo essas as tipologias mais frequentemente conexionadas com o funcionamento do tecido empresarial; de outro modo as empresas, já chamadas a suportar o financiamento da Segurança Social na qualidade de empregadores, veriam tendencialmente acrescidos (e não reduzidos como prescreve a Lei de Bases) os custos não salariais da mão de obra com a ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros do sistema trazida pela medida fiscal.

                Nesta perspectiva, encontra-se fundamento razoável e bastante para que, perante património imobiliário não destinado a tais atividades, cujos titulares não estarão associados com a mesma intensidade ao financiamento da Segurança Social como empregadores, o legislador tenha privilegiado a arrecadação de receita consignada ao mesmo sistema.

                E, tal como se concluiu relativamente ao propósito de promoção das estruturas económicas, também a esta luz a nova tributação satisfaz as exigências do princípio da proporcionalidade. Mostra-se adequada à finalidade visada – propicia o aumento de receitas -, é necessária – a diversificação e acréscimo das fontes de financiamento da Segurança Social é condição da sua sustentabilidade – e não se mostra desmedida, seja em função das taxas aplicáveis, designadamente às pessoas coletivas (artigo 135.º-J do CIMI), seja porque o imposto pago é dedutível à matéria tributável em IRC (artigo 135.º-J do CIMI).”

 

                À face do exposto, improcede o erro de direito alegado pelas Requerentes relativamente à interpretação e aplicação do artigo 135.º-A do Código do IMI subjacente aos atos de liquidação de AIMI impugnados, ou à alegada inconstitucionalidade que não se verifica, concluindo-se que o âmbito de incidência subjetiva deste imposto se projeta à generalidade das pessoas coletivas, independentemente da atividade por estas desenvolvida.

 

3.            A TRIBUTAÇÃO DOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO COM AFETAÇÃO A SERVIÇOS

 

                A título subsidiário, as Requerentes propugnam a invalidade parcial das liquidações de AIMI sustentada numa interpretação extensiva da cláusula de exclusão do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI e, caso assim não se entenda, na sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva (artigos 13.º e 104.º, n.º 3, ambos da CRP), quando interpretada no sentido de que a exclusão do âmbito de incidência do AIMI abrange os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e não já os terrenos para construção que se destinem a esses mesmos fins.

 

A este respeito interessa notar que o artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI dispõe que “[s]ão excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”, operando, desta forma, uma remissão expressa para o artigo 6.º que visa caracterizar o que se entende por prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.

 

Ora, como refere a Decisão Arbitral no processo n.º 664/2017-T:

 “É a todos os títulos evidente que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui. […]

De facto, o artigo 135.º-B do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional ao imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efetuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos.

Como vimos, esse preceito distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normativos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.

Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efetuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.

Ainda que se justificasse, numa perspetiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”

 

Esta posição, com a qual se concorda inteiramente, é reiterada em múltipla jurisprudência arbitral supra referenciada, improcedendo a posição das Requerentes no sentido de a cláusula de exclusão do AIMI (dever) ser interpretada extensivamente por forma a abranger os terrenos para construção com finalidade não habitacional, o que, como se viu, não tem sequer suporte gramatical no texto da lei.

 

                Quanto à invocada inconstitucionalidade da norma na sua interpretação literal, adere-se de novo ao entendimento sufragado no Acórdão n.º 299/2019 do Tribunal Constitucional, que conclui pela não inconstitucionalidade, no que é secundado pela jurisprudência ulterior . Extraem-se deste aresto, com relevância para a questão em análise, os seguintes fundamentos:

 

                               “ 17. […] Efetivamente, o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI contém norma de não sujeição tributária (ou de desagravamento fiscal stricto sensu), na modalidade de exclusão tributária, espécie acolhida no n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, alterado por último pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), e definida como medida estrutural de caráter normativo que estabelece delimitações negativas expressas da incidência.

                               Em virtude dessa norma, excluem-se do âmbito de incidência objetiva do AIMI – a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos de que o sujeito passivo seja titular – os prédios urbanos classificados pela lei fiscal como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», o que introduz, como é próprio da tipologia normativa, uma desigualdade de tratamento entre os sujeitos passivos do tributo: enquanto os titulares de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção (referidos nas alíneas a) e c) do artigo 6.º do CIMI) são obrigados ao AIMI, os titulares dos prédios com fins comerciais, industriais, para serviços ou outros, cujo destino normal não seja a habitação ou construção (referidos nas alíneas b) e d) do artigo 6.º do CIMI), não estão obrigados a tal adicionamento.

                               Pode dizer-se que, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, tais normas vivem «numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva», o que as vincula a uma especial legitimação: «a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância» (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 2007, pp. 457-458).

                               Sem embargo, a relação de igualdade pressuposta na norma de incidência não tem o mesmo conteúdo que a relação de igualdade exigida pela norma de não incidência. Aquela norma, porque descreve o facto gerador da obrigação tributária, não pode deixar de atender à força económica que o contribuinte tem para suportar o imposto; já a norma de não incidência, porque define um elemento negativo do tipo legal do facto tributário, deve atender ao critério escolhido pelo legislador na delimitação desse elemento negativo. Ou seja, as normas diferenciam-se tanto pelos seus efeitos quanto pelas suas finalidades: enquanto a norma de incidência representa uma interferência na esfera patrimonial do contribuinte, referindo-se à retirada da prestação pecuniária do contribuinte para o Estado, a norma de exclusão tributária projeta efeitos económicos mais abrangentes, de que a mitigação do impacto negativo na esfera patrimonial do contribuinte é instrumento; enquanto a norma de incidência tem por objetivo a arrecadação de receita, a norma de não incidência funcionaliza o tributo a outras finalidades.

                               Estas diferenças projetam-se no parâmetro constitucional em face do qual deve ser aferida a justificação normativa. A norma de incidência, porque consubstancia uma onerosidade para o património dos contribuintes, encontra-se vinculada a repartir o encargo tributário em função da capacidade que cada um tem para pagar o tributo – princípio da capacidade tributária; já a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério – princípio da igualdade. Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais. Nesta última, considerando os efeitos de desoneração ou mitigação que a exclusão tributária provoca no património dos contribuintes, não se coloca propriamente um problema de tributação sem correspondência na capacidade contributiva do sujeito passivo; desse modo, por não eleger os factos sobre os quais incide o tributo, o problema não reside na observância do princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto da tributação.

                               […]

                               21. Para além da crítica mais ampla à incidência objetiva do AIMI que se vem de apreciar, a recorrente problematiza especificamente a situação dos terrenos para construção. Aponta o facto de o sentido normativo impugnado comportar a tributação de terrenos para construção com afetação estabelecida a fins de comércio, indústria, serviços ou outros, quando a sujeição a AIMI é excluída relativamente aos prédios edificados para essas mesmas finalidades, independentemente da sua efetiva utilização. Considera que se está perante situações jurídico-subjetivas merecedoras do mesmo tratamento, sem que exista uma razão material que legitime constitucionalmente a diferença. Também neste ponto não lhe assiste razão, pois coloca em confronto realidades materialmente distintas, à luz do facto tributário e do pressuposto económico do AIMI.

                               Na verdade, a incidência do imposto sobre «terrenos para construção», tal como definidos no n.º 2 artigo 6.º do Código de IMI, decorre de nele se terem constituído direitos de construção ou de proceder a operações de loteamento, quer por via de por via de ato administrativo de concessão de licença ou autorização, quer pelo reconhecimento tácito resultante da admissão de comunicação prévia, quer, ainda, pela resposta favorável a pedido de informação prévia ou emissão de informação prévia favorável a operação de loteamento ou de construção. Acessoriamente, o legislador também acolheu, como critério de afetação à construção do terreno, que este seja adquirido expressamente para esse efeito e que possua viabilidade construtiva.

                               E, de acordo com o funcionamento normal do mercado, a titularidade de direitos sobre um terreno relativamente ao qual já se constituíram direitos a construir ou a lotear, ou reconhecidamente reúne condições de viabilidade construtiva, configura uma riqueza suscetível de avaliação autónoma do que venha a ser edificado, por força da expetativa juridicamente fundada que passa a incorporar a esfera jurídico-subjetiva do seu titular. Como refere JOSÉ PIRES (Lições de Impostos sobre o Património..., p. 140):

                                «No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua orografia. Mais importante que isso é um fator que lhe é extrínseco e que depende dos poderes público, que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existem, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir.

O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.

Devemos ter em conta que no terreno ainda nada está construído, mas a mera constituição de um direito de nele se vir a construir faz aumentar imediatamente o seu valor. Para além disso, a medida desse valor depende também, sempre, do valor do prédio que nele virá a ser construído. É assim que funcionam os mecanismos de mercado e foi também assim que o legislador concebeu o modelo de avaliação de terrenos para construção».

                               O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e prédio construído não são realidades económicas equivalentes ou assimiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário urbano. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no já referido Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada […].

                               Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois  mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.

                               […]

                               22.  […] Mas, para além dessa discussão sobre o direito ordinário, argumenta a recorrente que «constitui um tratamento discriminatório e arbitrário a tributação em AIMI de um “terreno para construção” com uma utilização potencial para [fins de comércio, indústria, serviços ou outros], enquanto não é tributado neste mesmo Adicional um prédio edificado com esta mesma utilização potencial», afirmação que radica na ponderação dos coeficientes de afetação (Ca) e de localização (Cl) tanto no cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios construídos, como dos terrenos para construção (artigo 45.º do Código do IMI), Esta visão assenta no pressuposto, que já vimos incorreto, de que a ratio do imposto impõe que a incidência seja recortada em função de uma avaliação casuística da afetação do imóvel a uma atividade económica. Ao invés, o legislador mobilizou os mesmos critérios normativos objetivos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma das espécies previstas no artigo 6.º do Código do IMI, para o que é irrelevante que o titular do prédio utilize em toda a sua latitude, ou não utilize de todo – por razões de oportunidade ou outros - a aptidão do mesmo para a finalidade para que está licenciado ou a que se destina normalmente. Uma tal ponderação seria relevante num outro modelo de tributação do património e de cálculo do respetivo valor, no qual fosse atendido o rendimento-produto, que não aquele que veio a ser positivado na reforma operada em 2003. Nesta, vingou o critério do valor real ou de mercado para apurar o respetivo valor, a partir das categorias rígidas previstas no artigo 6.º (sobre os vários modelos de tributação do património e a sua evolução em Portugal, cfr. CASALTA NABAIS, «A respeito do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis», cit., pp. 32-45; e JOSÉ PIRES, Lições de Impostos sobre o Património ..., pp.16-32, e O Adicional ao IMI..., pp. 29-38).

                               […]

                               Por outro lado, é claro que, obedecendo a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI ao desiderato de não onerar excessivamente os ativos imobiliários com função intermediária no seio de organização empresarial do sujeito passivo, quanto aos terrenos para construção esse nexo funcional não se encontra ainda estabelecido com suficiente garantia, uma vez que o seu titular não está em absoluto impedido de alterar a finalidade projetada, de modo a destinar à construção de prédios para habitação terrenos inicialmente licenciados para construção com outras destinações. Já no caso dos prédios edificados, com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de vir a existir desconformidade entre a utilização normal e a materializada, mormente nos casos em que não haja licenciamento, ou outra intervenção constitutiva de direitos dos poderes públicos, assume o legislador que a probabilidade de um tal desvio é escassa e, nessa medida, que o risco se mostra insuficiente para colocar em crise a conformação do imposto. Uma tal avaliação empírica, que não se evidencia desrazoável, situa-se na margem de liberdade de conformação do legislador democrático, não cabendo ao Tribunal proceder ao seu escrutínio no âmbito do controlo da igualdade, na sua vertente negativa, aqui convocada.

                               Assim sendo, nem o termo eleito para comparar as situações jurídico-subjetivas – a utilização potencial dos prédios urbanos – comporta relevo no núcleo problemático em equação, nem os titulares das duas tipologias de prédios urbanos postas em confronto – terrenos para construção com fins de comércio, indústria, serviços ou afins, por um lado, e prédios construídos classificados, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, como «comerciais, industriais ou para serviços» ou «outros», por outro - estão em posição equiparável, de acordo com o facto tributário e a estrutura de incidência objetiva do AIMI, pelo que não se encontra, também neste ponto, fundamento para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma questionada, na específica hipótese em apreciação.

                               23. Pelo exposto, a tributação do AIMI não merece censura à luz dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 104.º, n.º 3, da Constituição).”

 

                Em face do exposto, impõe-se concluir que os atos tributários de liquidação de AIMI não enfermam do vício material de erro de direito que foi suscitado pelas Requerentes, mantendo-se válidos na ordem jurídica, com a consequente improcedência, in totum, do pedido de pronúncia arbitral.

 

4.            JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

                Tendo em consideração as conclusões que antecedem, julgam-se, de igual modo,  improcedentes os pedidos acessórios de reembolso das importâncias de AIMI pagas pelas Requerentes acrescidas de juros indemnizatórios, por respeitarem a atos de liquidação válidos, não se verificando os respetivos pressupostos, em concreto o erro imputável aos Serviços do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido ( artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Salienta-se que não há que proceder à notificação ao Ministério Público da presente decisão arbitral, por não se verificarem as condições de que depende o correspondente recurso para o Tribunal Constitucional, pois não foi recusada a aplicação de qualquer das normas em apreciação (artigos 135.º-A e 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI) por inconstitucionalidade ou ilegalidade, nem se verificam os demais pressupostos previstos no artigo 72.º, n.º 3 da LTC. 

 

 

V.           DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado (principal e subsidiário), e, em consequência, manter na ordem jurídica as liquidações de AIMI impugnadas, referentes ao ano 2018, com as legais consequências, nomeadamente de improcedência dos pedidos dependentes de reembolso do valor de imposto pago e de juros indemnizatórios.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 474.380,40 (quatrocentos e setenta e quatro, trezentos e oitenta euros e quarenta cêntimos) – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

 

Lisboa,26 de Novembro de 2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Sérgio Vasques

Manuel Pires

Alexandra Coelho Martins