Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 67/2021-T
Data da decisão: 2021-12-21  ISV  
Valor do pedido: € 464,81
Tema: ISV – Admissão veículo usado da UE – Componente Ambiental.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 22.06.2020, decide:

  1. RELATÓRIO

 

A..., titular do NIF..., com residência na ..., n.º ..., ...-... ..., Braga, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre veículos (ISV) constante na Declaração Aduaneira de Veículos (“DAV”) n.º 2019/... de 09/01/2020, pelo valor de € 464,81, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

  1. O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28 de janeiro de 2021.
  2. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 11 de novembro de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 22 de junho de 2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  3. Em 9 de setembro de 2021, a Requerida junta aos autos a sua resposta, na qual se defende por impugnação, pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também processo administrativo (PA).
  4. A Requerida começa por sublinhar o Princípio da Equivalência, devendo os contribuintes ser onerados “na medida dos custos que […] provocam no ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária”, nos termos do disposto no artigo 1.º do Código do ISV. Sustenta que apesar da proibição de discriminação entre produtos nacionais e produtos originários de outros Estados-Membros, estabelecida no artigo 110.º do TFUE, a mesma não pode deixar de subordinar-se aos objetivos ambientais consagrados no artigo 191.º do TFUE, nomeadamente a preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente.
  5. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação do ISV por si liquidado e a restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante indevidamente pago, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do ISV até à data do seu efetivo e integral reembolso.
  6. A reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, foi dispensada.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados
  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. O Requerente introduziu em Portugal, com origem na Alemanha, um veículo automóvel de passageiros usados, um da Marca ..., modelo ..., movido a gasóleo, a que foi atribuída a matrícula ... (cfr. DAV).
    2. No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu entrega da Declaração Aduaneira dos referidos veículos, através apresentação das DAV acima mencionada, tendo a Administração Tributária liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 5.435,41 (cfr. DAV).
    3. De acordo com a informação constante da referida DAV, o valor global de ISV liquidado tem como parcelar um montante de € 3.775,38, referente à componente cilindrada e um montante de € 1.660,03, referente à componente ambiental.
    4. No que concerne à componente de cilindrada, foi deduzida uma quantia no valor de € 1.468,20, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados (Cfr. DAV).
    5. Relativamente ao montante de € 1.660,03, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução (cfr. DAV).
    6. Por não se conformar com a liquidação de ISV efetuada pela AT, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental, o Requerente apresentou, junto da Alfândega de Braga, uma reclamação graciosa do correspondente ato de liquidação de ISV, que foi objeto de indeferimento por decisão de 17 de julho de 2017.
    7. Face ao indeferimento da reclamação graciosa, o Requerente apresentou Recurso Hierárquico que foi igualmente objeto de indeferimento por decisão datada de 21 de outubro de 2020 de 2020, decisão notificada por carta registada com aviso de receção a 2 de novembro de 2020.
  1. Factos não provados
  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
  3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
  1. DO DIREITO E DO MÉRITO
  1. Questões a decidir
  1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem como fundamento a ilegalidade da norma vertida no artigo 11.º do Código do ISV, relevante na liquidação ora impugnada, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).
  1. Os fundamentos da Requerente quanto à ilegalidade parcial dos atos de liquidação de ISV
  1. Alega o requente que o valor de ISV correspondente à componente ambiental, sem a redução emergente do número de anos de veículo, à semelhança do que se verificou no cálculo da componente cilindrada, contagia, de acordo com o seu entendimento, a liquidação efetuada pela AT (do valor total a pagar a título de ISV pelo contribuinte) por vício de ilegalidade.
  2. Assim, entende a Requerente que a atual redação do artigo 110.º do TFUE não é tida em conta pelos atuais contornos do artigo 11.º do Código do ISV.
  3. Para o efeito, alega que o artigo 11.º do Código do ISV não pode, em conformidade com o que o artigo 110.º do TFUE prescreve, calcular o imposto sobre veículos usados, oriundos de outro Estado Membro sem ter em conta a depreciação dos mesmos.
  1. Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade dos atos de liquidação de ISV
  1. Em resposta, a Requerida alega que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.
  2. Depois de descrever de forma genérica a legislação nacional no que diz respeito à incidência, objetiva e subjetiva, determinação da base tributável, taxas aplicáveis, facto gerador e exigibilidade do imposto, a Requerida, para demonstrar a compatibilidade do artigo 11.º do Código do ISV com o direito comunitário, alega, no essencial, que constitui facto assente que este veículo, tratando-se de veículo usado (cf. se retira da documentação que integra o PA), encontra-se, consequentemente, sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV.
  3. Pelo que, tratando-se de veículo ligeiros de passageiros, usado, com emissão de gases CO2 indicado na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada (cf. PA).
  4. Realçando-se, assim, que, em sede de regime de ISV, o veículo foi tributado de acordo com as normas ínsitas nos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º, n.º 1 e n.º 3.º do Código do ISV, em vigor.
  5. Assim, atenta toda a documentação, que integra o PA, resultam comprovados, face à lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, a liquidação de ISV que ora vem impugnada.
  6. Sendo que, tal opção legislativa, pretendendo imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados, não contraria o direito comunitário nem aquela decisão do TJUE, antes visa respeitar as orientações comunitárias em matéria da redução das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto.
  7. O 11.º do CISV nos moldes acima mencionados encontra-se, assim, também, em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.
  8. A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros.”
  9. Concluindo, que o artigo 11.º do Código do ISV, alterado de acordo com o disposto na CRP em matéria ambiental, não pode ser afastado, ainda que com fundamento na aplicação, no direito interno, por via do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, do artigo 110.º do TFUE.
  10. Configurando a aplicação da interpretação, pugnada pelo Requerente, uma desaplicação do direito internacional - do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris - que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP.
  11. Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, nos termos explanados, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, quanto à componente ambiental, sem mais, impondo-se que se afira a sua conformidade com os supra identificados comandos constitucionais.
  12. Concluindo-se que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.
  13. Destarte, tendo o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, a liquidação, na parte que vem impugnada, efetuada pela identificada alfândega, manter-se na ordem jurídica.
  14. Da interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pelo Requerente resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).
  15. Concomitantemente, no que concerne ao princípio da legalidade tributária, nos termos do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, estão sujeitos a este princípio a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, bem como a liquidação e cobrança dos tributos.
  16. Ora, no caso concreto a administração tributária agiu nos termos da lei, de acordo com as normas de incidência, taxas e liquidação do imposto em causa, não podendo ter atuado de modo diferente, face ao direito constituído sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica.
  17. Assim, relativamente à liquidação ora impugnada, a mesma foi efetuada de acordo com as normas aplicáveis em vigor, o artigo 7.º e o artigo 11.º do CISV.
  18. Mas, sustentando o Requerente a anulação parcial do ato de liquidação, face à atual redação do artigo 11.º, introduzida pela Lei do OE para 2017, lei de valor reforçado, não é possível extrair da norma a aplicação de uma nova redução, além da prevista no artigo 7.º do CISV, atinente à componente ambiental.
  19. De facto, não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º.
  20. Sendo que o intérprete tem de se socorrer dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua racionalidade (razão de ser/ratio legis).
  21. Nesta medida, a interpretação do Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, e o artigo 9.º, alínea e) e artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental.
  22. Está em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida consagrado no n.º 1 do artigo 66.º da CRP, isto é, o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, e do qual resulta (n.º 2), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP).
  23. E, estabelecendo o artigo 66.º (cf. alíneas f) e h) do n.º 2) a adoção de medidas de âmbito setorial e a política fiscal enquanto instrumento de proteção do ambiente e qualidade de vida, que podem consistir no agravamento fiscal de veículos particularmente poluentes, a CRP consagra expressamente, neste âmbito, um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente, por estarem em causa bens constitucionalmente protegidos de natureza coletiva, merecedores de tutela jurisdicional.
  24. Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, impondo-se que se afira a sua conformidade com os princípios constitucionais consagrados no artigo 9.º e 66.º da CRP, até porque está em causa matéria de reserva de lei (âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República) o que deve ser apreciado.
  25. Acrescendo que, a interpretação defendida pelo Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.
  26. Por outro lado, a aplicação de tal redução, não prevista na lei, não pode deixar de se considerar como um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei e que é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, que coloca igualmente o Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal.
  27. Ademais, a pretensão do Requerente, além de não se estribar na lei e violar os acima indicados princípios constitucionais também olvida que estamos perante um imposto sobre o consumo não harmonizado, e que a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.
  28. E, sendo um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” o da interpretação conforme à Constituição1, de acordo com este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.
  29. Não podendo, assim, deixar de se considerar o artigo 204.º da CRP, que impõe que os tribunais não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
  30. Por outro lado, ao defender a ilegalidade da liquidação por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, o Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, uma violação do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva.
  1. Apreciação
    1. Desconformidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE
  1. Face ao exposto, a questão que se apresenta a resolver no presente processo arbitral visa a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV acima identificado e a sua subsequente anulação parcial e restituição do imposto pago, bem como os juros indemnizatórios calculados sobre o referido montante.
  2. Como já exposto, na sequência da apresentação das DAV referidas, foi liquidado à Requerente o valor total de 5.435,41 euros, correspondendo 3.775,38 euros à componente cilindrada, e 1.660,03 euros à componente ambiental, sobre a qual não incidiu qualquer redução por 'Anos de Uso'.
  3. Ora, de acordo com a posição do Requerente, deveria ter sido aplicada à "componente ambiental' uma percentagem de redução de acordo com o número de anos de uso dos veículos.
  4. Para o efeito, o Requerente entende que as liquidações em causa, que tiveram como fundamento o artigo 11.º, do Código do ISV, violam o disposto no artigo 110.º do TFEU, por desconsiderar essa desvalorização na componente mais relevante do cálculo de imposto —  a emissão de CO2 — nomeadamente, porque "um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre tais veículos não considera a depreciação real do mesmo e não permite acautelar que o montante de imposto fixado não exceda o imposto residual incorporado no valor de um veículo usado matriculado em território nacional”.
  5. É na sequência deste entendimento que o Requerente pretende que lhe seja restituída a quantia de 464,81 euros, pagos em excesso, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data liquidação do tributo até à efetiva restituição.
  6. Em sentido diametralmente oposto, a AT defende a legalidade da liquidação de acordo com os argumentos acima expostos.
  7. Ora, sobre esta situação o CAAD já se pronunciou várias vezes.
  8. Mencionamos, a título meramente exemplificativo o processo n.º 660/2019-T, onde a situação sub judice é basicamente a mesma.
  9. Seguimos o referido acórdão, com o qual concordamos na íntegra.
  10. Também aqui entendemos que o teor do artigo 11.º, do Código do ISV, viola o disposto no direito comunitário, nomeadamente, o artigo 110.º, TFUE.
  11. Destarte, será de anular parcialmente o ato tributário, na medida em que o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não se considerou a aplicação das percentagens de redução em resultado dos 'Anos de Uso' da componente ambiental, conforme determina o citado artigo 110.º do TFUE.
  12. Quanto à questão da alegada inconstitucionalidade defendida pela Requerida em relação à interpretação defendida pela Requerente, não vemos como essa interpretação viola o disposto nos preceitos constitucionais referidos pela Requerida.
  1. Do pagamento de juros indemnizatórios
  1. Determina o n.º 5 do artigo 24.º, do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
  2. Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, e artigo 100.º, da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  3. Determina ainda a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
  4. Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativo ao ISV na parte em que a liquidação é anulada, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já referida.
  5. Assim, considerando o disposto no artigo 61.º, do CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante de ISV pago indevidamente, contabilizados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º, do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do efetivo ree7mbolso.
  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV;
  2. Anular parcialmente a liquidação impugnada, quanto ao valor global de € 464,81;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso do ISV acrescido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagar à Requerente a quantia de € 464,81, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até que ocorra o reembolso.
  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 464,81 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se o Ministério Público da presente decisão.

 

 

Lisboa, 21 dezembro de 2021

 

(Armando Oliveira)