Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 669/2018-T
Data da decisão: 2019-09-02  Selo  
Valor do pedido: € 441.884,23
Tema: Imposto do Selo - Fundo de Investimento; Art. 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros, Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro-presidente), Jónatas Machado e Marisa Almeida Araújo (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – Relatório

 

1. A..., doravante designada por “Requerente”, com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, titular do Número único de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ..., em representação do B...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, doravante designado por “Fundo”, com o número de identificação postal n.º..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral a 05/11/2018, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento tácito da procedimento de Reclamação Graciosa e a anulação parcial dos actos tributários de Imposto de Selo, com as devidas e legais consequências.

 

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos,

 

a)            A Requerente representa o Fundo supra identificado, nos termos do Regulamento de Gestão – junto aos autos –, que se constitui como um fundo de investimento aberto de acumulação que iniciou a sua atividade a 5 de fevereiro de 2001 depois de deliberação do Conselho Directivo da CMVM que o autorizou a 25 de janeiro de 2001.

b)           No âmbito da prossecução dos objectivos e respectiva actividade, o Fundo tem vindo a recorrer a financiamento junto do Banco C..., nomeadamente – considerando o objecto sub judice – o contrato de abertura de crédito por descoberto em conta celebrado entre o Fundo e aquela instituição bancária, associada à conta de depósito à ordem n.º... .

c)            O Banco C..., na qualidade de sujeito passivo do imposto, liquidou e entregou o Imposto do Selo devido com referência àquele contrato através das respectivas guias de pagamento de imposto.

d)           O Banco referido fez repercutir o Imposto do Selo liquidado na esfera do Fundo, enquanto utilizador dos créditos, tendo este suportado integralmente tal encargo – a saber:

 

e)           Não obstante a Requerente entende que as liquidações não cumprem a legislação aplicável entendendo que as mesmas beneficiam da norma de isenção consagrada na al. e) do n.º 1 do art. 7.º do Código do Imposto do Selo.

f)            Nessa esteira, a Requerente entende que, se encontram isentas de Imposto do Selo – nos termos do aludido preceito (ex vi art. 1.º e Verbas 17.1 e 17.3) – já que as operações financeiras estão associadas a “concessão de crédito”, a entidade mutuante é qualificada como “instituição de crédito” nos termos da lei e, o Fundo, na qualidade de mutuária configura uma “instituição financeira” nos termos previstos “na legislação comunitária”.

g)            Sendo, exactamente neste último caso - instituições financeiras previstas na legislação comunitária – que a Requerente entende que os “fundos de investimento imobiliário”, nos termos da Directiva 2015/849, no seu art. 3.º n.º 2 define “instituição financeira”, se inclui naquele conceito.

h)           Suscita ainda a Requerente a Directiva 2011/61/EU do Parlamento e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos Gestores de fundos de investimento alternativos, que na respectiva definição prevista na al. a) do n.1 do art. 4.º, conclui a Requerente que resulta que também os fundos de investimento imobiliário – considerando a sua actividade e estrutura – deverão ser considerados como tipologia dos “fundos de investimento alternativos”, para efeitos da Directiva.

i)             Já que, relativamente ao critério i), previsto na al. a) do art. 4.º da Directiva 2011/61/EU o Fundo é constituído por capital dos seus participantes, sendo que o objectivo é maximizar o valor do seu património líquido através da realização de investimentos, predominantemente imobiliários, em benefício daqueles.

j)             No que tange ao critério ii) não tendo sido requerida a autorização aí referida ao abrigo do art. 5.º da Directiva 2009/65/CE e, a mesma não tem aplicação ao Fundo em questão.

k)            Concluindo, assim, a Requerente, que o Fundo é uma subespécie de “fundo de investimento alternativo” e, portanto, para os efeitos em apreço, deve ser considerado como “instituição financeira” conforme previsto em legislação comunitária.

l)             E portanto, deve o mesmo beneficiar, conforme conclui, da isenção de Imposto do Selo consagrada na al. e) do n.º 1 do art. 7.º do Código de Imposto do Selo.

m)          A Requerente apresentou a respectiva reclamação graciosa a 20 de junho de 2018 que não teve, até à data, decisão expressa. Tendo, a 21 de dezembro de 2018, dado entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.

n)           A Requerente, considerando que entende aplicável a aludida isenção, peticiona que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e parcialmente anulados os actos tributários de Impostos do Selo, porque ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito e seja, em consequência, a Requerente reembolsada dos valores pagos indevidamente e a AT condenada nos respectivos juros indemnizatórios (directamente ao Fundo, na qualidade de terceiro repercutido).

 

2. A AT respondeu, a 9 de abril de 2019, e juntou o PA, concluindo pela improcedência do pedido arbitral, alegando, sumariamente que,

 

a)            A Requerente constituiu-se como organismo de investimento imobiliário aberto, tem por objeto a atividade a que corresponde o código CAE “64300 - Trusts, fundos e entidades financeiras similares” e o exercício secundário da atividade a que corresponde o CAE “68100 - Compra e venda de bens imobiliários”, representado pela Requerente conforme decorre do Regulamento de Gestão, o depositário dos seus ativos e a sua entidade comercializadora é o “Banco C..., S.A.” (NIPC...), encontrando-se registado na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM) como intermediário financeiro desde 29-07-1991.

b)           A 20/06/2018, a Requerente apresentou junto da AT reclamação graciosa, com vista à anulação dos atos tributários de imposto do selo em apreço, referentes à verba 17 da TGIS (Tabela Geral de Imposto de Selo), que foram efetuados pelo Banco C... S.A., (enquanto sujeito passivo do imposto), e cobrados à Requerente, entre junho de 2016 e fevereiro de 2018, no valor total de € 441.884,23, em cumprimento da obrigação enquanto titular do interesse económico.

c)            A Requerente alega que estando em causa contrato de crédito concedido por uma instituição de crédito/instituição financeira, os juros e comissões cobrados relacionados com tal concessão de crédito a outra entidade cuja forma e objeto social preenchem o tipo de sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, deveria ter sido aplicada a isenção estabelecida na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, invocando o entendimento da Informação vinculativa prestada no âmbito do processo ... - IVE Nº. ...3, com despacho concordante da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 07-07-2017.

d)           A Requerida concorda que a AT tem entendido que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estarão isentos de imposto do selo ao abrigo da alínea n) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições de crédito aí referidas.

e)           Mas entende que a Requerente não faz prova de que estamos perante imposto do selo cobrado nos termos da referida norma de isenção.

f)            A Requerida sustenta, assim, a improcedência do pedido arbitral.

 

3. No seguimento do processo a Requerente veio aos autos juntar dois documentos tendo sido dada oportunidade à Requerida para se pronunciar em sede de alegações. Não foi agendada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por se entender despicienda para a boa decisão da causa.

Requerente e Requerida não apresentaram alegações.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 20 de dezembro de 2018.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

5. Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.

 

1.            O Fundo constituiu-se como organismo de investimento imobiliário aberto, tem por objeto a atividade a que corresponde o código CAE “64300 - Trusts, fundos e entidades financeiras similares” e o exercício secundário da atividade a que corresponde o CAE “68100 - Compra e venda de bens imobiliários”, representado pela sociedade “A...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.”, NIPC..., na qualidade de sociedade gestora.

2.            A 20-06-2018, a Requerente apresentou junto da AT reclamação graciosa, com vista à anulação dos atos tributários de imposto do selo que foi tacitamente indeferida.

3.            Em causa contrato de crédito concedido pelo Banco C...– o contrato de abertura de crédito por descoberto em conta celebrado entre o Fundo e aquela instituição bancária – associada à conta de depósito à ordem n.º..., celebrado a 12 de maio de 2011 e alterado por aditamentos subsequentes.

4.            O Banco C..., na qualidade de sujeito passivo do imposto, liquidou e entregou o Imposto do Selo devido com referência àquele contrato através das respectivas guias de pagamento de imposto.

5.            O Banco referido fez repercutir o Imposto do Selo liquidado na esfera do Fundo, enquanto utilizador dos créditos, tendo este suportado integralmente tal encargo.

 

 

Não há factos dados como não provados com relevância para a causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e documentos juntos com requerimento da Requerente de 23 de abril de 2019.

A Requerente juntou aos autos – conforme Doc. N.º 2 junto aos autos com o pedido de pronuncia arbitral – declaração emitida pela mutuante com identificação dos contratos de empréstimo e identificação das guias de pagamento através das quais foi liquidado o Imposto do Selo repercutido na esfera do Fundo ao abrigo dos contratos de empréstimo em apreço e juntos aos autos pela Requerente,

Para além disso, a Requerente, uma vez mais por elemento documento – Doc. N.º 4 junto com o pedido – juntou extractos bancários, com referência ao débito de juros, dos quais resulta a verba da Tabela do Imposto do Selo aplicada, a taxa e o valor do imposto, bem como identificação do contrato de empréstimo.

A Requerente demonstrou, por prova documental, que o imposto incide no contrato de crédito concedido pelo Banco C...– o contrato de abertura de crédito por descoberto em conta celebrado entre o Fundo e aquela instituição bancária – associada à conta de depósito à ordem n.º..., celebrado a 12 de maio de 2011 e alterado por aditamentos subsequentes, conforme documentos juntos aos autos nos termos referidos.

Para complementar juntou ainda a Requerente – como Doc. N.º 2 do requerimento autónomo supra referido – facturas emitidas pelo Banco com identificação dos montantes do Imposto em apreço nos autos.

Considerando o teor do suporte documental junto aos autos o tribunal não tem dúvidas quanto ao objecto sobre o qual incide o imposto dando, assim, os factos descritos, como provados.

 

Matéria de direito

 

6. Apreciação das questões suscitadas pela Requerente

 

6.1. Instituição financeira no direito comunitário

 

A questão fundamental objeto do presente processo consiste em saber se o fundo de investimento imobiliário B..., deve ser considerado uma instituição financeira, no âmbito do Direito da União Europeia, para poder beneficiar da isenção de Imposto de Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código de Imposto de Selo (CIS). Nos termos do que aí se dispõe, estão isentos de imposto de selo:

 

“Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

 

Deve mencionar-se, ainda, o n.º 7 do mesmo artigo 7.º do CIS, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março, onde se refere que “O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”.

 

No caso concreto, a norma resultante da leitura conjugada destes preceitos permitiria isentar de imposto de selo os juros, comissões cobradas, garantias prestadas e utilização de crédito concedido por instituições de crédito, na qualidade de mutuantes, a instituições financeiras previstas na legislação comunitária, na qualidade de mutuárias, umas e outras domiciliadas em Estados Membros da União Europeia. Ao remeter para as instituições previstas na legislação comunitária a norma citada segue uma orientação semelhante à do artigo 11.º n.º 2, da LGT onde se dispõe que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.” Só que, no caso concreto, não há margem para dúvidas na medida em que é o próprio artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS a remeter para o conceito de instituição financeira previsto na legislação comunitária.

Esta remissão para um conceito técnico-jurídico – o de instituição financeira – com o sentido que lhe corresponde no direito da União Europeia deve ser lida e interpretada como concretizando as exigências de segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitas no princípio do Estado de direito, que o texto constitucional adscreve ao direito fiscal.

A doutrina especializada tem abordado a figura dos fundos de investimento imobiliário, como o B..., no quadro dos organismos de investimento coletivo (OIC). Um estudo académico de Patrícia Andreia de Oliveira Jordão (Os Fundos de Investimento Imobiliário, ISCAL, Lisboa, 2010, 1) caracteriza a figura do organismo de investimento coletivo como uma instituição que “tem como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes, como são os Fundos de Investimento Imobiliário”, esclarecendo logo a seguir que “um fundo de investimento imobiliário é aquele que faz as suas aplicações fundamentalmente em bens imóveis representando um produto financeiro alternativo às habituais formas de aplicação das poupanças dos investidores, designadamente em depósitos bancários e no investimento direto no mercado de capitais”.

O artigo 4.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva n.º 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n. ° 1060/2009 e (UE) n.° 1095/2010, recorta, dentro da categoria dos organismos de investimento coletivo, a subcategoria dos fundos de investimento alternativo (FIA), caracterizados por  reunirem  capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimento definida em benefício desses investidores, e não requerendo a autorização prevista no artigo 5.º da Directiva 2009/65/CE, de 13 de Julho, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM). Esta classificação corresponde à constante da Lei n.º16/2015 (alterada pelo Decreto-Lei 124/2015, de 7 de julho) – que transpõe parcialmente as Diretivas n.ºs 2011/61/UE, e 2013/14/UE – que consagra o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, a qual, no artigo 2.º alínea aa), ii., reconduz à categoria dos “organismos de investimento alternativo” os “organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados «organismos de investimento imobiliário». Por satisfazer os respetivos critérios, o B... deve ser qualificado como um organismo de investimento imobiliário, mais concretamente, um FIA. 

No âmbito do direito da União Europeia, deve considerar-se o disposto na Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. No seu artigo 3.º, n.º 2, alínea d), a mesma reconduz expressamente ao conceito de “instituição financeira” os organismos de investimento coletivo que comercializem as suas ações ou unidades de participação. Assim sucede, com os fundos de investimento abertos, como é o caso do B..., em que os investidores podem subscrever (comprar) e resgatar (vender) unidades de participação a qualquer momento.

  Importa ainda duas ordens de considerações aduzidas pelo Tribunal Arbitral do CAAD na Decisão respeitante ao Processo n.º 123/2018-T, de 28-9-2018. Na mesma linha aponta a taxonomia das instituições financeiras há muito adotada pelo Banco de Portugal, nomeadamente para efeitos de recolha de dados estatísticos. Aí se distinguem diferentes tipos de instituições financeiras, a saber, as instituições financeiras monetárias (IFM) e as instituições financeiras não monetárias (IFNM). As IFM incluem, para além do Banco de Portugal, os bancos, as caixas económicas, as caixas de crédito agrícola mútuo e os fundos do mercado monetário. A categoria das IFNM, que deixa de fora as sociedades de seguros e os fundos de pensões, inclui, na subcategoria dos intermediários financeiros, entre outros, os fundos de investimento (com exceção dos fundos do mercado monetário), juntamente com sociedades de capital de risco, sociedades de factoring, sociedades financeiras, sociedades financeiras para aquisições a crédito, sociedades gestoras de participações sociais do setor financeiro ou as sociedades de locação financeira. Na qualidade de auxiliares financeiros, a categoria das IFNM inclui ainda, designadamente, as sociedades gestoras de fundos de investimento . 

Esta classificação é relevante, em sede de interpretação e aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, do CIS, na medida em que corresponde à adotada pelo Banco Central Europeu, que também considera os fundos de investimento (FI), excluindo fundos de pensões e fundos do mercado monetário, como instituições financeiras não monetárias , incluindo-os na lista das instituições financeiras .

De acordo com as tipologias geralmente adotadas, o B... é um fundo de investimento imobiliário, inserido na categoria das instituições de investimento coletivo, designadas por “organismos de investimento coletivo” , devendo por isso ser considerada uma instituição financeira, à luz do direito comunitário. De resto, o Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEF), no Parecer n.º 25/2013, de 28.5 – versando sobre a eventual sujeição a imposto de selo das comissões de gestão cobradas por uma sociedade de capital de risco a título de administração de um fundo de capital de risco – analisou o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo. Nesse Parecer, o CEF sustentou que tanto os fundos como as sociedades de capital de risco são consideradas instituições financeiras à luz da legislação comunitária e nacional.

Neste mesmo sentido se pronunciou uma ficha doutrinária resultante de uma Informação Vinculativa respeitante a um caso idêntico ao aqui apreciado , onde a AT declara que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como instituição financeira, nos termos da legislação da União Europeia, e como tal devem considerar-se isentos de imposto do selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades aí referidas. Aí se sustentou que, do mesmo modo que um fundo de capital de risco deve ser qualificado como FIA, e, como tal, é uma "Instituição Financeira", também um fundo de investimento imobiliário deve, igualmente, ser qualificado como tal.

 

Os dados normativos e interpretativos acabados de expor apontam para a consideração do B... como uma instituição financeira ao abrigo das normas do direito financeiro da União Europeia. Ora, o Banco C..., na qualidade de sujeito passivo do imposto, liquidou e entregou o Imposto do Selo devido com referência ao contrato de abertura de crédito por descoberto em conta celebrado entre o Fundo e aquela instituição bancária através das respectivas guias de pagamento de imposto. O Banco referido fez repercutir o Imposto do Selo liquidado na esfera do Fundo, enquanto utilizador dos créditos, tendo este suportado integralmente tal encargo. Decorre do anteriormente exposto, porém, que em face do artigo 1.º n.º 7, alínea e), do CIS e do artigo 11.º, n.º 2, da LGT devem considerar-se isentos de imposto de selo os créditos, juros e comissões a ele cobrados pelo Banco C... . Por esse motivo, deve ser declarada a ilegalidade das respetivas liquidações, sendo devido o reembolso integral da quantia de € 441.884,23 liquidada e entregue ao Estado indevidamente.

 

6.2. Reembolso e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Apesar de ser, essencialmente, um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea». Nos termos do n.º 5 deste mesmo artigo, “Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.”

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No caso em apreço, está em causa a liquidação ilegal de imposto de selo, ao fundo imobiliário, sem atender à isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), e n.º 7, do CIS, contrariando, além das Diretivas n.º 2011/61/UE e nº 2015/849, o entendimento sustentado pelo Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEF), no Parecer n.º 25/2013, de 28.5 – versando sobre a eventual sujeição a imposto de selo das comissões de gestão cobradas por uma sociedade de capital de risco a título de administração de um fundo de capital de risco – pela própria AT, em ficha doutrinária resultante de uma Informação Vinculativa respeitante a um caso idêntico ao aqui apreciado .

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

1)            Declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento tácito no âmbito do Procedimento de Reclamação Graciosa.

2)            Declarar a ilegalidade parcial dos atos tributários do Imposto de Selo, a que respeitam as guias contestadas, por erro nos pressupostos de facto e de direito;

3)            Determinar o reembolso do montante do Imposto de Selo indevidamente pago no montante de € 441.884,23 juntamente com o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

IV -Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 441.884,23, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

V- Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00 a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de setembro de 2019

 

O árbitro-Presidente

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

O árbitro vogal

(Marisa Almeida Araújo)

 

O árbitro vogal

(Jónatas Machado)