Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 664/2020-T
Data da decisão: 2021-07-05  IRS  
Valor do pedido: € 3.671,62
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Discriminação de não residentes - Compatibilidade com o art. 63º TFUE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. No dia 24-11-2020, os sujeitos passivos A... e marido B..., contribuintes nºs ... e..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, e residentes em ..., ..., ..., em França, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS nº 2020... de 2019, emitida pelo Serviço de Finanças – Lisboa ..., no valor de € 7.269,94.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral dos Requerentes são em súmula, os seguintes:

4.1. Os Requentes solicitam a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do acto de liquidação relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do exercício do ano 2019, por entenderem que a Requerida, ao considerar na liquidação de IRS a totalidade da mais-valia realizada pelos Requerentes, aplicou o disposto no artigo 43º n.º 2 do Código do IRS o qual, por sua vez, viola os artigos 18º e 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE).

4.2. Efectivamente, os Requerentes, no ano de alienação do imóvel em causa, residiam e residem em ..., ..., ..., em França.

4.3. Durante o matrimónio, os Requerentes adquiriram, em 22/01/2014, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de ..., a fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao terceiro andar direito (lado nascente), tipo T-dois, no Bloco A, destinada a habitação, com entrada pelo n.º..., com uma dependência para garagem no rés-do-chão, designado pelo n.º 3, com entrada pelo n.º..., a qual faz parte do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal registada predialmente pela Ap. ... de 2013/04/04, denominado Lote 2 (A2), sito no Lugar ...– Rua ... (Provisória), n.ºs..., ... e ..., da união das freguesias de  ... (...),... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o n.º..., da freguesia de ..., e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., da referida união de freguesias, pelo preço de € 120.000 (cento e vinte mil euros).

4.4. Deste modo, no cômputo geral, o valor de aquisição mencionado no anexo G da Declaração Mod 3 – IRS de 2019, importou em € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).

4.5. No dia 16/08/2019, por Documento Particular Autenticado, outorgado por Advogado, os Requerentes alienaram o referido imóvel pelo valor de € 152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros)

4.6. Assim, o cômputo geral do valor de realização mencionado no Anexo G da Declaração de Mod 3 de IRS de 2019, importou em € 152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros).

4.7. Em 26/06/2020 os Requerentes submeteram, na qualidade de sujeitos passivos não residentes, a declaração de Modelo 3 de IRS de 2019, mencionando no anexo G a referida alienação sendo que os valores de realização, de aquisição e de despesas e encargos declarados no Anexo G, foram, respectivamente, de € 152.000,00, € 120.000,00 e € 2.435,39

4.8. Com a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, o valor de aquisição, passam a ser de € 120.000,00*1.03=€ 123.600,00 (cento e vinte e três mil e seiscentos euros, correspondente a uma mais-valia de € 25.964,07 (vinte e cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros e sete cêntimos) = (€ 152.000,00 - € 123.600,00 - € 2.435,39)

4.9. No quadro 8 da declaração de IRS de 2019, os Requerentes optaram pelo Regime Geral, assinalando o campo 07.

4.10. A Requerida AT efetuou a correspondente liquidação de IRS, constando da respetiva demonstração o rendimento global de € 25.964,07 (vinte e cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros e sete cêntimos), o valor a pagar de € 7.269,94 (sete mil duzentos e sessenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), que corresponde a 28% da totalidade da mais-valia realizada pelos Requerentes.

4.11. A respectiva nota de liquidação foi emitida em 22/07/2020, com o prazo de pagamento até 31/08/2020, tendo os Requerentes procedido ao pagamento do referido imposto no dia 24/08/2020.

4.12. Dúvidas não restam que a Requerida tributou em 100% as mais-valias imobiliárias auferidas pelos Requerentes, à taxa de 28%, o que é incompatível com o Direito da União Europeia, em particular, com a liberdade de circulação de capitais, estabelecida no artigo 63º do TFUE.

4.13. Na medida em que não houve aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50%, conforme previsto no artigo 43º n.º 2 do Código do IRS, a residentes fiscais noutro Estado-Membro da União Europeia.

4.14. Existe, assim, um conflito de norma interna, o artigo 43º n.º 2 do Código do IRS, com o Direito da União Europeia, devendo aquela ser desaplicada pela Requerida AT, de acordo com o Princípio do Direito da União Europeia.

4.15. Sendo os Requerentes não residentes, determina o artigo 15º n.º 2 do CIRS que, quanto aos mesmos, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, sendo como tal consideradas as mais valias resultantes da transmissão de imóveis situados em território português, conforme artigo 18º n.º 1 h) do CIRS.

4.16. De harmonia com a declaração de rendimentos dos Requerentes, a Autoridade Tributária e Aduaneira, Requerida, liquidou o imposto, à taxa de 28%, sobre a totalidade do rendimento global, nos termos do artigo 72º n.º 1 alínea a) do CIRS, o que contraria o disposto no arts. 18º, 63º, nº1, e 65º do TFUE.

4.17. Efectivamente, o tratamento conferido pela legislação fiscal portuguesa a residentes e não residentes, na tributação de mais-valias imobiliárias, configura, em si, uma manifesta discriminação indireta em razão da nacionalidade, contrária ao disposto nos artigos 63º e seguintes do TFUE.

4.18. Não se verificando qualquer razão justificativa, material ou formal, para a diferenciação dos regimes impositivos, isto é, a exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50% para residentes, e a tributação da totalidade das mais-valias imobiliárias para não residentes.

4.19. O Tribunal de Justiça da União Europeia já teve várias oportunidades de se pronunciar sobre a matéria em causa, concretamente, a compatibilidade da norma contida no artigo 43º n.º 2 do CIRS com o Princípio da livre circulação de capitais.

4.20. Entre outros, no acórdão Hollmann, de 11/10/2007, Processo n.º C-443/06, proferido pelo TJUE, no qual, este conclui que a normal nacional portuguesa, contida no referido artigo 43º n.º 2 do CIRS, viola o artigo 63º do TFUE, na medida em que reveste um carácter discriminatório para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados Membros.

4.21. A jurisprudência do TJUE interpreta o atual artigo 63º do TFUE no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria em relação a este tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.

4.22. Nessa medida, o disposto no artigo 43º n.º 2 do CIRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida expressamente pelo artigo 63º do TFUE.

4.23. Tal posição foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativos nos processos 439/06 e 1172/14.

4.24. A presente questão já foi, igualmente, objeto de vários processos que correram nos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, indo a jurisprudência uniforme no sentido de considerar ilegal a tributação de mais-valias obtidas por não residentes, por incompatibilidade entre o artigo 43º n.º 2 do CIRS e o artigo 63º do TFUE, na medida em que restringe a tributação 50% das mais-valias a cidadãos residentes, conforme decisões proferidas no âmbito dos processos n.s 45/2012-T (5/07/2012), 127/2012-T (14/05/2013), 748/2015-T (27/07/2016), 89/2017-T (5/07/2017), 520/2017 (4/06/2018), 617/2017.T (22/06/2018) e 644/2017-T (30/05/2018), 800/2019-T (19/10/2020), entre muitos outros.

4.25. Mesmo após as alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no processo C-443/06, conhecida como Acórdão Hollmann, se mantém o efeito discriminatório decorrente da diferenciação dos regimes aplicáveis a residentes e a não residentes.

4.26. Por tudo o supra exposto, o acto de liquidação de IRS n.º 2020... relativo ao IRS do exercício de 2019, no valor de € 7.269,94 (sete mil duzentos e sessenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), é ilegal, por violação das leis europeias supra mencionadas, por manifesta incompatibilidade do artigo 43º n.º 2 do Código do IRS com os artigos 18º e 63º do Tratado do Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal.

4.27. Devendo, em consequência, a referida liquidação ser parcialmente anulada na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, ou seja, em € 3.634,97 (três mil seiscentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos).

4.28. O acto de liquidação em causa é da inteira responsabilidade da Requerida, tendo conduzido a um pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, estando, pois, inquinado por vício de violação de lei, tendo sido praticado por erro imputável aos serviços, pelo que os Requerentes têm direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

4.29. E esses juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento, calculados com base no respetivo valor, até à integral devolução aos Requerentes, nos termos dos artigos 43º n.ºs 1 e 4, e 35º n.º 10 da LGT, 61º do CPPT e 559º do Código Civil, à taxa legal em vigor, que, na presente data se cifram em € 36,65 (trinta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos).

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes) obtidas por um não residente em Portugal violar o Direito Comunitário.

5.2. Após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 11/10/2007 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o n.º 7 (atual n.º 9) e o n.º 8 (atual n.º 10).

5.3. Ora, tanto a decisão proferida no Acórdão Hollmann como a decisão proferida no Acórdão C-184/18 de 6 de Setembro de 2018 do TJUE, referem-se a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, do artigo 72º do Código do IRS.

5.4. Quadro normativo esse que passou a prever duas situações ou possibilidades alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

5.5. Assim, por um lado, consagra-se a opção da tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

5.6. Por outro lado, consagra-se a taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

5.7. Alteração esta que veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor) do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

5.8. Situação que no caso concreto não ocorreu, pelo que a AT entende que deve ser mantida a liquidação impugnada, referente ao IRS do ano fiscal de 2019.

6. Em 8/6/2021 foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por não estarem preenchidas as circunstâncias que justificam a sua realização, podendo as partes requerer que a mesma tivesse lugar, o que estas não fizeram, tendo mesmo os Requerentes concordado expressamente com a sua não realização.

 

II – Factos provados

7. Com base na prova documental constante dos documentos juntos pelos Requerentes, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

7.1. O Requerente B..., na vigência do seu casamento com a Requerente A..., adquiriu em 22/01/2014, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de ..., a fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao terceiro andar direito (lado nascente), tipo T-dois, no Bloco A, destinada a habitação, com entrada pelo n.º..., com uma dependência para garagem no rés-do-chão, designado pelo n.º..., com entrada pelo n.º.., a qual faz parte do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal registada predialmente pela Ap. ... de 2013/04/04, denominado Lote 2 (A2), sito no Lugar ...– Rua ... (Provisória), n.ºs..., ...e..., da união das freguesias de  ... (...),... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o n.º..., da freguesia de ..., e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., da referida união de freguesias, pelo preço de € 120.000 (escritura de compra junta como doc. nº1 ao requerimento inicial).

7.2. No dia 16/08/2019, por Documento Particular Autenticado, outorgado por Advogado, ambos os Requerentes alienaram o referido imóvel pelo valor de € 152.000,00 (documento particular autenticado junto como doc. nº2 ao requerimento inicial).

7.3. Em 26/06/2020 a Requerente A... submeteu, na qualidade de sujeito passivo não residente, a declaração de Modelo 3 de IRS de 2019, mencionando no anexo G a referida alienação, sendo que os valores de realização, de aquisição e de despesas e encargos declarados no Anexo G, foram, respectivamente, de € 152.000,00, € 120.000,00 e € 2.435,39 (doc. nº3 junto ao requerimento inicial).

7.4. O Serviço de Finanças Lisboa ... efectuou a liquidação de IRS nº 2020... de 2019, à Requerente A..., em 17/7/2020, constando da respetiva demonstração o rendimento global de € 25.964,07 (vinte e cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros e sete cêntimos), e o valor a pagar de € 7.269,94 (sete mil duzentos e sessenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), que corresponde a 28% da totalidade da mais-valia realizada pelos Requerentes (doc. nº 4 junto ao requerimento inicial).

7.5. A referida nota de liquidação foi emitida com o prazo de pagamento até 31/08/2020, tendo ocorrido o pagamento do referido imposto no dia 24/08/2020 (docs. nºs 4 e 5 juntos ao requerimento inicial).

 

 

III - Factos não provados

8. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

IV - Do Direito

9. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- Da ilegalidade da liquidação de IRS por violação do art. 63º do TFUE e do direito ao reembolso do imposto pago em excesso.

- Do direito e a juros indemnizatórios.

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE IRS POR VIOLAÇÃO DO ART. 63º DO TFUE E DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO EM EXCESSO.

10. Sustentam os Requerentes que o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS viola o Direito da União Europeia, pois torna menos favorável para os residentes de outro Estado–Membro da União Europeia o exercício do direito de livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE. No seu entender não existe justificação material para diferenciação de regimes entre residentes e não residentes, que determina a exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias em 50% para residentes, e a tributação da totalidade das mais-valias imobiliárias para não residentes.  Defendem, por outro lado, que a possibilidade de os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 72.º, n.º 1 e 2 do CIRS, pela tributação à taxa que seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português não permite afastar o juízo de discriminação constante do acórdão de 11/10/2007, emitido no processo C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Hollmann) sobre a previsão do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS. Em consequência defendem que a liquidação é ilegal, pois a aplicação do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS deveria determinar a tributação de apenas 50% das mais-valias imobiliárias realizadas e não da sua totalidade, como ocorreu.

Por sua vez, a Requerida defende que a decisão proferida no acórdão Hollmann se refere a situações anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, tendo esta, em  execução do referido acórdão, procedido à adaptação da legislação nacional a essa decisão, aditando ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (actual n.º 14) e o n.º 8 (actual n.º 15), a qual passou a permitir que tanto residentes como não residentes beneficiem do regime previsto no artigo 43º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor) do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território, nos termos do art. 68º CIRS, o que neste caso não ocorreu.

Analisemos então esta questão:

O art. 63º do TFUE dispõe o seguinte:

"1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movi¬mentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros".

Na data da alienação que gerou as mais-valias em questão vigorava a redacção do art. 72º do CIRS introduzida pela Lei 3/2019, de 9 de Janeiro, cujos nºs 13 e 14 dispunham o seguinte:

"13. Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

14. Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes".

As questões colocadas pelo regime diferenciado da tributação das mais-valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes e por sujeitos passivos não residentes em território nacional foram inicialmente tratadas no acórdão Hollmann (processo n.º C-443/06, de 11/10/2007), que versou sobre uma situação ocorrida em data anterior à das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

Nesse acórdão foi decidido que: 

“O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º, TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”. 

Assim, o acórdão Hollmann considerou que o previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, ao limitar a tributação a 50% das mais-valias apenas em relação aos residentes em Portugal, não a aplicando aos não residentes para efeitos de determinação do rendimento tributável no âmbito do IRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º do CE (hoje artigo 63.º do TFUE). 

Todavia, alega a Requerida que, com o novo regime aplicável à tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos pelos sujeitos passivos não residentes, resultante do aditamento dos números 7 e 8 (números 13 e 14 à data do facto tributário) ao artigo 72.º do CIRS, pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12 ficou sanada a desconformidade entre a legislação nacional e o Direito da União Europeia, uma vez que se consagrou a  possibilidade de opção do não residente pela tributação de acordo com as taxas previstas no artigo 68.º do CIRS, embora nesse caso, sejam considerados todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora do território nacional. No seu entender, o regime vertido no artigo 72.º, números 13 e 14 do CIRS à data do facto tributário (hoje 14 e 15) repõe a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes.

A questão foi recentemente objecto de decisão prejudicial do TJUE, em consequência de pedido apresentado por este CAAD no processo 598/2018-T. Esse pedido levou à prolação de acórdão pelo TJUE no âmbito do processo C-388/19 (MK v. Autoridade Tributária e Aduaneiro), o qual foi publicado no dia 18 de Março de 2021.

Neste processo o TJUE decidiu o seguinte:

"O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável".

Face a esta posição do TJUE, é assim manifesta a ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, ainda que a Requerente não tenha optado pelo regime de tributação a que se referem os números 13 e 14 (à data do facto tributário) do artigo 72.º do CIRS. Efectivamente, como bem decidiu o TJUE, a possibilidade da opção não é susceptível de afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais-valia apurada no ano em causa, o que torna ilegal uma liquidação de IRS que considere em relação a um não residente uma mais-valia imobiliária em 100%.

Nos termos do artigo 100º da Lei Geral Tributária, a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

Tal não determina, no entanto, a invalidade total da liquidação de IRS, mas apenas a sua anulação parcial relativamente ao imposto pago em excesso, que ira assim ser decretada.

 

- DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

11. O Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

Estabelece essa disposição o seguinte:

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Nos termos desta disposição são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

A Autoridade Tributária tinha pleno conhecimento da jurisprudência existente no sentido da incompatibilidade da tributação das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes com o art. 63º do TFUE, razão pela qual não as deveria ter considerado em 100%, o que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal desde o pagamento do imposto em excesso até à sua efectiva restituição.

 

 

V – Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide anular parcialmente a liquidação de IRS nº 2020... de 2019, condenando a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, bem nos correspondentes juros indemnizatórios a contar da data em que foi efectuado o pagamento.

 

Fixa-se ao processo o valor de € 3.634,97 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.

 

Lisboa, 5 de Julho de 2021

 

O Árbitro

(Luís Menezes Leitão)