Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 661/2019-T
Data da decisão: 2020-07-31  IRC  
Valor do pedido: € 63.518,36
Tema: IRC/2015 –Financiamentos não remunerados a empresas participadas – (In)dedutibilidade - Artigo 23º-1/c), do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Ricardo Marques Candeias e Vasco Valdez (árbitros vogais), designa¬dos pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

A..., SA, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., Lisboa, (doravante “Requerente”), notificada do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., de 05.06.2019, referente ao período de 2015, no montante de 63.518,36 € que teve por base a inspeção tributária conduzida pela Autoridade Tributária (AT), através da ordem de serviço n.º OI2018..., e que culminou no relatório de inspeção tributária que desconsiderou como gasto para efeitos de apuramento do resultado tributável da Requerente os encargos financeiros suportados no montante de 97.657,27 €, relativos a financiamentos obtidos junto de diversas instituições financeiras por sua vez utilizados para concessão de empréstimos não remunerados a sociedades participadas pelo SP, por não se enquadrarem nas disposições do art. 23.º do CIRC, veio nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º, e na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º, in fine, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, (RJAT)) requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo designado nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea a) do n.º 3 do art. 5.º do RJAT.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 04 de outubro de 2019, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

As partes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e na alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 21 de outubro de 2019, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram devidamente notificadas dessa designação no dia 26 de novembro de 2019, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 26 de dezembro de 2019.

 

A fundamentar o presente pedido, a Requerente vem aos autos afirmar, em síntese, o seguinte: 

 

— A Requerente dedica-se à atividade principal de montagem de materiais refratários, isolante e anticorrosivos e construção e projeto de instalações industriais, tendo internacionalizado a sua atividade através da constituição ou aquisição de participações maioritárias de sociedades sedeadas no estrangeiro.

— Como forma de poder dotar as sociedades participadas com meios para o desenvolvimento da sua atividade, a Requerente tomou a decisão de as financiar através de empréstimos não remunerados, essencialmente dirigidos a empresas detidas em mais de 60% pela Requerente, entre as quais as B... no Reino Unido, C... em França, a D... Italiana e E... na Polónia.

— A opção pela não remuneração dos empréstimos tinha como propósito de curto prazo assegurar uma redução de custos operacionais das participadas e, consequentemente, assegurar a sua viabilidade económica e, a médio/longo prazo, assegurar que as mesmas contribuíssem diretamente ou indiretamente para os resultados da própria Requerente, por via de dividendos.

— As estruturas locais tinham em vista a captação de novos negócios bem como a redução dos custos incorridos nos projetos a executar.

— Os ditos empréstimos assumiam na perspetiva da Requerente a natureza de quase capital, estando aliás contabilizados na rubrica 414 – “Investimentos noutras empresas” e registados como capitais próprios, em parte dessas sociedades.

— Como decorrência direta do investimento realizado nas suas participadas, a Requerente realizou às entidades relacionadas prestações de serviços, cujos réditos integrou a base tributável do exercício.

— Por outro lado, nos casos em que, mercê do menor sucesso dos projetos de investimento realizados, sobrevenham situações de falência técnica, torna-se obvia a necessidade de capitalizar as empresas, de forma a que contribuam, para a atividade do grupo, globalmente considerada.

— A aposta na internacionalização vingou, uma vez que a Requerente realizou prestações de serviços às entidades relacionadas num valor global e direto de cerca de 11 milhões de euros em 2013 e de cerca de 50 milhões de euros de 2008 a 2013, ou seja, rendimentos diretamente tributados em Portugal e resultantes dos investimentos realizados.

— Os juros de financiamento contabilizados em 2015 resultam em parte de financiamentos obtidos há́ várias décadas.

— Os financiamentos obtidos foram também utilizados para fazer face às necessidades de capital e tesouraria da Requerente na sua atividade operacional.

— A AT não logrou sequer demostrar, como se lhe impunha, ao abrigo das regras ancilares sobre ónus da prova, que os capitais captados através de financiamentos de terceiros tenham sido utilizados pela Requerente na realização de empréstimos a participadas.

— É manifesto que os fundos aportados pela Requerente às suas participadas tiveram sempre por escopo o fazer face a gastos de investimento e instalação inicial em mercados externos mas também interno, com vista à obtenção de benefícios económicos futuros, seja por via da rentabilidade dos capitais (dividendos), seja pela via da futura faturação de serviços e materiais ao abrigo de contratos adjudicados pelas participadas.

— É abundante a doutrina e jurisprudência que vem sustentando o princípio segundo o qual não é necessário, para que seja considerado como gasto fiscalmente dedutível, que o custo tenha uma relação estrita e formalista com o objeto societário para ser considerado como gasto fiscal, bastando que seja incorrido no âmbito da atividade ou evidencie um business purpose.

— Em face do exposto, o Requerente vem peticionar que a presente ação arbitral seja julgada procedente, por provada, com a consequente anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, porque ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito, com a consequente restituição à Requerente do que indevidamente pagou acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais.

 

Na Resposta, a Requerida respondeu, por impugnação, sustentando que o presente pedido deve ser julgado improcedente, com os fundamentos e conclusões que apresentou já em sede de alegações:

— Nos presentes autos discute-se o enquadramento jurídico-tributário dos encargos suportados com empréstimos não remunerados concedidos pela Requerente em virtude de a Requerente ter deduzido como gasto fiscal a totalidade dos juros suportados com empréstimos obtidos junto da Banca.

— A indispensabilidade consignada no art. 23.º do CIRC destina-se a delimitar os encargos que sendo fiscalmente elegíveis irão afetar a determinação da matéria coletável para efeitos de imposto.

— As vantagens que possam decorrer para a Requerente do sucesso empresarial das sociedades por si financiadas gratuitamente constitui uma realidade cuja ponderação se situa no âmbito da esfera de liberdade e livre autonomia da Requerente na sua gestão empresarial.

— A oportunidade, a necessidade e a vantagem desses investimentos, porque respeitam a empresas terceiras, não está compreendida no âmbito da indispensabilidade propugnada pelo art. 23.º do CIRC para efeitos de determinação da matéria coletável da Requerente.

— De todo o modo, resulta que a Requerente não demonstrou minimamente o destino efetivo das disponibilidades financeiras canalizadas para empresas terceiras, não demonstrando, por conseguinte, que as mesmas fossem indispensáveis no âmbito da atividade empresarial daquelas empresas, ou que a repercussão na atividade da Requerente justificasse a sua indispensabilidade.

 

A 28 de abril de 2020 foi proferido despacho arbitral determinando a dispensa da reunião prevista no art. 18.º, do RJAT, bem como estabelecidos os termos subsequentes, e respetivos prazos, tudo de acordo com o disposto nos arts. 29.º, do RJAT, 91.º, 5, e 91.º-A, ambos do CPTA, nomeadamente, para as partes apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias bem como que a decisão final seria proferida, previsivelmente, até ao dia 8 de junho de 2020.

 

O Requerente e a Requerida apresentaram alegações, respetivamente a 15 de maio de 2020 e a 2 de junho de 2020, reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.

 

A 9 de junho de 2020 foi proferido despacho prorrogando por dois meses a partir do respetivo termo, o prazo regulamentar de seis meses para prolação e notificação da decisão, tudo nos termos do art. 21.º, 1 e 2, RJAT.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e arts. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre proferir:

II. Decisão

A) Matéria de facto

A.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem como objeto social a “montagem de materiais refratários, isolante e anticorrosivos e construção e projeto de instalações industriais”, enquadrada no regime geral de IRC, sujeito passivo de IVA e não isento, enquadrada no regime normal de periocidade mensal.

b)           Em data não apurada, mas que terá sido na década de noventa, a Requerente tomou a decisão de apostar no mercado internacional.

c)            A internacionalização da Requerente foi assegurada através da constituição ou aquisição de participações maioritárias das sociedades de seguida anunciadas em cada jurisdição, como segue:

 

d)           A Requerente dispunha de um conjunto de participações sociais em sociedades com sede fora de Portugal, cuja atividade se assemelha àquela prosseguida pela própria A...;

e)           Em 2013 e 2014 foi levada a cabo a reorganização societária do grupo F... através da consolidação na holding G..., SGPS, SA, da maioria das participações sociais das empresas do grupo.

f)            Esta reorganização ocorreu através de uma operação de cisão-fusão, registada em 7 de janeiro de 2015.

g)            Finda a restruturação, mantiveram-se apenas na titularidade do SP as participações que não requeriam a manutenção de uma estrutura própria, destinada à sua gestão ou que se encontrariam em risco de falência técnica ¬— a H..., SA, em Portugal e a I..., Lda, em Portugal.

h)           A Requerente tomou a decisão de financiar as suas participadas através de empréstimos não remunerados.

i)             No período de 2015 o SP registou um aumento do volume de negócios de cerca de 30% face ao ano anterior (fls. 14, RIT).

j)             A requerente foi objeto de uma inspeção conforme ordem de serviço n.º OI2018..., datada de 2 de fevereiro de 2018, que incidiu sobre o período de 2015.

k)            No período de 2015 o SP recorreu a financiamento bancário, contabilizado nas diversas subcontas das contas 2511 – Financiamentos obtidos – Contas caucionadas/ Empréstimo bancários e  2512 – Descobertos bancários, tendo suportado encargos financeiros que considerou como gasto para efeitos contabilísticos e fiscais que, no período causa, ascenderam a €240.126,45, já deduzidos do montante de juros provenientes de empréstimos bancários contraídos pela J..., de 16.323,10 € (fls. 17, RIT).

l)             Parte dos citados financiamentos foi utilizada pela Requerente para conceder empréstimos não remunerados a empresas participadas, os quais se encontram contabilizados em subcontas da conta 411 — investimentos em subsidiárias, e 412 — investimentos em associadas, os quais representam os seguintes saldos mensais devedores (fls. 17, RIT):

 

m)          A AT desconsiderou como gasto para efeitos de determinação do resultado tributável os encargos financeiros suportados pela Requerente, na parte correspondente à utilização do capital alheio para financiamento das empresas participadas, que calculou no montante de 97.657,27 €, deduzidos que foram os saldos oriundos da sociedade J..., no âmbito da fusão ocorrida em 2013, nomeadamente os saldos mensais constantes das contas 25 — Financiamentos obtidos no valor de 1.387.916,71 €, bem como a importância contabilizada na conta de gastos 691111114 — Empréstimos bancários (16.323,10 €). 

n)           Decorrente da sobredita desconsideração como gasto, foi emitida a nota de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., de 05.06.2019, referente ao período de 2015, no montante de 63.518,36 €, já incluindo os juros compensatórios, no valor de 6.643,23 €.

o)           O SP procedeu ao pagamento dessa liquidação em 17 de julho de 2019.

 

A.2. Factos não provados

 

Não se considera demonstrado:

- qual o destino efectivo das sobreditas disponibilidades financeiras canalizadas para empresas terceiras, não demonstrando, por conseguinte, que as mesmas fossem indispensáveis no âmbito da actividade empresarial daquelas empresas ou da Requerente, ou que a repercussão na actividade da Requerente justificasse a sua indispensabilidade;

- que a Requerente tivesse tomado qualquer deliberação contendo as razões e critérios, contabilísticos e/ou financeiros, que pudessem justificar as decisões empresariais de concessão de financiamento gratuito às participadas, assim como uma qualquer justificação razoável para a ausência de documentação demonstrativa dos factos que alega.

 

A.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, analisadas criticamente e à luz das regras em matéria de ónus da prova, as posições assumidas pelas partes, as provas documentais apresentadas e o processo administrativo instrutor, consideram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Relevou, designadamente, , para a convicção do Tribunal a análise da cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT nos termos do artigo 17º, do RJAT e o relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, e seu inerente valor probatório no entendimento sufragado, inter alia, no Acórdão do CAAD proferido no processo nº 167/2019-T e Jurisprudência nele citada “(...)o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas (...)”

 

Ora não se vê que a Requerente tenha contestado ou posto em causa a conclusão alcançada pela AT de que parte dos empréstimos obtidos junto da banca se tivessem destinado a dotar as suas participadas de disponibilidades financeiras.

 

Saliente-se ainda que “(...) no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade. É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recais sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (...)” (cfr. Ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. N.º 4736/01)”

 

Por outro lado, não é crível que em matéria da relevância da presente, uma empresa com a dimensão da Requerente, não sustentasse a indispensabilidade ou mesmo inevitabilidade dos custos com deliberações formais e técnicas, sendo que nestas matérias a prova testemunhal não pode suprir a ausência total de elementos probatórios documentais.

 

Por outro lado, considerações gerais e abstratas como muitas das que são feitas pela Requerente não constituem sequer objeto de prova, ficando por demonstrar, com base na alegação e prova de factos concretos, as razões que levaram a Requerente – que não é uma “holding” – a substituir-se às empresas onde detinha participação no recurso a financiamentos bancários e, no essencial, demonstrar a indispensabilidade desse seus gastos para a realização de proveitos ou como custo da sua própria atividade, sujeito a tributação em sede de IRC, como melhor se verá infra aquando da abordagem do enquadramento legal e  jurídico.

 

B. Matéria de direito

 

A questão controvertida relaciona-se com o requisito da dedutibilidade previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, no sentido de qualificação de ‘gasto’ dos encargos financeiros suportados pela Requerente na parte correspondente à utilização do capital alheio para financiamento não remunerado de empresas participadas. Complementarmente, a Requerente invoca, ainda, o artigo 55º da LGT, por violação do princípio da igualdade, por motivos que analisaremos ulteriormente.

1-            A presente matéria da dedutibilidade de custos (encargos com juros de empréstimos contraídos em favor de empresas participadas, sem que estas paguem os encargos), tem sido abundantemente tratada, quer na doutrina (entre vários, António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora) quer na jurisprudência dos tribunais superiores, quer no CAAD.

 

Basicamente, o problema em apreciação e que é também o dos presentes autos, é o de uma empresa que tem participações noutras contrair um empréstimo pelo qual paga juros, considerando-os como custo da atividade, subsequentemente alocando uma parte ou a totalidade do empréstimo às participadas sendo que estas, por seu turno, não pagam juros à empresa mãe.

 

A questão prende-se com a justificação que possa porventura existir  para que uma operação deste teor ocorra e se os custos que a empresa mãe suporta se podem considerar como indispensáveis para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (na terminologia atual do CIRC) ou que os mesmos são indispensáveis à realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora (na terminologia anterior à Reforma do CIRC de 2014). Para tanto, começaremos por transcrever o artigo 23º do CIRC, na sua atual redação (pós 2004), que nos diz:

 

1-            Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2-            Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos ou perdas:

(…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…).

 

Como se disse, a matéria não tem gerado um absoluto consenso, em particular na jurisprudência, embora se possam extrair dos numerosos acórdãos proferidos algumas linhas de força de que daremos nota, principiando por mencionar que inter alia, o acórdão de 10-7-2002 do STA, proferido no processo nº 0246/02 ou outro do STA de 7-2-2007, proferido no processo  nº 01046/05 claramente apontavam no sentido de tal não ser consentido pela lei fiscal.

 

Atente-se no que se dizia no segundo dos acórdãos citados:

 

(….) as quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada (…).

Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custo na alínea c) do artigo 23º do CIRC.

A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina por si só que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Dir-se-á, como se salienta no acórdão de 21-7-2018 do STA tirado no âmbito do processo 0473/13, que (…) o STA (tem) repetidamente afirmado que não podem constituir gastos dedutíveis, nos termos do artigo 23º do CIRC, os encargos suportados com “empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efetuadas a uma empresa sua associada pelos quais não cobrou  quaisquer juros”, o certo é que em todos os acórdãos se menciona, sem tratar a questão, que tal se verifica por não estarmos em face de SGPS (…)”.

 

Também a jurisprudência arbitral já produziu diversas decisões, mormente no âmbito dos processos nº 30/2018-T e nº 519/2018-T, que seguiremos de perto.

 

Assim, transcrevemos uma parte significativa da decisão proferida no processo 519/2018-T que sintetiza os fundamentos para considerar que, nesse caso, os juros suportados pela entidade participante pelos empréstimos por si contraídos e que depois alocou às suas participadas não podem ser considerados como custos.

 

Diz-se, então, na decisão atrás mencionada:

 

“É que, em atenção ao objeto destes autos, importa sublinhar a necessidade, para o juízo de indispensabilidade dos custos, de a perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa se ter de concretizar ao ente comercial em causa.

 

Significa isto que os encargos financeiros (juros) que a Requerente contabilizou na conta SNC 691 do ano de 2016 respeitantes aos empréstimos de financiamento contraídos, que terão servido para financiar/manter empréstimos/suprimentos/prestações acessórias não remunerados não encontram nexo de causalidade económica com o interesse e a atividade da própria Requerente, não tendo potencialidade para geração de lucros na esfera económica desta.

 

Com efeito a dedutibilidade fiscal dos custos, por força do princípio da indispensabilidade previsto no artigo 23º do CIRC, pressupõe um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa. Veja-se, a este propósito, o acórdão do Tribunal Administrativo Central Norte de 14.3.2013, procº nº 01393/06.1BEBRG no qual foi considerado que só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

 

Ora, no caso sub judice, verifica-se, no entender deste Tribunal, que não estão reunidas as condições para dar provimento ao pedido de anulação do ato de liquidação adicional com fundamento na indispensabilidade dos custos para garantir os rendimentos.

 

Desde logo, porque não se estando perante uma SGPS, o crivo de análise da indispensabilidade pode ser mais exigente, porquanto a concessão de empréstimos não faz parte da atividade normal da empresa.

 

Além disso, porquanto não há prova desse nexo de causalidade essencial entre custos e proveitos. Desde logo, porque a Requerente, embora o afirme (artigo 18º da petição) , não comprova que o retorno das participadas seria assegurado por via dos dividendos pagos à Requerente, o que, diga-se de passagem,  por força do artigo 51º do CIRC não ficaria, em princípio, sujeito a tributação na esfera da Requerente, por força do mecanismo designado de participation exemption. Curiosamente, o que a Requerente diz ter ocorrido (artigo 21º da mesma petição) é que ela “realizou prestações de serviços às entidades relacionadas num valor global e direto de 16 milhões de euros em 2015”.

 

Todavia, a ser verdade, o que se questiona é se os empréstimos concedidos foram relevantes para a realização dos serviços prestados, ou seja, dito por outras palavras, afigura-se-nos que não resulta provado dos autos o tal nexo de causalidade de que nos fala a lei e a doutrina como essenciais para a consideração como custo de determinada despesa no caso vertente. Do ponto de vista do Tribunal não resulta demonstrado que os empréstimos concedidos foram essenciais para que a Requerente incrementasse os seus lucros por via, por exemplo, das prestações de serviços efetuadas ou se estas se fariam independentemente dos referidos empréstimos.

 

Termos em que se nega provimento ao recurso da Requerente com o fundamento de que os custos incorridos com os juros dos empréstimos se mostravam necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2-Invoca ainda a Requerente o vício de violação do artigo 55º da LGT, artigo esse que dispõe que:

 

 “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

 

Se bem que o contribuinte invoque este artigo, vem no artigo 104º da sua petição, uma vez mais, invocar o artigo 23º do CIRC para pedir a anulação da liquidação.

 

De todo o modo, a linha de argumentação expendida pela Requerente é, basicamente, a seguinte:

 

As empresas que investem nas suas participadas não podem ser discriminadas face àquelas que meramente contraem empréstimos para financiar a sua própria atividade.

 

Por seu turno, no já citado acórdão do STA proferido no processo nº 9473/13, reconhece que os empréstimos feitos por uma SGPS em benefício das suas participadas é legal desde que conexionado com a realização dos proveitos ou da manutenção da fonte produtora dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

Assim sendo, “não entende a Requerente por que motivo não pode uma sociedade que detém a maioria do capital social de outra, embora constituída sob outra forma que não a de SGPS, proceder à dedução de tais encargos”.

 

Acresce que o regime fiscal das SGPS, designadamente constante do artigo 32º do EBF foi revogado com a Reforma de 2014, sendo substituído pelo regime do participation exemption também já anteriormente mencionado, donde conclui que não há razão para discriminar entre um e outro tipo de sociedades.

 

Vejamos então se a Requerente tem razão. Desde logo, cumpre dizer que no acórdão citado pela Requerente, o próprio STA veio reconhecer que a jurisprudência pacífica do STA era a de que os custos tinham de ser da própria empresa e não de outra, ainda que participada, podendo eventualmente ser exceção a esta regra o caso das SGPS, conforme transcrição que fizemos no ponto 1 da parte de Direito da presente decisão arbitral.

 

O que houve de novo no caso tratado no referido acórdão é que tal entendimento de permissão foi alargado ao regime da tributação pelo lucro consolidado, hoje regime de tributação dos grupos de sociedades (artigo 69º e ss. do CIRC), o que era o caso perante o qual se estava no âmbito do processo que originou o acórdão em apreço.

 

Ora, é preciso que se diga ainda, na apreciação dos argumentos da Requerente que, embora efetivamente o regime  do artigo 32º do EBF haja sido efetivamente revogado,  não o foi o regime não fiscal das SGPS, criado pelo Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de dezembro, onde expressamente se diz que as SGPS não estão impedidas de conceder crédito às suas participadas (artigo 5º, nº 1 f) do mencionado diploma legal). Aliás, a Comissão de Reforma do IRC havia proposto a eliminação também deste diploma, mas o legislador entendeu por bem não acolher tal proposta. Daqui deriva, a nosso ver, que as SGPS, bem como as sociedades sujeitas ao regime da tributação dos grupos de sociedades possam ter, neste particular, um regime mais favorável de tratamento no que concerne ao artigo 23º do CIRC e a respetiva dedutibilidade de custos dos encargos com juros aplicados em empresas participadas a custo zero para estas últimas.

 

Acresce, ainda, que como ficou dito anteriormente, não nos parece que a Requerente haja comprovado de forma inequívoca que tais custos foram indispensáveis à realização dos proveitos sujeitos a IRC.

 

Por este conjunto de razões, também o Tribunal entende negar, nesta parte, provimento ao recurso e manter o ato de liquidação.

 

Face ao exposto, não tem sentido apreciar o pedido de devolução do imposto entretanto pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

 

III. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente;

b)           Manter na ordem jurídica o ato de liquidação adicional de IRC nº 2019..., de 5.6.2019, no montante de 63.518,36€:

c)            Condenar a Requerente nas custas do processo abaixo fixadas.

 

IV. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 63.518,36€, nos termos do disposto no artº 32.º do CPTA e no artº 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artº 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 2.448,00€ a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos art.s 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e art. 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de julho de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal

(Vasco Valdez)

 

O Árbitro Vogal

com a seguinte declaração de voto de vencido:

 

Admito a lógica da argumentação sobre a matéria de facto e de direito que presidiu à elaboração do presente acórdão, que colheu vencimento numa temática complexa e densa como é a da dedutibilidade prevista no art. 23.º, 2, c), CIRC, com relação aos custos resultantes de financiamentos não remunerados a sociedades participadas.

Assinalaria, no entanto, que, face ao disposto no art. 110.º, 7, CPPT, o "juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos", o que foi o caso nos presentes autos, não olvidando o que prescreve o art. 75.º, LGT, o que me levaria a dar como provado que o destino das disponibilidades financeiras canalizadas para empresas terceiras obedeceu a critérios económicos, contribuindo (como outras despesas, num maior ou menor grau de indispensabilidade, porque não), para um aumento do volume de negócios de 30% da Requerente.

                A questão da gratuitidade dos empréstimos não deve sustentar, necessariamente, a dispensabilidade dos custos imputados à empresa participante. Empréstimos gratuitos podem ter, como tiveram, in casu, uma finalidade egoística: a de aumentar também os benefícios económicos da mutuante. É essa a lógica económica. Além de que a atividade empresaria não é só a produtiva. É também o conjunto de operações que, além de outras, se concretiza, v.g., na realização de investimentos ou na alienação de ativos, na aquisição de participações financeiras e na sua posterior alienação. Além do mais, a AT não demonstrou que o gasto em causa teve em vista ou respeitava a um qualquer outro interesse alheio ao SP.

Julgaria, deste modo, procedente o pedido.

 

O Árbitro Vogal

(Ricardo Marques Candeias)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.