Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 657/2020-T
Data da decisão: 2021-10-06  IRC  
Valor do pedido: € 97.900,80
Tema: IRC 2013 e 2014 - Caducidade do direito à liquidação - Correção da matéria coletável – Retenções na fonte – Artigo 91.º do CIRC.
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SUMÁRIO:

I.             A caducidade do direito à liquidação prevista no artigo 45º, da LGT, não constitui uma exceção peremptória, mas, antes, uma ilegalidade ou vício material que inquina a validade do ato tributário impugnado e que conduz à procedência da impugnação

II.            O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo fixado na lei, sendo de 4 (quatro) anos se a lei não fixar prazo específico (artigo 45º, nº1, da LGT).

III.          Se o direito à liquidação é exercido pela AT na sequência ou em consequência de reclamação graciosa ou impugnação judicial do contribuinte, o prazo de caducidade suspende-se desde a data da respetiva apresentação até à decisão [artigo 45º-1/d), da LGT]-

IV.          O princípio de justiça fiscal não é um princípio autónomo nem um princípio alternativo ao princípio da legalidade que permita soluções ad hoc.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

Os árbitros Dr. Poças Falcão, Juiz Presidente, Dra. Marisa Isabel Almeida Araújo e Dr. António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 3/5/2021, decidem o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A..., S.A., entidade com o número único de identificação de pessoa coletiva ... e sede em ..., n.º..., ..., Lisboa, ...-... Lisboa (adiante abreviadamente designada por Requerente), apresentou nos termos legais, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT).

 

2.            A Requerente pede decisão arbitral com vista à anulação da decisão de indeferimento  do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pela Direção de Serviços do IRC e, em consequência, da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no âmbito da qual tomou conhecimento da emissão da liquidação n.º 2020... e do reembolso do montante de € 30.549,61, que veio concretizar a referida decisão quanto ao exercício fiscal de 2013, com vista à obtenção da declaração da ilegalidade dos identificados atos tributários, na parte em que refletem uma correção desfavorável à REQUERENTE no valor de € 97.900,80.

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 24/11/2020 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

 

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros, Dr. Poças Falcão, Juiz Presidente, Dra Marisa Isabel Almeida Araújo e Dr. António Pragal Colaço, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 15/1/2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 3/5/2021.

 

7.            A Requerida deduziu Resposta introduzida no sistema eletrónico da CAAD no dia 7/6/2021.

 

8.            Por despacho de 16/6/2021, foram as partes notificadas da dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como, para proferirem alegações.

 

9.            Foi fixada a data de 10/10/2021 para a prolação de decisão arbitral final.

 

10.          Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 13/7/2021.

 

II.            Do pedido da Requerente:

 

A Requerente solicita a anulação da decisão de indeferimento  do pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pela Direção de Serviços do IRC e, em consequência da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no âmbito da qual tomou conhecimento da emissão da liquidação n.º 2020... e do reembolso do montante de € 30.549,61, que veio concretizar a referida decisão quanto ao exercício de 2013, com vista à obtenção da declaração da ilegalidade dos identificados atos tributários, na parte em que refletem uma correção desfavorável à REQUERENTE no valor de € 97.900,80.

 

III.          Da resposta da Requerida AT:

Em resposta, a Requerida AT impugnou de mérito, propugnando pela legalidade dos atos impugnados.

 

IV.          DO SANEAMENTO

 

a.            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

V.           Matéria de facto:

 

A.           Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.            A REQUERENTE é uma sociedade comercial que se dedica, desde 1989, ao exercício das atividades de contabilidade, de auditoria e de consultoria fiscal.

 

2.            No âmbito do exercício da sua atividade comercial, a REQUERENTE encontra-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC.

 

3.            Nos exercícios de 2013 e de 2014, os períodos de tributação da REQUERENTE não coincidiram com os respetivos anos civis, tendo aqueles tido início e termo nas seguintes datas:

(i)           O período de tributação correspondente ao exercício de 2013 teve início em 1 de outubro de 2013 e termo em 30 de setembro de 2014; e

(ii)          O período de tributação correspondente ao exercício de 2014 teve início em 1 de outubro de 2014 e termo em 30 de setembro de 2015.

 

4.            Em 31 de março de 2015, a REQUERENTE apresentou a declaração modelo 22 (de substituição) referente ao período de tributação de 2013, a qual foi posteriormente identificada sob o n.º..., tendo inscrito no campo 343, do Quadro 10 da declaração, o montante de 146.464,39€, a título de dedução à coleta por dupla tributação internacional.

 

5.            Em 25 de fevereiro de 2016, a REQUERENTE apresentou a declaração modelo 22 respeitante ao período de tributação de 2014, a qual foi posteriormente identificada sob o n.º...,

 

6.            Nesta declaração modelo 22 referente ao exercício de 2014, a REQUERENTE declarou matéria coletável de € 5.219.962,44 (cf. campo 346 do respetivo quadro 10) e, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, o montante de € 338.375,85 (cf. campo 353 do respetivo quadro 10.

 

7.            Em agosto de 2017, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa iniciaram — em cumprimento das ordens de serviço n.os OI2017... e OI2017... — uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, ao IRC e ao IVA declarado pela REQUERENTE por referência aos exercícios de 2014 e de 2015.

 

8.            Em 9 de maio de 2018, a REQUERENTE foi notificada do correspondente Projeto de Relatório de Correções, no âmbito do qual os identificados Serviços manifestaram a intenção de proceder, entre outras, a uma correção ao IRC apurado por referência ao exercício de 2014, concretizada pela desconsideração de parte — o montante de € 159.151,09 — do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional que fora declarado pela REQUERENTE.

 

9.            A correção projetada sustentava-se na circunstância de aquele valor de € 159.151,09 corresponder a imposto pago (através de retenção na fonte) sobre rendimentos obtidos no estrangeiro que haviam sido incluídos na matéria coletável de IRC do exercício de 2013 — e não na do exercício de 2014 —, pelo que, em cumprimento do disposto no artigo 91.º do Código do IRC, aquele montante não deveria ter sido deduzido no exercício de 2014, mas sim no de 2013.

 

10.          No âmbito do direito de audição que exerceu em 8 de junho de 2018, a REQUERENTE não contestou a veracidade dos factos identificados pelos Serviços de Inspeção Tributária para proceder à referida correção, mas requereu que, a par da correção projetada para o exercício de 2014, fosse realizada a correlativa (e necessária) correção ao exercício de 2013, sob pena de ilegalidade da primeira correção.

 

11.          No Relatório final de Inspeção Tributária notificado à REQUERENTE em 11 de julho de 2018, os identificados Serviços convolaram em definitiva a correção projetada — i.e., desconsideraram o referido montante de € 159.151,09 de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional que fora declarado pela REQUERENTE no campo 353 do quadro 10 da declaração de rendimentos entregue por referência ao exercício de 2014 — sem, no entanto, se pronunciarem quanto à requerida correção ao exercício de 2013.

 

12.          Em 25 de julho de 2018, a REQUERENTE solicitou aos identificados Serviços a emissão de certidão que contivesse a fundamentação de direito subjacente à decisão de corrigir o exercício de 2014 sem proceder à simultânea correção do exercício de 2013.

 

13.          A REQUERENTE foi notificada, em 6 de agosto de 2018 — através do ofício n.º..., de 3 de agosto de 2018, da Direção de Finanças de Lisboa —, da remessa da «petição, para correção da liquidação de IRC de 2013, com registo de entrada nestes serviços, de 25-07-2018 (…) para a Divisão de Justiça Administrativa desta Direção de Finanças, para efeitos de apreciação em sede revisão oficiosa, nos termos do art. 78.º da LGT».

 

14.          Em agosto de 2018, a REQUERENTE foi notificada dos atos tributários que concretizaram as correções realizadas em sede inspetiva ao exercício de 2014 — em concreto, da liquidação de IRC n.º 2018..., da liquidação de juros n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018... .

 

15.          A Requerente em 2 de Janeiro de 2019 deduziu reclamação graciosa sobre a decisão de desconsiderar o referido crédito de imposto em 2014, sem a correção correlativa ao exercício de 2013, o que acarretava a ilegalidade dos atos tributários emitidos por referência a 2014.

 

16.          Tendo sido iniciado oficiosamente um procedimento de revisão oficiosa na sequência do requerimento identificado em 12), em 18 de fevereiro de 2020, a REQUERENTE solicitou à Direção de Serviços do IRC informações acerca da fase em que se encontrava o procedimento de revisão oficiosa (entretanto identificado com o n.º ...2018...) e a identificação da data em que previam que o mesmo fosse concluído.

 

17.          Em 2 de março de 2020, a REQUERENTE foi notificada da resposta da Direção de Serviços do IRC no sentido de que previam a conclusão do referido procedimento de revisão oficiosa no prazo de 60 dias.

 

18.          Entretanto, terminado o procedimento administrativo de reclamação graciosa dos atos tributários de liquidação adicional emitidos por referência ao exercício de 2014 com a decisão final (de mérito) notificada à REQUERENTE em 1 de julho de 2020, a Direção de Finanças de Lisboa concluiu que, uma vez que «o referido procedimento de revisão oficiosa [quanto ao exercício de 2013] já se encontra em fase de notificação para efeitos de audição prévia (…) [e] vai no sentido do deferimento parcial, sendo aceite parte da dedução do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional no período de tributação de 2013, afigura-se-nos ser em sede desse procedimento que a reclamante deve dirimir a matéria em questão pois, no período de tributação de 2014 não se verificou qualquer erro»

 

19.          Em julho de 2020, a REQUERENTE foi notificada do projeto de decisão da revisão oficiosa, no âmbito do qual a Direção de Serviços do IRC projetava o seguinte: «[e]m relação ao montante de 159.151,09 € relativo ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional corrigido em 2014 em sede de procedimento inspetivo, por dizer respeito a rendimentos do período de tributação de 2013, será de considerar em 2013 o montante de 128.450,41 €, uma vez que a A... não apresentou o comprovativo referente à retenção na fonte do montante de 30.700,68 €».

 

20.          …acrescentando, ainda, que «[e]m relação ao montante de 146.646,39 € relativo ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, considerada na declaração de rendimentos de IRC de Modelo 22 de 2013, campo 353 do Quadro 10, será de considerar o montante de 48.563,59 €, na medida em que do valor inicial, 97.900,80 € não reunia os pressupostos do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC, em virtude de dizerem respeito a rendimentos auferidos em períodos anteriores a 2013», nomeadamente 2010, 2011 e 2012.

 

21.          A REQUERENTE não exerceu o direito de audição, vindo a ser notificada em 25 de agosto de 2020, da decisão final da identificada revisão oficiosa, na qual a Direção de Serviços do IRC confirmou as conclusões constantes do mencionado projeto de decisão.

 

22.          Em 9 de novembro de 2020, a REQUERENTE foi notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., que originou a liquidação n.º 2020..., as quais vieram concretizar as conclusões constantes da referida decisão da revisão oficiosa quanto ao exercício de 2013,

 

23.          Resultando numa restituição à REQUERENTE referente ao exercício de 2013, do montante de € 30.549,61, (dos quais € 24,95 foram imediatamente aplicados em dívida em execução fiscal, pelo que foi emitido um cheque a favor da REQUERENTE no montante de € 30.524,66).

 

B.            Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C.            Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelos projetos e relatórios da Inspeção Tributária, reclamações, requerimentos, revisões oficiosas, os quais foram objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

V.           Do Direito

 

Considerando o objeto do processo resultam as seguintes questões decidendas:

 

a)            Da caducidade do direito à liquidação;

b)           Da ilegalidade da correção oficiosa ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional por violação do princípio de justiça;

c)            Em caso de procedência da ação, do direito a juros indemnizatórios.

 

a)            Da caducidade do direito à liquidação

Discute-se, no caso sub juditio a (i)legalidade da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018... (e dos atos de liquidação de IRC subsequentemente emitidos para concretização da mesma).

Na citada revisão oficiosa, os Serviços de Inspeção Tributária (e a Direção de Serviços do IRC) aproveitaram o procedimento de revisão ao exercício de 2013 — iniciado, a pedido do contribuinte, para a correlativa consideração em 2013 do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional que fora desconsiderado em 2014 — para efetuarem uma correção adicional, desfavorável ao contribuinte, consubstanciada na desconsideração de crédito de imposto no montante de € 97.900,80.

Naquela revisão oficiosa, a Direção de Serviços do IRC realizou duas correções ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional declarado pela Requerente em 2013:

i)             Uma correção que lhe era correlativamente exigível por força da correção que a Administração tributária realizara ao exercício de 2014 – i.e., a consideração como crédito de imposto a deduzir à coleta de IRC de 2013 «[d]o montante de 128.450,41 €, uma vez que [da quantia global de € 159.151,09] a A... não apresentou o comprovativo referente à retenção na fonte do montante de 30.700,68 €]» que fora erradamente declarado pela Requerente em 2014 (mas que dizia respeito a rendimentos obtidos em 2013) — a qual configurou uma correção favorável à Requerente; e

ii)            Uma correção, ex novo, consubstanciada na desconsideração de parte do crédito de imposto inicialmente declarado pela Requerente em 2013 (em concreto, o valor de € 97.900,80), o qual, segundo a mencionada Direção, «não reunia os pressupostos do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC, em virtude de dizerem respeito a rendimentos auferidos em períodos anteriores a 2013» — correção desfavorável à Requerente.

 

Pois bem, a Requerente entende que os atos de liquidação de IRC emitidos na sequência da indicada revisão oficiosa são ilegais na parte em que traduzem a mencionada correção desfavorável à Requerente, posto que e designadamente,  tal ato de  correção terá sido praticado para além do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos previsto no artigo 45.º, da LGT.

                A AT chamada a pronunciar-se sobre esta questão, veio alegar que,  para sustentar a verificação da caducidade, a Requerente, naturalmente e conforme mais lhe apraz, cinde o ato de liquidação corretivo de que resultou a anulação do IRC autoliquidado e correspondente reembolso, no montante de €30.549,61, em duas partes:

(i)           uma, relativa à imputação do CDIDTJI (crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional) deduzido indevidamente à colecta do período de tributação de 2014, de €128.450,41, que, por ser favorável não lhe aponta qualquer vício legal e até invocando para o efeito o decidido por acórdão do STA de 08/10/2014, e o entendimento do Professor Rui Duarte Morais (in Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 204); e

(ii)          outra, relativa à correção negativa do CIDTIJI, de €97.900,80, por ser desfavorável ao contribuinte considera que esbarra com o decurso do prazo de caducidade.

 

Em concreto, entende a Requerente que a correcção negativa ao CIDTJI declarado em  2013 constitui um acto de liquidação ex novo e por ter sido efectuada em 2020 encontra-se ultrapassado o prazo de caducidade do direito de liquidação fixado no artigo 45.º, n.º 1, da LGT.

 

Ou seja, a Requerente considera, sem razão, a prática de dois atos de liquidação autónomos, no exercício de 2013, sendo que o ato de correção negativa ao CIDTJ do ano de 2013 praticado em 2020 terá ocorrido para além do citado prazo de caducidade de liquidação.

 

Vejamos:

A caducidade do direito de liquidar um tributo não constitui uma excepção peremptória, mas, antes, uma ilegalidade ou vício material que inquina a validade do acto tributário impugnado e que conduz à procedência da impugnação. Só a caducidade do direito de deduzir impugnação judicial constitui excepção peremptória que conduz à improcedência da acção”. Por outro lado, como é jurisprudência uniforme do STA (cfr., entre outros, os acórdãos nº 503/03, nº 564/02, nº1178/04, proferidos pelo Pleno respetivamente em 18/6/2003, 7/7/2004 e 18/5/2005, e os acórdãos nº 361/05, nº 913/05, nº 458/08, nº 264/09, nº 761/09, nº 1018/11 e 251/12, proferidos pela Secção, respetivamente em 2/11/2005, 25/1/2006, 29/10/2008, 13/5/2009, 25/11/2009, 25/1/2012 e 26/9/2012.), que a questão da caducidade do direito à liquidação não é do conhecimento oficioso].

 

“-Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.

No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº. 45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.” – Cfr Ac. TCAS de 27/11/2012, procº 05908/12, disponível em www.dgsi.pt.

De facto, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo fixado na lei.

Quando a lei não fixar prazo específico, considera-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação é de 4 anos (artigo 45º, nº1, da LGT).

 

Concordando com a posição da AT, será de considerar  que a petição apresentada foi, para efeitos de apreciação, convolada na revisão oficiosa sub juditio, nos termos do art.º 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), e, por respeitar a rendimentos do período de tributação de 2013 e sendo o período especial de tributação que utiliza de 01.10.2013 a 30.09.2014, o prazo de caducidade do direito à liquidação de 2013, ocorre a 30.09.2018, e, consequentemente, ainda estava em tempo de proceder à correção dessa liquidação.

 

Por outro lado, sempre seria de ponderar no caso, a suspensão do prazo de caducidade desde a data da apresentação da reclamação até sua decisão, nos termos do artigo 46º-2, da LGT na medida em que o direito à liquidação resultou de reclamação.

 

Concluindo e decidindo esta questão prévia:

Não ocorreu no caso a caducidade da liquidação suscitada pela Requerente, pelo que improcede a citada e suscitada ilegalidade da liquidação com esse fundamento.

 

b) Da ilegalidade da correção oficiosa ao crédito de imposto por dupla tributação internacional por violação do princípio da justiça.

 

                A Requerente contesta o resultado da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa e o consequente ato de liquidação decorrente da imputação à coleta do IRC do período de tributação de 2013 de parte (€ 128.450,41) do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional (CIDTJI) deduzido indevidamente à coleta do período de tributação de 2014; e da desconsideração do montante de € 97.900,80 do CIDTJI deduzido à coleta do período de tributação de 2013, em virtude de o imposto pago no estrangeiro respeitar a rendimentos incluídos na matéria coletável de períodos de tributação anteriores (2010, 2011 e 2012).

Quanto à ilegalidade da decisão da revisão oficiosa por violação do princípio de justiça conforme é suscitado pela Requerente, o fundamento legal que suporta a decisão sobre o pedido de revisão oficiosa é o disposto no art.º 91.º do CIRC. Em relação à data dos factos em apreço nos presentes autos estabelece o art. 91.º do CIRC que, quanto ao crédito de imposto por dupla tributação internacional:

 

“1 — A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.

2 — Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”

 

                Resulta, desta forma, do n.º 1 do preceito referido, que a dedução correspondente à dupla tributação jurídica internacional (art. 90.º, n.º 2 al. a) do CIRC) opera quando na matéria coletável tenham sido incluídos os rendimentos a que respeita o imposto pago no estrangeiro. Como admite a Requerente os rendimentos obtidos no estrangeiro são sujeitos a tributação nos anos de 2010, 2011 e 2012 mas o período de tributação foi em 2013 quando os rendimentos foram pagos e sujeitos a efetiva retenção na fonte. Encontra-se, neste caso em causa, conforme configurado pela própria Requerente, o princípio da especialização de exercícios, segundo o qual os rendimentos e gastos devem ser contabilizados no exercício em que hajam sido obtidos ou suportados, não sendo relevante o momento do efetivo recebimento ou pagamento.

                Não obstante, a Requerente só declarou – como também assume – que o valor correspondente ao imposto retido na fonte (no montante de € 97.900,80) só foi declarado, como dedução à coleta, na declaração de modelo 22 referente ao exercício do efetivo pagamento, ou seja, 2013.

A Requerente entende que o incumprimento deste princípio da especialização não lhe é imputável, já que deduziu à coleta o valor correspondente à retenção na fonte quando o montante lhe foi pago efetivamente – facto que não é controlável por si –, pelo que apenas deferiu a utilização desse crédito de imposto. Para além disso a Requerente refere que no projeto de revisão oficiosa não se questiona a existência ou o quantum das retenções declaradas no estrangeiro pelo que, quanto a estes montantes não há dúvidas da sua existência ou fonte. Está em causa é o facto de os rendimentos obtidos no estrangeiro, sobre os quais incidem as retenções na fonte em causa foram incluídas na matéria coletável de IRC dos exercícios dos anos de 2010, 2011 e 2012, mas as correspondentes retenções, a título de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, não foram incluídas nesses exercícios mas, tão-só em 2013 (ano do pagamento efetivo dos rendimentos).

Perante esta situação, mormente na sequência da ação inspetiva externa por referência aos exercícios de 2014 e de 2015 e da correção projetada para estes exercícios, a Requerente entende que deveria ter sido também realizada a correlativa correção ao exercício de 2013. O que não aconteceu mas, refere a Requerente, se tal tivesse ocorrido teria beneficiado de uma dedução à coleta de IRC no valor de € 97.900,80.

Alega a Requerente que não podiam os Serviços de Inspeção Tributária ignorar que, no momento da revisão oficiosa, a Requerente já não estava em prazo para submeter a declaração de substituição ou reclamar graciosamente dos atos de autoliquidação dos exercícios de 2010, 2011 ou 2012, o que conduz a que a recusa em aceitar a dedução à coleta do montante do crédito de imposto no exercício de 2013 redunda numa arrecadação indevida de imposto por parte do Estado Português.

No caso em concreto trata-se, como referido, de uma dedução à coleta do IRC, prescrevendo o art. 91.º que a dedução (a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º) é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro. Desta forma a norma, no que tange à dedução do CIDTJI vigora, remetendo para a data dos factos e legislação em vigor, o princípio de que é no período de ocorrência da dupla tributação que deve processar-se a sua eliminação.

Desta forma, por um lado, a interpretação da Requerente quanto ao n.º 1 do art. 91.º do CIRC é inadmissível já que imporia, per se, uma aplicação parcial do mesmo preceito que tem subjacente a existência de uma interligação necessária entre o IRC gerado pelos rendimentos obtidos no estrangeiro e o imposto pago nos países de origem.

Por outro lado invoca que, por um lado sofreu um prejuízo e, por outro, o Estado arrecadou indevidamente o imposto considerando que a AT se recusou em aceitar a dedução à coleta no exercício de 2013 do crédito de imposto em apreço. Ora, por um lado, a Requerente podia ter procedido, em 2013 e nos períodos subsequentes, dentro do prazo de caducidade, à imputação do CIDTJI aos períodos de tributação a que respeitavam os rendimentos mas não o fez, nem alega, nem prova, a razão pelo qual omitiu tal ónus.

Para além disso, considerando o princípio de justiça, a Requerente alega que com a decisão da AT em não atender ao seu requerimento, foi prejudicada e que, no polo oposto, a AT deu origem a um benefício para o Estado Português.

Não podemos concordar com a posição da Requerente. Por um lado, como defende a AT, o que a Requerente visa é afastar a regra que resulta do art. 91.º, n.º 1 do CIRC e impor à AT uma dedução indevida à coleta que não tem qualquer cabimento dentro da previsão normativa.

Ora, o princípio de justiça não é um princípio autónomo nem um princípio alternativo ao princípio da legalidade que permita soluções ad hoc e que as mesmas sejam impostas à AT. O STA refere no seu ac. 01278/12.2BELRS 0574/18 de 9 de outubro de 2019 que “o princípio da justiça não pode operar como critério normativo autónomo e alternativo ao princípio da legalidade para reparar incongruências respeitantes a elementos determinantes do facto tributário [...]”.

Desta forma, impõe-se, desde logo, uma ponderação entre os princípios, mormente no caso concreto em que está em causa o princípio da legalidade. A Requerente visa, desde logo, afastar a aplicabilidade do art. 91.º do CIRC. Mas a liquidação corretiva do período de tributação de 2013 obedeceu estritamente aos ditames da lei sendo assim respeitado o princípio da legalidade a que está especialmente adstrita a AT por força do disposto no art.º 55.º da LGT.

Por outro lado ainda, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão 363/2001 publicado no Diário da República n.º 238/2001, Série II de 2001-10-13 afirma que “[o] princípio da justiça, como parâmetro aferidor da conformidade constitucional das normas jurídicas, pressupõe, porém, que esteja em causa uma solução normativa absolutamente inaceitável [...], que afete uma dada dimensão do núcleo fundamental dos interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturantes do ordenamento jurídico” (recorrendo ao pensamento de Maria Fernanda Palma).

Considerando este sentido interpretativo do TC sendo verdade que a AT, nos termos do art. 55.º deve obedecer à lei, deve também considerar os efeitos dessa concretização do comando legal quando produza um resultado injusto, como se extrai da anotação ao art. 55.º da Lei Geral Tributária: Anotada e Comentada (Diogo Leite de Campos, Benjamin Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa).

Mas é o que acontece no caso concreto? A verdade é que a resposta é negativa. Não se extrai do caso concreto qualquer resultado manifestamente injusto ou, recorrendo às palavras do TC, uma solução absolutamente inaceitável. Ora, no caso concreto, a Requerente alega que foi prejudicada mas, e ainda que não o demonstrando, não alega e consequentemente não prova em que a solução sub judice afeta de modo absolutamente intolerável um interesse fundamental, para que se possa afirmar a violação de um princípio de justiça fiscal.

Por outro lado ainda, a Requerente tendo tido a oportunidade de corrigir a situação sub judice não o fez. Quanto a este elemento a Requerente não faz qualquer tipo de alegação ou prova relativamente à razão pelo qual não fez a correção, limitando-se a alegar que em 2018 já não tinha essa oportunidade.

Perante isto não se pode concluir que a AT tenha omitido algum comportamento a que estivesse adstrita em virtude do princípio de justiça, tendo aplicado a lei ao caso concreto e, como refere a AT, as correções contestadas comportam uma correção desfavorável à Requerente, no montante de € 97.900,80 e outra favorável, relativa à imputação à coleta do mesmo período de tributação do montante de € 128.450,41, indevidamente deduzido à coleta do período de tributação de 2014, a título de CIDTJI. Sendo que ambas estão sustentadas nos termos do n.º 1 do art.º 91.º do CIRC com a redação em vigor à data dos factos. Insurgindo-se a Requerente unicamente em relação a uma dessas correções ainda que o normativo que deu causa a ambas fosse o mesmo. A aplicação estrita do preceito pela AT nos termos do art. 55.º, da LGT não pode consubstanciar, por um lado, a violação do princípio da justiça, mas por outro a aplicação do mesmo preceito já não enferma de tal vício.

Desta forma, no caso concreto, não resulta manifestamente injusto a aplicação do comando legal pela AT encontrando-se desprovida de fundamento a invocação da violação do princípio de justiça pelo que a correção oficiosa ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional não padece de ilegalidade decorrente da violação do princípio da justiça.

 

Considerando que a fundamentação aduzida conduz à improcedência total do pedido do Requerente, fica prejudicado o conhecimento de outras questões [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. 

 

VI.          Decisão

 

De harmonia com o exposto, este tribunal decide

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

b)           Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

VII.         Valor da causa

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 97.900,80.

 

VIII.       Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 6 de outubro de 2021

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Marisa Almeida Araújo

(Árbitra Vogal)

 

António Pragal Colaço

(Árbitro Vogal)