Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 649/2019-T
Data da decisão: 2020-06-19  IRC  
Valor do pedido: € 11.475,10
Tema: IRC – art.º 23.º, n.º 1 do CIRC; dedutibilidade das depreciações; carência de rendas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            Relatório

 

A - Geral

 

1.1.        A..., LDA., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal ... (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou no dia 30.09.2019 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (de ora em diante “IRC”) n.º 2019..., que deu origem à demonstração de acerto de contas, cujo documento tem o n.º 2019..., no montante de € 11.475,10 (onze mil quatrocentos e setenta e cinco euros e dez cêntimos), como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestação tributária.

 

1.2.        Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.        Por despacho de 10.10.2019, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.        Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 20.12.2019.

 

1.5.        No mesmo dia 20.12.2019 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.        No dia 29.01.2019 a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

 

B – Posição da Requerente

 

1.7.        A Requerente é proprietária do hotel denominado ..., em Lisboa, e celebrou com a sociedade D..., Lda (a “D...”) um contrato de arrendamento comercial, para a exploração do bar e restaurante inseridos na unidade hoteleira.

 

1.8.        A renda mensal contratualmente acordada foi de € 15.000,00 (quinze mil euros).

 

1.9.        A facturação do bar e do restaurante era muito reduzida, com resultados de exploração altamente deficitários, tendo a Requerente consciência de que o desempenho daquele estabelecimento dependia dos hóspedes do hotel.

 

1.10.      Assim, as Partes acordaram alargar o prazo de carência de renda, não tendo sido paga nenhuma renda em 2015.

 

1.11.      Perante estes factos, a Requerida entendeu não aceitar como gasto as depreciações referentes ao imobilizado afecto à actividade do bar e restaurante do hotel, no valor de € 48.903,62 (quarenta e oito mil novecentos e três euros e sessenta e dois cêntimos), sustentando que esses gastos não contribuíram para a formação de rendimentos, uma vez que neste período a empresa optou por prescindir da obtenção de proveitos.

 

1.12.      Sucede que a decisão de alargar a carência de rendas foi uma decisão de gestão, que visa em última instância o lucro.

 

1.13.      Tratou-se de um investimento (no caso, não de uma despesa, mas de uma diminuição temporária de receita) com o objectivo de gerar proveitos futuros.

 

1.14.      Caso a Requerente não tivesse acordado alargar o período de carência, a actividade da D... tornar-se-ia inviável com imediatas e negativas consequências para a unidade hoteleira, uma vez que aquela sociedade não apenas explora o bar e o restaurante como presta serviços de pequenos-almoços, room-service, serviço de piscina e banquetes) ou a qualidade daqueles serviços diminuiria, acarretando graves repercussões na imagem da Requerente.

 

1.15.      A decisão de alargar o período de carência foi uma decisão de gestão que não procurou o lucro imediato, mas a perenidade e o crescimento das receitas, até porque a existência e a qualidade do serviço de bar, restaurante, room-service, piscina) são determinantes para a escolha de um alojamento por parte dos hóspedes.

 

1.16.      Ora, as depreciações do imobilizado em causa são gastos fiscalmente dedutíveis, pois não só permitem assegurar rendas futuras, como também receitas presentes, uma vez que a Requerente obtém rendimentos directos da exploração do bar e restaurante, como sucede, por exemplo, com os pequenos almoços, em que o valor cobrado ao hóspede pelo hotel é superior ao que lhe é cobrado pela D... .

 

1.17.      Assim, o custo correspondente às depreciações do imobilizado afecto ao bar e restaurante contribuiu decisivamente para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora, pelo que é dedutível.

 

1.18.      A Requerida não pode pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente os custos de que decorram, directamente, proveitos para a empresa.

 

1.19.      A indispensabilidade a que se refere o art.º 23.º CIRC exige tão-só uma relação de causalidade económica, no sentido em que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

 

1.20.      Sendo a liquidação ora posta em crise ilegal, e tendo sido paga pela Requerente a prestação tributária indevidamente exigida, são-lhe devidos juros indemnizatórios nos termos legais.   

 

C – Posição da Requerida

 

1.21.      A Requerida, remetendo para as conclusões retiradas no procedimento inspectivo, entende que as depreciações referentes ao imobilizado afecto à actividade do restaurante e bar inseridos no hotel não são fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, porque não contribuíram para “ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, dado que os mesmos não contribuíram para a formação de rendimentos, uma vez que no exercício de 2015, a Requerente optou por prescindir da obtenção de proveitos, não podendo ser de aceitar como gasto fiscal parte dos encargos suportados com as referidas depreciações, que resultou no montante de €48.903,62 (quarenta e oito mil novecentos e três euros e sessenta e dois cêntimos).

 

1.22.      No Relatório de Inspecção Tributária concluiu-se que o “período de carência de obtenção de rendimento não configura uma situação de diferimento do recebimento, em que o valor das rendas referentes ao período de Fevereiro a Dezembro de 2015 é recebido em momento posterior, mas configura numa situação de não recebimento, ou seja, que a empresa prescindiu de receber o montante anual estipulado no contrato de arrendamento”.

 

1.23.      Ora, o art.º 23.º do CIRC impõe a existência de uma correlação entre os gastos e o rendimento, sendo que os gastos têm de apresentar os requisitos elencados na lei: comprovação, indispensabilidade e relação com os rendimentos sujeitos a imposto, o que no caso vertente não se verifica, uma vez que a Requerente, registando a totalidade dos custos em que incorreu com o restaurante e o bar, optou por prescindir dos proveitos a que teria direito nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a D... .

 

1.24.      O juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o que não se verifica no caso dos autos.

 

1.25.      Ora, não sendo o acto de liquidação ora sindicado ilegal, não pode aos serviços ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, pelo que igualmente falece a pretensão da Requerente aos juros indemnizatórios. 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

1.26.      Por despacho de 18.05.2020, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 19.06.2020, tendo sido as partes convidadas a apresentar, querendo, as suas alegações, direito que nenhuma delas pretendeu exercer.

 

1.27.      O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.28.      As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.

 

1.29.      A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade da liquidação ora posta em crise.

 

2.            Matéria de facto

 

2.1.        Factos provados

 

2.1.1.     A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto a “construção, remodelação, restauro, arrendamento e exploração de unidades hoteleiras”. (cf. art.º 6.º da Resposta)

 

2.1.2.     A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na ..., n.ºs ... a ... e ... n.ºs ... a ..., em Lisboa, onde funciona um hotel de 4 estrelas denominado ... . (cf. contrato de arrendamento comercial, que constitui o Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.3.     Uma das áreas do hotel é destinada à actividade comercial de exploração de restaurante e bar. (cf. contrato de arrendamento comercial, que constitui o Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.4.     No dia 1 de Dezembro de 2014 a Requerente, na qualidade de Senhoria, celebrou com a D..., Lda., como Inquilina, um contrato de arrendamento comercial pelo esta tomou de arrendamento a área do hotel destinada a restaurante e bar. (cf. contrato de arrendamento comercial, que constitui o Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.5.     No n.º 1 da Cláusula Quarta do contrato de arrendamento supra mencionado, fixou-se a renda mensal em € 15.000,00 (quinze mil euros). (cf. contrato de arrendamento comercial, que constitui o Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.6.     No n.º 3 da mesma Cláusula Quarta do contrato de arrendamento referido em 2.1.4 foi concedido à Inquilina um período de carência de rendas correspondentes aos primeiros dois meses de vigência do contrato. (cf. contrato de arrendamento comercial, que constitui o Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.7.     Pela alínea a) da Cláusula Sexta do referido contrato de arrendamento a Inquilina obriga-se a manter o local arrendado em perfeito estado de conservação, realizando à sua custa as obras de reparação, conservação e manutenção do local e de todas as suas instalações e equipamentos e demais encargos tornados necessários pelo seu uso. (cf. contrato de arrendamento comercial, que constitui o Anexo II do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.8.     A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018..., emitida no dia 25.05.2018, com despacho de 05.06.2018 da Chefe de Divisão III do Departamento B da Área da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, incidindo os actos inspectivos sobre o exercício de 2015, tendo como principal objectivo a verificação do controlo da situação tributária em sede de IRC e correspondente verificação contabilística. (cf. o capítulo II.1 do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.9.     No exercício de 2015, no âmbito do procedimento inspectivo, a Requerida apurou que as rendas devidas à Requerente nos termos do contrato de arrendamento referido em 2.1.4. não se encontravam reflectidas na contabilidade da Requerente. (cf. o capítulo III.1 do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta e o art.º 10.º dela)

 

2.1.10.  Convidada pelos serviços de inspecção tributária a esclarecer a razão pela qual não estavam lançadas na contabilidade as rendas devidas nos termos do contrato de arrendamento mencionado em 2.1.4., a contabilista certificada referiu o seguinte:

 

 

(cf. o Anexo III do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta)

 

2.1.11.  As Partes do contrato de arrendamento referido em 2.1.4. acordaram que o período de carência de rendas (prevista inicialmente para dois meses) se estendesse por todo o ano de 2015 (cf. o Anexo III do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta).

 

2.1.12.  A Requerente não recebeu da D... no ano de 2015 qualquer valor a título de pagamento das rendas a que se refere o contrato de arrendamento mencionado em 2.1.4. (cf. pedido de pronúncia arbitral, Resposta e Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta, maxime pág. 21)

 

2.1.13.  A Requerente, apesar de não ter considerado como proveito de 2015 qualquer das rendas a que se refere o contrato de arrendamento mencionado em 2.1.4., registou a totalidade dos custos referentes ao restaurante e bar do hotel, nomeadamente os relacionados com as amortizações do mobiliário e equipamento do restaurante (pertencente ao hotel), no montante de €48.903,62 (quarenta e oito mil novecentos e três euros e sessenta e dois cêntimos) (cf. art.º 5.º do pedido de pronúncia arbitral, art.º 24.º da Resposta e Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, junto com a Resposta, págs. 23 a 25)

 

2.1.14.  Os gastos referidos no ponto anterior foram objecto de correcção aritmética, traduzida no acréscimo de €48.903,62 (quarenta e oito mil novecentos e três euros e sessenta e dois cêntimos) ao quadro 07 da Declaração Modelo 22, para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2015 (cf. Documento de Correcção, constante do processo administrativo, junto com a Resposta).

 

2.1.15.  A D...  não explora apenas o bar e o restaurante do hotel da Requerente, prestando-lhe ainda serviços de pequenos-almoços, de room-service, de apoio à piscina e de banquetes) (cf. facturas do Anexo V do Relatório de Inspecção Tributária constante do processo administrativo, junto com a Resposta) 

 

2.1.16.  Em consequência da correcção aritmética realizada, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC n.º 2019 ... e da demonstração de acerto de contas, cujo documento tem o n.º 2019 ..., no montante de € 11.475,10 (onze mil quatrocentos e setenta e cinco euros e dez cêntimos) (cf. Docs. n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral)

 

2.1.17.  A Requerente procedeu ao pagamento da prestação tributária exigida no dia 19.06.2019 (cf. Doc. n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral) 

 

2.2.        Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3.        Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

3.            Matéria de direito

 

3.1.        Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, as seguintes: 

a)            A de saber se são fiscalmente dedutíveis os gastos associados às depreciações referentes ao imobilizado afecto à actividade de bar e restaurante do hotel, uma vez que a Requerente e a sua Inquilina acordaram que esta não pagaria àquela, durante todo o ano de 2015, qualquer renda; e

b)           A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação ora posto em crise, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral, poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia por si entregue para satisfação de prestação tributária não devida.

 

3.2.        A dedutibilidade dos gastos e perdas

 

A questão que cumpre ao tribunal arbitral julgar, como se viu, reporta-se ao exercício de 2015, ano em que a Requerente deduziu os custos atinentes às depreciações referentes ao imobilizado afecto à actividade do bar e restaurante do hotel de sua propriedade quando, por força do acordo alcançado com a sua Inquilina quanto ao alargamento do período de carência de rendas (prevista inicialmente para dois meses), não auferiu do contrato de arrendamento da área destinada à actividade comercial de exploração de restaurante e bar, nesse mesmo exercício, qualquer rendimento a título de pagamento de rendas.

 

Entende a Requerida que tendo a empresa prescindido de receber o montante anual de rendas estipulado no contrato de arrendamento da área destinada à actividade comercial de exploração de restaurante e bar, não pode deduzir as depreciações referentes ao imobilizado afecto à actividade do bar e restaurante. O seu juízo assenta na constatação de que os gastos incorridos pela empresa no período de 2015 correspondentes às depreciações do imobilizado afecto à actividade de restaurante e bar não contribuíram para a formação dos proveitos.

 

O n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, sob a epígrafe “Gastos e perdas”, dispõe que:

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

Já pela alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo se alcança que:

 

 2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

 

g) Depreciações e amortizações;

 

Por seu turno, a alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do CIRC prescreve que:

 

 1 - São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais:

 

a) Os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis;

 

Pode antever-se, à luz dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo seu lucro real (ressonâncias de um mais amplo princípio de justiça), a importância dogmática que assume a determinação da matéria colectável, em sede de IRC. Ora, assentando ela na fixação do lucro tributável , e tendo este uma intrínseca natureza diferencial, importa atentar com especial cuidado tanto aos proveitos (rendimentos e ganhos) como aos custos (gastos e perdas).

 

Nas sociedades, como é sabido, o balanço comercial constitui aspecto essencial da factispécie de tributação, ainda que se aceitem correcções, sempre suportadas na lei, que ofereçam um balanço fiscal diferente daquele, como forma de se alcançarem certos objectivos fiscais  dignos de tutela jurídica e de expressa consagração legal, acrescentamos.

 

Como bem recorda a Requerida, tem de haver uma correlação entre os gastos e os rendimentos, ainda que há muito, tanto a doutrina como a jurisprudência tenham negado ao custo uma natureza finalística, no sentido de ser necessário surpreender uma relação de causalidade necessária de um determinado custo relativamente a certo proveito . Tradicionalmente defende-se que os gastos fiscalmente atendíveis têm de apresentar os seguintes requisitos: comprovação, indispensabilidade e relação com os rendimentos sujeitos a imposto. Resulta claro que o dissídio que cumpre decidir nos presentes autos não respeita à comprovação.

 

Na verdade, o que motivou a Requerida a considerar que as depreciações do imobilizado afecto à actividade do bar e restaurante do hotel de que a Requerente é proprietária não são fiscalmente dedutíveis é o facto de ela ter acordado com a sua inquilina o alargamento do período de carência de rendas (prevista inicialmente para dois meses) para todo o ano de 2015, razão pela qual, nesse exercício, não auferiu uma única renda relativa ao contrato de arrendamento que tem por objecto a área do imóvel destinada à actividade comercial de exploração de restaurante e bar.

 

Entendeu a Requerente que a exploração do restaurante e do bar, equipado com os bens constantes da lista de imobilizado reproduzida no Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos com a Resposta, ficasse, mediante retribuição, a cargo de uma entidade terceira. Depois de ter assumido que a operação de exploração do restaurante e do bar se revelou muito deficitária, desde o primeiro dia, e que o sucesso dessa exploração em muito dependia dos hóspedes do hotel, entendeu por bem a Requerente alargar o período de carência de rendas para todo o ano de 2015.

 

Não pode, sem mais, presumir-se estranha à racionalidade económica que deve pautar a gestão dos interesses de uma entidade que visa o lucro, a decisão que comporta, em termos imediatos, uma ablação de parte das suas receitas eventuais. Como resulta evidente, os proveitos da Requerente não se esgotam nas rendas que tencionava auferir com a celebração do contrato de arrendamento da área destinada à actividade comercial de exploração de restaurante e bar.

 

Como refere a Requerente, na hora de escolher alojamento, os hóspedes não ignoram a existência de piscina, restaurante, bar, room-service, nem a qualidade do serviço a essas valências associada. Assim, não parece implausível sustentar que mais penalizador para os interesses patrimoniais decorrentes da exploração de um hotel de 4 estrelas do que uma carência de rendas, seria ter de abdicar dos serviços prestados pela D... ou aceitar uma degradação da qualidade dos mesmos e as consequências nefastas daí advenientes.

 

Aliás, pelas facturas que constam do Anexo V do Relatório de Inspecção Tributária, fica demonstrado que a D... prestou serviços de pequeno-almoço, room-service e de banquetes à Requerente no exercício de 2015, admitindo-se que a Requerente tenha reflectido nos seus clientes, com margem , os custos referentes a esses serviços.

 

Acresce que nos termos do contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e a D..., a inquilina obrigou-se a manter o local arrendado em perfeito estado de conservação, realizando à sua custa as obras de reparação, conservação e manutenção do local e de todas as suas instalações e equipamentos e demais encargos tornados necessários pelo seu uso, despesas que contratualmente a Requerente não teve de suportar, o que se traduz num benefício. 

 

Ainda que a actual redacção do n.º 1 do art.º 23.º não faça expresso apelo à noção de indispensabilidade, esse conceito não deixa de estar nele subentendido. Contudo, não pode ter-se dele a leitura ensaiada pela Requerida, que, no caso dos presentes autos, liga em termos intoleravelmente redutores, os custos das depreciações do imobilizado afecto ao bar e restaurante a uma única categoria de proveitos: aqueles que adviriam do contrato de arrendamento dessa mesma área do hotel. Não fazendo o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, nem hoje nem à data dos factos, apelo expresso à “indispensabilidade”, não pode pretender-se que o citado preceito legal tenha agora um sentido que havia sido já superado na vigência da pretérita redacção.

 

A indispensabilidade, como ensina a melhor doutrina, deve ser “aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos). Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa” . E não deve ser motivo de surpresa que se sustente seja do interesse da Requerente que o seu hotel tenha restaurante, bar, serviços de room-service, de apoio à piscina e de banquetes (que se presume façam uso do restaurante e do respectivo equipamento, cujas depreciações a Requerente fiscalmente deduziu).  

 

Diga-se ainda que a numerosa jurisprudência citada pela Requerida na sua Resposta não contraria, antes confirma, o entendimento que aqui se sufraga. É exacto que “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa”, que a indispensabilidade “afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades" e que “a indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável”.

 

Assim, as depreciações referentes ao imobilizado afecto à actividade do bar e restaurante do hotel, no valor de € 48.903,62 (quarenta e oito mil novecentos e três euros e sessenta e dois cêntimos), são fiscalmente dedutíveis, enfermando de ilegalidade o acto tributário ora em crise, por vício de erro nos seus pressupostos de direito.

 

3.3.                        Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está de harmonia com o previsto no art.º 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Aliás, nos termos do n.º 5 do art.º 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT), o que remete para as manifestações desse princípio que encontramos no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Considera-se erro imputável aos serviços aquele que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos, de facto ou de direito, que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Ora, aquando da prática do acto de liquidação controvertido, a administração tributária e aduaneira conhecia ou não podia ignorar que a correcção feita ao resultado tributável do exercício de 2015, violaria as regras legais aplicáveis. Portanto, não há dúvida ter havido, para estes efeitos, erro imputável aos serviços. 

 

Estando provado que a Requerente pagou prestação tributária que pela liquidação reclamada e ora anulada lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigida, tem ela direito não apenas ao reembolso do que pagou indevidamente, mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao seu integral reembolso.   

 

4.            Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)            Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IIRC n.º 2019..., no montante de € 11.475,10 (onze mil quatrocentos e setenta e cinco euros e dez cêntimos);

b)           Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do que pagou indevidamente e, bem assim, a pagar-lhe juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data do pagamento da quantia indevidamente exigida, até à data de integral reembolso; e

c)            Condenar a Requerida nas custas.

 

5.            Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 11.475,10 (onze mil quatrocentos e setenta e cinco euros e dez cêntimos).

 

6.            Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 19 de Junho de 2020

 

O Árbitro

 

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(Nuno Pombo)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.