Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 642/2020-T
Data da decisão: 2021-11-02  IRS  
Valor do pedido: € 47.665,70
Tema: IRS: (Mais-Valias) (i) Aquisição de imóvel por Transação (artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88 de 30/11; e (ii) Documentos justificativos de despesas e encargos (artigo 51.º CIRS)
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

  1. Relatório

 

1. A..., de nacionalidade holandesa, residente em ..., ..., Holanda, com o n.º de contribuinte português ..., (doravante, Requerente), apresentou no dia 16 de novembro de 2020 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pede a anulação dos seguintes atos tributários (doravante, ato impugnado):

(a) a decisão de indeferimento, proferida pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2018..., respetivo Ato de Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018 ..., referentes ao ano de 2014;

(b) estes atos de liquidação propriamente ditos, dos quais resultou o apuramento de um montante de total de imposto a pagar de € 47.665,70.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 17 de novembro de 2020, e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. Em 15 de dezembro de 2020, a Requerida proferiu despacho de revogação parcial do ato tributário, o qual em 17 de dezembro de 2020 foi notificado ao Requerente. O despacho tem o seguinte teor:

Após leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral, informa-se o seguinte:

i) A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias por a aquisição do imóvel (melhor identificado nos autos) ter ocorrido, segundo as alegações do requerente, antes da entrada em vigor do Código do IRS (aplicando-se assim o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei n.o 442-A/88, de 30 de novembro).

Ou seja, entende o sujeito passivo que o imóvel alienado em 2014 foi totalmente adquirido em 1979, pelo que que não haveria lugar a tributação.

Por sua vez, a Autoridade Tributária entende (quer na ação de inspeção realizada, quer na apreciação e decisão da reclamação graciosa n.º ...2019...) que apenas 50% do imóvel foi adquirido nesse ano, tendo os restantes 50% sido adquiridos em 2006. Como tal, estes últimos 50% (os adquiridos em 2006) estariam sujeitos a tributação, não lhes sendo aplicável o artigo 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

ii) Compulsados os autos, e salvo melhor opinião em contrário, entendemos não assistir razão ao requerente, quanto a esta matéria.

Não se duvida que ao requerente tenha sido dada razão, quanto à propriedade do imóvel, em diversas ações judiciais por si interpostas, conforme descreve na sua petição.

No entanto, as referidas ações tinham como contraparte pessoas aí identificadas.

Ou seja, as decisões tinham em consideração os direitos do aqui requerente ao imóvel em relação essas determinadas pessoas (e nunca para a generalidade da população mundial).

E tanto é assim, que como afirma o requerente, foi intentando ações diferentes contra diversas pessoas que se arrogavam com direitos incompatíveis com os seus.

A questão controvertida diz respeito ao que aconteceu em 2006.

Ora, nesse ano (mais concretamente, em 28 de agosto), foi outorgada escritura pública de transação, em que o primeiro outorgante foi o aqui requerente.

Aí consta, expressamente, o seguinte:

“4º - O primeiro outorgante e a segunda em nome da sua representada, declaram que ambos são comproprietários em partes iguais dos seguintes prédios:”.

Segue-se a descrição de vários imóveis e dos ónus que recaiam sobre cada um deles.

Aí, nessa descrição, está incluído o imóvel que originou o presente processo.

Após a descrição, consta seguinte declaração:

“5º - Que as partes acordam na compra e venda de metade indivisa dos identificados imóveis, nos seguintes termos:

a) O direito de propriedade sobre os referidos prédios, no estado físico e jurídico em que estão fica atribuído em exclusividade a A..., contra o pagamento por este da quantia de quinhentos mil euros.”.

Portanto, não restam dúvidas que no ano de 2006 o requerente adquiriu metade indivisa do imóvel, por compra ao anterior comproprietário (melhor identificado nos autos).

Caiem, pois, por terra, as alegações de nulidade dos negócios jurídicos, tendo em conta que este negócio (titulado pela escritura de transação) não foi declarado nulo.

Assim, tendo adquirido metade do imóvel em 2006, não pode aplicar-se a exclusão de tributação referida no artigo 5º do Decreto-Lei n.o 442-A/88, de 30 de novembro, o que fará com que os ganhos com a alienação não possam estar excluídos de tributação (relativamente a esses 50% do imóvel).

No ponto 83º da sua petição, para efeitos de reforço das suas alegações, vem o requerente afirmar que “a própria AT emitiu uma primeira declaração, por referência a este ano de 2014, e na qual não era apurado qualquer valor tributável”.

Ora, como o requerente não desconhece, essa liquidação resultou da declaração por si entregue, em que inscreveu a propriedade da totalidade do imóvel no anexo G1, o que, posteriormente em sede de inspeção tributária, se verificou estar incorreto (e daí ter sido elaborada a declaração oficiosa).

iii) A título subsidiário, nos pontos 86º a 92º da sua petição, vem o requerente invocar a incorreta quantificação do facto tributário.

Isto porque o valor de realização (da totalidade do imóvel) foi de 745.000,00 € e não 750.000,00 €.

Consultada a escritura outorgada em 2014, verifica-se que, efetivamente, o valor de realização foi de 745.000,00 €

Além disso, também é esse o montante constante na declaração Mod. 11.

Acresce que, consultada a aplicação informática da matriz predial, constata-se que o valor patrimonial tributário do imóvel é inferior ao valor de realização (não se aplicando, pois, o disposto no n.º 2 do artigo 44º do Código do IRS).

Não restam dúvidas de que o valor de realização a considerar para efeitos de inscrição no anexo G será metade de 745.000,00 € (o que corresponde a 372.500,00 €).

Consultada a declaração oficiosa (elaborada na sequência da conclusão do procedimento de inspeção), verifica-se que no campo 401 do quadro 4 do anexo G consta a quantia de 375.000,00 €.

Pelo exposto, e quanto a esta matéria, tem o requerente razão: o valor a constar como de realização no campo 401 do quadro 4 deveria ser 372.500,00 € e não 375.000,00 €.

iv) Também a título subsidiário, nos pontos 93º a 103º da petição contestar o montante de despesas e encargos inscrito na declaração oficiosa.

Esta matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se ao conceito de encargos previsto na alínea a) do artigo 51º do Código do IRS.

Ora, estabelece a mencionada disposição legal (na redação em vigor na data dos factos) que para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.o 1 do artigo 10.º.

E qual a forma de comprovar os custos suportados (na terminologia utilizada pelo requerente)? Para que tal aconteça, a prova do encargo deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado.

E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA.

O requerente não apresenta, pois, documentos que possam ser considerados válidos para comprovação das despesas e encargos

Assim, apenas o montante já inscrito no campo 401 do quadro 4 do anexo G da declaração oficiosa pode ser considerado despesas e encargos, para os efeitos mencionados no artigo 51º do Código do IRS (porque têm documentos de suporte emitidos na forma legal).

vi) Face aos elementos constantes dos autos e tendo em conta o que foi explanado supra, apenas estarão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios relativamente à parte respeitante ao valor de realização (372.500,00 € e não 375.000,00 € como consta da declaração oficiosa).

lV - Conclusão.

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser concedido provimento parcial (conforme explanado supra) ao solicitado.

V – Proposta de decisão.

Por tudo o exposto, propõe-se que seja alterada a liquidação n.o 2018..., referente ao IRS do ano fiscal de 2014.

 

4. Em 16 de dezembro de 2020, o Sr. Presidente do CAAD proferiu o seguinte despacho (o qual foi notificado em 17 de dezembro de 2020):

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

5. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 11 de janeiro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Em 11 de janeiro de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não  tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

8. Em 4 de maio de 2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

9. A Requerida veio aos autos juntar o processo administrativo em 24 de maio de 2021, e veio apresentar Resposta em 1 de junho de 2021 (tempestivamente).

 

10. Em 3 de junho de 2021, foi proferido despacho arbitral (notificado em 4 de junho de 2021) com o seguinte teor:

Por aplicação do princípio da celeridade processual, notifica-se o Requerente para:

(1) Se pronunciar por escrito relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida na sua Resposta; e

(2)  informar os autos se mantém interesse na inquirição da testemunha arrolada no pedido de pronúncia arbitral e, em caso afirmativo, indicar quais os factos que deverão ser objeto desse meio de prova.

Prazo: 10 dias”.

 

11. Em 14 de junho de 2021, em resposta ao despacho identificado, o Requerente apresentou requerimento no qual veio:

(i)informar que a prova testemunhal por si requerida se afigura relevante para o apuramento e esclarecimento da verdade material dos factos, nomeadamente por ter sido representante fiscal do Requerente em Portugal e por ter participado nas diversas reuniões e exposições escritas à Autoridade Tributária e Aduaneira, relativas ao tema dos autos, estando por isso em condições de proceder a um adequado enquadramento factual da aquisição dos imóveis, sem prejuízo da prova documental e da argumentação de Direito por si já produzida e que são complementares dessa mesma prova testemunhal. Nessa medida, a testemunha arrolada no pedido de pronúncia arbitral responderá a toda a matéria de facto, que não seja exclusivamente suscetível de prova documental, nomeadamente, quanto aos factos constantes dos artigos 8.º a 30.º e 50.º, todos do referido pedido”;

(ii) responder à exceção alegada pela Requerida, alegando que: “No que tange à alegada intempestividade do pedido arbitral, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, a mesma deverá resultar certamente de um lapso, pois o pedido foi apresentado no dia 16/11/2020, conforme, de resto, poderá ser consultado na Plataforma do CAAD, nos dados relativo ao “Pedido”. Ainda assim e para facilitar a confirmação daquela data, quer ao Tribunal, quer à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, requer-se a junção, em anexo, do email comprovativo da apresentação do presente pedido arbitral”.

12. Em 16 de junho de 2021, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:

Por se perspetivar útil ao apuramento da verdade material, tendo em consideração a proximidade das férias judiciais, determina-se a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT no dia 07 de setembro de 2021(terça-feira) às 15h00. O Tribunal realizará a reunião através de meios telemáticos, através do sistema de videoconferência Cisco Webex, utilizado pelo CAAD e de subscrição livre.

À exceção da testemunha a apresentar pelo Requerente (que será ouvida presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa), os demais intervenientes, designadamente os Senhores Mandatários, podem estar presentes através de meios de meios telemáticos.

Notifiquem-se as partes do presente despacho”.

 

13. Em 7 de setembro de 2021, pelas 15 horas, teve lugar na sede do CAAD em Lisboa, a reunião do tribunal arbitral, tendo a Signatária participado na reunião via CISCO WEBEX MEETINGS — os representantes do Requerente e da Requerida concordaram (i) com a realização desta diligência pelos meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBEX MEETINGS e (ii) com a gravação desta diligência. Foi inquirida a testemunha arrolada pelo Requerente, melhor identificada na Ata da diligência.

O Tribunal:

(i) notificou o Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida iria começar a contar com a notificação da junção das alegações do Requerente ou do termo do prazo a este concedido;

(ii) designou o dia 03-11-2021 para o efeito de prolação da decisão arbitral em cumprimento do disposto no artigo 18.º n.º 2.º do RJAT; e

(iii) advertiu o Requerente que, até 10 dias antes da data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente (nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária) e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

14. Em 21 de setembro de 2021, o Requerente apresentou:

(i) requerimento com o seguinte teor: ao abrigo do princípio da colaboração e do princípio da descoberta da verdade material, na sequência da reunião arbitral realizada nos autos, no passado dia 07.09.2021, na qual foi suscitada pelo Tribunal Arbitral a questão relativa à identificação da pessoa/entidade que procedeu ao pagamento da Contribuição Autárquica e do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referente aos imóveis aqui em causa, nomeadamente, o imóvel identificado na matriz predial urbana com o n.o ..., informar que foi o Requerente que, desde sempre, procedeu a esse pagamento, conforme documentos retirados nesta data do seu Portal das. De facto e porque o Tribunal Arbitral suscitou esta questão e que considerará – e bem – que a mesma se afigura relevante para o apuramento da verdade material dos factos e para a decisão final a proferir, não pode o Requerente deixar de fazer a demonstração de que, pelo menos desde o ano de 2000, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procedeu à emissão das liquidações de Contribuição Autárquica e, a partir do ano 2003 e até à presente data, das liquidações de IMI, em nome do ora Requerente, na qualidade de proprietário de todos os imóveis, exigindo e cobrando junto do mesmo o respetivo pagamento. Desta circunstância e sem prejuízo das considerações que a este propósito serão feitas em sede de alegações finais, deverá o Tribunal Arbitral retirar as devidas consequências, nomeadamente, dar como assente que a AT considerou, para efeito de tributação em sede de Contribuição Autárquica e de IMI, que o Requerente era o efetivo proprietário da totalidade dos imóveis em causa, pelo menos desde o ano de 2000 e, para efeito de tributação em sede de IRS das mais- valias resultantes da venda do imóvel correspondente à matriz predial urbana n.o ..., entendeu que o Requerente apenas se tornou proprietário de 50% a partir do ano de 2006. O que deverá ser relevado pelo Tribunal com as demais consequências legais; requerimento notificado à Requerida na mesma data, e

(ii) alegações finais, as quais foram notificadas na mesma data.

 

15. Em 1 de outubro de 2021, a Requerida apresentou as respetivas alegações finais, as quais foram notificadas na mesma data.

 

16. Em 20 de outubro de 2021, o Requerente juntou aos autos a taxa arbitral subsequente.

 

17. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente fundamenta o seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

(i) Da violação do disposto no artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias e no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30/11: não pode o Requerente concordar com um dos pressupostos em que a AT assentou a decisão de sujeitar a tributação a mais-valia em causa: o de que, à face das normas e dos princípios legais aplicáveis, o imóvel foi adquirido apenas no ano de 2006”. “Entende o Requerente, em suma, que, apesar de se ter visto forçado a adquirir parte do imóvel em 2006, a metade indivisa ilegalmente adquirida pela sociedade “B...”, o direito de propriedade e a posse dos imóveis formou-se muito antes disso, quando, em 1979, celebrou, de livre vontade e de forma plenamente válida, um contrato promessa de compra e venda e um contrato de empreitada sobre tais imóveis. Com efeito e tal como resulta evidenciado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, de 23/02/2006, proferida no recurso de apelação n.º .../2005, a venda da metade indivisa dos imóveis à aludida sociedade (em 2006), consubstanciou um “abuso dos poderes de representação conferidos pelo autor [o Requerente] ao primeiro réu [o seu então advogado] e que, evidentemente, prejudicaram aquele, na medida em que ficou desapossado da propriedade plena dos lotes em causa”. E se não importa nesta sede dissecar os termos em que tal abuso de representação ocorreu – até porque o mesmo foi julgado em sede própria -, a verdade é que o Requerente se viu desapossado, uma vez mais de forma ilegal e abusiva, da propriedade dos imóveis nessa data, em 2006. Daí que, naquele processo, o Réu [o seu então advogado] tenha sido condenado no pagamento de uma indemnização no valor de PTE 20.000.000$00 e que, segundo aquele acórdão do Tribunal da Relação de Évora considerou consubstanciar “o valor pelo qual foi vendida a metade indivisa dos lotes pertencentes au autor, a título de ressarcimento dos danos causados com a indevida atuação do réu na aludida venda, valor que equivale aproximadamente ao valor que a metade indivisa do direito de propriedade do autor sobre tais lotes teria à data da celebração do negócio de compra e venda entre os réus”. Sendo que foi apenas por ter decidido – por livre vontade, é certo – não prolongar a longa e penosa litigância que mantinha, quanto à ilegalidade desse desapossamento, que o Requerente decidiu recomprar o que, por direito, já era na verdade seu desde 1979. Tudo isto são factos que os SIT analisaram e que tiveram em consideração na análise da situação sub judice, designadamente, as decisões judiciais a que acima se fez referência, e que permitiram formar a sua convicção de que a venda do lote ..., em 2014, gerou mais-valias suscetíveis de tributação em sede de IRS. Isto para dizer que, ao contrário daquilo que entenderam os SIT, o Requerente considera que adquiriu a propriedade dos imóveis em questão – nos quais se inclui o lote ...  – no momento em que celebrou o respetivo contrato de promessa de compra e venda e de empreitada sobre os mesmos, no ano de 1979. Não os adquiriu em 2006. Nessa data, muitas ilegalidades e apropriações indevidas haviam ocorrido e de que resultou o desapossamento ilegítimos dos imóveis, da sua esfera, pelo que a “aquisição” realizada em 2006 não foi consubstanciou mais do que a mera reposição, legal e justa, da situação que deveria ter ocorrido no ano de 1979. De resto, isso resulta do próprio documento de transação assinado, em 2006, pelas Partes, e que também foi certamente analisado pela AT, nos termos do qual declaram que a “aquisição” visa colocar “um fim ao litígio que as opõe”, acordando também na retirada das várias ações judiciais ainda pendentes (Documento n.º 6 ora junto e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). Assim, entende o Requerente que o facto tributário aquisitivo se verificou e consumou antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro (diploma que aprovou o Código do IRS), pelo que as consequências imediatas que, no plano tributário, daí resultam, terão que ser apreciadas à luz do anterior “Imposto de mais-valias”, previsto no Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, Ao abrigo do qual, como se constatará, esta situação se encontrava excluída de tributação. Mas para se compreender tal conclusão, importar fazer referência ao regime constante do Código Civil (CC) e que regula a matéria da nulidade dos negócios jurídicos e dos respetivos efeitos. Ora, rege o artigo 289.º do CC, sob a epígrafe “Efeitos da declaração de nulidade e da anulação”, no seu n.º 1, que “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. Por seu lado, o n.º 1 do artigo 291º do CC estatui que a declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens se se tratar de “direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio”, Dispondo o n.º 2 da mesma norma que os direitos do terceiro não são reconhecidos “se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio”. Ou seja e resumindo tais normas, podemos dizer o seguinte. Se a segunda aquisição não tiver sido registada, aplica-se diretamente o regime previsto no artigo 289.º do CC, ou seja, a declaração de nulidade/anulação é oponível a esse terceiro, mesmo que de boa fé, e tudo se passa como se essa aquisição nunca tivesse ocorrido. Nem sequer tem existência jurídica. Caso a segunda aquisição haja sido registada, como foi o caso, parece poder concluir-se que, no caso de a propositura/registo da ação de nulidade tiver ocorrido nos 3 anos posteriores à conclusão do segundo negócio, como também foi o caso, a nulidade/anulação é oponível aos terceiros de boa fé. Veja, exemplificativamente e neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27-10-2016, proferido no recurso n.º 1122/11.8TBBCL.GI. Acresce que, segundo dita o artigo 1267.º do CC, a perda da posse de um imóvel apenas ocorre nas seguintes situações: a) Pelo abandono; b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio; c) Pela cedência; d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano. Também nos termos do n-º 1 do artigo 1268.º do mesmo CC, o possuidor “goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”. Ora, nada disso sucedeu no caso vertente, pois o Requerente sempre conservou, ou pretendeu conservar, a posse dos lotes em causa, pelo que não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade pelo eventual desapossamento ocorrido. E sobre a aplicação no caso vertente destas normas a decisão sob impugnação nada diz. Referência também para o artigo 1317.º do CC, segundo o qual o momento da aquisição do direito de propriedade ocorre: a) No caso de contrato, no designado nos artigos 408.º e 409.º; b) No caso de sucessão por morte, na abertura da sucessão; c) No caso de usucapião, no início da posse; d) Nos casos de ocupação e acessão, na verificação dos factos respetivos. Ou seja, por força das várias decisões judiciais proferidas no caso vertente – e a que a AT teve acesso -, ficou por demais evidenciado que as pessoas que tomaram posse dos imóveis em causa, em momento posterior aquele em que o Requerente tomou, fizeram-no sempre se forma ilegítima e inadequada à luz das normas que regem a posse e o direito de propriedade. De resto, o Supremo Tribunal Administrativo considerou, dando uma achega a esta questão, no seu acórdão de 30/01/2013, proferido no processo n.º 01072/12, que a expressão normativa “aquisição de bens e direitos”, contida no artigo 5.º n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro deve ser interpretada no sentido de “aquisição que legitime ao titular poder dispor validamente do bem ou direito adquirido”. Na mesma linha, diga-se, do que considera o Professor MENEZES CORDEIRO, quando refere que: “A posse exprime uma situação na qual uma pessoa tem o controlo material duma coisa. A ocorrência “controlo material” analisa-se em duas proposições: - uma pessoa – o possuidor. exerce, ou pode exercer, a sua actividade sobre uma coisa corpórea, de modo a, dela, retirar – ou poder retirar – as vantagens que, pela sua natureza, ela possa proporcionar; - essa mesma pessoa está em condições de excluir qualquer outra, desse aproveitamento”. Também o mesmo autor refere, quanto ao direito de propriedade, que este garante ao proprietário “o conteúdo próprio dos direitos reais de gozo, em termos plenos e exclusivos”. Nada disto sucedeu no caso vertente, relativamente aos proprietários subsequentes dos imóveis, os quais se viram desapossados dos seus direitos de propriedade sobre os mesmos, precisamente porquanto não detinham, nem poderiam deter, qualquer direito possessório ou de propriedade válido. Isto é e reportando-nos uma vez mais ao caso vertente, a ação de reivindicação da posse e a posterior ação de nulidade da aquisição, intentadas pelo Requerente para fazer valer o seu legítimo direito sobre os imóveis, foram decididas sempre a seu favor pelos Tribunais, os quais lhe devolveram a propriedade dos lotes, entre os quais o aqui em causa (...), o que não pode deixar de ter consequências em termos fiscais. Também sobre isto a decisão que se impugna nada diz. Com efeito, a aquisição daqueles lotes não pode deixar de repristinar-se ao momento em que o Requerente adquiriu a posse dos imóveis e/ou, por efeito da ação de reivindicação intentada em 1979, que permitiu recuperar essa posse. Pois, como bem refere o aludido autor, para o funcionamento da posse judicial “o seu autor tem de demonstrar ter a seu favor um título translativo de propriedade - ou, pensamos nós, transmissivo ou constitutivo de qualquer outro direito real bastante para justificar a nossa posse judicial”. Tudo isto, independentemente das subsequentes decisões judiciais, tais como as que foram proferidas em 1985 e 1986 e, sobretudo, independentemente da forma, forçada, como veio a re-adquirir, em 2006, a posse do lote ..., que já era sua desde 1979. Isto é, os imóveis foram adquiridos anteriormente a 01/01/1989. Ora, nessa data, ainda se encontrava em vigor, em matéria de tributação de mais-valias, o Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373 de 09/06/1965, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 506/71 de 20/11/1971, pelo Decreto-Lei n.º 542/71 de 06/12/1971, pelo Decreto-Lei n.º 625/71 de 31/12/1971, pelo Decreto-Lei n.º 626/76 de 28/07/1976, pelo Decreto-Lei n.º 378/77 de 07/09/1977, pelo Decreto-Lei n.º 183-G/80 de 09/06/1980, pelo Decreto-Lei n.º 36/82 de 05/02/1982 e pelo Decreto-Lei n.º 155/82 de 06/05/1982. E tal como resultava do artigo 1.º do referido Código do Imposto de Mais-Valias, respeitante à incidência deste imposto, a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis não estava sujeita a tributação. Acresce que o Código do IRS - que apenas entraria em vigor em 01/01/1989, estabeleceu, no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro (diploma que aprovou esse diploma legal), um regime transitório em matéria de mais-valias (Categoria G), segundo o qual “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”. Ou seja e no que ora releva, os eventuais ganhos (mais-valias) que não se encontravam sujeitas a tributação no âmbito do anterior Código do Imposto de Mais-Valias apenas poderiam ser tributadas, em sede de IRS, no caso de os respetivos bens terem sido adquiridos após a entrada em vigor do Código do IRS, ou seja, após 01/01/1989. O que, como se constatou, entende o Requerente que não se verificou na presente situação, na medida em que os bens imóveis que originaram o apuramento da mais-valia em causa foram adquiridos no ano de 1979, na medida em que as posteriores incidências, das quais resultou o seu desapossamento temporários, vieram a ser declaradas nulas, Tendo sido declarado que o Requerente era o legítimo proprietário dos imóveis ab initio, como se nenhum facto suscetível de afetar a sua posse e o seu direito de propriedade tivesse ocorrido posteriormente. De resto e por fim, refira-se que a própria AT emitiu uma primeira liquidação, por referência a este ano de 2014, e na qual não era apurado qualquer valor tributável, tratava-se de uma declaração a “0” (Documento n.º 7 ora junto e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). Sintoma de que – bem – entendeu nesse momento que a mais-valia apurada pelo Requerente não se encontrava sujeita a imposto. Razão pela qual se requer, com esse fundamento, que seja anulado o ato tributário em crise e a decisão de indeferimento sob impugnação;

(ii) A título subsidiário: A incorreta quantificação do facto tributário: Ainda que se considere que o valor de realização obtido com a venda do lote ..., no ano de 2014, pode consubstanciar uma mais-valia para efeitos fiscais, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que o cálculo da mesma enferma de um erro. De facto e tal como acima se constatou, os SIT relevaram, para efeitos do cálculo da mais-valia em causa, o valor de realização de € 375.000,00, que corresponderá a 50% do montante total da aquisição ocorrida em 2014. No entanto, o valor total da aquisição foi de 745.000,00 (setecentos e quarente a cinco mil euros) e não € 750.000,00 (setecentos e cinquenta e cinco mil euros), valor que os SIT, ao que tudo indica, tiveram em consideração para calcular o montante sujeito a imposto – que foi de € 209.583,51. Conforme se constata de forma imediata da escritura de compra e venda, celebrada em 03/02/2014, e que integra os Anexos do próprio Relatório de Inspeção Tributária. Sobre a incorreção dos cálculos, agora exposta, a decisão em crise também, e de forma inexplicável, nada diz. Assim, admitindo-se que deverá ser liquidado imposto nesta situação, é por demais evidente que o ato de liquidação de IRS impugnado enferma de um erro de cálculo, no que ao apuramento da mais-valia concerne, devendo ser anulado, e subsequentemente corrigido, caso tal ainda seja possível. O que se requer.

(iii) A título subsidiário: As despesas e encargos considerados pela AT: Ainda a título subsidiário, importa referir que o Requerente suportou muitos mais encargos do que os que foram considerados pela AT, para a reaquisição do imóvel em 2006 – isto se entendermos que esta foi a data de efetiva aquisição dos restantes 50% e que, por esse motivo, foi apurada uma mais-valia na venda, em 2014. Com efeito, a AT teve em consideração – e bem, porque comprovados -, encargos e despesas no valor de € 23.434,65, imputando 50% à aquisição ocorrida em 1979 e os outros 50% à “aquisição” ocorrida em 2014. No entanto - e o Requerente só recentemente conseguiu localizar alguns destes documentos nos seus arquivos pessoais -, muitos outros custos foram por si suportados para custear todos estes anos de litigância judicial em que se viu envolvido, para recuperar a propriedade dos imóveis. De facto, todo este processo acarretou para o Requerente muitos outros custos, mas cujos comprovativos, infelizmente e dada a sua antiguidade, já não foi possível recuperar, tendo apenas sido possível, e para termos uma noção da sua dimensão, localizar um documento elaborado, no ano de 2009, pelo Requerente, no qual foram registados alguns desses custos (Documento n.º 8 ora junto e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). O Requerente está em crer que isto é, ou deveria ser, uma conclusão óbvia também para a AT. A única documentação que conseguiu obter foi a cópia da fatura/recibo de quitação, relativo ao pagamento de honorários de advogados, neste processo, no montante de € 15.000,00 (Documento n.º 9 ora junto e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), o qual não poderá também deixar de ser tido em consideração no cálculo da eventual mais-valia, nos termos do disposto no artigo 51.º do CIRS. De resto, os próprios SIT referiram, no Relatório, que foram relevados todos os custos apresentados pelo Requerente e que não foram apresentados outros documentos relevantes nesta matéria. Razão pela qual a aludida fatura/recibo foi junta à reclamação graciosa. Contudo e sem que seja dada qualquer explicação, a AT não relevou esse documento, nem procedeu à correção do ato de liquidação em conformidade. Mas a verdade é que tal documento permite comprovar o pagamento de despesas que lhe foram imputadas, por referência aos processos que conduziram à aquisição do imóvel em causa, e que não poderão deixar de ser consideradas, no caso de se entender que a aquisição efetivamente ocorreu em 2006. Razão pela qual deve ser recalculado o valor da mais-valia apurada e anulado o ato de liquidação impugnado em conformidade. O que se requer a título subsidiário.

 

18. Na sua Resposta, sumariamente, a Requerida alega:

a) Da intempestividade do PPA: O presente PPA foi aceite pelo CAAD no dia 17/08/2020. O objecto do PPA é “a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2018 ... (…)” Conforme resulta do nº 1 do art. 40º da LGT, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário devem ser efectuadas na pessoa deste e no seu escritório. O R. foi, assim, notificado, na pessoa do seu mandatário, da referida decisão de indeferimento a coberto do ofício nº ... de 5/8/2020 (registo RH ... 5PT), recebido no dia 17/08/2020, como o próprio R. reconhece (cfr. Doc. nº 1, ora junto. e art. 1º do PPA). Dispõe o RJAT, no nº 1 do art. 10º que: “1- O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico; (…)”. Resulta, pois, do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, que o prazo para impugnar, nas situações em que houve reclamação graciosa ou recurso hierárquico seguidos de decisão expressa, se conta da notificação desta última decisão. A contagem do prazo dos 90 dias, efectuada de forma contínua, iniciou-se no dia 18/08/2020 (1º dia útil a seguir à notificação) e terminou no dia 15/11/2020, domingo, passando, assim, nos termos da alínea e) do art. 279º do C. Civil, para o dia 16/11/2020 (segunda feira). Considerando que o PPA foi apresentado no dia 17/11/2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral é intempestivo. A caducidade do direito de acção é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e obsta a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do n.º 1 e 2 do artigo 89.º, n.º 1, 2 e 4, al. K) do CPTA, conjugado com os artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo, processo n.º 01198/18.7BEPRT, de 12.04.2019).

b) “Todas as vicissitudes alegadas pelo R. quanto ao processo contencioso que teve que desencadear com terceiros não obstam à existência de um acto de aquisição de 50% do(s) prédio(s), no ano de 2006, sobre o qual não foi suscitada qualquer nulidade, e que se manteve na ordem jurídica até à alienação do imóvel com o artigo ... . E, bem assim, à existência de um registo de aquisição de 50% do mesmo imóvel a favor da sociedade “B...” (Ap. Ap. 28/271289), bem como de um registo de instauração de acção para divisão de coisa comum pela dita sociedade contra o R. (Ap. 03/...). Consta da escritura pública de transacção, outorgada em 20/8/2006, em que o R. foi o primeiro outorgante, o seguinte: O primeiro outorgante e a segunda em nome da sua representada, declaram que ambos são comproprietários em partes iguais dos seguintes prédios, (iii) entre eles o que corresponde ao artigo nº...:”. (…) “5º - Que as partes acordam na compra e venda de metade indivisa dos identificados imóveis, nos seguintes termos: O direito de propriedade sobre os referidos prédios, no estado físico e jurídico em que estão fica atribuído em exclusividade a A..., contra o pagamento por este da quantia de quinhentos mil euros.” A AT desconhece os contornos do contencioso a que o R. alude no PPA, bem como toda a factualidade relacionada com esse mesmo contencioso, designadamente eventuais negócios que possam ter ocorrido de permeio, alguns dos quais devidamente registados junto da CRP de Loulé. Contudo, a AT conhece o negócio jurídico que resultou da transação outorgada em 20/08/2006, através do qual o R. adquiriu 50% do prédio em 20/08/2006, aquisição que, aliás, foi, também ela, registada junto da CRP, Sendo que no titulo aquisitivo (“transacção”) desses 50% consta uma declaração expressa do R. no sentido de que era comproprietário, em partes iguais desse prédio, e que, mediante um preço, comprou os restantes 50% ao outro comproprietário. Não é ainda despiciendo referir a factualidade que o R. trouxe para os autos no art. 45º do PPA, segundo a qual o mandatário do R. terá sido condenado pelo Tribunal da Relação de Évora a indemnizar o R. em 20.000.000$00, correspondente ao “valor pelo qual foi vendida a metade indivisa dos lotes pertencentes ao autor, a título de ressarcimento dos danos causados com a indevida atuação do réu na aludida venda, valor que equivale aproximadamente ao valor que a metade indivisa do direito de propriedade do autor sobre tais lotes teria à data da celebração do negócio de compra e venda entre os réus”. Fica, assim, inequivocamente demonstrada a aquisição, no ano de 2006, de 50% do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., que fundamenta, sem reparo, a tributação das mais valias geradas pela alienação do prédio em 2014 (em 50%). Impugna-se, pois, especificamente, o alegado no art. 30º do PPA. Como resulta à evidência do relatório inspectivo e da fundamentação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, a tributação das mais-valias incidiu apenas sobre 50% dessas mais-valias, o que aliás, o próprio R. reconhece no art. 31º do PPA. Igualmente se impugna o alegado nos artºs 38º e segs. do PPA. Quanto ao alegado especificamente no art. 83º do PPA esclareça-se que a liquidação a que aí se alude é a que resultou da declaração Modelo 3/IRS, de 2014, apresentada pelo R. – a qual foi, posteriormente, corrigida, nos termos aqui controvertidos. Por último, e no que concerne às alegadas despesas a que respeitam os docs. nºs 8 e 9 juntos ao PPA, diga-se que, como bem se decidiu na reclamação graciosa (e, também, no relatório inspectivo), não só não foi demonstrada a efectivação das mesmas, como não se extrai desses documentos a inerência das mesmas às operações de aquisição e alienação do imóvel. Com efeito, o Doc. nº 8 é uma mera súmula de alegadas despesas efectuadas pelo R. ao longo dos anos, sem qualquer suporte documental, e o Doc. nº 9 mais não é do que uma cópia de uma carta, datada de 29/4/2009, alegadamente remetida ao R. e onde se faz alusão a honorários no valor de 15.000,00€ por conta da disputa com o Dr. C..., a qual terminou em agosto de 2006, segundo o termo de transacção. Nos precisos termos dos nºs 2 e 3 do art. 574º do CPC vai impugnada toda a matéria plasmada na PI que sustenta a pretensão da R., que se mostrar em oposição com a defesa no seu conjunto. Assim, a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo R. contra o acto de liquidação nº 2018 ..., não merece qualquer censura, porquanto tal acto de liquidação fez a correcta aplicação do direito aos factos. Por último, atenta a matéria de facto controvertida e a prova documental produzida, não se vê utilidade na produção de testemunhal, pelo que se requer a sua dispensa.

    

  1. Saneamento

    

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

    

  1. O Requerente é um cidadão natural da Holanda, país onde reside atualmente, sendo proprietário de alguns imóveis em Portugal, desde o final dos anos 70, na zona de ... (Algarve);

 

  1. Para efeitos fiscais, o Requerente é um sujeito passivo não residente que, entre 13/04/2010 e 14/02/2017 foi representado por “D... LDA”, NIF ...;

 

  1. Na declaração Modelo 3/IRS, referente ao ano de 2014, o Requerente inscreveu, no Anexo G1, campo 5 “Imóveis alienados ou isentos de tributação”:

Campo 501:

Prédio U, freguesia ..., artigo ...

Data de aquisição: 18/10/1979

Valor de realização: 745.000,00€;

 

  1. O Requerente foi alvo de uma ação inspetiva, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, consubstanciada numa ação de controlo à sua situação tributária, em sede de IRS e relativamente ao ano de 2014, na sequência do projeto “Controlo Anexo G1 Modelo 3 – IRS”, por se tratar de um sujeito passivo que declarou mais-valias isentas ou excluídas de tributação;

 

  1. No âmbito da acção inspectiva “Controlo Anexo G1 Modelo 3-IRS”, da qual resultou a acção inspectiva com OI2017... da Divisão III da IT da DF de Lisboa, dirigida ao Requerente, este foi notificado, através do ofício nº ... de 08/09/2017, para apresentar os documentos de suporte à aquisição (mais-valias não tributadas) e alienação dos imóveis inscritos no quadro 5 (imóveis alienados excluídos ou isentos de tributação) do Anexo G1 da declaração Modelo 3/IRS referente ao ano de 2014, ou seja, do imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo nº ..., freguesia de ...;

 

  1. O Requerente através da sua representante D... Lda, procedeu ao envio de diversa documentação, designadamente, (i) cópia de CPCV, celebrado em 1977, relativamente a 4 lotes de terrenos (nºs..., ..., ... e ...) a que correspondem os artigos matriciais nºs ..., ..., ... e..., entre a E... Limitada (promitente vendedor) e o R. (promitente comprador); (ii) contrato de empreitada referente a esses prédios/lotes de terreno, celebrado na mesma data, mediante o qual a E... Limitada, na qualidade de empreiteiro, se comprometeu a construir uma moradia tipo em cada um dos mencionados lotes/prédios; (iii)cópia da “transação” datada de 24/08/2006, entre o R. e “B..., Lda”, representada por F..., através da qual “põem fim ao litigio que as opõe”, declarando que são ambas as partes comproprietários em partes iguais dos prédios inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ... e ..., adquirindo o R. a totalidade do direito de propriedade dos aludidos prédios mediante o pagamento ao outro outorgante do preço de 500.000,00€; (iv) Cópia de escritura de compra e venda, datada de 3/2/2014, através da qual o R. vendeu o imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., pelo preço de 750.000,00€; (v) Factura nº 7/FAC B13, com o valor de 22908,50€ emitida pela mediadora imobiliária G..., com o descritivo: “Comission 50% of sale ..., ... . Referente aos documentos: FAC 13B7”; (vi) Nota de débito nº 1/NDB13, de 21/1/2014, com o valor de 1.000,00€, emitida pela G..., com o descritivo: “Despesas por conta cliente (registos/advogado/tribunais) referente à venda da moradia ..., Almancil); (vii) Factura nº11/FAC B13, com o valor de 13.745,53€ emitida pela mediadora imobiliária G..., com o descritivo: “Comission 50%, outstanding balance of sale ..., Vale do Lobo”; (viii) Factura NºVD0 F13/103 com o valor de 8.599,95€ emitida pela mediadora imobiliária G..., com o descritivo: “..., Vale do Lobo. Compra e venda”; (ix) Factura-Recibo nº 184 do advogado H.../Nota de despesas e honorários “Lote..., Vale do Lobo, “Análise e estudo do processo)”;

 

  1. No âmbito dessa ação inspetiva, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) analisaram a alienação, em 3 de fevereiro de 2014, do imóvel correspondente ao artigo matricial urbano n.º ... da freguesia de ..., concelho de Loulé, pelo preço de € 375.000,00, a qual alegadamente deveria ter dado origem ao apuramento de mais-valias tributáveis, na medida em que 50% desse imóvel fora adquirido em 30/08/2006;

 

  1. Em 24 de agosto de 2006, no Cartório Notarial da Sra. Notária I..., o Requerente celebrou (com a Sociedade “B...”, e com C...) escritura pública de Transação, através da qual os Outorgantes puseram fim aos litígios melhor identificados na referida escritura. Na mesma escritura, e no que respeita ao imóvel em causa dos autos, o Requerente (i) assumiu que era comproprietário do mesmo (em partes iguais com a Sociedade “B...”), e (ii) adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos, no estado físico e jurídico em que estava, contra o pagamento pelo Requerente da quantia de EUR 500 mil. Na referida escritura, os Outorgantes repartiram as custas em partes iguais e prescindiram de custas e procuradoria na parte disponível, abrangendo ainda por esta Transação outros processos judiciais relacionados com o litígio, que não se encontrem mencionados na Transação;

 

  1. Analisados os elementos apresentados, e no âmbito da acção inspectiva, a AT constatou que a aquisição do imóvel ocorreu em dois momentos diferentes:

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  1. Face aos elementos antecedentes, o cálculo das mais-valias decorrentes da alienação do aludido imóvel assentou nos seguintes pressupostos:

Uma imagem com mesa

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Uma imagem com texto

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  1. Face ao exposto, a AT apurou, então, o seguinte rendimento coletável para efeitos de IRS, respeitante ao ano de 2014 (cfr. art. 65º, nº 1 do CIRS):

Uma imagem com mesa

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  1. Assim, os SIT consideraram que o valor total do produto dessa venda, suscetível de constituir um ganho, estaria sujeito a tributação em sede de IRS, nos termos do disposto nos artigos 43.º, 44.º e 45.º, todos do CIRS;
  2. Foi então corrigido o rendimento coletável do Requerente, desse ano de 2014, no montante de € 209.583,51, com os fundamentos que constam do acima referido Relatório de Inspeção Tributária;

 

  1. O projeto de correção foi notificado ao Requerente para efeitos de audição prévia, tendo o mesmo, pelas razões que constam do teor do relatório, sido convertido em definitivo por despacho de 17/10/2018 da Chefe de Divisão/Inspeção Tributária da DF de Lisboa;

 

  1. O Requerente foi notificado da decisão e correção a coberto do of. RH ...PT;

    

  1. Foi notificado da liquidação adicional pelo doc. 2018...;

    

  1. Em 9/4/2019, o Requerente apresentou reclamação graciosa nº ...2019... contra a aludida liquidação adicional;

 

  1. A reclamação graciosa mereceu despacho de indeferimento (assente nos fundamentos que constavam do relatório inspectivo), o qual foi notificado ao Requerente, na pessoa do seu mandatário, a coberto do of. nº ... de 5/8/2020;

 

  1. Em 16 de novembro de 2020, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral;

 

  1. No decurso do prazo previsto no art. 13º do RJAT foi revogado parcialmente o presente PPA, dando-se como bom o valor de realização de EUR 745.000,00 e não o de EUR 750.000,00 sobre o qual assentou a liquidação adicional;

 

  1. No ano de 1967, o Requerente começou a deslocar-se regularmente para Portugal, juntamente com a sua família, primeiro em trabalho e mais tarde de férias, sobretudo para as regiões do Alentejo e do Algarve e no período das férias de verão;
  2. Já no ano de 1977 e após várias estadias no nosso país, o Requerente visitou a zona de..., no Algarve, juntamente com alguns amigos que também passavam férias em Portugal, numa época em que se estava a iniciar a construção dos vários empreendimentos turísticos e condomínios particulares que hoje existem, em grande número, nessa zona;

 

  1. Tendo ficado deslumbrado com a sua beleza natural – da qual faziam parte vários campos de golfe e longas e acessíveis extensões de praias –, tendo igualmente ficado entusiasmado com a possibilidade de aí adquirir alguns terrenos nos quais pudesse vir a construir um, ou vários, imóveis, para futuramente poder passar as suas férias, com regularidade, em Portugal;

 

  1. Foi neste enquadramento que, em agosto de 1977, o Requerente viria a celebrar com a empresa proprietária desses terrenos, a “E..., Lda.”, sociedade que se encontrava, entretanto, em processo de liquidação, um contrato promessa para aquisição de 4 terrenos para construção, identificados como lotes n.ºs ..., ..., ... e ..., numa área total aproximada de 2.820 m2, no qual tinha a intenção de vir a construir, em cada um deles, 4 moradias;

 

  1. Daí que tenha também celebrado, com a mesma empresa e na mesma data, um contrato de empreitada incidente sobre tais lotes de terreno, nos termos do qual a sociedade “E..., Lda.”, na qualidade de empreiteiro, se comprometeu a construir uma moradia “Tipo Oliveira” em cada um desses lotes;

 

  1. Um dos seus amigos holandeses, o Sr. J..., que nessa altura também adquiriu algumas propriedades em Vale do Lobo, viria a tomar conta da própria empresa que detinha e geria essas propriedades, a referida sociedade “ E..., Lda.”;

 

  1. Já no ano de 1997 e sem que nada o fizesse prever, o Requerente foi surpreendido com a informação de que os 4 lotes que havia adquirido, nas condições acima referidas, tinham sido revendidos pela sociedade “E..., Lda.” a outras pessoas, sem o seu conhecimento;

 

  1. Entre os quais se incluía o Lote n.º..., correspondente ao artigo matricial urbano n.º..., da freguesia de ..., aqui em causa;

 

  1. Naturalmente inconformado com esta situação e com a ilegalidade que daí decorreu, o Requerente mandatou um dos seus advogados para impugnar tais vendas, por se afigurarem ilegítimas, tendo inclusivamente ficado inscrita, na respetiva Certidão Predial, a propositura de uma ação para obtenção de sentença que produzisse o efeito de declaração negocial, nos termos do artigo 830.º do Código Civil, conforme se alcança da cópia da Certidão Predial do imóvel em causa que foi junta como Anexo 2 ao Relatório de Inspeção Tributária em causa;

 

  1. Após vários anos de pendências judiciais e após o Requerente ter tido necessidade de intentar mais do que uma ação para tentar reaver a propriedade dos imóveis, viriam a ser proferidas sentenças, pelo Supremo Tribunal de Justiça, datadas de 30/01/1985 e de 25/07/1986, nos termos das quais foi devolvida ao Requerente a posse dos 4 lotes, dando desse modo cumprimento ao contrato de promessa de compra e venda celebrado no ano de 1997 com a aludida sociedade;

 

  1. Sucede que, uma vez mais e sem nada que o fizesse prever, o Requerente viu-lhe ser retirada pela 2ª vez a propriedade dos imóveis, em virtude de uma venda da metade indivisa (50%) dos mesmos à sociedade “B...”, aquisição efetuada por escritura de 11/06/1989, que também se encontra averbada à aludida Certidão Predial, com data de 27/12/1989;

 

  1. Essa circunstância obrigou o Requerente a ter, novamente, que desencadear vários processos de natureza judicial, por forma a tentar obter a nulidade dessa escritura e da respetiva venda, facto também registado, com data de 22/07/1993, na Certidão do imóvel em questão;

 

  1. A essas ações seguiram-se inúmeras outras, relacionadas com penhoras entretanto efetuadas sobre esse mesmo imóvel, desencadeadas relativamente a alegadas dívidas do Requerente, o que implicou o “arrastamento” de todo este processo por mais alguns anos, com o consequente acumular de custos com advogados e processos da responsabilidade do Requerente;

 

  1. Já em 2006, cansado de todo este processo e também porque não pretendia prolongar mais no tempo a demanda pela recuperação dos imóveis – que tinha adquirido no longínquo ano de 1979, sem que nos mesmos tivesse conseguido implantar os prédios então projetados para os terrenos em causa,

 

  1. O Requerente viria a chegar a acordo com representante da sociedade “B...”, a então “proprietária” de 50% dos imóveis, para a “recompra forçada” da metade do Lote ..., apesar de se manter convicto de todas a ilegalidades que ocorreram desde a celebração do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 1979;

 

  1. E de considerar-se profundamente injustiçado pelo facto de apenas ter conseguido recuperar, nesse ano de 2006, a totalidade da propriedade dos lotes que, por direito, já lhe pertencia desde aquele ano de 2006;

 

  1. Todos estes factos foram levados ao conhecimento da AT e, em concreto, do Serviço de Finanças de Loulé, em fevereiro de 2010;

 

  1. Contudo e indiferente a todo o exposto, a AT procedeu à emissão do ato de liquidação de IRS acima identificado, referente ao ano de 2014, no montante de € 47.665,70, por considerar que: i) a aquisição de 50% do imóvel em questão (o lote ...) ocorreu no ano de 2006 e ii) que, nos termos conjugados dos artigos 15.º, 43.º e 65.º, todos do CIRS, a mais valia obtida com a venda desse imóvel, já no ano de 2014, se encontrava sujeita a tributação pela totalidade do seu valor;

 

  1. Sumariamente, a AT reiterou na decisão da reclamação graciosa o entendimento já expendido em sede de procedimento inspetivo, considerando que “Não obstante, todas as diligências efetuadas pelo sujeito passivo e o tribunal o ter declarado como legítimo proprietário, através das sentenças proferidas em 1985-01-30 e 1986-07-25, a verdade é que tomou posse de metade do imóvel por aquisição através de compra no ano de 2006”;

 

  1. Pelo menos desde o ano de 2000, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) procedeu à emissão das liquidações de Contribuição Autárquica e, a partir do ano 2003 e até à presente data, das liquidações de IMI, em nome do Requerente, na qualidade de proprietário de todos os imóveis, exigindo e cobrando junto do mesmo o respetivo pagamento.

 

III.2    Factos não Provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3    Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base (i) nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, (ii) no processo administrativo e (iii) no depoimento da única testemunha que foi ouvida nos autos.

 

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

São essencialmente três as questões em causa nos autos:

 

I – Da Tempestividade do PPA;

II – Da violação do disposto no artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias e no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88 de 30/11;

III – (Subsidiariamente) da consideração das despesas e dos encargos alegados.

 

No que respeita à primeira questão (da Tempestividade do PPA), a Requerida não tem razão. Conforme foi admitido por acordo pelo Requerente e pela Requerida, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa em causa nos autos (a coberto do ofício nº ... de 5/8/2020 (registo RH ... PT)) foi notificada ao Requerente, na pessoa do seu mandatário, no dia 17 de agosto de 2020. Assim, conforme assume a própria Requerida, o prazo de 90 dias para apresentar o PPA iniciou-se no dia 18 de agosto de 2020 (1º dia a seguir à notificação) e terminou no dia 15/11/2020, domingo, passando, assim, nos termos da alínea e) do art. 279º do C. Civil, para o dia útil 16/11/2020 (segunda feira).

 

Conforme o Requerente refere, e bem, do sistema de gestão processual do CAAD resulta que o PPA deu entrada no dia 16 de novembro de 2020 — data que é confirmada no Resumo do pedido remetido ao Mandatário do Requerente pelo CAAD, a confirmar que: Recebemos o pedido de constituição de tribunal arbitral cujo resumo transcrevemos infra. Após verificação e aceitação deste pedido, identificado com o n.º..., é enviado novo e-mail com a indicação do número de processo atribuído.

 

O artigo 103.º n.º 6 do CPPT (aplicável aos presentes autos, nos termos do artigo 29.º n.º 1 al. (a) do RJAT) diz: “A petição inicial pode ser remetida a qualquer das entidades referidas no n.º 1 pelo correio, sob registo, valendo, nesse caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal”. Nos termos do artigo 10.º n.º 2 do RJAT “O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa”. Assim, o PPA em causa nos autos deu entrada aquando do envio do PPA, por via eletrónica, ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa — o que, segundo o sistema processual do CAAD, aconteceu em 16 de novembro de 2020, tempestivamente.

 

A alegação de intempestividade nos presentes autos, revela-se assim manifestamente infundada, uma vez que não tem qualquer base, quer jurídica, quer factual (o que é do conhecimento da Requerida). Termos em que, a alegada exceção de intempestividade é julgada manifestamente improcedente por não provada.

 

No que respeita à segunda questão (da violação do disposto no artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias e no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88 de 30/11), o Requerente entende que adquiriu o direito de propriedade e a posse do imóvel em causa nos autos — o artigo matricial urbano n.º ... da freguesia de..., concelho de Loulé (doravante, imóvel) — quando em 1979 celebrou, de livre vontade e de forma plenamente válida, um contrato promessa de compra e venda e um contrato de empreitada sobre tal imóvel.

 

Entende o Requerente que a venda de metade indivisa do imóvel à Sociedade “B...” (doravante, B...) em 2006, consubstanciou um abuso dos poderes de representação conferidos pelo autor [o Requerente] ao primeiro réu [o seu então advogado] e que, prejudicaram o evidentemente, prejudicaram aquele, na medida em que ficou desapossado da posse plena dos lotes em causa (conforme alegada sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, de 23/02/2006).

 

Ora, o artigo 12.º da LGT com a epígrafe “Aplicação da lei tributária no tempo”, no que respeita ao caso concreto, tem no seu número 1 a seguinte redação:

 

1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer tributos retroativos”.

 

Nos termos desta norma (o artigo 12.º n.º 1 da LGT), importa determinar qual é o momento em que se constitui o facto tributário, ou seja, in casu, em que momento o Requerente obteve na sua esfera jurídica a mais-valia sujeita a IRS. A resposta a esta questão está no artigo 10.º n.º 1 e n.º 3 do CIRS.

 

O artigo 10.º n.º 1 do CIRS diz-nos que “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.

 

O artigo 10.º n.º 3 do CIRS diz-nos que “Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:”,

Ou seja, in casu, o facto tributário (os “ganhos obtidos”) é constituído no momento da prática do ato (venda do imóvel em 2014) — momento relevante para efeitos de aplicação do disposto no artigo 12.º n.º 1 da LGT — sendo a lei em vigor em 2014 (na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso), a lei aplicável à tributação das mais-valias obtidas pelo Requerente.

 

Vide neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Dezembro de 2019, proferido no processo nº 0514/12.0BESNT 0909/16:

 

I - O Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. E sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si.

II - Razão por que o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

III - A Lei nº 15/2010, de 26 de Julho, é omissa no que toca ao estabelecimento de regras específicas quanto à sua aplicação no tempo, pois não contém qualquer norma que deponha sobre a sua aplicação temporal, limitando-se a prescrever que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. Razão por que se impõe aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal substantiva no tempo, plasmada no artigo 12º da LGT.

IV - As mais-valias produzidas antes de 27/07/2010 com a alienação de acções detidas há mais de 12 meses continuam a seguir o regime de não sujeição que vinha determinado no nº 2 do CIRS anteriormente às alterações introduzidas pela Lei nº 15/2010 de 26 de Julho, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43º do CIRS”.

 

O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2016, proferido no processo nº 0784/15:

 

II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC).”

 

O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2017, de 18 de setembro (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência):

 

Uniformiza/confirma a jurisprudência do STA, nos seguintes termos: I - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.o 15/2010, de 26 de julho apenas podem aplicar-se aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de julho de 2010 - art. 5.º da Lei n.º 15/2010).

II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC)”.

 

E vide ainda, entre muitos outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nº 5/2015, de 26 de outubro:

 

As mais-valias decorrentes de atos de alienação de ações detidas há mais de 12 meses que tenham ocorrido antes da entrada em vigor da Lei 15/2010, de 26 de Julho, particularmente no período compreendido entre 1 de Janeiro e 26 de Julho de 2010, continuam a seguir o regime legal de não sujeição a tributação previsto no n.º 2, alínea a), do artigo 10.º do Código do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares, e, como tal, não concorrem para a formação do saldo anual tributável de mais-valias a que se refere o artigo 43.º do CIRS”.

 

Em 2014 estava (e ainda está) em vigor o chamado regime transitório do CIRS, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88 de 30/11 (diploma de aprovação do CIRS), que nos diz o seguinte:

 

1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos”.

 

Está em causa nos autos determinar se a aquisição, dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm, ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS. Entende o Requerente que sim, porque entende que adquiriu o direito de propriedade e a posse da totalidade do imóvel quando em 1979 celebrou, de livre vontade e de forma plenamente válida, um contrato promessa de compra e venda e um contrato de empreitada sobre tal imóvel. Vejamos quais os efeitos jurídicos destes contratos.

 

Uma vez que nos termos do artigo 11.º n.º 2 da LGT Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Assim, para resolver a questão em causa teremos de recorrer ao Direito Civil.

O contrato promessa de compra e venda é um contrato típico, regulado nos artigos 410.º e seguintes do Código Civil. O artigo 410.º n.º 1 do Código Civil diz-nos:

 

1 - À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.

 

Nas palavras do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido em 14 de setembro de 2010 (proc. 2658/06.8TBLRA.C1):

 

I – O contrato promessa a que se referem os artºs 410º e segs., 441º, 442º e 830º do CC é, em princípio, um contrato de eficácia obrigacional, o mesmo é dizer que só produz efeitos entre as partes e seus herdeiros.

II – Podem as partes atribuir eficácia real (erga omnes) ao contrato promessa quando tenha por objecto a transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo.

III – Para que um dado contrato promessa relativo a um imóvel seja dotado de eficácia real é necessário que: a) o contrato conste de escritura pública; b) os seus outorgantes declarem expressamente que atribuem eficácia real ao contrato; c) que seja feita inscrição no registo predial dos direitos emergentes da promessa.

IV – Nunca uma cláusula contratual em que se estipula que “em caso de incumprimento, o contraente não faltoso poderá recorrer à execução específica” poderá valer com o sentido de ser atribuído eficácia real a esse contrato.

V – Tendo o contrato promessa eficácia meramente obrigacional, a eventual venda da coisa a terceiro não perde por isso a sua validade e esta circunstância implicará a impossibilidade de cumprimento do contrato promessa.

VI – Assim, quando as partes contratantes não celebraram o contrato promessa por escritura pública e lhe não atribuíram eficácia real, nos termos expostos, não pode o promitente comprador arrogar-se o direito à execução específica quando os réus tenham vendido posteriormente o imóvel a uma terceira pessoa.

VII – O registo da acção não confere ao promitente comprador o direito à execução específica na hipótese de, antes do seu registo, a coisa ter sido alienada a terceiro, mesmo que este não haja inscrito o negócio aquisitivo no registo.

 

Analisada a descrição predial do então lote ... (junto pela AT com o processo administrativo), concluímos que o Requerente apenas registou a ação de execução específica do contrato promessa (Ap. 06/...), e não registou a celebração do contrato promessa, ou a intenção de atribuir ao contrato promessa eficácia real. (O contrato promessa de compra e venda celebrado pelo Requerente (constante do processo administrativo) (i) foi celebrado através de documento particular (não sob a forma de escritura pública), (ii) não foi registado na Conservatória do Registo Predial e (iii) não estipulou a tradição do imóvel para o Requerente — não existindo assim qualquer base factual ou legal para a alegada posse do Requerente sobre a metade do imóvel em causa nos presentes autos)

 

O que significa que o contrato promessa celebrado pelo Requerente:

  1. tem eficácia meramente obrigacional (é válido exclusivamente entre os Outorgantes), e
  2. não implica a transmissão da posse ou do direito de propriedade do então proprietário para o Requerente.

 

Da mesma forma, também o contrato de empreitada é um contrato tipificado na lei (nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil), que é definido no artigo 1207.º do Código Civil como um contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço — descrição esta que corresponde à descrição do contrato de empreitada celebrado em 1977 que consta do processo administrativo, através do qual, naturalmente, não operou a transmissão da posse e do direito de propriedade do imóvel.

 

Temos assim de concluir que o Requerente não alegou (e não provou) qualquer elemento de facto que nos permita sustentar que — quer através do contrato promessa de compra e venda, quer através do contrato de empreitada — a posse e o direito de propriedade do imóvel foram transmitidos para o Requerente em 1977. Muito pelo contrário.

 

Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2004 (processo 04B1445):

 

1. À tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda não corresponde, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo, que é o contrato-promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente, o direito de propriedade, mas, tão só, à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial.

2. Mas, aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.

3. Fora destas circunstâncias, a intenção do beneficiário de uma tal traditio só tem possibilidades de influir no animus da detenção a partir do momento em que se exteriorize numa atitude de oposição face ao transmitente, por uma das formas previstas no artº1265º, CC (inversão do título da posse).

4. Ao beneficiário da traditio assiste o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não for indemnizado pelo incumprimento da promessa de venda, ou não for convencido de que o promitente-vendedor não foi o culpado do incumprimento.

 

Na situação em causa nos autos, o Requerente sustenta a sua posição com o facto de ter sido prejudicado pela compra e venda celebrada (abusivamente) pelo seu então advogado, que levou a que fosse proferida sentença que determinou o pagamento de uma indemnização pelo citado Advogado ao Requerente. Contudo, para além de não estar consubstanciada a alegada transmissão da posse em 1977 (quer em termos de facto quer de Direito), a verdade é que a transmissão do direito de propriedade sobre a metade indivisa do imóvel em causa nos autos, não ocorreu em consequência de uma decisão judicial que tenha declarado a nulidade (ou anulação) da aquisição do direito de propriedade sobre a referida metade do imóvel pela B... Lda. (registada pela Ap. 28/...) — não existindo assim base legal para a aplicação do regime legal da nulidade do negócio jurídico previsto nos artigos 289.º e ss. do Código Civil.

 

O Requerente pôs termo às ações identificadas no PPA através de Transação, celebrada em 24 de agosto de 2006, por escritura pública, na qual explicitamente as partes põem fim ao litígio que as opõe, e declaram no artigo 1º:

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

Na mesma Transação, as partes retiram todos os pedidos formulados entre ambas, e renunciam a qualquer pretensão ou direito de um contra o outro. Para efeitos da presente ação, é ainda relevante a cláusula 4.ª, na qual as partes declaram que são ambas comproprietárias em partes iguais do imóvel, e a cláusula 5.ª, na qual as partes acordam:

 

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Assim, a referida Transação é um negócio oneroso através do qual:

 

  1. As partes decidem pôr fim ao litígio que as opõe;
  2. O Requerente adquire a metade indivisa do imóvel em causa nos autos (conjuntamente com metade dos restantes imóveis identificados na Transação) e, em contrapartida da aquisição, paga um preço global (EUR 500 mil).

 

Em momento algum da escritura de Transação, as partes deixam qualquer indício (ou qualquer salvaguarda expressa) de que a Transação consubstancia uma “mera reposição, legal e justa, da situação que deveria ter ocorrido em 1979”. Muito pelo contrário, o que resulta do texto da escritura de Transação, é que as partes decidiram pôr termo ao litígio que as opunha mediante a celebração de um negócio oneroso, que teve por efeito a transmissão do direito de propriedade sobre a metade indivisa do imóvel em causa nos autos para o Requerente (em contrapartida do pagamento de um preço). Apesar de o IMI ter sido pago pelo Requerente ao longo do tempo sobre a totalidade do imóvel, o quadro legal no que respeita à tributação das mais-valias (situação em causa nos autos) é o ora exposto.

 

Concluindo, o facto tributário (aquisição do direito de propriedade) verificou-se e consumou-se depois da entrada em vigor do Decreto-Lei 442-A/88 de 30/11 (diploma que aprovou o CIRS), o que determina que os ganhos obtidos (em 2014) com a venda da metade indivisa do imóvel em causa nos autos, adquirida através de Transação em 24 de agosto de 2006, é sujeita ao regime geral de tributação de mais-valias imobiliárias em vigor em 2014 (data da venda do Imóvel).

 

Termos em que, o PPA é julgado improcedente por não provado, no que respeita à segunda questão (que é a questão de fundo), sendo a mais valia gerada com a venda da metade indivisa do imóvel em causa nos autos, adquirida através de Transação em 24 de agosto de 2006, sujeita ao regime geral de mais-valias em vigor à data da venda (2014).

 

Foi também suscitado no PPA o erro (da Requerida) no cálculo da mais-valia, que foi já reconhecido pela Requerida no despacho de revogação parcial do ato impugnado proferido pela Requerida. Efetivamente, como refere o Requerente (e a própria Requerida assumiu), o valor de realização da mais-valia (correspondente ao valor de venda do imóvel) foi de EUR 745 000 (setecentos e quarenta e cinco mil euros), o que significa que o valor que deve ser considerado pela Requerida para efeitos de cálculo da mais-valia (correspondente a metade do valor de realização do imóvel) é de EUR 372 500 (trezentos e setenta e dois mil e quinhentos euros). As contas apresentadas pela Requerida em sede de contestação ainda não foram corrigidas, uma vez que a Requerida mantém nos seus cálculos a referência ao valor de realização de EUR 375 000.

Termos em que, deverá a Requerida corrigir o cálculo da mais-valia apurada em cumprimento do seu próprio despacho de revogação, uma vez que apesar de tal despacho, a Requerida ainda não corrigiu o apuramento da mais-valia.

 

No que respeita à terceira questão (Subsidiariamente — da consideração das despesas e dos encargos alegados), o Requerente pretende que no cálculo da mais-valia apurada sejam considerados os seguintes encargos:

 

(i) um documento elaborado, no ano de 2009, pelo Requerente, no qual foram registados alguns desses custos;

(ii) a fatura/recibo de quitação, relativa ao pagamento de honorários de advogados, neste processo, no montante de EUR 15 000.

 

A letra do disposto no artigo 51.º do CIRS (despesas e encargos), na redação do CIRS que vigorou até à republicação do mesmo pela Lei n.º 82-E/2014 de 31/12 (em vigor à data dos factos) diz-nos o seguinte:

 

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º.

 

Entende o Requerente que as despesas descritas nos documentos juntos aos autos como (Doc. 8) e como (Doc. 9), devem ser consideradas para efeitos de tributação da mais-valia em sede de IRS por serem “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”.

 

Não podemos concordar com o Requerente porque o documento junto aos autos como (Doc. 8) é um documento manuscrito e assinado pelo Requerente (sem qualquer valor probatório) e a alegada fatura/recibo junta pelo Requerente não é mais do que um documento, também ele particular, escrito e assinado por um Advogado, mas que não constitui quer um recibo verde, quer uma fatura que preencha os pressupostos legais do disposto no artigo 36.º do CIVA.

 

Note-se que nem o número de contribuinte do Advogado (ou o regime de IVA) estão identificados no referido documento — o que significa que nenhum efeito jurídico-fiscal (no que respeita à tributação das mais-valias, em causa nos presentes autos) pode ser atribuído aos referidos documentos. Qualquer outro entendimento representaria uma porta aberta à fraude e evasão fiscal.

 

Conforme palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de junho de 2017 (proferido no processo n.º 163/15.0BEFUN):

I - Nos termos do nº 1 do artigo 128º do CIRS, cabe aos sujeitos passivos comprovar os elementos das declarações, concretamente apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando assim for exigido.

Não tendo o Requerente comprovado os encargos que pretende agora fazer valer, o Tribunal terá de igualmente declarar improcedente esta terceira questão.

    

  1. DECISÃO

    

Termos em que se decide julgar IMPROCEDENTE o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o ato impugnado — com exceção no que respeita ao valor de realização da mais-valia, que deverá ser corrigido nos termos já reconhecidos pela Requerida no seu despacho de revogação.

    

  1. VALOR DO PROCESSO

    

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 47 665,70.

    

  1. CUSTAS

    

O montante das custas — a cargo do Requerente (99%) e da Requerida (1%) na proporção do respetivo decaimento — é fixado em EUR 2 142,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

    

Notifique-se.

Lisboa, 2 de novembro de 2021.

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)