Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 642/2018-T
Data da decisão: 2019-11-26  IVA  
Valor do pedido: € 546.234,47
Tema: IVA – Isenção – Serviços prestados a instituições hospitalares em regime de outsourcing.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

A... LDA., com sede em ..., nº..., ..., ...-... ..., NIF..., ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º3 do artigo 5.º, da alínea b) do n.º2 do artigo 6.º, e do n.º2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), veio apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade de liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, referentes aos anos de 2015 a 2016.

 

Em concreto, por entender estarem em causa prestações de serviços isentas, a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie no sentido de declarar a ilegalidade e consequente anulação de 21 liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 546.234,47.

 

A título subsidiário, caso o Tribunal não entenda estar-se perante prestações de serviços isentas, pretende a Requerente que as liquidações sejam parcialmente anuladas, devendo a AT proceder correctamente ao cálculo do montante do IVA devido, por considerar que o preço em causa já incluía este imposto, o que originaria um imposto a pagar no valor de apenas € 402.444,64.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor António Carlos dos Santos, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º2, alínea b) e 11.º, n.º2, do RJAT.

 

A 19 de Dezembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 21 de Dezembro de 2018.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º2, alínea b) e 11.º n.º3 do RJAT, o dirigente máximo do serviço da AT designou como Árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires.

 

A 26 de Fevereiro de 2019, os Árbitros designados pelas Partes comunicaram ao CAAD a designação do Prof. Doutor Sérgio Vasques como Árbitro Presidente, conforme previsto no artigo 11.º, n.º6, do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Presidente do CAAD informado as partes dessa designação a 6 de Março de 2019, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º7, do RJAT.

 

O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído a 26 de Março de 2019.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

Não foram deduzidas excepções, nulidades ou questões prévias que importe decidir e impeçam a apreciação de mérito.

 

O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para o processo consideram-se provados os factos seguintes:

 

3.1. Actividade da Requerente

 

A.           A Requerente constitui um sujeito passivo de IVA, registado desde 16.11.2010 para o exercício das seguintes actividades:

- Principal: “outras actividades de saúde humana” (CAE 86906);

- Secundárias: “actividades de apoio à Administração Pública” (CAE 84114); “actividades combinadas de serviços administrativos” (CAE 82110) e “outras actividades consultoria para os negócios e a gestão” (CAE 70220).

B.            A actividade da Requerente traduz-se na prestação de serviços de natureza variada a Centros Hospitalares integrantes do Sistema Nacional de Saúde.

C.            Os serviços prestados pela Requerente a estes Centros Hospitalares são de natureza diversa, compreendendo (1) serviços na área da saúde, designadamente serviços médicos, serviços de enfermagem, serviços de técnicos de diagnóstico e de terapêutica; (2) serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar; e (3) serviços de apoio à administração, aos serviços administrativos e aos serviços jurídicos.

D.           A actividade da Requerente assenta em contratos de outsourcing, celebrados com os Centros Hospitalares, em nome do Governo português/Ministério da Saúde.

E.            As instalações da Requerente constituem por isso instalações apenas administrativas, não possuindo nem gerindo estabelecimento hospitalar ou clínica médica própria.

F.            A actividade da Requerente desenvolve-se integralmente nas instalações dos Centros Hospitalares que em regime de outsourcing contratam os seus diversos serviços.

G.           Para a execução dos seus serviços, a Requerente recorre a trabalhadores com contrato colectivo de trabalho (trabalhadores dependentes) e a serviços de terceiros (trabalhadores independentes ou outras sociedades), mais ou menos qualificados conforme as suas tarefas.

H.           Via de regra, estes trabalhadores não possuem especiais qualificações, sendo o essencial da sua formação realizada no próprio local de trabalho, através de um “período de integração” com duração de algumas semanas, imediatamente após a sua entrada em funções.

 

3.2. Base contratual

 

I.             A 8 de Abril de 2013, a Requerente celebrou com o B... um “Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar”.

J.             Os Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar contemplados nesse Contrato visam assegurar a prestação de cuidados de saúde nas unidades e serviços do Centro Hospitalar — Anestesiologia, Bloco Operatório, Cirurgia de Ambulatório, Especialidades Cirúrgicas, Especialidades Médicas, Área da Mulher e da Criança, Emergência e Urgência, etc.

K.            Os Serviços Auxiliares de Acção Médica de Apoio à Actividade Hospitalar contemplados nesse Contrato variam em função das necessidades do Centro Hospitalar em cada momento, compreendendo operações como a lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos; preparação de material e equipamento necessário às diferentes actividades hospitalares; preparação e arrumação dos espaços para a realização de actos clínicos; supervisão do correcto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas; acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares; requisição e distribuição de medicamentos e produtos de consumo corrente necessários ao funcionamento dos serviços hospitalares; distribuição de dietas terapêuticas aos utentes hospitalares; prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; auxilio aos utentes na alimentação terapêutica, toma de medicamentos e outros cuidados; transporte de cadáveres, em meio hospitalar, nas condições sanitárias adequadas; integração nas equipas de prestação de saúde das respectivas unidades hospitalares, etc.

L.            O Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em causa prevê que os trabalhadores contratados por intermédio da Requerente tenham como local de trabalho o B..., em qualquer das suas unidades hospitalares.

 

3.3. Aplicação do IVA

 

M.          O Programa do Concurso Público n. º.../2013, em que assentou o Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em causa, ao fixar os termos em que deviam ser apresentadas as propostas dos concorrentes, na sua cláusula 6ª, dispunha que para estes efeitos “os preços não devem incluir o IVA, devem ser apresentados em euros e algarismos”.

N.           O Cadernos de Encargos do concurso em que assentou o Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em causa, ao fixar o preço contratual na sua cláusula 17ª, determina que “o contraente público deve pagar ao prestador de serviços o preço previsto para a execução dos serviços, constante da proposta adjudicada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido”.

O.           O Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em causa fixa o preço contratual a pagar pelo B... à Requerente com a menção de que a esses valores “acrescerá o IVA se aplicável”.

P.            A Requerente não aplicou IVA aos serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar integrantes deste Contrato de Prestação de Serviços, por entender estarem isentos ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA.

Q.           As facturas da Requerente relativas a estes serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar foram por isso emitidas com menção do artigo 9º, nº2, do Código do IVA.

 

3.4. Projecto de Relatório de Inspecção

 

R.            A Requerente foi objecto de um procedimento externo de inspecção tributária iniciado em 23 de Fevereiro de 2018 e relativo aos anos de 2015 e 2016.

S.            Neste contexto, foi elaborado o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária de 6 de Julho de 2018, do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, averbado de despacho concordante da mesma data do Chefe de Equipa.

T.            Resulta essencialmente do Projecto de Relatório a conclusão de que “…as prestações de serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar efectuadas pelo contribuinte são tributadas nos termos gerais do Código do IVA. Donde, relativamente àqueles serviços, o sujeito passivo estava obrigado a liquidar imposto à taxa normal prevista na alínea c) do n.º1 do art.º 18.º do CIVA”1.

U.           Face ao que foram propostas pelos Serviços de Inspecção as seguintes correcções:

 

Períodos             Imposto em Falta

2015                      252.655,84 €

2016                      242.358,99 €

Total                     495.014,83 €

 

V.           Este montante corresponde ao total do imposto, que, segundo os Serviços de Inspecção, estaria em falta e que a Requerente não liquidou por considerar isentos ao abrigo do disposto no artigo 9.º, nº2, do Código do IVA.

W.          Para fundamentar as suas conclusões finais, os Serviços de Inspecção baseiam-se essencialmente nos seguintes argumentos:

 

“A actividade do sujeito passivo consiste na prestação de serviços na área da saúde, designadamente serviços médicos, serviços de enfermagem, serviços de técnicos de diagnóstico e de terapêutica e serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar, através de contratos de outsoursing celebrados com Centros Hospitalares (entidades colectivas de direito publico). O contribuinte presta, ainda, àquelas entidades e no mesmo regime, além de outros, serviços de apoio à administração, aos serviços administrativos e aos serviços jurídicos.”

“Para a execução dos serviços o contribuinte recorre a trabalhadores com contrato colectivo de trabalho (trabalhadores dependentes) e a serviços de terceiros (trabalhadores independentes ou mesmo outras sociedades). Estes recursos humanos são mais ou menos qualificados em função das tarefas que cada um desenvolve, estando envolvidos profissionais médicos, enfermeiros e outros técnicos paramédicos (técnicos de radiologista, técnicos de farmácia, técnicos de análises clínicas, fisioterapeutas, radiologistas, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais), auxiliares de acção médica, juristas e outros.”

“Da visita efectuada as instalações do sujeito passivo ao abrigo das credenciais OI 2016..., OI 2016..., OI 2016... (realizadas no ano de 2016), constatou-se que se trata apenas de instalações com serviços administrativos e de gestão da sociedade, não correspondendo a qualquer estabelecimento hospitalar, nem a qualquer clínica médica. Acresce que não foi alegado, nem existem evidências de que o sujeito passivo possua qualquer estabelecimento daquela natureza noutro local.”

“Assim, o negócio do sujeito passivo decorre apenas da subcontratação por diversas entidades hospitalares (Entidades públicas empresariais), em sequência de concurso público, seguido por vezes de ajuste directo, de serviços médicos, de enfermagem e de outros. Os serviços subcontratados pelas entidades hospitalares estão definidos em contratos de prestação de serviços outorgados com a empresa objecto desta acção inspectiva.”

“A análise das facturas emitidas pelo sujeito passivo permitiu apurar que, por regra, são processadas mensalmente a cada cliente (entidade hospitalar) e que a descrição dos serviços executados inscrita nas mesmas corresponde literalmente ao descritivo constante do objecto do contrato de adjudicação.”

“Examinadas todas as facturas emitidas (recolhidas por circularização aos clientes), nos anos em análise, verificou-se que os serviços prestados pelo contribuinte, bem como o enquadramento em sede do IVA conferido a cada operação, são os que se transcrevem na tabela seguinte

 

“Tendo em conta esta informação, constatou-se que o sujeito passivo desenvolve a sua actividade na área da saúde, tendo o mesmo considerado que parte da sua actividade está sujeita a IVA, designadamente os serviços jurídicos, administrativos e outros, e parte está isenta de IVA. O sujeito passivo conferiu enquadramento daqueles serviços na isenção prevista no n.º2 do art.º 9.º do CIVA, a saber os serviços médicos, os serviços de cuidados de enfermagem, os serviços de técnico de diagnóstico e terapêutico na área da radiologia, na área das análises clínicas, os serviços de apoio à prestação de cuidados equiparados a assistentes operacionais e prestação de serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar.”

“Face ao descritivo genérico constante de algumas facturas “Prestação de serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar”, foi solicitado, aquando da acção inspectiva incidente nos anos de 2012 a 2014, entre outros elementos, que exibisse o contrato referente a “prestação de serviços auxiliares de apoio á actividade hospitalar”, tendo sido apresentado o contrato n.º.../2013 de 08/04/2013, outorgado com o B....”

“Tendo sido solicitado ao B... cópia do contratos celebrados nos anos de 2015 e 2016, e não tendo sido apresentado qualquer novo contrato que diga respeito aos serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar”, afigura-se que o serviço terá sido continuado a ser prestado nos mesmos termos inscritos no contrato n.º.../2013, tanto mais que embora este contrato não faça menção expressa a uma eventual renovação, os serviços nele referidos continuaram a ser prestados nos anos de 2014, 2015 e 2016.”

“Conforme anteriormente referido, através da análise à facturação emitida, verificamos que o sujeito passivo, nos anos em análise, prestou serviços “Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar. De acordo com o contrato de prestação de serviços recolhido, e que estará subjacente à sua execução, aqueles serviços visaram assegurar os serviços gerais em todas as unidades que compõem a entidade hospitalar (n.º2 da clausula 2.ª do contrato). Acresce que o n.º3 da mesma cláusula, esclarece que aqueles serviços gerais compreendem os serviços específicos: serviços auxiliares de acção médica, alimentação, rouparia, higiene, central telefónica, portarias, transportes, apoio logístico, manutenção e conservação. Por sua vez, o n.º4 da mesma cláusula, descreve genericamente, sem limitar, os Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar, como: "desinfecção/descontaminação, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos; manutenção e limpeza de materiais, equipamentos e instalações; assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos; eventual controlo de entradas e saídas de pessoas, veículos e mercadorias…”

“O sujeito passivo entendeu, conforme referido no ponto 1.1.2, que os serviços em causa correspondiam a operações isentas nos termos do n. º2 do art.º9º do CIVA.”

“Nos termos do n.º2 do art.º 9.º do CIVA, na redacção à data dos factos, estão isentas “As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares. Esta isenção abrange, assim, os serviços médicos e sanitários (actos de saúde), que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças e as operações com elas conexas efectuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimentos similares.”

“Acresce que o n.º1 do art.º 9.º do CIVA estabelece que estão isentas de imposto ‘As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas’.. Esta norma destina-se, assim, a isentar as prestações de serviços de carácter médico realizadas no exercício objectivo das actividades aí descritas (médicos, paramédicos, ...).”

“Note-se que, a isenção do n.º1 do art.º 9.º do CIVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador dos serviços e, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou colectiva.”

“A alínea b) do n.º1 do art.º 2.º da Portaria n.º459/2005, de 3 de Maio, que estabelece o quadro de certificação relativo aos perfis dos profissionais do auxiliar de acção médica, define este profissional como sendo aquele " que colabora, sob orientação de técnicos de saúde, na prestação de cuidados aos doentes, na manutenção das condições de limpeza e higienização nas instalações e no apoio, logístico e administrativo, ao serviço e ou unidade integrados em estabelecimentos de cuidados de saúde."

“Deste modo, as prestações de serviços que não tenham objectivo terapêutico - diagnosticar, tratar, e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde- ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção do art.º 9.º do CIVA, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.”

“Relembre-se, de modo relevante para o seu enquadramento para efeitos de IVA, que a situação em apreço consiste na prestação de serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar, designadamente serviços de auxiliares de acção médica, alimentação, rouparia, higiene, casa mortuária, central telefónica, portarias, transportes, apoio logístico, manutenção e conservação. Ou seja, não estamos perante serviços de assistência a pessoas, diagnosticando e/ou tratando de doenças. Desta forma, as actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, na parte que respeita aos serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar, embora se relacionem com a área da saúde, ficam excluídas do âmbito da aplicação da isenção do art.º 9.º do CIVA, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.”

“Tal como o contribuinte distinguiu, ao nível do enquadramento do IVA, os serviços prestados de apoio à administração, os serviços jurídicos, os serviços de animação, os serviços de relações públicas e outros, todos eles também relacionados com a saúde, dos serviços médicos e paramédicos, também deveria ter diferenciado os serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar dos referidos serviços médicos e paramédicos. Acresce que, se o Centro Hospitalar fosse adquirir os serviços de higienização, os serviços de conservação dos materiais e equipamentos, o apoio logístico ou outros, a empresas especializadas nas respectivas áreas e que não prestassem serviços médicos, os referidos serviços não beneficiavam de qualquer isenção de IVA. A este respeito é de referir que, decorre da Jurisprudência Europeia, a exigência de uma aplicação corretã e simples das isenções do IVA não pode prejudicar os objectivos prosseguidos pela Sexta Directiva (actual Directiva 2006/112/CE), nem os princípios de direito comunitário, designadamente o princípio da neutralidade fiscal.”

 

3.5. Direito de Audição e Relatório Final

 

X.            Na sequência da notificação do Projecto de Relatório de Inspecção, a Requerente veio, em 10 de Julho de 2018, exercer o seu direito de audição, concluindo que:

 

“Como a A... teve oportunidade de referir no exercício do direito de audição ao projecto de relatório referente aos anos de 2012, 2013 e 2014, os serviços em apreço, de acordo com as regras plasmadas no CIVA, transpostas das regras da Directiva IVA e a interpretação que das mesmas tem vindo a ser levada a efeito pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e pela doutrina, são prestações de serviços “de Apoio à Prestação de Cuidados Equiparados a Assistentes Operacionais" e "Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar", que merecem ser isentas, sob pena de se violar o princípio da neutralidade que caracteriza este imposto e os objectivos fundamentais subjacentes à concessão das isenções previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA.”

“Acresce que, recentemente, foi proferida decisão arbitral no processo n.º215/2017-T, nos termos da qual se decidiu anular as liquidações de IVA referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, no total de 625.210,67 euros.”. “Neste processo (…) discutia-se a mesma matéria de direito e de facto agora em apreciação, incluído, o mesmo contrato referente a “prestação de serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar” [contrato n.º.../2013, de 8/04/2013] celebrado com o B... .”

“Com efeito, não assiste razão à AT ao vir negar tal tratamento às prestações de serviços em causa, atentando seriamente contra os princípios mais elementares que regem o IVA, mormente o princípio da neutralidade, nomeadamente na sua vertente que postula um tratamento igual ou similar para situações iguais ou similares.”

“Estamos perante prestações de serviços acessórias a serviços de assistência a pessoas, diagnosticando e/ou tratando de doenças que são realizadas através de contratos de outsoursing celebrados com Centros Hospitalares (entidades colectivas de direito publico), sendo que tais contratos são celebrados em nome do Governo português/Ministério da Saúde, com diversos centros hospitalares, sendo realizadas nas mesmas condições que as demais operações realizadas directamente pelos hospitais públicos, figurando estes hospitais públicos, na realidade, como prestadores dos serviços nas relações com os pacientes, pelo que forçosamente, de acordo com a jurisprudência do TJUE, estamos perante “estabelecimentos similares” para efeitos da aplicação da isenção prevista no n.º2 do artigo 9.º do CIVA.”

“Desta forma, as actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, na parte que respeita aos serviços auxiliares de apoio à actividade hospitalar, relacionando-se com a área da saúde, inserindo-se logicamente nos actos de saúde em causa e sendo indispensáveis e necessárias para a realização dos ditos serviços de assistência a pessoas, diagnosticando e/ou tratando de doenças, devem ser isentas de IVA ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CIVA, maxime do respectivo n.º2.”

“Ainda que assim erradamente não se entendesse, sempre se teria de concluir, nos termos gerais e em conformidade com a jurisprudência do TJUE, estarmos perante prestações de serviços acessórias de prestações de serviços principais, devendo ser-lhes aplicada a isenção ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 9.º do CIVA.”

“Termos em que se entende que a AT deve alterar em conformidade as conclusões do seu Projecto de Relatório, não devendo ser propostas as correcções em causa.”

 

Y.            Em 3 de Setembro de 2018, a Requerente foi notificada do Relatório final de Inspecção Tributária, que mantém as conclusões constantes do Projecto de Relatório.

Z.            Em consequência a Requerente foi objecto dos actos de liquidação que em seguida se discriminam:

 

Período Número Liquidação        IVA        Juros     IVA + Juros

2015 01                2018 ... 20 120,06 €        2 776,01 €           22 896,07 €

2015 02                2018 ... 21 082,77 €        2 837,22 €           23 919,99 €

2015 03                2018 ... 21 158,86 €        2 775,57 €           23 934,43 €

2015 04                2018 ... 21 277,33 €        2 718,83 €           23 996,16 €

2015 05                2018 ... 20 638,97 €        2 571,67 €           23 210,64 €

2015 06                2018 ... 21 882,30 €        2 652,25 €           24 534,55 €

2015 07                2018 ... 21 049,97 €        2 479,85 €           23 529,82 €

2015 08                2018 ... 20 902,81 €        2 389,21 €           23 292,02 €

2015 09                2018 ... 20 415,52 €        2 268,63 €           22 684,15 €

2015 10                2018 ... 20 011,35 €        2 157,93 €           22 169,28 €

2015 11                2018 ... 21 561,84 €        2 249,52 €           23 811,36 €

2015 12                2018 ... 22 999,12 €        2 323,85 €           25 322,97 €

2016 01                2018 ... 24 903,16 €        2 437,09 €           27 340,25 €

2016 02                2018 ... 26 173,33 €        2 469,61 €           28 642,94 €

2016 03                2018 ... 25 593,23 €        2 333,54 €           27 926,77 €

2016 04                2018 ... 26 445,28 €        2 312,69 €           28 757,97 €

2016 05                2018 ... 26 628,30 €        2 246,98 €           28 875,28 €

2016 06                2018 ... 28 099,38 €        2 278,74 €           30 378,12 €

2016 07                2018 ... 28 311,39 €        2 193,54 €           30 504,93 €

2016 08                2018 ... 28 037,80 €        2 086,31 €           30 124,11 €

2016 09                2018 ... 28 368,14 €        2 014,52 €           30 382,66 €

Totais                   495 660,91 €      50 573,56 €        546 234,47 €

 

4. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, na informação prestada ao tribunal pelo B..., E.P.E., na declaração de parte e nos depoimentos das testemunhas, que revelaram conhecimento directo dos factos e depuseram com aparente isenção.

 

5. QUESTÕES A DECIDIR

 

A questão essencial de direito a decidir no presente processo está em saber se a prestação de serviços em outsourcing que é levada a cabo pela Requerente pode beneficiar das isenções previstas nos n. º1 ou 2 do art.9º do Código do IVA, em particular desta última.

 

A AT dá resposta negativa a esta questão com base nas seguintes razões fundamentais:

 

— Os serviços prestados pela Requerente não têm fim terapêutico em si mesmos.

— Os serviços não são levados a cabo por médicos ou paramédicos.

— Os serviços não são estreitamente conexos com cuidados hospitalares.

— Os serviços não são prestados por hospital ou estabelecimento equiparado.

 

A Requerente dá resposta positiva à questão com base em razões que podemos dizer opostas, concluindo, em alegações finais, resultar provado que os serviços prestados estão isentos de IVA ao abrigo do n.º2 do art.9º do CIVA, “por estarem em causa os serviços prestados por auxiliares de acção médica, cuja actividade é conexa, indispensável e indissociável aos serviços médicos inerentes à hospitalização, como sendo serviços integrados nos actos de diagnóstico e tratamento de doenças e sendo actos de protecção, manutenção e restabelecimento de utentes/doentes hospitalizados, com pleno enquadramento na isenção da norma em questão”.

 

Em todo o processo, o esforço de argumentação das partes concentrou-se largamente na questão da “conexão estreita” dos serviços com os cuidados hospitalares. E foi essa a questão em que se concentrou largamente também o Tribunal Arbitral no processo n. º215/2017-T, relativo às liquidações praticadas pela AT no tocante à actividade da Requerente nos anos de 2012 a 2014.

 

6. MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1. Normas em jogo e pontos em comum

 

Em causa no processo está a aplicação das seguintes normas integrantes do art.9º do CIVA:

 

“Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

 

Estão isentas do imposto:

 

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

 

2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;”

 

Estas normas visam dar transposição para o direito nacional às seguintes normas do art.132º da Directiva IVA (n. º2006/112):

 

“Artigo 132.º

 

1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

 

[…]

 

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;

 

[…]”

 

As isenções assim contempladas no CIVA e na Directiva IVA constituem isenções com finalidade social — “isenções em benefício de actividades de interesse geral”, nas palavras do legislador europeu — cujo propósito está em prevenir o encarecimento e garantir o acesso universal a serviços que se reconhecem indispensáveis à sobrevivência da população.

 

Esta preocupação social compreende-se com facilidade e explica que, com pequena alteração de redacção, uma e outra norma tenham integrado o sistema europeu do IVA desde o momento em que primeiro se codificaram as suas isenções. O art.13º da Sexta Directiva IVA (n. º77/388) compreendia normas não muito diferentes das que hoje figuram no art.132º da Directiva IVA. O TJUE tem sublinhado que a sua redacção é, em substância, idêntica, e que por isso “devem ser interpretados do mesmo modo” e “a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à primeira dessas disposições serve de fundamento para interpretar a segunda” — acórdãos TJUE, Future Health Technologies, C86/09, 10.6.2010; e Peters, C-700/17, 18.09.2019, entre outros.

 

Enquanto excepção à incidência e tendencial universalidade do IVA, estas normas de isenção exigem particulares cautelas de interpretação.  O TJUE firmou desde há muito tempo um princípio de interpretação estrita destas normas “dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo” — acórdãos TJUE, SUFA, 348/87, 15.06.89, nº13; e ainda Sparekassernes Datacenter, C-2/95, 5.06.1997; Motor Industry, C-149/97, 12.11.1998; ou D vs. W, C-384/98, 14.09.2000, entre tantos outros). Ainda assim, o TJUE sempre tem lembrado que esta interpretação estrita não se confunde com uma interpretação restritiva e que as regras de isenção constantes da Directiva IVA não devem ser interpretadas de maneira “a privá-las dos seus efeitos” — acórdãos TJUE, Klinikum Dortmund, C-366/12, 13.03.2014, nºs26 e 27; ou Future Health Technologies, C86/09, 10.06.2010, n°30.

 

Com o passar do tempo, a doutrina da interpretação estrita foi-se matizando na jurisprudência do TJUE e tornou-se claro que, para o tribunal, o elemento literal representa apenas um ponto de partida na interpretação das regras de isenção da Directiva IVA. O sentido que fixemos a estas normas de isenção não poderá ir além do que permite a letra da lei mas, respeitado que seja esse limite, importa olhar a outros elementos ainda, desde logo à finalidade que as normas prosseguem e ao princípio da neutralidade — acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015.

 

É com a finalidade das normas em mente que o TJUE vem firmar que apenas estão abrangidas pelas alíneas b) e c) do n. º1 do art.132º da Directiva IVA as prestações de serviços que possuam fins terapêuticos, nisso estando o que estas disposições têm em comum de mais importante.

 

No entendimento do TJUE, o conceito de “assistência médica”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea c), dessa Directiva, “visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde” — acórdão Future Health Technologies, C86/09, 10.06.2010, n.ºs 37 e 38. De onde resulta que a finalidade das prestações de serviços levadas a cabo por profissionais médicos e estabelecimentos hospitalares é pertinente para apreciar se essas prestações estão ou não isentas de imposto.

 

Aos olhos do TJUE, portanto, a “assistência médica” assegurada por hospitais e os “serviços de assistência” assegurados por profissionais médicos, subordinados em comum a uma finalidade terapêutica, não se mostram substancialmente distintos. Com as alíneas b) e c) do artigo 132. °, n.°1, da Directiva IVA, o legislador europeu pretenderá simplesmente assegurar-se de que está abrangida “a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito”, qualquer que seja o âmbito em que essas prestações médicas sejam realizadas. O artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva — correspondente ao art.9º, nº2, do CIVA português — visará assim as prestações efectuadas em meio hospitalar, ao passo que o artigo 132.°, n.°1, alínea c) da Directiva — correspondente ao art.9º, n.º1 do CIVA português — visará as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (acórdãos TJUE, Kügler, C141/00, 10.09.2002, n.°36; Future Health Technologies, C86/09, 10.06.2010, n.°36; ou PFC Clinic, C-91/12, 21.03.2013, nº24).

 

É neste sentido que o TJUE nota que o critério a empregar para delimitar o âmbito de aplicação destas duas disposições “está menos ligado à natureza da prestação do que ao local de execução” (acórdão TJUE, Peters, C-700/17, 18.09.2019, nº21) — uma observação muito aberta, com a qual o TJUE pretende sublinhar a identidade de natureza das prestações em jogo.

 

6.2. A isenção dos profissionais médicos

 

O art.132.º, n. º1, alínea c), da Directiva IVA, estabelece uma isenção para “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”. Em correspondência, o art.9º, n. º1, do Código do IVA dispõe que estão isentas “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

 

A leitura destas normas deixa ver que a isenção assenta em dois requisitos: um requisito objectivo, que se prende com a natureza do serviço prestado; e um requisito subjectivo, que se prende com a qualidade do respectivo prestador. Resulta, com efeito, da leitura do artigo 132.°, n.°1, alínea c), da Directiva IVA que “uma prestação deve estar isenta se preencher dois requisitos, a saber, por um lado, constituir uma prestação de serviços de assistência na saúde e, por outro, esta prestação deve ser efectuada no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa” — Acórdãos TJUE, Kügler, C141/00, 10.09.2002, n.°27; e Solleveld, C443/04 e C444/04, 27.04.2006, n.º23.

 

6.2.1. Requisito objectivo: natureza do serviço

 

O requisito objectivo da isenção prevista no art.132.º, n. º1, alínea c), da Directiva IVA, está em consistirem as prestações em causa “serviços de assistência”. Vimos já que os serviços de assistência a que se refere o art.132.º, n.º1, da Directiva IVA, nas suas alíneas b) e c), abrangem a generalidade das prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde. Aos olhos do TJUE, portanto, só qualificam para efeitos destas normas as prestações que possuam em si mesmas uma finalidade terapêutica, excluindo-se as intervenções médicas que sejam ditadas por preocupações de outra natureza.

 

A propósito do art.132.º, n.º1, alíneas b) e c), da Directiva IVA, o TJUE tem notado que “daí não decorre necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa acepção particularmente restrita” e que se deve considerar abrangida por estas isenções a generalidade das “prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas” — acórdão TJUE, Future Health Technologies, C86/09, 10.06.2010, n.°40-42. Poderão assim estar em causa, portanto, intervenções médicas preventivas ou curativas, com contornos mais e menos complexos, mas essas prestações devem sempre possuir, em si mesmas, uma finalidade terapêutica inequívoca.

 

A verificação do requisito objectivo comum a estas duas isenções exige, por isso, uma análise cuidada por parte dos tribunais. O TJUE tem-no feito em casos variados em que é chamado a concretizar a noção de “serviços de assistência” assegurados por profissionais médicos — ou de “assistência médica” assegurada por hospitais — decidindo o que pode ou não pode ser dito uma prestação de saúde com fins terapêuticos. É assim que, no tocante aos serviços realizados por profissionais médicos, o Tribunal conclui no acórdão TJUE, D., C-384/98, 14.09.2000, que não está abrangida pela isenção do artigo 13.°, A, n.°1, alínea c), da Sexta Directiva — hoje, o art.132.º, n.º, alínea c), da Directiva IVA — a prestação realizada por médico que consista em realizar testes de afinidade genética com vista à sua utilização em tribunal; ou que no acórdão TJUE, Unterpertinger, C-212/01, 20.11.2013, o Tribunal conclui que não está abrangida por essa isenção a prestação de um médico que consista em elaborar um relatório pericial quanto ao estado de saúde de uma pessoa tendo em vista fundamentar ou infirmar um pedido de pagamento de uma pensão de invalidez. É assim que, agora no que diz respeito aos serviços realizados por hospitais e estabelecimentos semelhantes, o Tribunal conclui no acórdão TJUE, PFC Clinic, C-91/12, 21.03.2013, não estarem abrangidas por essa isenção as intervenções de cirurgia e tratamentos estéticos que sejam levados a cabo por razões puramente cosméticas.

 

Não é certo que as prestações levadas a cabo pela Requerente possuam, em si mesmas, e na sua integralidade, a função terapêutica que o TJUE assim tem vindo a concretizar. Quanto a algumas dessas prestações, há maior proximidade a uma função terapêutica, como sucede quanto à esterilização de materiais e equipamentos clínicos ou quanto ao auxílio aos doentes na alimentação terapêutica. Quanto a outras, há maior distância face a essa função, como sucede quanto à arrumação de espaços para a realização de actos clínicos, o acondicionamento de materiais em tabuleiros ou a requisição de medicamentos e produtos de consumo corrente.

 

A este propósito, importa ter presente que, tal como lembra o TJUE, “contrariamente ao teor do artigo 13.º, A, n.º1, alínea b), da Sexta Directiva, o teor da alínea c) desta disposição não contém nenhuma referência a operações estreitamente ligadas com as prestações de cuidados médicos” e que, por isso, “o conceito de ‘operações estreitamente conexas com prestações de cuidados médicos’ não é pertinente para a interpretação do artigo 13.º, A, n.º1, alínea c), da Sexta Directiva — acórdão TJUE, Klinikum Dortmund, C-366/12, 13.03.2004, n.º32.

 

É certo, porém, que o juízo que façamos quanto à função das prestações levadas a cabo pela Requerente é questão que se mostra irrelevante no presente caso a partir do momento em que se pondere o segundo requisito de que depende a aplicação da isenção decorrente do art.132.º, n.º1, alínea c), da Directiva IVA, e constante do art.9º, n.º1, do Código do IVA.

 

6.2.2. Requisito subjectivo: qualidade do prestador

 

Com efeito, à aplicação desta isenção não basta o requisito objectivo de estarmos perante uma “prestação de serviços de assistência na saúde”, sendo necessário ainda que essa prestação seja realizada “no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”, requisito subjectivo resultante do art.132.º, n. º1, alínea c), da Directiva IVA. Esta segunda exigência é explicitada no art.9º, n. º1, do Código do IVA, quando aí se dispõe que a isenção vale para as prestações de serviços “efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

 

É sabido que os Estados-Membros “dispõem de poder de apreciação para definir as profissões em cujo exercício as prestações de assistência na saúde estão isentas de IVA e, em particular, para determinar quais as qualificações necessárias para o exercício dessas profissões”; que, ao fazê-lo, os Estados-Membros “devem ter em conta, por um lado, o objectivo prosseguido por essa disposição, que é garantir que a isenção seja aplicada unicamente às prestações de assistência na saúde efectuadas por prestadores com as qualificações profissionais exigidas, e, por outro, o princípio da neutralidade fiscal”; e que “devem, assim, em primeiro lugar, garantir o respeito desse objectivo, assegurando que a isenção prevista nessa disposição é aplicada unicamente a prestações de assistência na saúde que tenham um nível suficiente de qualidade” — acórdãos TJUE, Solleveld e van den Houtvan Eijnsbergen, C443/04, 27.04.2006, n.º29 ss; e Belgisch Syndicaat van Chiropraxie, C-597/17, 27.06.2019, n.º24ss.

 

No contexto do direito português, auxiliares de acção médica como os que estavam ao serviço da Requerente não podem ser qualificados como profissionais médicos, ou paramédicos sequer.

 

O Decreto-Lei n. º261/93, de 24 de Julho, regula o exercício das actividades paramédicas, tipificando-as através de uma lista da qual constam actividades como a fisioterapia, a radioterapia, a audiometria ou a dietética, todas elas sujeitas a exigências específicas de formação e credenciação, condizentes com o objectivo da protecção da saúde pública. É porque estas actividades paramédicas tocam directamente na saúde dos cidadãos e porque exigem conhecimento muito especializado que o legislador sente necessidade de as tipificar e regular, “promovendo as medidas que garantam a maior qualidade dos cuidados a prestar, pela adequada formação técnica dos agentes de saúde e pela sua dignificação do ponto de vista deontológico”.

 

O legislador não sentiu idêntica necessidade no tocante aos auxiliares de acção médica. Estes profissionais são alheios à lista de actividade paramédicas do Decreto-Lei nº261/93, sem dúvida porque a sua intervenção não toca tão de perto à saúde dos cidadãos que assim se visa proteger.

 

Neste sentido aponta o facto de os auxiliares de acção médica terem transitado para a carreira de assistente operacional por força da Lei n.º12-A/2008, de 27 de Fevereiro, carreira que, enquanto carreira geral do Estado, corresponde a “postos de trabalho de que a generalidade dos órgãos ou serviços carece para o desenvolvimento das respectivas actividades”, por contraposição às carreiras especiais, correspondentes a “postos de trabalho de que apenas um ou alguns órgãos ou serviços carecem para o desenvolvimento das respectivas actividades”. 

 

Neste sentido aponta também a circunstância de o Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em que a assenta a actividade da Requerente não exigir outras habilitações literárias a estes trabalhadores além da frequência da escolaridade obrigatória.

 

Estes são indícios, afinal, de uma indiferenciação relativa destas funções, de um distanciamento maior face ao que os cuidados de saúde têm de essencial e do menor risco que por isso há no exercício destas actividades e no seu outsourcing por parte dos hospitais que integram o SNS.

 

Ponto assente é que os auxiliares de acção médica, alheios que são à listagem do Decreto-Lei n. º261/93, não podem ser qualificados como profissionais médicos ou paramédicos. E a partir do momento em que falha este requisito subjectivo, não se pode contemplar a aplicação da isenção prevista no art.9º, n. º1, do Código do IVA aos serviços prestados pela Requerente.

 

6.3. A isenção dos hospitais e estabelecimentos similares

 

O art.132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA, consagra uma isenção para “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”. Em correspondência com esta disposição, o art.9º, n. º2, do Código do IVA português determina que estão isentas “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

 

A leitura destas normas deixa ver que esta isenção assenta em dois requisitos: um requisito objectivo, que se prende com a natureza do serviço prestado; e um requisito subjectivo, que se prende com a qualidade do respectivo prestador. Resulta, com efeito, da leitura do art.132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, que estas prestações devem estar isentas se preencherem dois requisitos: por um lado, constituírem prestações de serviços de hospitalização ou assistência médica ou operações com elas estreitamente relacionadas; por outro lado, essas prestações serem “asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”. Esta dupla exigência é evidente também no art.9º, nº2, do Código do IVA, que se refere a “prestações de serviços médicos e sanitários e operações estreitamente conexas” na condição, porém, de serem “efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

 

6.3.1. Requisito objectivo: natureza do serviço

 

As prestações de serviços abrangidas pela isenção do art.9º, nº2, do Código do IVA, têm muito em comum e também algo de diferente face àquelas a que se refere o seu art.9º, nº1.

 

Em comum, uma e outra norma, têm o seu conteúdo essencial. Na concretização que o TJUE tem vindo a dar a estas isenções, o conceito de “assistência médica”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea b), da Directiva IVA, e o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.°, n.°1, alínea c), da mesma Directiva, “visam ambos prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde”. Quer isto dizer que as prestações de serviços médicos e sanitários a que se refere o art.º9, nº2, do Código do IVA, não devem ser concebidas em termos distintos das prestações de serviços realizadas no exercício de profissões médicas e paramédicas a que se dirige o seu art.9º, nº1, sendo exigível a umas e outras a mesma finalidade terapêutica em que tem insistido o TJUE.

 

De diferente, o nº2 do art.9º, do Código do IVA, tem a referência às “operações estreitamente conexas” com os serviços médicos e sanitários, omissa no nº1 do mesmo artigo. Com esta referência, o âmbito objectivo da isenção dirigida aos hospitais e estabelecimentos similares alarga-se algo além do que abrange a isenção dirigida aos profissionais médicos, parecendo ficar assim abrangidas prestações às quais só mediatamente se pode atribuir função terapêutica.

 

Esta diferença de tratamento, assente na Directiva IVA, compreende-se com alguma facilidade. A isenção do artigo 132. °, n.°1, alínea c), da Directiva, dirige-se aos profissionais médicos, tendo sido pensada para profissionais liberais que exercem a sua actividade em pequena escala, muitas vezes no domicílio privado do prestador ou no domicílio privado do paciente, como o tem sublinhado o TJUE. Já a isenção do artigo 132. °, n.°1, alínea b), da Directiva, dirige-se a hospitais e estabelecimentos de saúde similares, que exercem a sua actividade em escala maior, com instalações próprias para o efeito, e que realizam prestações com toda outra complexidade. Esta complexidade explicará que o legislador europeu tenha feito abranger pela isenção do artigo 132. °, n.°1, alínea b), da Directiva, não só as “prestações serviços de hospitalização ou assistência médica” como também as “operações com elas estreitamente relacionadas”.

 

A noção de “operações estreitamente relacionadas” tem sido explorada pelo TJUE, embora em decisões menos numerosas do que as que respeitam ao conteúdo essencial da isenção. No acórdão TJUE, Dornier, C-45/01, 6.11.2003, nº33ss, o TJUE sublinha que esta noção exclui as prestações “que não apresentem alguma conexão” com os cuidados de saúde hospitalares, abrangendo apenas as prestações que daqueles possam dizer-se acessórias, no sentido em que não constituem um fim em si mesmo mas apenas o meio de melhor beneficiar daqueles cuidados, pelo que os tratamentos psicoterápicos prestados no serviço de policlínica de uma fundação de direito privado por psicólogos diplomados que não têm a qualidade de médicos só podem beneficiar da isenção quando ministrados como prestações acessórias da hospitalização dos destinatários ou da assistência médica por eles recebida. No acórdão TJUE, Ygeia, C-394/04 e C-395/04, 1.12.2005, nº25, o TJUE fixa que “só as prestações de serviços que se inscrevem logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica e que constituem uma etapa indispensável no processo de prestação desses serviços para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas por estes são susceptíveis de constituir «operações [...] estreitamente conexas”, o que não valeria, via de regra, para o fornecimento de serviços telefónicos e para a locação de postos de televisão aos pacientes de um hospital, ou para o fornecimento de dormidas e refeições aos respectivos acompanhantes. Nos acórdãos TJUE, Copy Gene, C-262/08, 10.06.2010, nº52, e Future Health Technologies, C-86/09, 10.06.2010, nº50, o tribunal conclui que a noção de operações “estreitamente conexas” não abrange actividades como a colheita, transporte, análise de sangue do cordão e armazenamento das células estaminais contidas nesse sangue, “quando a assistência médica prestada em meio hospitalar, com a qual estas actividades só eventualmente são conexas, não existe, não está em curso nem está sequer planificada”.

 

É em torno desta questão que gira o essencial da argumentação no presente processo, tendo-se centrado o esforço probatório da Requerente em demonstrar a indispensabilidade dos serviços prestados pelos auxiliares de acção médica ao seu serviço. É neste sentido que remata as suas alegações finais, reivindicando a aplicação do art. º9, nº2, do Código do IVA, com o fundamento de estar em causa actividade “conexa, indispensável e indissociável aos serviços médicos inerentes à hospitalização”, que entende por isso terem pleno enquadramento naquela isenção. E é essa indispensabilidade que nega a AT, notando em alegações finais que “imprescindíveis são também os serviços de manutenção das máquinas e instalações, prestados por técnicos qualificados para o efeito”, aos quais, no entanto, não se imagina aplicável a isenção em jogo.

 

Não é certo que as prestações levadas a cabo pelos auxiliares de acção médica se mostrem, na sua integralidade e do mesmo modo, “estreitamente conexas” com a assistência médica assegurada pelos hospitais em que a Recorrente está presente. A estreiteza dessa conexão, no sentido em que o TJUE a concretiza, mais facilmente se admitirá quanto a prestações como a esterilização de materiais e equipamentos clínicos ou como o auxílio aos doentes na alimentação terapêutica; mas muito dificilmente se poderá admitir no tocante a prestações como a arrumação de espaços para a realização de actos clínicos, o acondicionamento de materiais em tabuleiros ou a requisição de medicamentos e produtos de consumo corrente.

 

Certo é, porém, que a natureza das prestações levadas a cabo pela Requerente e a sua conexão com os cuidados médicos hospitalares é questão que se mostra irrelevante no presente caso logo que se pondere o segundo requisito de que depende a aplicação da isenção decorrente do art.132.º, n.º1, alínea b), da Directiva IVA, e constante do art.9º, n.º2, do Código do IVA.

 

6.3.2. Requisito subjectivo: qualidade do prestador

 

Com efeito, à aplicação desta isenção não basta o requisito objectivo de estarmos perante prestações de “hospitalização e assistência médica” ou operações com elas “estreitamente relacionadas”, sendo necessário que essas prestações sejam realizadas “por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”, requisito subjectivo resultante do art.132.º, n.º1, alínea b), da Directiva IVA — acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015, nº2. Esta dupla exigência resulta com clareza também do art.9º, n. º2, do Código do IVA português, quando aí se determina que a isenção vale para as prestações de serviços médicos e sanitários e para operações com elas estreitamente conexas, sempre que sejam “efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

 

À aplicação do art.9º, nº2, não basta, portanto, que se demonstre a função terapêutica de uma prestação ou a sua conexão estreita com prestações que tenham essa função, havendo que comprovar que o sujeito passivo que as realiza é um “estabelecimento hospitalar” ou “similar”.

 

A qualidade do sujeito passivo que realiza as prestações de “hospitalização e assistência médica” ou as prestações que com estas estejam “estreitamente relacionadas” não é uma questão menor no contexto do art.132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA. Este é um requisito subjectivo indispensável à aplicação da isenção e um requisito de tal modo importante que o legislador europeu, no art.133º da Directiva, permite que os Estados-Membros façam depender a aplicação da isenção a organismos que não sejam de direito público da observância de um conjunto de condições respeitantes ao seu modus operandi e ao mercado em que actuam.

 

A este respeito, importa notar que o art.132.º, n. º1, alínea b), da Directiva IVA, tal como o art.9º, nº2, do Código do IVA, não se refere a prestações realizadas em hospitais mas a prestações realizadas por hospitais e estabelecimentos similares. É assim na versão portuguesa, “por organismos de direito público ou (…) por estabelecimentos hospitalares (…) e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”; inglesa, “undertaken by bodies governed by public law or (…) by hospitals, centres for medical treatment or diagnosis and other duly recognised establishments of a similar nature”; francesa, “assurés par des organismes de droit public ou (…) par des établissements hospitaliers, des centres de soins médicaux et de diagnostic et d'autres établissements de même nature dûment reconnus”; ou na sua versão italiana “assicurate da enti di diritto pubblico oppure (…) da istituti ospedalieri, centri medici e diagnostici e altri istituti della stessa natura debitamente riconosciuti”.

 

É verdade que o TJUE, ao traçar a linha divisória entre as alíneas b) e c) do art.132º, nº1, da Directiva IVA, nos diz que a primeira visa as prestações efectuadas “em meio hospitalar” e a segunda as que são efectuadas “fora desse âmbito”. Sem dúvida que é assim: a alínea d) terá sido pensada com os hospitais e estabelecimentos de saúde em mente; a alínea c) terá sido pensada tendo em mente os médicos enquanto profissionais independentes. Com esta referência muito aberta, no entanto, o TJUE mais não pretende do que sinalizar que existe identidade de natureza nas prestações de assistência médica em causa numa e outra disposições e que, com uma e outra alíneas, fica abrangida “a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito”, onde quer que se realizem — acórdão TJUE, Kügler, C141/00, 10.09.2002, n.°36.

 

À aplicação da isenção prevista no art.9º, nº2, do Código do IVA, não basta, portanto, que as prestações “estreitamente conexas” sejam realizadas “em meio hospitalar” ou “no contexto da saúde”, como o sustenta a Requerente. Imperativo é que sejam realizadas “por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”, i.e., que o sujeito passivo que efectua a prestação reúna em si a qualidade que exige o art.132º da Directiva IVA e o art.9º do Código. 

 

Que assim é pode compreender-se melhor olhando ao quadro com que a Advogada-Geral Eleanor Sharpston sistematiza a estrutura do art.13.º, A), n.º1, alínea b), da Sexta Directiva — hoje o art.132.º, n.º1, alínea b), da Directiva IVA — nas conclusões que apresenta no processo Copy Gene, C-262/08, e que se reproduz em seguida por razões de conveniência:

                              

E                                            

 

são a hospitalização ou a assistência médica       OU         são operações estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica                            é um organismo de direito público          OU         fornece as prestações em condições análogas às que vigoram para os organismos de direito público

                                                                                              E

                                                                                              é um estabelecimento hospitalar ou um centro de assistência médica e diagnóstico        OU         é um estabele-cimento da mesma natureza

                                                                                                                              E

                                                                                                                              foi devida-

mente reconhecido

 

 

Que assim é compreende-se também olhando aos processos em que o TJUE discute a noção de “operações conexas”, nomeadamente os processos aqui trazidos à colação pela Requerente. Esses são processos em que o TJUE se confronta com casos de um de dois tipos essenciais: casos em que são hospitais a realizar “operações conexas” com prestações de assistência médica que eles próprios efectuam; ou casos em que são estabelecimentos similares a realizar “operações conexas” com prestações de assistência médica que outros hospitais efectuam. Quer num caso, quer noutro, porém, as “operações conexas” em jogo são sempre realizadas por sujeitos passivos que possuem eles mesmos a qualidade de hospital ou estabelecimento similar.

 

Entre os primeiros casos, temos o processo TJUE, Ygeia, C-394/04 e C-395/04, em que se tratava de saber se a disponibilização de televisões, telefones e alojamento pode dizer-se estreitamente conexa com os serviços de assistência médica realizados pelo próprio centro médico e hospitalar. Entre os segundos casos, temos o processo TJUE, Dornier, C-45/01, em que se tratava de saber se os tratamentos psicoterápicos realizados por uma policlínica de direito privado podem dizer-se estreitamente conexos com os serviços de hospitalização prestados por outros estabelecimentos; ou os processos TJUE, Copy Gene, C-262/08, e Future Health Technologies, C86/09, em que se tratava de saber se a recolha de sangue e armazenamento de células por parte de bancos privados de células estaminais pode dizer-se uma actividade estreitamente conexa com serviços de hospitalização a prestar por outros estabelecimentos.

 

Em nenhuma decisão do TJUE de que este tribunal tenha conhecimento se admitiu a aplicação da isenção prevista no art.132º, nº1, alínea b), da Directiva IVA, a sujeitos passivos que não fossem, eles mesmos, “organismos de direito público”, “estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico” ou “outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”. O acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015, deixa isto mesmo em evidência, tratando-se de caso em que o tribunal rejeita a aplicação da isenção a uma empresa independente cuja actividade consistia no transporte de órgãos e produtos biológicos de origem humana por conta de diversos hospitais e laboratórios, em regime de outsourcing.

 

Olhando à actividade da empresa explorada por Nathalie de Fruytier, o TJUE observaria primeiro que “no caso de o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que a referida actividade constitui efectivamente uma etapa indispensável no processo de prestação de serviços de hospitalização e assistência médica para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas por estes, há que verificar se essa actividade é exercida por um organismo de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico ou outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”. Aos olhos do TJUE, era “facto assente” que um transportador como este não podia ser qualificado como “organismo de direito público”, “estabelecimento hospitalar”, “centro de assistência médica” ou “centro de diagnóstico”, que opere em condições sociais análogas às de organismos de direito público. Era também “facto assente” que “N. De Fruytier exerce, a título independente, uma actividade de transporte de órgãos e de produtos biológicos de origem humana a favor de diversos hospitais e laboratórios, mas que a sua empresa não pode ser qualificada de estabelecimento ‘da mesma natureza’ que os estabelecimentos que encomendaram os serviços de transporte que fornece”.

 

Sentenciou então o TJUE que “o conceito de ‘estabelecimento’ sugere a existência de uma entidade individualizada que desempenha uma função especial” e que “um transportador independente, como N. De Fruytier, não é, diversamente, por exemplo, de um laboratório de direito privado que efectua análises médicas de diagnóstico com uma finalidade terapêutica, uma entidade individualizada que desempenha o mesmo tipo de função especial que os estabelecimentos hospitalares ou os centros de assistência médica e de diagnóstico”. Esta, uma conclusão que não seria posta em causa pelo princípio da neutralidade, “visto que este princípio não permite alargar o âmbito de aplicação de uma isenção na falta de uma disposição inequívoca, dado que o referido princípio não é uma regra de direito primário que possa determinar a validade de uma isenção, mas sim um princípio de interpretação que deve ser aplicado paralelamente com o princípio de que as isenções são de interpretação estrita — acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015, nº35-37.

 

Atenta a letra da lei e o princípio da interpretação conforme ao Direito Europeu, não se pode, portanto, reconhecer a aplicação da isenção prevista no art.9º, nº2, do Código do IVA, a “operações conexas” levadas a cabo por sujeitos passivos que não possuam, em si mesmos, a qualidade de “estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

 

A este propósito, a Requerente observa que “de acordo com a jurisprudência do TJUE, é irrelevante que os cuidados de saúde, na sua acepção ampla, sejam ou não realizados directamente pelas entidades ou com recurso a subcontratação”, sustentando assim que o outsourcing de serviços pelos hospitais não priva os prestadores desse serviços da isenção.   As decisões com que fundamenta esta posição, contudo, são decisões em que estava em causa a subcontratação entre sujeitos passivos que constituíam, um e outro, estabelecimentos de saúde. Nessas circunstâncias, quando um laboratório subcontrata análises a outro laboratório, ou quando um hospital subcontrate serviços a uma clínica especializada, possuindo ambos a qualidade de estabelecimentos de saúde, é certo que a subcontratação não obsta à aplicação da isenção ao subcontratado. Quando o subcontratado não seja hospital, clínica ou “estabelecimento similar”, porém, falha o requisito subjectivo para que este possa beneficiar da isenção, como resulta com clareza do acórdão TJUE, De Fruytier, C-334/14, 2.07.2015.

 

É consabido que a Requerente não explora hospital, clínica, dispensário ou estabelecimento similar, como o exige o art.9º, nº2, do Código do IVA. A actividade que leva a cabo toma corpo na disponibilização de trabalhadores aos hospitais com os quais contrata, na medida das necessidades que estes sintam a cada momento, aí exercendo a integralidade das suas funções. Os elementos recolhidos no Relatório da Inspecção Tributária mostram que as instalações da Requerente, visitadas em 2016, constituíam instalações apenas “com serviços administrativos e de gestão da sociedade”, instalações entretanto ocupadas por outra empresa, com a mesma actividade e gerente, que terá passado a prestar serviços também ao B... .

 

Vale tudo isto dizer, em conclusão, que a Requerente não pode, em si mesma, ser qualificada como hospital, clínica, dispensário ou como um estabelecimento similar. E a partir do momento em que falha este requisito subjectivo, não se pode admitir a aplicação da isenção prevista no art.9º, n. º2, do Código do IVA, aos serviços que por ela são prestados.

 

 

6.4. IVA contido no preço

 

A título subsidiário, caso o Tribunal não entenda estar-se perante prestações de serviços isentas, pretende a Requerente que as liquidações sejam parcialmente anuladas, devendo a AT proceder correctamente ao cálculo do montante do IVA devido, por considerar que o preço em causa já incluía este imposto, o que originaria um imposto a pagar no valor de apenas € 402.444,64.

 

Contra o pedido militam a circunstância de o Caderno de Encargos em que assenta o contrato em que assentou o Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em causa, ao fixar o preço contratual na sua cláusula 17ª, determinar que “o contraente público deve pagar ao prestador de serviços o preço previsto para a execução dos serviços, constante da proposta adjudicada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido”; e o facto de o Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Actividade Hospitalar em causa fixar o preço contratual a pagar pelo A... à Requerente com a menção expressa de que a esses valores “acrescerá o IVA se aplicável”.

 

Razão pela qual não pode proceder o pedido subsidiário apresentado pela Requerente.

 

6.5. Reenvio prejudicial

 

Sendo clara a interpretação que o TJUE faz das normas em causa no processo, em particular do art.132º, nº2, alínea b), da Directiva IVA, considera-se dispensável o reenvio prejudicial.

 

7. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido arbitral (principal e subsidiário) formulado pela Requerente.

 

8. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 546.234,47 (quinhentos e quarenta e seis mil, duzentos e trinta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos) conforme o disposto nos artigos 97.º-A, n. º1, alínea a), do CPPT, e 3.º, nº2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 26 de Novembro de 2019

 

 

Os Árbitros

 

Sérgio Vasques

Manuel Pires

António Carlos dos Santos

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Reconhecendo estarmos perante um "caso difícil", suscetível de avaliações distintas quanto à matéria de facto e de interpretações divergentes quanto à matéria de direito, apresento voto de vencido por continuar a ser minha convicção assistir razão à Requerente. 

 

Matéria de facto

 

O presente processo (doravante T2) é, no plano dos factos e das questões de direito, idêntico a um outro anteriormente julgado favoravelmente à Requerente no âmbito do CAAD (decisão arbitral de 06.06.2018, proferida no processo n.º 215/2017-T, doravante T1). 

 

Apesar disso, por despacho de 17.05.2019, foi rejeitado, a meu ver, sem fundamentação suficiente, o pedido da Requerente de consideração da prova produzida no processo T1, decorrente de muitos e circunstanciados depoimentos efetuados por testemunhas qualificadas e idóneas . Sucede que no presente processo, foi proferido um despacho cujo teor, na parte aqui relevante, é o seguinte: "Tendo a Requerente entregue no dia 09.04.2019 pedido de aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo 215/2017-T, vem-se indeferir o pedido, com fundamento no princípio do contraditório."  Fundar a rejeição no princípio do contraditório significaria, na prática, a ser exata a fundamentação, que nunca poderia ser admitido o aproveitamento de depoimentos prestados em processos anteriores. Admitir o aproveitamento de depoimentos prestados em processos anteriores similares é, porém, prática comum no próprio CAAD como o demonstram, por exemplo, as decisões de 18.09.2017 e de 6.08.2019, tomadas, respetivamente, nos processos 434/2018-T e 72/2017-T. Nada impedia que viesse a ser assegurado o contraditório no processo T2, embora por meios distintos dos ocorridos em T1. Salvo melhor opinião, a opção de rejeitar o aproveitamento de prova já produzida acaba por conduzir a uma descrição descontextualizada dos factos dados como provados centrada sobretudo na versão constante do Relatório da Inspeção Tributária, com sensível afetação do "esforço probatório" da Requerente.

 

Mesmo assim, e tendo em conta o depoimento das testemunhas arroladas (inicialmente vistas pela Requerente como depoimentos complementares dos efetuados no processo T1), alguns documentos juntos aos autos (cujo teor não foi devidamente considerado) e as regras da experiência na área da saúde, podem, a meu ver, dar-se como provado um conjunto de factos relevantes para a decisão arbitral.

 

 A Requerente, de acordo com o seu objeto social, tem  como atividade principal a prestação de serviços de saúde, designadamente, serviços médicos, serviços de enfermagem, serviços de técnicos de diagnóstico e de terapêutica e serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar.  Estes serviços são, na prática corrente entre nós, concretizados mediante contratos de cedência de pessoal celebrados com entidades coletivas de direito público que integram o Sistema Nacional de Saúde e que definem os termos das propostas e avaliam a idoneidade dos proponentes.  

 

No presente caso (a exemplo de muitos outros passados com a Requerente ou com outras entidades) os contratos, por meio dos quais é cedido pessoal especializado ou apto para tal na área da saúde, são celebrados, ao abrigo do regime da contratação pública, pelo B..., em nome e representação do Governo português / Ministério da Saúde, situação, como se disse,  corrente neste domínio.

 

O Programa do Concurso Público n.º .../2013 para prestação de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar do B... (ao abrigo do qual têm vindo a ser realizados até agora os contratos concretos no presente caso e também em T1) determina expressamente que "os preços não devem incluir o IVA" e "devem ser apresentados em euros e em algarismos".

 

No entanto, aparentemente de forma contraditória, o Caderno de Encargos do concurso relativo à prestação de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar no B... determina que "o contraente público deve pagar ao prestador de serviços o preço previsto para a execução dos serviços, constante da proposta adjudicada, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido" (itálico nosso).

 

A contradição é, porém, aparente: de facto, só em concreto, com a distribuição do pessoal contratado operada pelo B..., se poderá saber se estamos perante prestações de serviços isentas de IVA (as relativas a quem obteve ou irá obter a formação como auxiliar de ação médica e seja integrado como tal) ou se estamos perante prestações de serviços sujeitas a IVA, no caso, serviços prestados por outros assistentes operacionais cujas funções extravasam a área das prestações de saúde ou de apoio direto e exclusivo à ação médica (vg., porteiros, telefonistas, etc.).

 

Assim, como claramente decorre do documento n.º 26, a adjudicação dos contratos em causa no presente caso «foi efetuada com a menção "isento de IVA"», uma vez que o B... entendeu que essas prestações de serviços englobavam ações de assistência médica stricto sensu levadas a cabo por técnicos contratados para desempenhar funções de auxiliares de ação médica. Este entendimento é, aliás, confirmado pelos descritivos (documentos 26 e 34 juntos aos autos) dos recursos humanos contratados e da afetação destes a serviços médicos e, igualmente, pelos depoimentos das testemunhas.   

 

Para a execução dos serviços de saúde e de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar, a Requerente recorre quer a trabalhadores com contrato coletivo de trabalho (trabalhadores dependentes), quer a serviços de terceiros (trabalhadores independentes ou mesmo outras sociedades). Os recursos humanos contratados podem ser profissionais médicos, enfermeiros e outros técnicos paramédicos (técnicos de radiologista, técnicos de farmácia, técnicos de análises clínicas, fisioterapeutas, radiologistas, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais) e  auxiliares de ação médica, ficando, como se disse,  fora deste enquadramento os outros trabalhadores que integram a carreira de assistente operacional mas não exercem, na prática qualquer apoio direto à ação médica.

 

Assim, a atividade específica da Requerente na área da saúde (como serviços médicos, serviços de cuidados de enfermagem, os serviços de técnico de diagnóstico e terapêutica na área da radiologia, análises clínicas e prestação de serviços auxiliares de apoio à atividades hospitalar) não foi sujeita a IVA, ao contrário da restante atividade desenvolvida pela Requerente.

 

Dadas as dificuldades orçamentais existentes para integrar, permanente e duradouramente, os técnicos que prestam, em substância, serviços de auxiliares de ação médica, esta é, como é do conhecimento público e foi frisado pelos depoimentos prestados, a prática habitual da contratação pública nesta área e dela têm usufruído, independentemente da forma jurídica, estabelecimentos e empresas concorrentes da Requerente.

 

Embora o descritivo das faturas objeto de liquidação adicional emitidas pela Requerente ao B... se refira genericamente a «Prestação de Serviços de Apoio à prestação de cuidados equiparados a assistente operacionais» ou «Prestação de Serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar», ficou, a meu ver, demonstrado pela prova testemunhal e confirmado pelos  documentos n.ºs  26 e 34 juntos aos autos, que as faturas emitidas ao B... abrangem, em concreto,  um conjunto de serviços auxiliares da ação médica e de apoio à atividade hospitalar, onde se inclui a desinfeção/descontaminação química, a lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos, a manutenção e limpeza de materiais e equipamentos clínicos; a preparação de material e equipamento necessário às diferentes atividades hospitalares; a preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos; o acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares; a supervisão do correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas a doentes; a distribuição de dietas aos utentes hospitalares; a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; a distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; o  manuseamento e utilização dos equipamentos disponibilizados pelos Hospitais; a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes. Só uma visão muito restritiva do que se entende por função terapêutica (como se esta se cingisse a médicos e paramédicos) pode conduzir à desconsideração destas atividades como estreitamente relacionadas com a hospitalização e a  assistência médica .

 

Estes serviços com fins terapêuticos integram a atividade hospitalar, encontrando-se afetos, em especial, a um serviço hospital específico como o serviço de anestesiologia, o bloco operatório, a imagiologia, a patologia clínica, os cuidados intensivos, a gastrenterologia, a ortopedia, a urologia, a medicina interna, a medicina de reabilitação, a cardiologia, a pneumologia, a pediatria, a urgência geral, etc.

 

Os serviços são prestados por auxiliares de ação médica ou ajudantes de saúde os quais obtiveram formação na área específica de atuação, frequentando cursos de formação profissional de ajudante de saúde ou de auxiliar de ação médica, devidamente homologados pelo Ministério da Saúde/Ministério da Educação, em áreas como a geriatria, a higiene e conforto dos doentes, a prevenção de infeções hospitalares, suporte básico de vida, reanimação, socorrismo, terapias, termalismo, qualidade e aspetos comportamentais, pediatria, triagem, atendimento e encaminhamento de doentes, entre outros.

 

Os auxiliares de ação médica saúde atuam, integrados em equipas, sob a direção técnica e orientação dos respetivos serviços hospitalares, prestando cuidados de saúde diretamente aos doentes, utentes do SNS e não serviços de caráter geral. 

 

Os serviços auxiliares prestados por estes colaboradores não são autónomos, nem constituem um fim em si mesmos; pelo contrário, estão estreitamente relacionados com um serviço médico, um serviço de enfermagem ou um serviço técnico de diagnóstico e terapêutica.

 

Os serviços auxiliares prestados estão em conexão direta com o serviço principal, sendo todos efetuados em ambiente hospitalar e pelo próprio B..., pois, uma vez integrados nas equipas hospitalares, estes prestadores de serviços em nada se distinguem de quaisquer outros (internos) que prestem serviços de idêntica natureza, assim sendo percecionados pelos pacientes, destinatários últimos das isenções de IVA de natureza social.

 

Os serviços efetivamente prestados pelos colaboradores cedidos ao abrigo do regime da contratação pública têm, de facto, como únicos destinatários os doentes, não aproveitando a toda a população que recorre ao hospital, como ocorreria com outros tipos de serviços prestados por operadores assistenciais indiferenciados de que seriam exemplo os serviços de vigilância e segurança, portaria, telefónicos, etc.

 

Ficou, aliás, demonstrado que a Requerente não presta serviços ao B... relacionados com Vigilância e Segurança, Limpeza, Jardinagem, Portarias, etc. Estes serviços – anteriormente designados Contínuos ou Indiferenciados, são frequentemente contratados pelos hospitais – também em regime de cedência de pessoal – mas, no caso sub judice, não à Requerente. Os técnicos auxiliares de ação médica cedidos pela Requerente prestam apenas serviços em meio hospitalar diretamente relacionados com serviços médicos.

 

O DIREITO

 

Entre nós, a receção das normas europeias relativas a isenções incompletas (as que não concedem direito à dedução) motivadas por razões sociais de índole médica consta essencialmente do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA). Assim, os n.ºs 1 e 2 deste artigo transpõem o disposto no referido artigo 132.º, n.º 1, alíneas b) e c) da Diretiva de Consolidação do IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, doravante DCIVA), mantendo, porém, a terminologia da antiga Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17.05.1977), fazendo-o nos seguintes termos:

               

                «Estão isentas do imposto:

                1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

                2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;»

 

Este dispositivo deve, porém, interpretar-se de acordo com o disposto na DCIVA quanto ao regime das isenções das isenções simples. Este regime, a seguir transposto, decorre, no essencial, da DCIVA (Título IX, artigos 131 e ss.): 

               

                É a seguinte a redação do artigo 131.º da DCIVA, uma disposição de caráter geral :

                «As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer                 possível fraude, evasão ou abuso. »

O Capítulo 2 diz respeito a isenções em benefício de certas atividades de interesse geral, enumeradas taxativamente e descritas com razoável pormenor pela DCIVA, sendo tais isenções imperativas para os Estados- Membros (EM).  É a seguinte a redação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da DCIVA:

«1 - Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em   condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».

                c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;»

 

Este dispositivo corresponde, em termos gerais, ao artigo 13.°, A, n..° 1, alíneas b) a d), da Sexta Diretiva que estabelecia o seguinte:

                «1. Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

                b)      A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações               com elas estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares,       centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

                c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício das atividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa"; ».

 

Note-se que enquanto a redação da alínea  c) do n.º1 do artigo 132.ª da DCIVA reproduz ipsis verbis a redação da alínea c) do artigo 13.º, A, n.º 1 da Sexta Diretiva, o mesmo não se passa com as alíneas relativas à hospitalização e assistência médica onde a substituição do vocábulo conexos presente na Sexta Diretiva pelo vocábulo "relacionadas" usado pela DCIVA sugere um afrouxamento do  grau de articulação pretendido.

 

Cingindo-nos agora a esta última, ou seja, à redação da alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da DCIVA, verifica-se que são isentas, por imperativo da lei europeia:

                  - A  hospitalização e a assistência médica asseguradas por organismos de direito público ou, em   condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos; bem como

                 - As operações com elas estreitamente relacionadas.

 

Como decorre de jurisprudência europeia consolidada, as prestações de serviços de “assistência médica” são aquelas que tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde. Quanto à noção de "hospitalização" não se suscitam problemas de maior, pois esta tem um conteúdo material (colocar alguém em situação de internamento hospitalar), remetendo assim para o facto da assistência aos doentes dever ser efetuada em meio ou ambiente hospitalar.

Uma observação deve ser feita a propósito da redação da alínea b) do artigo 132.º da DCIVA acima transcrita: Salvo melhor opinião, a existência de uma vírgula entre os vocábulos "relacionadas" e "asseguradas" indicia, com suficiente clareza, que a lei europeia não impõe que as "operações relacionadas" sejam obrigatoriamente prestadas pelas entidades a quem compete assegurar a hospitalização e a assistência médica. Impõe, sim, que sejam efetuadas em meio ou ambiente hospitalar. 

 

Sobre a interpretação das noções contidas no artigo 13.°, A, n. ° 1, alínea b), da Sexta Diretiva (bem como na al. b) do n.º1 do artigo 132.º da DCIVA), em especial da expressão "operações estreitamente conexas" (ou relacionadas),  é útil recordar a forma como o TJUE se pronunciou no acórdão de 11.01.2001, proferido no processo C-76/99, Comissão/ França, Col. p. I-249, em pontos, que pela sua relavância, a seguir, se transcrevem integralmente (com sublinhados meus):  

                «21.  A este respeito, deve salientar-se, por um lado, que, embora, como o         Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no acórdão de 15 de Junho de 1989,  Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colet., p. 1737, n.° 13,  I-             271), as isenções visadas pelo artigo 13.° da Sexta Diretiva devam ser interpretadas                 restritivamente, o Tribunal de Justiça lembrou igualmente, no n.° 15 do acórdão de 25 de Fevereiro de 1999,  (C-349/96, Colet., p. I-973), que as referidas isenções constituem noções autónomas do direito comunitário que têm como objetivo evitar      divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro.»

                « 22 Por outro lado, impõe-se concluir que o artigo 13.° , A, n. ° 1, alínea b),       da Sexta Diretiva não contém qualquer definição da noção de operações "estreitamente conexas" com a hospitalização ou a assistência médica. »

                «23 Como salientou o advogado-geral no n.° 23 das suas conclusões, esta           noção   não reclama,      porém, uma interpretação particularmente restritiva na medida em que a isenção das operações estreitamente conexas com a hospitalização ou a assistência médica se destina a garantir que o benefício destas não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resultaria se elas próprias, ou as operações com elas estreitamente conexas, fossem sujeitas a IVA. »

                «24 De facto, para efeitos de uma eventual isenção de IVA do ato de transmissão de colheitas médicas, deve ter-se em consideração a finalidade com que estas colheitas são efetuadas. Assim, quando um profissional de saúde habilitado para o efeito prescreve, com vista à elaboração do seu diagnóstico e com um fim terapêutico, que o seu paciente se sujeite a uma análise, a transmissão da colheita, que logicamente se insere entre o ato de colheita e a análise  propriamente   dita, deve ser    considerada estreitamente conexa com a análise e, por conseguinte, beneficiar de isenção de IVA (v., no que respeita a prestações que, não tendo um fim terapêutico,  devem ser sujeitas a IVA, acórdão de 14 de Setembro de 2000, D., C-384/98, Colect., p. I-6795, n.° 19). »

                «26 A este respeito, deve, em primeiro lugar, recordar-se que, segundo jurisprudência constante, embora, nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, da            Sexta     Diretiva, os Estados-Membros fixem as condições de isenção a fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções previstas e de prevenir as fraudes, a evasão fiscal e os eventuais abusos, tais condições não podem respeitar à definição do conteúdo das isenções previstas (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Maio de 1998, Comissão/Espanha, C-124/96, Colet., p. I-2501, n.°s 11 e 12). Nesta perspetiva, a sujeição a IVA de             determinada operação ou a sua isenção não podem depender da respetiva        qualificação no direito nacional.»

                «27 Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou que uma prestação única deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador (v. acórdão CPP, já referido, n.° 30).»

                «28 Ora, no caso vertente, é indiferente para o doente que o laboratório que    efetua a colheita proceda igualmente à análise ou que recorra a outro laboratório para o efeito, permanecendo responsável perante o doente, ou ainda que, atendendo à natureza da análise efetuada, seja obrigado a transmitir a colheita a um laboratório especializado. Neste último caso, a obrigação de              transmitir a colheita a um laboratório especializado responde à necessidade de garantir ao doente a      maior fiabilidade possível da análise.»  

 

Assim, a interpretação dos artigos 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva e do correspondente  132.º, n.º1, al. b) da DCIVA não só não deve ser restritiva, como deve tomar em consideração a ratio deste dispositivo, ou seja, o  objetivo de assegurar que o acesso a  serviços de hospitalização e de assistência médica seja generalizado e ocorra ao menor custo possível.  O objetivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde  . É este o objetivo que está na base da formulação destas noções de conteúdo europeu e que permite, por exemplo, estender a isenção prevista nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da DCIVA (e do artigo 13.°, A, n.º 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva) às prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista no artigo, tenham elas natureza curativa ou preventiva.  Mas este objetivo apenas será alcançável se for privilegiada a substância material ou económica das operações ou atos em causa em relação à forma ou situação jurídica que apresentam, a qual, em regra, tende a ser distinta de EM para EM. Ou, por outras palavras, uma interpretação menos fundada num conceitualismo formal e mais aberta à ratio legis e à ponderação dos interesses em presença.

 

É o que, a meu ver, ocorreu, a  propósito da isenção concedida pelo artigo 9.º , n.º 1 do CIVA,  às prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício das atividades médicas e paramédicas, com o recente acórdão Gabarel   que, em relação às profissões paramédicas, apresentou, entre outras, as seguintes conclusões também aqui relevantes, denotando que a interpretação destas normas deve ir para além do elemento literal procurando inserir-se na ratio legis do sistema comum do IVA:

 

                «31 Por conseguinte, os Estados-Membros estão, é certo, autorizados a não considerar como    paramédica e, portanto, a excluir da isenção do IVA determinada profissão ou a reservá-la aos               prestadores que disponham das qualificações profissionais enunciadas na regulamentação nacional pertinente e unicamente no que respeita às atividades específicas de serviços de assistência para as quais essas qualificações são exigidas (acórdão Solleveld e van den        Hout-van Eijnsbergen, C-443/04 e C-444/04, EU:C:2006:257, n.ºs  33 e 34).»

 

                «32 Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exigência de uma aplicação correta e simples das isenções não permite aos Estados- Membros prejudicarem os objetivos prosseguidos pela Diretiva IVA nem os princípios do direito da União, em especial o princípio da igualdade de tratamento, que se traduz, em matéria de IVA, no princípio da neutralidade fiscal (v. acórdãos Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen, C-443/04 e C-444/04, EU:C:2006:257, n.° 35, e MDDP, C-319/12, EU:C:2013:778, n.° 38).»

 

                «33 Consequentemente, quando um sujeito passivo pede que se reconheça que             as suas atividades de serviços de assistência se enquadram no exercício de profissões paramédicas, a fim de beneficiar da isenção do IVA prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva IVA, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais examinar se as autoridades competentes, ao recusarem esse reconhecimento, respeitaram os limites do poder de apreciação conferido por essa disposição, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta e o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema        comum do IVA (v., neste sentido,            acórdão Solleveld e van den Houtvan Eijnsbergen, C-443/04 e C-        444/04,                EU:C:2006:257, n.° 36).»

 

Tendo, nomeadamente, em conta esta argumentação o TJUE proferiu no caso Gabarel a seguinte decisão:

 

«O artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de               novembro de 2006,        relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que um fisioterapeuta que, no âmbito da sua atividade profissional de saúde, aplica, de forma indistinta            ou complementar, terapêuticas próprias quer da fisioterapia quer da osteopatia deve    ser isento do imposto sobre o valor acrescentado não apenas relativamente às primeiras terapêuticas mas      também às segundas, se a exclusão destas últimas do âmbito do exercício das profissões paramédicas para efeitos da isenção do               imposto sobre o valor acrescentado ultrapassar os limites do poder de apreciação conferido aos Estados-Membros por esta disposição.”

 

É sempre bom lembrar que  a ratio das isenções sociais, bem distinta das chamadas "isenções técnicas", consiste, como é, de há muito, reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, em especial do TJUE, na redução dos custos para os utentes (e não para os sujeitos passivos prestadores de serviços), de uma atividade económica e social considerada de essencial interesse público, in casu, a saúde pública. As isenções prevista pelo direito europeu não têm, de acordo com a lógica do imposto, natureza pessoal, no sentido de não serem concedidas para benefício dos transmitentes de bens ou dos prestadores de serviços, mas de o serem, sim, em benefício de certas atividades de interesse geral, na medida em que elas permitem reduzir os custos e consequentemente, o preço pago pelos adquirentes dos bens e serviços de saúde prestados pelo pessoal dos estabelecimentos ou centros hospitalares .

 Deste modo, o chamado requisito subjetivo mais do que integrar, em rigor, a qualificação da operação, traduz-se numa limitação à atribuição da isenção que, nuns casos pode assumir uma intensidade forte e noutros, como o caso das operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica, uma intensidade fraca.

«A natureza de operações que estejam "estreitamente relacionadas" com a assistência médica e hospitalar (...) possuem natureza  predominantemente objetiva».   Deste modo, a dimensão subjetiva que, por vezes, a acompanha não pode nem ganhar maior relevância do que aquela, como se os papéis se invertessem, nem frustrar os objetivos que o direito europeu atribui à isenção. Defender a irrelevância do chamado requisito objetivo e a exclusividade do requisito subjetivo é, a meu ver, subverter a lógica de funcionamento do imposto.

 

Importa agora efetuar algumas observações sobre a transposição dos dispositivos europeus para a lei nacional. Quatro diferenças existem entre a do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA e a do artigo 132.º, alínea b) da DCIVA. Primeira, a redação do CIVA vem clarificar que a isenção de imposto abrange os serviços sanitários, ou seja, os relativos à conservação da saúde e à higiene. Embora os serviços de higienização não se confundam com serviços médicos em sentido estrito, a sua inclusão no âmbito da isenção não está em desconformidade com os objetivos do direito europeu, antes os esclarece, permitindo, aliás, lançar nova luz sobre o conceito de "operações conexas" ou com elas "relacionadas".

Segunda, da manutenção da expressão "operações estreitamente conexas" (usada na Sexta Diretiva) em vez de "operações estreitamente relacionadas" (usada na DCIVA), não pode concluir-se que a atribuição da isenção exija uma ligação ou vínculo mais forte entre as operações e, consequentemente, uma interpretação mais restritiva das operações isentas. O artigo 9.º, n.º 2 tem de ser interpretado em conformidade com a DCIVA e esta comporta uma menor exigência no grau de relacionamento entre as operações do que a redação da Sexta Diretiva.

Terceira, o CIVA não se refere expressamente à noção de "hospitalização". Mas esta não pode deixar de estar subjacente à redação do seu artigo 9.º, n.º 2. A sua implícita consagração permite, aliás, compreender melhor a razão pela qual as "operações estreitamente conexas" devem ocorrer em ambiente hospitalar, não sendo especialmente restritiva quanto aos sujeitos passivos que podem invocar a isenção.

Quarta, a lei portuguesa eliminou a vírgula entre os vocábulos "relacionadas" e "asseguradas" existente no artigo 132.º , alínea b) da DCIVA (e igualmente no artigo 13.º A, n.º 1  alínea b) da Sexta Diretiva), mas essa eliminação não pode legitimar uma interpretação que altere  substancialmente o sentido da norma europeia, com o qual o direito nacional deve estar em conformidade. 

 

É certo que, como refere NEVES (2010), “o facto de não se concretizar o que se deve entender por serviço conexo levanta, na prática,  muitas dúvidas, pois o leque de serviços que podem ser prestados e que apresentam conexão com aqueles serviços (médicos ou sanitários) é bastante vasto. Não obstante, pode-se com um relativo grau de certeza afirmar que conexas são todas aquelas operações, realizadas em momento anterior ou posterior aos serviços, com os quais apresentam uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrerem para a sua realização, podendo ser vistos como acessórias ou instrumentais em relação à prestação principal”  .  Acrescente-se: isto é assim também em relação a operações de assistência a atos médicos efetuados em meio ou ambiente hospitalar, que, como numa intervenção cirúrgica, ocorram simultaneamente com estes.

Após ter efetuado uma análise da jurisprudência europeia mais relevante, é também opinião de LAIRES dever considerar-se, "em relação às categorias de isenções enumeradas nas alíneas 2), 6,) 7), 9), 10), 12), 13), 14) e 19) do artigo 9.º do CIVA, que a extensão das mesmas às operações conexas  ou estritamente conexas aí referidas se reporta a operações acessórias que, não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permitem assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições”  .

 

Há, porém, limites à noção de serviços conexos. Estes são-nos dados essencialmente pelo disposto no artigo 134.º da DCIVA, o qual estabelece o seguinte: 

 

                «As entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 132.º, nos seguintes casos:

                a) Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas;

                b) Quando se destinarem, essencialmente, a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA.»

 

Ficam assim excluídas da isenção as prestações de serviços estreitamente relacionadas com a hospitalização e assistência médicas (isto é, acessórias) que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas. 

Foi neste contexto (bem diferente do dos autos) que o Tribunal de Justiça afastou, em princípio, da isenção os serviços telefónicos e de locação de serviços de televisão às pessoas hospitalizadas ou o fornecimento de dormidas e refeições a acompanhantes e, bem assim, as prestações fornecidas por um banco de células estaminais não levada a cabo em ambiente hospitalar (cfr., respetivamente, os casos Ygeia e CopyGene invocados pela AT).

Como resulta do Caso Comissão/França, é decisiva, para a qualificação de uma atividade como integrando o regime de isenção da alínea b), a consideração do objetivo prosseguido por essa atividade .

No presente caso, estamos perante uma situação que até hoje, tanto quanto se saiba, não foi específica e diretamente analisada pelo TJUE.

Estamos perante um caso de cedência de pessoal destinado a exercer funções de auxiliar de ação médica, no âmbito de um concurso público, efetuada por um sujeito passivo que desenvolve uma atividade económica conforme com o seu objeto social a um centro hospitalar, o B... . Esta cedência é uma relação complexa, de natureza triangular entre A (a Requerente, na qualidade de cedente), B (o B..., a instituição que lançou o concurso público, avaliou a idoneidade dos proponentes, escolheu a proposta que considera mais vantajosa e recebeu o pessoal cedido, afetando-o, no que aqui é relevante, à prestação de serviços de auxílio a ação médica) e C (cada um dos trabalhadores objeto de cessão e que passam a operar no centro hospitalar em equipas dirigidas por médicos e enfermeiros).  É o conjunto das relações jurídicas subjacentes a esta relação triangular que deve ser analisado no presente caso e não apenas as relações entre A e B ou entre B e C ou entre A e C. De facto são estas entidades no seu todo (A, B e C) que são responsáveis pelos serviços prestados aos seus reais destinatários (D, ou o conjunto dos pacientes internados) e verdadeiros beneficiários deste tipo de isenção social.

Esta é uma realidade nova, a que os gestores chamam de outsourcing,  não existente ao tempo da entrada em vigor da Sexta Diretiva do IVA.  Uma análise segmentada desta nova realidade não conseguirá dar conta da complexidade da situação jurídica e de facto criada. Assim, no caso dos autos, em virtude de um concurso a que são aplicadas as regras dos concursos públicos,  a empresa A (a Requerente)  presta, de forma direta, serviços a B (o B...) e, indiretamente, por meio da cedência de C a B  (o pessoal contratado pelo B..., com base na cessão de pessoal, para ser integrado em equipas do B... e funcionar em meio hospitalar sob a direção deste centro) presta serviços a D (os utentes do hospital, ou seja, os doentes, pacientes, ou enfermos que procuram serviços de saúde junto de  B, no centro hospitalar que este possui. Assim, a empresa A, de forma indireta, permite que B (o B...) assegure diretamente os serviços de saúde prestados, nomeadamente através de auxiliares de assistência médica.

 

De facto estamos perante uma relação triangular entre a Requerente, o B... e os utentes do SNS (os pacientes ou doentes). A Requerente recruta e cede pessoal auxiliar que se integra em ambiente hospitalar em equipas do B..., nada distinguindo esses prestadores de outros internos ou contratados a outras entidades. Estas equipas do B... prestam serviços de assistência médica diretamente aos utentes, que não poderiam ser prestados sem a sua participação. É neste sentido que as prestações de serviços levadas a cabo de forma mediata e efetiva pela Requerente, através do pessoal auxiliar médico cedido que realiza prestações acessórias ou instrumentais da prestação principal, não podem, em meu entender, deixar de caber no conceito de operações de serviços conexos (ou relacionados) dos serviços médicos e sanitários  e, como tal, isentos. Se houvesse tributação dos serviços prestados pela Requerente, o B... suportaria o IVA (tal como ocorreria se utilizasse pessoal interno, que, em regra, não possui, dados os constrangimentos orçamentais de que sofre cronicamente o SNS), não o podendo repercutir nos utentes.  Do mesmo modo, se as liquidações adicionais fossem consideradas válidas e a Requerente satisfizesse as condições legais para regularizar o imposto suportado (cfr. artigo 78.º do CIVA.), o B... teria de arcar com esses montantes pois estes passariam a fazer parte da estrutura de custos, não os podendo repercutir aos utentes (pelo menos de acordo com os mecanismos de repercussão do IVA). 

 

Reafirma-se ainda que a isenção é concedida não em benefício dos prestadores de serviços  mas sim, em última instância, em benefício dos utentes (doentes, pacientes, enfermos) dos serviços praticados por pessoal médico, paramédico ou auxiliar no espaço físico dos estabelecimentos e instituições similares. Para este efeito, deverá considerar-se irrelevante a forma que assume a contratação desse pessoal. Tanto contam os serviços realizados diretamente por prestadores de serviços independentes, como os realizados por trabalhadores em regime de contrato de trabalho ou por prestadores cuja colaboração decorre de regimes de cedência de pessoal (situação, aliás, comum  na prestação dos próprios serviços médicos e de enfermagem).

Nas suas anotações ao artigo 9.º do CIVA, NEVES  dá conta da seguinte decisão administrativa relativas à cedência de pessoal médico por uma empresa externa:

                “(...) 14. No caso controvertido, verifica-se que os serviços a prestar pelo             exponente se  consubstanciam  em  prestações de caráter médico, ou seja, na cedência de pessoal médico e, como tal, constituem operações susceptíveis de beneficiar do regime de isenção previsto no n.º 2 do art. 9.º do CIVA.

                 15. Na realidade estamos perante uma contraprestação paga pelo         Serviço Nacional de Saúde, pelos serviços que estes médicos, cedidos pelo exponente, prestam à população utente dos hospitais com quem contratualizaram, e como tal, pode-se considerar que tem          enquadramento no conceito de estabelecimento similar."

 

Não nos parece que a situação sub judice mereça tratamento distinto. As isenções do artigo 9.º deverão aplicar-se independentemente de os serviços serem prestados, de forma direta ou de forma indireta, mediante recurso a subcontratação de pessoal médico ou auxiliar de ação médica para o exercício de funções em ambiente hospitalar proporcionada por empresas sujeitos passivos de IVA reconhecidas pelo SNS como idóneas para tal.

De um ponto de vista substancial, tendo em conta as regras da experiência e o princípio da neutralidade, não se justifica, de facto, que a possibilidade de os hospitais recorrerem à subcontratação seja restrita a serviços médicos, com exclusão dos serviços auxiliares estreitamente conexos com serviços médicos e sanitários. Na realidade, o que conta é a integração dos profissionais que prestam serviços especificamente relacionados com serviços médicos ou sanitários em equipas que, funcionando em ambiente hospitalar, prestam cuidados de saúde sob direção técnica de médicos ou enfermeiros. É do domínio da experiência e da natureza das coisas, facto que qualquer profissional de saúde reconhece na prática, que essas equipas hospitalares que prestam serviços terapêuticos aos utentes não conseguem funcionar exclusivamente com médicos e enfermeiros.

Como conclui a decisão arbitral proferida em T1, sem a colaboração dos profissionais que levam a cabo operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e assistência médica, pode mesmo dizer-se que o Serviço Nacional de Saúde se arriscaria a colapsar.

 

Por fim, a decisão do presente processo arbitral invoca, em favor da sua tese, o acórdão do TJUE proferido em 02.07.2015 no processo C-334/14, caso De Fruyter.

Salvo melhor opinião, não me parece que, só por si, este acórdão resolva o problema sub judice.  Trata-se de uma situação de facto (transporte de órgãos por uma empresa independente a favor de diversos hospitais e laboratórios) que diz, em princípio respeito à aplicação do artigo 13.º, A, n.º 1, al. d)  da Sexta Diretiva (atual alínea d) do n.º 1 do artigo 132.º da DCIVA),  bem diferente da analisada no presente processo. É certo que o TJUE equaciona a questão da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º da Sexta Diretiva. Mas fá-lo para concluir que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o caráter indispensável ou não da atividade em causa, admitindo mesmo que deve ser verificado se  o transportador pode integrar o conceito de "outros estabelecimentos da mesma natureza".  Questão que, por maioria de razão, se justificaria em relação ao estatuto da Requerente. Este acórdão, para além de reafirmar que a finalidade terapêutica não deve ser interpretada restritivamente, mostra implicitamente que o TJUE aceita uma noção aberta de estabelecimento similar.

 

Tanto quanto me foi dado saber das consultas efetuadas, a jurisprudência comunitária não concretizou até hoje especificamente o conteúdo da expressão "operação estreitamente relacionadas" com a hospitalização e a ação médica conexa".  Razão pela qual discordo que estejamos perante a aplicação da doutrina do ato claro e  que se possa afirmar que " Sendo clara a interpretação que o TJUE faz das normas em causa no processo, em particular do art.132º, nº2, alínea b), da Diretiva IVA, considera-se dispensável o reenvio prejudicial."

 

O Árbitro

 

António Carlos dos Santos