Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 641/2018-T
Data da decisão: 2019-10-16  IMI  
Valor do pedido: € 3.151,09
Tema: IMI – Adicional – AIMI – Constitucionalidade – Princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.            A..., S.A. contribuinte nº..., com sede no ..., ..., ...-..., ..., requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

2.            O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 18/12/2018, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação nº 2018..., de 2018/06/030, com referência ao Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) do ano de 2018, respeitante aos seguintes prédios urbanos: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., das freguesias de ... e União de Freguesias de ... (...) ..., ... e ..., ambas do concelho de ..., no valor total de €3 151,09.

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

5.            De conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

6.            As Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7.            O tribunal arbitral singular foi constituído em 26/02/2019, nos termos do preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12.

8.            Notificada nos termos legais, veio a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante Requerida ou AT, apresentar Resposta onde pugna pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, por infundado, devendo decidir-se, a final, que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros e, consequentemente, ser a Requerida absolvida de todos os pedidos.

9.            Mais pede a Requerida que, caso assim não seja decidido, de conformidade com o disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral.

10.          Considerando que o presente processo não carecia de trâmites processuais específicos, que não havendo exceções para apreciação e estando em causa questões meramente de direito, o Tribunal dispensou a realização da reunião a que se reporta o art.º 18.º do RJAT, sem prejuízo de ter sido concedido prazo para alegações escritas, que ambas as Partes apresentaram, mantendo e reiterando as posições que já anteriormente tinham expressado.

11.          Entendeu o Tribunal, após a apresentação da Alegações, convidar a Requerente a esclarecer adicionalmente algumas aparentes divergências em questões de direito entre a PI e essas mesmas alegações, mediante aperfeiçoamento desta mesma peça processual.

12.          Face a esta notificação foi adiado o prazo para decisão por um período de 2 meses, nos termos do art.º 21º do RJAT.

13.          A Requerente nada disse.

 

II – Saneamento

 

1.            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

2.            As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (vide art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

3.            O processo não enferma de vícios que o invalidem e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

III - Matéria de facto

 

A - Factos provados

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira optou por não juntar o processo administrativo, mas, pelos elementos apresentados pela Requerente, que não foram contestados, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade que desenvolve a sua atividade no setor do imobiliário;

b)           É proprietária de diversos prédios urbanos cuja identificação consta da Relação anexa à Nota de liquidação atrás identificada, que constitui o Documento nº 1;

c)            Em 30 de junho de 2018 a AT emitiu a liquidação de AIMI nº 2018..., com o montante a pagar de € 3 151,09, (doc. 2) com referência ao ano de 2018, por aplicação da taxa de 0,4 % sobre o VPT €787 771,69, correspondente ao somatório dos valores individuais dos imóveis constantes no mencionado doc. 1.

d)           O referido montante de imposto foi pago em 2018/09/28, conforme o que resulta do doc. 2.

 

B - Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

C – Motivação

 

a)            O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil , aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

b)           Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

c)            No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados apenas pela Requerente, tendo ainda em conta que nem os documentos nem a matéria de facto alegada foram contestados ou impugnados.

d)           Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, o que prevê o art.º 110º do CPPT e a prova documental, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV – Matéria de direito

 

Constitui objeto do presente pedido arbitral a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de AIMI de 2018 supra identificado.

 

1 - Alega, em suma, a Requerente, que a AT incorreu em ilegalidades derivadas de erro nos pressupostos de facto e de direito ao considerar que os imóveis em questão reúnem os pressupostos para serem tributados em AIMI. Mais defende que, além disso, a permitir-se a tributação dos imóveis constantes dos presentes autos em AIMI, ao abrigo do art.º 135º-B do CIMI, seria este meio normativo inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva.

O legislador ao instituir o adicional ao IMI pretendeu criar um efetivo imposto sobre a fortuna imobiliária. É, portanto, um imposto que incide sobre a riqueza imobiliária urbana materializada no direito de propriedade, de usufruto ou de superfície de determinados prédios urbanos sitos em território português, ou seja, sobre o valor patrimonial tributário global dos prédios urbanos com afetação a habitação e terrenos para construção.

Deste modo, “o legislador exclui de tributação em sede de AIMI, de acordo com o previsto no nº 2 do art.º 135º-B, do CIMI, «os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do art.º 6º deste Código”.

“Resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão consagrada no nº 2 do art.º 135º-B do CIMI, assentou na intenção de não sobrecarregar fiscalmente sujeitos passivos que, por força da sua atividade económica, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social, pois, reconhece-se que a mera detenção desses imóveis não constitui e não pode constituir um fator demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”.

Deste modo, os imóveis em questão não poderão ser sujeitos a AIMI pois não se destinam a uso pessoal, destinam-se à prossecução da sua atividade, sendo um meio de gerar riqueza e não são riqueza em si mesma.

Com efeito a requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto a exploração e a promoção imobiliária, que consubstancia as atividades de compra e venda.

Assim, a detenção de imóveis não representa uma capacidade contributiva que possa legitimar a tributação em sede de AIMI, tal como pretende a AT, antes pelo contrário, representa efetivamente o substrato de toda a atividade desenvolvida pela Requerente.

Consequentemente, a liquidação de AIMI sub judice, emitida face a imóveis detidos pela Requerente, afigura-se manifestamente ilegal, por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.

“Tributar os imóveis objeto da presente impugnação, significaria tributar diretamente uma «atividade económica» - algo que o legislador expressamente pretendeu evitar ao criar o AIMI, como deriva da interpretação a contraio do art.º 135º-F, nº 3, do CIMI”.

2. Por outro lado, a tributação dos imóveis detidos pela Requerente constituiria uma violação do princípio constitucional da igualdade na vertente da capacidade contributiva.

Com efeito, através da introdução deste tributo, o legislador pretendeu tributar a riqueza, mas não o simples ato de detenção, antes o efetivo uso pessoal, a fruição dessa riqueza.

Ora, a Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto a exploração e a promoção imobiliária pelo que, consequentemente, constituiria uma violação do princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva, a tributação de imóveis por si detidos porque os imóveis em causa não se configuram como uma riqueza mas antes como o objeto do próprio processo de criação de riqueza através do desenvolvimento da atividade.

A não se proceder de conformidade com esta interpretação da lei, a tributação em AIMI dos imóveis configura um tratamento discriminatório, desprovido de base legal, gerador de diferenciações desproporcionadas e inadequadas, o que configura a sua inconstitucionalidade.

A constituição garante a igualdade de diferentes maneiras e com diferentes graus de intensidade: princípio geral da igualdade; igualdade perante a lei ou igualdade na aplicação da lei; igualdade da lei ou igualdade na criação da lei.

E embora a tributação em AIMI abranja pessoas singulares e pessoas coletivas, com a respetiva introdução o legislador pretendeu tributar a riqueza, não o simples ato de detenção.

Consequentemente, constituiria uma violação do princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva, a tributação dos imóveis detidos pela Requerente porque só são tributados em AIMI os imóveis enquanto elementos demonstrativos de riqueza e o seu uso pessoal pelo proprietário, a respetiva fruição,  e não a simples detenção dos imóveis que se encontrem afetos a realização de finalidades sociais que não permite que o seu proprietário dele faça uso pessoal.

Deste modo, a liquidação enferma de violação de princípios constitucionais da igualdade.

 

3. A Requerida, por seu turno, entende ser de indeferir o pedido, com os seguintes fundamentos, em suma:

 “O adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) criado pelo artigo 219º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135- A a 135º K, passando a constituir o capítulo XV do respetivo código, surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social”.

Assim, ao contrário do imposto de selo previsto na Verba 28.1 da Tabela Anexa ao CIS, no instituto jurídico do AIMI “não pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor”.

Por outro lado, as opções do legislador foram igualmente balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, o que veio a acontecer através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”...”com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente, nos mercados internacionais”.

“A redação do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica”.

Não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ao funcionamento das pessoas coletivas.

Assim, a supressão dessa alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação, pelo que, ao contrário do alegado pela requerente, não se verifica qualquer ilegalidade na ilegalidade da aplicação do AIMI.

Não há, igualmente qualquer violação do princípio da igualdade previsto na Constituição quando se tributam os imóveis numa empresa que os detém para o exercício da sua atividade. Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial.

Em conformidade com a jurisprudência citada, à qual se adere na íntegra, conclui-se, que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.

De acordo com a jurisprudência maioritária, ao contrário do alegado pela Requerente, a tributação em sede de AIMI não acarreta uma discriminação negativa injustificada à propriedade de empresas cuja atividade económica é precisamente a compra e venda de imóveis quando, simultaneamente, a lei exclui da tributação os imóveis destinados a comércio, indústria ou serviços.

Por tudo quanto expressamente refere sobre a manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado, a AT entende que, consequentemente, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios porque a liquidação do AIMI não enferma de qualquer ilegalidade que possa determinar a sua anulação.

4.A matéria constante do presente pedido de pronúncia arbitral, já foi amplamente tratada em outros casos de pedidos de pronuncia arbitral, sendo a jurisprudência decorrente dos acórdãos amplamente maioritária no sentido da conformidade das liquidações de AIMI efetuadas pela AT com a lei.

O Tribunal Constitucional nos Acórdão nº 299/2019, de 201/05/2019, e, mais recentemente através do Acórdão nº 399/2019, 4/07/2019, analisou a questão e decidiu no mesmo sentido da jurisprudência quase unânime do CAAD (ver, entre outros,  Ac. 668/2017-T, 675/2017-T, 686/2017-T, 692/2017-T, 681/2017-T, 688/2017-T, 664/2017-T, 677/2017-T, 603/2017-T, 694/2017-T, 687/2017-T, 683/2017-T, 676/2017-T, 666/2017-T, 682/2017-T, 696/2017-T, 6/2018-T, 438/2018-T, 342/2018-T, 291/2018-T, 521/2018, 631/2018-T, 87/2019-T e 109/2019-T), com a qual se concorda, pelo que, atenta a grande clareza, profundidade de análise e fundamentação jurídica, se passa a seguir a essa jurisprudência.

 

4.1 O erro nos pressupostos de facto

Defende a Requerente que os imóveis atrás identificados, enquanto destinados ao comércio, não correspondem aos imóveis sobre que deve incidir o AIMI porque são detidos numa ótica de produção de rendimento, são elementos aptos a produzir riqueza e não constituem um fator suficiente revelador de capacidade contributiva dos titulares.  O legislador neste preceito o que pretendeu foi tributar a riqueza ou fortuna imobiliária. No art.º 135º-B, o legislador não quis sobrecarregar os sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm os imóveis para prossecução do respetivo objeto social.

Por outro lado, o sujeito passivo que o legislador pretende tributar é o que surge como possuidor de riqueza confirmada pela propriedade de um património de elevado valor, ou seja a riqueza, e não aquele que embora detenha um património predial de elevado valor, o detém apenas como objeto que possibilita o desenvolvimento de uma atividade económica que constitui o seu objeto social.

O instituto jurídico que regulamenta o AIMI encontra-se vertido nos artigos 135.º-A a 135.º-K, aditados ao Código do IMI, sob o capítulo XV, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017.

A incidência subjetiva do imposto vem definida no artigo 135.º-A, em que se considera que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

A incidência objetiva, por seu turno, decorre do artigo 135.º-B que define o seguinte:

“Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.

Nos termos destas normas, é claro que o legislador seguiu o caminho de definir claramente que são sujeitos passivos as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português,  e que o objeto da tributação em AIMI são todos os prédios que não sejam classificados como “comerciais, industriais ou para serviços e outros”, de acordo com as definições constantes nas alíneas b) e d) do art.º 6º do CIMI.

Deste modo, pensamos nós, que é de ter em conta desde logo a letra da lei, como primeiro elemento de interpretação, e que, por força do art.º 9º do Código Civil, se deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Nesta conformidade, o legislador do AIMI, na delimitação negativa da incidência, diz expressamente que este tributo não incide sobre os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou ara serviços e como «outros»”, tal como estão classificados por força do art.º 6º, nº 1, alíneas b) e d). Será ainda mais correto ou preciso afirmar que o art.º 135-B excluiu da tributação os prédios classificados como comerciais, industriais, para serviços, devendo considerar-se como tais os que estão licenciados para esses efeitos (vide Acórdão Arbitral nº 664/2017-T). Não será despiciendo, pois, afirmar que vale apenas o critério técnico de definição dos prédios assim classificados previsto no citado art.º 6º do CIMI.

Daí que, não cabe na letra da lei a pretensão da Requerente de querer incluir na regra de não incidência aplicável ao conjunto de prédios que no art.º 135º-B estão excluídos de tributação, os prédios detidos para comércio do seu titular porque a letra da lei só definiu a sua qualificação enquanto prédios e não a respetiva afetação ou uso para que os mesmos sejam aptos. Como diz o citado Acórdão Arbitral “o âmbito da incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele art.º 6º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.”

Isto mesmo diz o Acórdão Arbitral nº 675/2017-T “ …se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

“(…), tendo sido suprimida essa alusão à afetação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afetos ao funcionamento das pessoas coletivas não relevem para a incidência do AIMI”.

Os imóveis de que a Requerente é proprietária, tendo em consideração a matéria dada como provada, são prédios urbanos que não são classificados como comerciais, industriais ou para serviços ou “outros”, segundo as regras do art.º 6º do CIMI, pelo que não estão excluídos da regra de incidência independentemente de se destinarem a comércio, porque, como afirma o Ac. Arbitral nº 574/2018-T, o “critério relevante eleito pelo legislador, no âmbito da sua ampla margem de conformação, foi a classificação dos prédios face ao artigo 6.º do CIMI e não a afetação dos mesmos à atividade económica da Requerente, quer como elemento do ativo fixo tangível ou do ativo circulante, como mercadorias (prédios destinados a venda) ou matéria-prima (terrenos destinados a construção)”.

Com afirma o Acórdão nº 299/2017, de 16/01/2019, do Tribunal Constitucional, “… No seu recorte definitivo, e centrando a atenção na tributação dos entes coletivos, o AIMI passou tributar todo o património imobiliário do sujeito passivo, sem dedução, ao mesmo tempo que a norma do n.º 2 do preceito passou a atender unicamente à classificação do prédio de acordo com o artigo 6.º do Código do IMI, sem consideração do setor de atividade ou da destinação efetiva”.

Assim, não lhe assiste razão dado não ter qualquer apoio na letra da lei a afirmação de que terá sido intenção do legislador excluir da tributação, conforme decorre do nº 2 do art.º 135º-B, os titulares de prédios afetos a atividades económicas com o fundamento de que não foi seu objetivo tributar os meios de produção de riqueza mas apenas a riqueza em si, manifestada pelo simples direito de propriedade sobre o imóvel.

Nestes termos só pode improceder o pedido arbitral.

 

4.2 Inconstitucionalidade do art.º 135-B do CIMI

Alega ainda a Requerente que o art.º 135º-B será inconstitucional por violação do princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva, quando interpretado no sentido de permitir a tributação de um sujeito passivo relativamente aos prédios que detém para o exercício de atividades de compra e venda de imóveis, que se destinam à prossecução de uma atividade económica que constitui o seu objeto social.

Isto porque a tributação nestes casos constitui um tratamento discriminatório gerador de diferenciações desproporcionadas e inadequadas entre contribuintes porque o legislador o que pretendeu foi tributar a riqueza, manifestada pela capacidade de uso ou fruição, e não o simples ato de detenção como objeto de uma atividade comercial. Na verdade, o direito de propriedade de um imóvel afeto a realização de finalidades sociais não permite que o seu proprietário faça dele gozo pessoal.

Portanto, a lei tem de ser interpretada por forma a tratar de forma desigual o proprietário que não pode fazer uso ou usufruir daquele que o pode fazer pois não destina os imóveis a comércio.

A intenção do legislador foi a de não aumentar a carga fiscal sobre sectores produtivos, visando fomentar as necessidades de investimento e de crescimento económico, mesmo que detentores de património imobiliário de elevado valor, mas a de tributar apenas os proprietários que manifestam através da propriedade uma especial capacidade contributiva.

Também estas teses mereceram já aprofundada análise em inúmeras decisões do CAAD e do próprio Tribunal Constitucional, cujas conclusões se subscrevem, afirmando-se desde que a Requerente não tem razão. Aliás, todos os Acórdãos Arbitrais citados abordam a questão com um entendimento diferente do que se pretende obter da leitura da lei por parte da Requerente.

Em primeiro lugar há que ter em conta que a lei não assentou o seu critério de incidência em questões relacionadas com a afetação dos imóveis a tributar, mas tão só excluiu da tributação aqueles que, segundo o CIMI estão classificados nas matrizes como comerciais, industriais ou para serviços ou “outros”.

Como refere o Acórdão nº 420/208-T, “ … A redação do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica.

A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ao funcionamento das pessoas coletivas.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afetação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afetos à atividade das pessoas coletivas não relevem para a incidência do AIMI.

Por isso, é de concluir que a afetação dos imóveis às atividades económicas de pessoas coletivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI).

Ao contrário do afirmado, não constituiu finalidade da lei tributar a riqueza decorrente do direito de propriedade ou uso de imóveis de elevado valor. A justificação da definição destas regras de tributação foi apenas de natureza económico tributária tendo em vista reforçar os recursos da Segurança Social.

Subscrevendo as teses deste Acórdão concordamos que “ Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituídos por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP.

… O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objetiva e racional.

… A capacidade contributiva das pessoas coletivas empresariais, relevante à aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da atividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta ótica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais» .

Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a atividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas atividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas atividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das atividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe proteção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das atividades criadoras de riqueza.

Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta a tributação a umas empresas e não a outras com mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade.

Esta interpretação é a que, no essencial, o Tribunal Constitucional veio sufragar nos Acórdão nº 299/2019, de 21/05 e Ac. nº 399/2019, de 04/07, que no primeiro destes arestos acrescenta: “… Sem embargo, a relação de igualdade pressuposta na norma de incidência não tem o mesmo conteúdo que a relação de igualdade exigida pela norma de não incidência. Aquela norma, porque descreve o facto gerador da obrigação tributária, não pode deixar de atender à força económica que o contribuinte tem para suportar o imposto; já a norma de não incidência, porque define um elemento negativo do tipo legal do facto tributário, deve atender ao critério escolhido pelo legislador na delimitação desse elemento negativo. Ou seja, as normas diferenciam-se tanto pelos seus efeitos quanto pelas suas finalidades: enquanto a norma de incidência representa uma interferência na esfera patrimonial do contribuinte, referindo-se à retirada da prestação pecuniária do contribuinte para o Estado, a norma de exclusão tributária projeta efeitos económicos mais abrangentes, de que a mitigação do impacto negativo na esfera patrimonial do contribuinte é instrumento; enquanto a norma de incidência tem por objetivo a arrecadação de receita, a norma de não incidência funcionaliza o tributo a outras finalidades”.

Tendo em conta esta jurisprudência que se acolhe, não procede, pois, a alegada inconstitucionalidade do art.º 135º-B do CIMI quanto à violação do princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva.

 

V - Matéria de conhecimento prejudicado

 

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso da importância paga acrescido de juros indemnizatórios.

 

VI - Decisão

Pelo exposto, o Tribunal decide:

a.            Julgar improcedente o pedido arbitral;

b.            Não julgar inconstitucional a disposição do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI;

c.            Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

d.            Condenar a Requerente no pagamento da taxa arbitral.

 

VII - Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em 3 151,09€, nos termos do 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força do nº 3 do art.º 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII - Custas

Taxa arbitral a cargo da REQUERENTE, que se fixa em 612,0€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento citado.

 

Lisboa 16 de outubro de 2019

 

O Árbitro Singular

José Ramos Alexandre