Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 637/2020-T
Data da decisão: 2021-07-12  IVA  
Valor do pedido: € 985.323,99
Tema: IVA – Locação Financeira.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1.            A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que a Requerente interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ...2018... que a mesma apresentou contra os atos de autoliquidação de IVA praticado na declaração periódica de dezembro de 2015, no montante € 985 323,99, na medida em que a considera ilegal, nos termos e fundamentos expostos na sua petição que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

2.            O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro e veio a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD em 17/11/2020, notificado à AT na mesma data.

3.            Nos termos e para efeitos do disposto no nº 2 alínea a) do artigo 6º e do nº 1 alínea a) do artigo 11º, ambos do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos prazos legalmente aplicáveis, foram, em 11/01/2021, designados: Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Árbitro Presidente; Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, Árbitro auxiliar e o licenciado Arlindo José Francisco, Árbitro auxiliar, que comunicaram a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

 

4.            As partes foram notificadas das aludidas designações, não tendo qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o tribunal a ser constituído em 03/05/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro. 

5.            Com o seu pedido visa a Requerente a revogação do ato de indeferimento do recurso hierárquico que a Requerente interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ...2018... e consequentemente a anulação parcial da autoliquidação de IVA, montante de € 985 323,99 efetuada pela Requerente na declaração periódica de imposto relativa a dezembro de 2015.

6.            Suporta o seu ponto de vista, em síntese, que sendo uma instituição de crédito que presta serviços financeiros que dão direito à dedução, como é o caso de operações de locação financeira mobiliária, e que realiza simultaneamente operações que não conferem esse direito, como seja operações de concessão de créditos enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA, verificou que não estava a exercer plenamente o direito à dedução que lhe assistia, nos termos dos artigos 20.º e 23.º do Código do IVA, porquanto não incluíra os montantes relativos à componente de amortização financeira na determinação da percentagem de dedução relativamente aos contratos celebrados, das atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas.

7.            Refere a Requerente que desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2015, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados, em resultado do instruído pelo ponto 9 do Oficio-Circulado nº 30108 de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso.

8.            Daqui resultou o apuramento de uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2015 de 2% (dois por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 16.422.066,50), se materializou no valor de € 328.441,33 de IVA dedutível e caso tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução seria de 8% e não 2%, como sucedeu e o IVA  a deduzir seria de € 1.313.765,32.

9.            Concluindo que a autoliquidação em questão do ano 2015 deverá ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro decorrente da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos emanados pela AT, não foi deduzido e que corresponde a € 985.323,99, valor que lhe deverá ser devolvido por indevido acrescido dos competentes juros indemnizatórios, legalmente previstos.

10.          Por sua vez a AT e também em síntese, considera que o presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser declarado improcedente por não provado, absolvendo-se a Requerida do pedido com as devidas e legais consequências.

11.          Suporta o seu ponto de vista no facto do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

12.          Que esta disposição legal, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta diretiva, quando ali se estabelece que “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”.

13.          Por último os custos que diz incorrer a Requerente para o apoio na disponibilização das viaturas, designadamente cal centers, software, bem como através dos recursos inerentes aos 324 balcões que possui em território nacional com os contratos de locação financeira, não os quantifica nem justifica.

 

 

                II – SANEAMENTO

 

 

           O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2º nº 1 alínea a) e artigo 5º nº 1 e 2, ambos do RJAT.

O Tribunal decidiu marcar a prolação da decisão para 12 de Julho próximo, considerando desnecessário o reenvio prejudicial por considerar que a Jurisprudência do TJUE sobre esta matéria fornece os elementos suficientes para a aplicação do direito europeu a este litígio e considerou ainda desnecessária a inquirição de testemunhas por entender que a prova documental junta aos autos é suficiente.

                Assim, tendo em conta que as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e10º nº 2, ambos do RJAT, não enfermando o processo de nulidades e não havendo questões prévias a apreciar, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

                    III – FUNDAMENTAÇÃO

 

                1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos são as seguintes:

 

a)            Decidir se a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de dezembro de 2015, deverá ser parcialmente anulada no montante € 985.323,99, em virtude de ter sido usada a percentagem de dedução de 2%, em cumprimento de instruções da AT, quando deveria ter sido usado a de 8% percentagem que se coaduna com o direito europeu, como pretende a Requerente ou, se pelo contrário a autoliquidação em causa, deverá ser mantida na ordem jurídica, como pretende a AT, por estar em conformidade quer com o direito interno quer com o europeu. 

b)           Se em caso de anulação parcial pretendida e consequente devolução à Requerente do aludido montante a mesma deverá ser acompanhada de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.  

 

          2 – Matéria de facto       

a)            A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

b)           No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento, concessão de crédito e as relativas a pagamentos.

c)            A Requerente para efeitos de IVA, é um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma, caracterizando-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução e também realiza operações no âmbito da atividade financeira, a qual é isenta do imposto nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma .

d)           Relativamente ao exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante a Requerente nas situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre os inputs e outputs, usou o método da imputação direta a que alude o nº 1 do artigo 20º do CIVA, como foi o caso dos contratos de locação financeira.

e)           Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a ora Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.

f)            Nos casos em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinados inputs e outputs quando conseguiu determinar critérios objetivos do grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, como foi o caso da aquisição de Terminais de Pagamento Automático, utilizando os critérios e instruções da AT, apurando uma percentagem de 2%.

g)            A referida percentagem de 2%, coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2015, foi apurada em estrita consonância com o manual de procedimentos que diz utilizar em todos os processos de leasing de forma a assegurar a harmonização da tramitação nos diversos contratos de leasing, que juntou e na estrita observância do preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, e 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA da AT.

h)           Tendo constado que o método imposto pelo referido Ofício-circulado não traduz o efetivo consumo de recurso de utilização mista, deixando de fora as amortizações financeiras do leasing, o que levou a Requerente a rever o apuramento da aludida percentagem de 2% e a recalcular uma de 8% e deste modo chegou ao apuramento de IVA pago em excesso e incluído na autoliquidação de dezembro de 2015 no montante de € 985 323,99. 

i)             Face a esta constatação a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do mês de dezembro de 2015, suportada no facto de não ter incluído o valor das amortizações financeiras, que incluídas levam ao apuramento da percentagem de 8% e à anulação de IVA a mais liquidado no montante já referido de € 985 323,99 cuja devolução pretende acrescido dos competentes juros indemnizatórios.

j)             A referida reclamação veio a ser indeferida, tendo a Requerente apresentado recurso hierárquico contra esta decisão, que também veio a ser indeferido, conforme despacho de 04/08/2020.

    

 

 Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada e pertinente para a decisão da causa, fundando-se nos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites.

       Não consideramos a existência de outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

3 – Matéria de Direito

 

 

Resulta da matéria de facto dada como provada que a Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, e operações de locação financeira, que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada para esse efeito como um sujeito passivo misto.

O que está em causa no dissenso das partes é método do apuramento do pro rata definitivo para a dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista. Deverão ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo o valor total da renda ou somente a parte correspondente aos juros que constitui o proveito do locador?

Segundo a perspetiva da Requerente, retira-se do artigo 73.º da Diretiva IVA e da  alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA que, no âmbito de contratos de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário constitui o valor tributável para a incidência de IVA  e que o ofício circulado n.º 30108, sofre de ilegalidades ao impor o método da afetação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa prevê, nº 3 do artigo 23º do CIVA, sempre que a aplicação do pro rata  conduza a distorções significativas na tributação e também quando não há  possibilidade de aplicar a afetação real impõe a utilização de uma percentagem de dedução que no seu cálculo exclui uma parte do valor da operação de locação financeira o que contraria o artigo 174º da Diretiva IVA e os nºs 4 e 5 do artigo 23º do CIVA.

Assim, as instruções do Ofício-Circulado em questão, que a Requerente observou na autoliquidação aqui posta em crise, desrespeitam as disposições contidas no já citado artigo 23º do CIVA e violarão mesmo o nº 2 do artigo 103 da Constituição e colide com o direito europeu, nomeadamente comos artigos 173º e 174º da Diretiva IVA, devendo a referida autoliquidação ser corrigida e autorizada a regularização de IVA respeitante a 2015, nos termos aduzidos pela Requerente.

Em apoio do seu ponto de vista refere que em decisão de Tribunal do CAAD, Processo 309/2017, entre outros, foram consideradas ilegais as autoliquidações aí impugnadas, uma vez que concluiu que o CIVA não permite a adoção de qualquer percentagem dedução apurada em moldes diferentes dos previstos no nº 4 do artigo 23 do CIVA, pelo que o método previsto no ponto 9 do ofício Circulado 30108, já referido, sofre do vício de violação de lei, em virtude de errada aplicação do método de cálculo do pro rata, pelo que não deverá ser seguido.

Apoiada ainda na jurisprudência mais recente do TJUE, acórdão Volkswagen Financial Services, a Requerente vem sustentar que a desconsideração da componente de capital, incluída nas rendas decorrentes da actividade de leasinge de alugueres de longa duração, no cálculo do pro rata de dedução é inadmissível à luz dos princípios que enformam a mecânica do IVA.

Relativamente à pronúncia recente do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão aqui discutida, no âmbito do Recurso de Uniformização de Jurisprudência formulado no processo n.º 052/19.0BALSB, conforme acórdão de 4 de março de 2020, no qual refere que a norma do nº 2 do artigo 23º do CIVA, permite que a AT imponha condições especiais quando se verifiquem distorções significativas na tributação, reproduzindo a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º da Diretiva IVA, quando ali se estabelece que os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços, mas daqui não resulta que o Douto Tribunal não reconhece validade incondicional aos critérios de imputação específicos construídos por modelação do pro rata, tal como também não o faz o TJUE. Considera que a sua validade dependerá da demonstração de que esses critérios de imputação produzem resultados mais precisos que o método da percentagem e que a aplicação do método da percentagem pode por isso gerar distorções significativas na tributação, no caso concreto a autoliquidação de IVA efetuada pela Requerente, nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2015, originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de € 985.323,99,o que deverá, ser corrigida, conforme de Direito.

Por sua vez a AT resume a questão em saber se as disposições contidas no nº 2 do artigo 23 do CIVA, estão ou não em consonância e reproduzem em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta Diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.» e se os custos em que a Requerente incorre com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos aludidos contratos.

A ambas as questões a AT, responde afirmativamente, considerando que

 só o valor dos juros e encargos associados à locação é que estariam relacionados com os custos de aquisição de bens e serviços utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução, devendo ser apenas consideradas aquelas variáveis na determinação da percentagem de dedução, sob pena de se constatarem distorções na tributação. Deste modo, em sintonia com o entendimento ensaiado no acórdão Banco Mais do TJUE, a Autoridade Tributária considerou que seria aplicável um coeficiente de imputação específico nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA que teria a virtualidade de excluir a componente de capital da determinação da percentagem de dedução no âmbito da aplicação do método da afetação real, daqui resultando a manutenção da autoliquidação inicialmente efetuada pela Requerente, que seguiu e bem do ponto de vista da AT as instruções do ofício circulado 30108, nomeadamente no seu ponto 9.

Como se sabe a jurisprudência do CAAD, nomeadamente no Processo n.º 309/2017, seguidas de outras sobre a matéria aqui em causa nos autos, foi sempre no sentido da ilegalidade dos atos tributários praticados pela AT, resultante das instruções do ofício circulado 30103, face à violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 23º do CIVA, porém o STA, tem vindo a produzir jurisprudência uniformizadora, designadamente no seu Acórdão de 04/030/2020 –Pº 052/19. OBALSB, e a partir daqui o entendimento dos Tribunais do CAAD, modificou-se, nomeadamente no Pº 709/2019 do CAAD, entre outros, que acompanhamos e que  com a devidamente vénia transcrevemos:

 “Como é salientado pela Requerente, a jurisprudência do CAAD, inaugurada pelo o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017, e seguida por diversas outras decisões arbitrais, aponta no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo ofício-circulado n.º 30103, por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA, com base essencialmente nos seguintes considerandos. Embora a norma de direito europeu admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. Ora, é claro que que não é com base no valorparcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução. Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes deum contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4). Admite-se, assim, que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. 7. No entanto, este entendimento não tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 1017/12, em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia pelo TJUE no caso Banco Mais, o STA conclui do seguinte modo: “o Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-183/13 esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista –como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns»se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, -é possível calcular o pro ratada forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira. Essa orientação foi depois seguida nos Acórdãos da Secção de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17) e confirmada no recente acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), fundado na contradição existente, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre decisão arbitral (decisão recorrida) e o citado acórdão do STA de 15 de Novembro de 2017 (acórdão fundamento). Para assim concluir, o acórdão de uniformização de jurisprudência, na parte que mais interessa considerar, refere o seguinte. Como já se esclareceu no acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro ratade dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica

que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). -parágrafos 25 e 26. Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA –artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”. Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro ratado imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que parao cálculo do pro rataapenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.Importa, por outro lado, ter presente que o método específico de imputação do pro rata, implicando que apenas possa ser deduzida, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, na linha o acórdão Banco Mais, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. E nesse sentido o STA em diversos casos, como sucedeu no acórdão de uniformização de jurisprudência, tem vindo a devolver o processo aos tribunais de instância para efeito de ampliação da matéria de facto em vista a apurar se a utilização de bens e serviços mistos “é sobretudo determinada” pelas operações de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, ou, o invés, pela disponibilização dos veículos.A questão, todavia, não se coloca no presente processo. De facto, a Requerente enuncia como questão essencial a decidir a de saber de a Autoridade Tributária se encontra legitimidada pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IVA um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização. E não alegou quaisquer factos que permitam ao tribunal apurar, em sede de matéria de facto, se os custos gerais são preponderantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou pela alienação dos bens locados. Ora, a questão de direito que vem colocada obteve já resposta do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, em termos a que o tribunal arbitral não pode deixar de aderir, ao consignar que a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a Administração não está impedida de considerar que, no cálculo do pro ratadas operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda”.

 

Acompanhamos de perto a decisão aqui tomada que vem na linha da jurisprudência do STA, reconhecemos que a norma do nº 2 do artigo 23º do CIVA procedeu à transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, pelo que a autoliquidação impugnada não padece das ilegalidades que lhes são imputadas e como tal deverá permanecer na ordem jurídica bem como o ato de indeferimento do recurso hierárquico.

 

 

4- Juros indemnizatórios

 

  Quanto ao pedido de juros indemnizatórios face à conclusão a que se chegou anteriormente, fica prejudicado o conhecimento do pedido.

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto o Tribunal decide:

a)            Declarar o pedido de pronúncia arbitral improcedente, mantendo-se na ordem jurídica a autoliquidação impugnada, respeitante a IVA, do mês de dezembro de 2015, no montante de € 985 323,99, bem como o ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a reclamação graciosa ...2018... .

b)           Fixar o valor do processo em € 985 323,99, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 e 4 do CPC, 97-A nº 1 alínea b) do CPPT e 3º nº 2 do RCPAT.

c)            Fixar as custas no montante de € 13 770,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerente, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

Notifique,

 

Lisboa, 12 de Julho de 2021

 

O Presidente do Tribunal

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

O Árbitro Vogal

Professor Doutor Luís Meneses Leitão

 

O Árbitro Vogal

Lic. Arlindo José Francisco