Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 632/2018-T
Data da decisão: 2019-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 1.822.740,09
Tema: IRC – Concessões de sistemas multimunicipais – Transição para o SNC. Caso julgado material.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. José Luís Ferreira e Prof. Doutor Henrique Fiúza, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6-03-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., SA, sociedade com o número de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na ..., ..., em ..., ...-... ... ..., (adiante simplesmente designada “Requerente”, ou “A...”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2014, consubstanciado na liquidação de IRC com o n.º 2018..., de 02-08-2018, correspondente demonstração de liquidação de juros com o n.º 2018..., e respetiva demonstração de acerto de contas identificada pela compensação n.º 2018... de 06-08-2018, no valor de € 1.822.740,09.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-12-2018.

Em 05-02-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou ter sido revogado parcialmente o acto impugnado e requereu «que seja fixado o valor da ação em conformidade com o ora peticionado pela Requerente, atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, assim como ao artigo 296.º e n.º 1 e 2 do artigo 297.º, artigo 306.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do artigo 29.º RJAT».

Na sequência da revogação parcial, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma nova liquidação, com o n.º 2019..., datada de 04-02-2019, e o documento de acerto de contas n.º 2019..., datado de 06-02-2019.

Notificada da referida revogação parcial, a A... veio, em 21-02-2019, declarar que pretende o prosseguimento do processo tendo por objecto a nova liquidação e requereu que «a retificação valor da ação, devendo ser considerado, para todos os efeitos, o valor da liquidação sobre a qual se requer a continuação do presente procedimento - € 131.253,10 -, ato tributário, que constituirá, na sequência da revogação do ato de liquidação originalmente impugnado, o efetivo objeto do litígio, com o consequente reembolso da taxa de arbitragem paga em excesso».

Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-03-2019 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26-03-2019.

Em 07-03-2019, a A... veio apresentar nova fundamentação e juntar documentos, pedindo a «declaração da ilegalidade do ato tributário ora contestado e em consequência a determinação da sua anulação, com o consequente reembolso do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios e ainda o pagamento da consequente indemnização por garantia indevida prestada relativamente ao 1.º Ato tributário, inicialmente contestado, e demais consequências legais».

                A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento com nova fundamentação apresentado pela A..., defendendo a improcedência do pedido.

Por despacho de 05-06-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

Tendo a A..., na nova fundamentação que apresentou, invocad0 a decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T e a violação do princípio da segurança jurídica, porque, em suma, «a administração tributária, efetua agora uma correção no montante de € 383.977,55, a qual já anulada por si em cumprimento e conformidade com a decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, referente ao IRC de 2011 da Requerente», por despacho de 12-07-019, foram notificadas as Partes para informarem se têm conhecimento de ter sido apresentada impugnação ou interposto recurso da decisão arbitral referida e, em caso afirmativo, juntarem ao processo documento comprovativo, sob a cominação de, em caso de não apresentação, se poder vir a entender que o referido acórdão transitou em julgado.

A Requerente veio informar que não tem conhecimento de ter sido apresentada impugnação ou interposto recurso da decisão arbitral referida e a Autoridade Tributária e Aduaneira nada veio dizer.

Em 05-09-2019, foi proferido despacho em que «em face da informação do Sujeito Passivo, que não foi contrariada pela Autoridade Tributária e Aduaneira» se concluiu «que a decisão arbitral de 01-03-2017, proferida no processo n.º 72/2016-T terá transitado em julgado».

Nesse despacho referiu-se que pode vir a colocar-se a questão da relevância dessa decisão para a decisão do presente processo, inclusivamente a título de caso julgado formal ou caso julgado material» e foram notificadas as Partes para se pronunciarem sobre esta questão, querendo, no prazo de 10 dias.

Apenas a Requerente se pronunciou, defendendo que, em suma, que o respeito pelo princípio do caso julgado impõe que se conclua pela ilegalidade do acto tributário contestado.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

A)           A Requerente foi constituída em 14-09-1998 e tem como objeto social a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais do Sistema Integrado de Despoluição do ... (SID...);

B)           Em 29-10-1998, a C... (“C...”) e a A... celebraram, por escritura pública, o contrato de concessão para a exploração e gestão, em regime de exclusividade, do SID... que à data servia os municípios de ..., ... e  ... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           Este contrato foi celebrado pelo prazo de 25 anos a contar da data de consignação definitiva das infraestruturas existentes do sistema (n.º 1 do artigo 65.º do Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

D)           A consignação definitiva das infraestruturas que integravam o SID... ocorreu a 01-08-2000 (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            O objeto da concessão integrava, na área de intervenção, a “exploração e gestão, em regime de exclusividade, do serviço público de drenagem, depuração e destino final das águas materializado pelo SID... a reabilitação de infra-estruturas existentes que dela careçam e a execução de novas infra-estruturas de acordo com o Plano Previsional de Execução Física de Infra-estruturas relativo à Hipótese B prevista no Programa de concurso (…)” (art. 4.º, do Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

F)            O contrato de concessão define ainda que o objeto da concessão “apenas inclui o financiamento, nos termos do disposto no artigo 68.º deste contrato, a concepção, a execução e a exploração de uma solução definitiva para o destino final de lamas e as segundas fases das Estações de Tratamento das Águas Residuais de ..., ... e ..., conforme Programas 2 e 3 definidos no Plano Previsional de Execução das Infra-estruturas relativas ao Tratamento, ao Destino Final das Lamas e à Reutilização dos Efluentes Líquidos (…)”(n.º 2 do artigo 4.º do Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

G)           De acordo com o n.º 1 do artigo 48.º do contrato de concessão, “Na prestação do Serviço Público cujo exclusivo é concedido pelo Contrato, a Concessionária obriga-se a cumprir o Plano Director de Infra-estruturas e seus futuros eventuais ajustamentos, em conformidade com o artigo 68.º” (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

H)           De acordo com o n.º 1 do artigo 68.º do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente), “A Concessionária executará o esquema financeiro constante do estudo económico constante da sua proposta, relativa à Hipótese B e tal como definida no número 2 do artigo 4.º, nos aspectos correspondentes à exploração do serviço concedido, o qual faz parte integrante deste Contrato;

I)             Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente), “O esquema referido nos números anteriores está organizado tendo em conta as seguintes fontes de financiamento: a) O capital da Concessionária e outros capitais próprios, designadamente suprimentos ou prestações suplementares de capital; b) As comparticipações financeiras e os subsídios concedidos à Concessionária; c) As receitas provenientes das tarifas ou valores garantidos cobrados pela Concessionária; d) Outras fontes de financiamento, designadamente capitais alheios veiculados em regime de “project finance”, dívida subordinada, sénior ou papel comercial.

J)            O artigo 68.º do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente) prevê ainda, no seu n.º 5 que “Se à Concessionária não forem disponibilizadas oportunamente as verbas oriundas das fontes de financiamento referidas na alínea b) do número anterior ou outras, obriga-se ela a financiar integralmente os custos das infra-estruturas de tratamento de lamas, tal como definidas no Plano Director de Infra-estruturas”;

K)           Mais se refere, no n.º 7 do mesmo artigo 68.º do contrato de concessão que “No caso de, tal como previsto no n.º 5 deste artigo, serem disponibilizados fundos para subsidiar as infraestruturas de tratamento de lamas, a Concessionária obriga-se a comparticipar no financiamento das restantes obras, num montante global equivalente ao dos fundos disponibilizados”;

L)            No artigo 69.º, n.º 1, do mesmo contrato, que regula os princípios gerais e critérios para a fixação das tarifas e taxas, refere-se que “O serviço prestado pela Concessionaria será pago por quem o utilizar, em conformidade com as Tarifas e Taxas aprovadas pela Concedente”;

M)          No n.º 2 o mesmo artigo 69.º refere-se que “Às tarifas correspondem os preços de cada metro cúbico de água residual afluente aos coletores, medida nos termos do artigo 15.º”;

N)           No n.º 4 do mesmo artigo 69.º refere-se que “As tarifas serão fixadas por forma a segurar a protecção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico-financeiro nos termos do modelo financeiro da sua proposta e as condições necessárias para a qualidade do serviço durante e após o termo da concessão”;

O)           No n.º 5 do artigo 69.º do contrato refere-se o seguinte:

“A fixação das tarifas deverá: a) Assegurar, dentro do período de Concessão, a amortização do investimento a cargo da Concessionaria; b) Assegurar a manutenção, a reparação e a renovação de todas as infra-estruturas e outros bens afectos à Concessão; c) Assegurar a amortização, tecnicamente exigida, de eventuais novos investimentos de expansão ou modernização do Sistema, especificamente incluídos nos planos de investimento amortizados; d) Atender ao nível de custos necessários para uma gestão eficiente do Sistema e à existência de receitas não provenientes da Tarifa; e) Assegurar uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária”;

P)           Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do contrato, “As Tarifas e Taxas a vigorar no início do Contrato, são as que se apresentam no Anexo L do presente contrato”;

Q)           O artigo 74.º do contrato de concessão prevê a “alteração extraordinária das Tarifas e Taxas”, “Com o objetivo de manter as condições económico-financeiras do Contrato”, desde que se verifique alguma das ocorrências previstas”;

R)           Por ofício n.º .../2002, de 04-03-2002, a Concedente notificou a Requerente da interpretação que fazia do artigo 68.º do Contrato de Concessão, esclarecendo que o investimento previsto se destinava preferencialmente ao tratamento de lamas, (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            De acordo com o estudo económico, que constitui parte integrante do contrato de concessão do SID..., a obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas ascendia a € 17.907.842,00 (somatório dos valores anuais relativos ao activo composto pelas infraestruturas de tratamento de lamas constante do Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T)            Por aditamento ao contrato de concessão de 20-04-1999, as partes afectaram um valor correspondente a € 2.493.989,00 relativos à obrigação de investimento à realização de qualquer obra a integrar no SID... e, bem assim, em virtude da não aplicação da fórmula de atualização tarifária, diminuíram o valor de investimento a realizar em € 997.596,00, ficando a obrigação de investimento global nos € 16.910.246,00.

U)           Ao abrigo desta obrigação a Requerente realizou investimentos em infraestruturas no montante global de € 1.724.500,00, ficando € 15.185.746,00 de investimento por realizar ao abrigo da obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas prevista no contrato de concessão;

V)           Em Maio de 2002 foi criado o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do ... (“Sistema Multimunicipal do ...”), cuja concessão foi adjudicada à B..., S.A (“B...”), através do Decreto-Lei n.º 135/2002, de 14 de Maio;

W)          O respetivo contrato de concessão foi celebrado em 21-10-2003;

X)           Este sistema multimunicipal, quer no que respeita ao seu âmbito geográfico, quer ao respectivo objeto de exploração, veio sobrepor-se ao SID...;

Y)            Com vista a salvaguardar a posição da Requerente enquanto concessionária do SID... foi estabelecido um protocolo de entendimento (em 24-03-2004) entre a A..., a C... a B... no âmbito do qual, entre outras, foi acordado prever uma alteração e definição de novos pressupostos sobre a obrigação de realização do investimento (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Z)            Posteriormente, foi celebrado um contrato de cessão da posição contratual de concedente no contrato de concessão de que a A... é concessionária da C... a favor da B...;

AA)        Em 04-06-2010, verificou-se a fusão-extinção, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41/2010, de 29 de Abril, mediante a transferência global do património das sociedades D..., S.A., E..., S.A., e B..., S.A, para constituição da sociedade F..., S.A (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

BB)         A F..., S.A. é a entidade responsável, em regime exclusivo, pela concessão da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do  ...(“Sistema Multimunicipal do ...”);

CC)         Este sistema multimunicipal veio substituir os sistemas multimunicipais de (i) captação, tratamento e abastecimento de águas do norte da área do Grande Porto, (ii) de abastecimento de água e saneamento do ... e (iii) de abastecimento de água e saneamento do ...;

DD)        Em consequência, a F..., S.A. assumiu a posição de concedente no contrato de concessão do SID...;

EE)         Ficou definido, por intervenção da accionista da F... (a G..., SA), que deveria proceder-se com a celeridade possível à execução do Protocolo, designadamente, à adequação do contrato de concessão às condições de exploração, conforme comunicação ADM/....2004 de 07 de Julho de 2010 (documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

FF)         A F... instruiu a A... no sentido de: i. A obrigação de financiamento da Concessionaria remanescente, inicialmente alocada aos investimentos do Plano Diretor de Infraestruturas deverá ser integralmente transferida para uma revisão do tarifário vigente; ii. Atendendo ao referido em i), vimos, nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 1, a), do Contrato de Concessão do SID... proceder a uma Alteração Extraordinária das Tarifas e Taxas, fixando a tarifa média prevista no Artigo 74.º, n.º 1 a) do Contrato de Concessão do SID... em 0,37€ /m3, a preços de 2015 com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014 e em termos a regular em Acordo a celebrar entre as partes; iii. A redução do tarifário referida em ii) produzirá efeitos até que se mostre esgotada a obrigação de financiamento designada em i)” (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

GG)       Por força deste acordo entre a Requerente e a Concedente, foi definido o momento a partir do qual deveria ser efetuado o pagamento da obrigação de financiamento assumida como contrapartida pelo direito da Concessionária de utilização exclusiva do SID..., que enformou o modelo económico da respetiva concessão (Documento n.º 11, junto pela Requerente).

HH)        A alteração das condições contratuais iniciais só veio a ocorrer em 2015, com efeitos retroactivos a 01-01-2014 (Documento n.º 11);

II)           Na sequência do acordado em 2015 sobre a redução da tarifa a cobrar pela Requerente à concedente, com efeitos retroactivos a 01-01-2014, a Requerente emitiu em 29-06-2015, a favor da concedente, a nota de crédito que consta do anexo X ao RIT (página 479 do processo administrativo digitalizado), cujo teor se dá como reproduzido, no valor de € 1.081.511,81, que resulta do volume de caudal facturado no ano de 2014 pela diferença de tarifa (€ 0,035/m3, resultantes da redução de € 0,4050/m3 para € 0,037/m3);

JJ)           A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2011;

KK)         Nessa inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que “No âmbito do contrato de concessão o Sujeito Passivo tem a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de 16.910.246,00 EUR, para a realização das infraestruturas e obras a integrar o SID...»; «Este valor foi reconhecido como uma provisão, dado o seu carácter incerto quanto à tempestividade, por contrapartida do “ativo intangível – obrigação de investimento” do Sujeito passivo, traduzindo o direito da concessionária de cobrar aos utilizadores um serviço público»; «Do investimento previsto, a concessionária realizou obras no valor de 1.724.500,10 EUR.»; «Nos termos do mesmo contrato de concessão, o Sujeito Passivo procedeu à constituição de uma provisão para substituição, que se destina a acorrer à realização de despesas futuras em renovação das infraestruturas da concessão, desde que se preveja serem de realização certa nos anos que restam do período de concessão»; «Assim o Sujeito Passivo reconheceu uma “provisão” no valor de 1.868.648,24 EUR, referente à responsabilidade de manter as infraestruturas num bom estado de funcionamento, por contrapartida do “ativo intangível”, uma vez que a tarifa cobrada aos utilizadores do serviço público remunera também esta obrigação.» [facto ff) referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, junta como documento n.º 6 com a «Nova fundamentação» apresentada pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido];

LL)          Nessa inspecção relativa ao exercício de 2011, os serviços de inspeção procederam às seguintes correções oficiosas em sede de IRC:

1 - Anulação do ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: €44.824,64;

2 - Consideração da variação patrimonial negativa associada ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: -€3.687,58

3 - Obrigação de investimento – reversão da amortização do “Acréscimo de custos” não aceite para efeitos fiscais após a transição para o SNC: €383.977,35

4 - Correção da atualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição: €49.736,50

5 - Obrigação de investimento – correção da amortização do exercício do ativo intangível: €546.887,19

6 - Coimas e demais encargos pela prática de infracções: €275,50 [facto gg) referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, junta como documento n.º 6 com a «Nova fundamentação» apresentada pela Requerente];

MM)     Nessa inspeçcão relativa ao exercício de 2011, a metodologia seguida pelos serviços de inspeção da AT foi, pela ordem descrita: a) Validar o ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de activos fixos tangíveis, b) Apurar em seguida as variações patrimoniais – regime transitório – artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, c) Validar o acréscimo ao lucro tributável inscrito no campo 721 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22; d) Validar as amortizações do ativo intangível; e) Proceder a outros ajustamentos ao lucro tributável (coimas e demais encargos pela prática de infrações e donativo) [facto hh) referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, junta como documento n.º 6 com a «Nova fundamentação» apresentada pela Requerente];

NN)       Por decisão proferida no referido processo arbitral n.º 72/2016-T, que consta do documento n.º 6 com a «Nova fundamentação», cujo teor se dá como reproduzido, foi decidido «julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação de IRC relativo ao ano de 2011, no que se refere à correção relativa ao desreconhecimento de passivo (obrigação de investimento) no montante de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1], anulando-se, em consequência, na parte correspondente, o ato de liquidação de IRC e juros compensatórios objeto de impugnação na presente ação»;

OO)       Na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-R entendeu-se, além do mais, o seguinte:

No que respeita à reversão dos acréscimos reconhecidos em POC e relativos à obrigação de investimento contratual estes deviam ser desreconhecidos, mas apenas para efeitos contabilísticos e não fiscais.

Para efeitos fiscais importaria ter reconhecido o total da obrigação de investimento ainda por realizar e não “amortizada” até ao ano da transição, proporcionalmente repartida pelo número de anos do contrato que ainda faltavam ocorrer (2010-2025).

Fiscalmente foi aceite até 31.12.2009, que a obrigação de investimento mesmo que não realizada fosse amortizada para efeitos fiscais, conforme Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Para as obrigações de investimento ainda não consideradas do ponto de vista fiscal, o legislador decidiu atribuir-lhe relevância ao abrigo do art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. O montante da obrigação de investimento que ainda faltava “amortizar” do ponto de vista fiscal à data da transição (2010), devia ser repartido para efeitos fiscais durante o período remanescente do contrato.

A opção de relevância fiscal da obrigação de investimento por realizar, estava condicionada pela verificação que essa obrigação tivesse tido relevância fiscal nos períodos anteriores à transição do POC para o SNC (até 2009). Pressuposto que se verifica no caso em apreço, como resulta dos relatórios e contas da A… e é reconhecido na p. 15 do Relatório de Inspeção (ver, ainda, o ponto 11 dos factos dados como provados).

Como ficou amplamente demonstrado, este tratamento fiscal atribuído às obrigações de investimento ainda por realizar (antes de 2010 e após essa data) é um tratamento fiscal excecional que pode ser explicado pelas especificidades associadas ao tarifário das entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos.

Para a definição dessa tarifa, conforme disposto no contrato de concessão, concorrem, entre muitos outros fatores, as referidas obrigações de investimento que cabem à concessionária, e, por conseguinte, esse valor releva na definição do rendimento fiscal (tarifa a considerar).

Também, o facto de se assumir que essas obrigações têm necessariamente de ser cumpridas antes do término do prazo da concessão, não importando, portanto, o momento concreto da efetiva realização do investimento, tem como justificação a forma de definir a tarifa e logo o tratamento especial que o legislador fiscal sempre lhe resolveu atribuir (antes e após a transição dos normativos contabilísticos).

Se, eventualmente, não existisse uma disposição contabilística (antes de 2010) e fiscal (antes e após 2010) que admitisse que esses custos/gastos concorressem ao longo de todo o período da concessão, as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos, podiam ter que alterar abruptamente as tarifas de um período para outro, na medida em que as mesmas tivessem associadas à efetiva realização do investimento, ou mais concretamente à depreciação/amortização dos investimentos efetivamente realizados.

É, assim, compreensível que, em nome do necessário balanceamento de custos/gastos e proveitos/rendimentos fiscais, o legislador fiscal tenha vindo a aceitar que as obrigações de investimento, ainda que não realizadas - mas de realização obrigatória - possam contribuir, do início ao termo do contrato de concessão, para a definição da tarifa, e, por essa via, para o rendimento da entidade, logo também decidiu considerar gastos relativos à obrigação de investimento, ainda que esta não estivesse efetivamente realizada. A solução adotada visava adequar, balanceando, proporcionalmente os rendimentos/proveitos fiscais e os gastos/custos fiscais, ao longo de todo o período do contrato.

Conforme tivemos oportunidade de referir supra, este regime especial de “amortização” das obrigações de investimento, previsto no referido art. 5.º- A, só poderá ser aplicado a partir da data da transição para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei [DL n.º 159/2009, de 13 de Julho].

Deste modo o preceito não se aplicará às entidades que estabeleçam contratos de concessão depois de 2010. E também não poderá ser aplicado a entidades que antes da transição não tivessem vindo a beneficiar do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até 31.12.2009.

No caso em apreço, a AT assumiu (ponto VI do Relatório de Inspeção, p. 7) que a obrigação de investimento já amortizada do ponto de vista fiscal não concorria para efeitos fiscais ao abrigo do disposto no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 (ponto V do relatório de inspeção, p. 7). Por esse facto corrigiu a base tributável do contribuinte em resultado do desreconhecimento das “amortizações” fiscais da obrigação de investimento, reconhecidas como custos fiscais entre 1998 e 2009 [(alínea a))].

A AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, ao desreconhecer o passivo (acréscimo de custos) relativo às obrigações de investimentos, reconhecido anteriormente como acréscimo de custos/gastos e que tinha tido efeitos fiscais nos períodos anteriores, como temos vindo a salientar, atento o disposto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. Assim, estes custos tinham tido anteriormente relevância fiscal e, mesmo após a transição, devem continuar a tê-la.

Por se tratar de uma questão de direito (aplicação da lei fiscal correta) entende-se que não assiste razão à AT na correção efetuada no valor de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1].

Termos em que procede o pedido da Requerente, quanto à ilegalidade da liquidação impugnada, na parte correspondente à referida correção.»;

 

PP)         Relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu nos termos que constam do documento n.º 7 junto com a «Nova Fundamentação», cujo teor se dá como reproduzido;

QQ)       A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2014, iniciada em 21-03-2018 e em que foram sancionadas em 09-07-2018 as conclusões do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) nela elaborado;

RR)         Nesse RIT relativo ao exercício de 2014, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - 1.4.2 CONTABILIZAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURAS A INTEGRAR NO SID... ATÉ AO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2009, INCLUSIVE

Até 2009-12-31, o Sujeito Passivo repartiu os custos (gastos) para a realização das infraestruturas e obras a integrar no SID... (obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar no SID...) pelo número total de anos da concessão, sendo as respetivas quotas-partes consideradas como custos de cada exercício, na conta de Fornecimentos e Serviços Externos, e acumuladas no passivo, na rubrica Acréscimos de Custos, conforme está descrito na subalínea iii) da alínea d) da nota 3 do Anexo as Conta do período de 2009 (cfr. Anexo 5: folha 13 - Relatório e Cantas 2009 - Página 46).

Os investimentos entretanto efetuados, ao abrigo da referida obrigação contratual, foram registados na respetiva conta do Imobilizado Corpóreo e amortizados de acordo com a vida útil dos bens ou pelo prazo da concessão, se inferior à vida útil. A correspondente amortização (custo) foi sendo registada na conta Amortizações do Exercício. O mesmo montante foi creditado na conta Fornecimentos e Serviços Externos - Obrigações Contratuais (evitando-se assim uma duplicação de custos) por contrapartida de Acréscimo de Custos - Obrigações Contratuais, conforme está descrito na subalínea iii) da alínea d) da nota 3 do Anexo às Conta do período de 2009 (cfr. Anexo 5: folha 13 - Relatório e Contas 2009 - Página 46).

Assim, em 2009-12-31, o saldo da conta Acréscimo de Custos - Obrigações Contratuais, que expressa os montantes dos custos/gastos imputados a períodos até 2009, referente à obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar no SID..., ascendia ao montante de 6.143.637,57 EUR, conforme nota 50 do Anexo ao Relatório e Contas de 2009 (cfr. Anexo 5: folha 15 - Relatório e Contas 2009 - Página 54) (o montante inscrito no Relatório e Contas de 2009 encontra-se arredondado).

Significa isto que, desde o início da concessão e até 2009, o Sujeito Passivo relevou em gastos dos períodos o montante total de 6.143.637,57 EUR, no pressuposto de que iria realizar investimentos nas infraestruturas do SID... em períodos posteriores (até ao fim da concessão), investimentos que não ocorreram e que se verifica agora (reportados a 2014) que não irão ocorrer por força da alteração contratual.

Atendendo ao clausulado contratual em vigor à data, o procedimento contabilístico adotado pelo Sujeito Passivo, até ao período de 2009, descrito nos parágrafos anteriores, foi conforme as instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística na Diretriz Contabilística n.º 4/91 e esse procedimento era fiscalmente aceite, de acordo com o Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março de 2004, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

III - 1.4.3 CONTABILIZAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURAS A INTEGRAR NO SID... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2010 E SEGUINTES

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13 de julho, foram revogados o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e as Diretrizes Contabilísticas, com efeitos a partir de 2010-01-01. Assim, no período de tributação de 2010, o Sujeito Passivo passou a fazer o relato contabilístico das suas contas de acordo com as Normas de Contabilidade e Relato Financeiro (NCRF), que fazem parte integrante do Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Por omissão do novo normativo português relativamente aos serviços concessionados, o Sujeito Passivo aplicou supletivamente a International Financial Reporting Interpretations Committee n.º 12 (IFRIC 12) e a interpretação do Standing Interpretation Committee n.º 29 (SIC 29), vertidas do normativo internacional (Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho, Regulamento (CE) n,º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro, e Regulamento (CE) n.º 254/2009 da Comissão, de 25 de março).

A IFRIC 12 define as regras a observar na contabilização dos contratos de concessão, atendendo aos serviços que presta e ao poder de controlo sobre os ativos da concessão.

No seguimento do imposto pela IFRIC 12, o Sujeito Passivo contabilizou um ativo intangível referente ao direito de concessão, que inclui o valor a pagar relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SID... . Este ativo foi mensurado ao custo líquido das amortizações e imparidades acumuladas, sendo a amortização calculada numa base duodecimal, peio método linear, durante o período de concessão.

O gasto do período com as amortizações desse ativo intangível foi reconhecido na demonstração de resultados na rubrica Gastos/Reversões de Depreciação e Amortização.

O balancete analítico em 2014-12-31 reflete o montante desse ativo (custo líquido) que, nessa data, ascende a 6.669.569,09 EUR (saldo devedor de 16.910.246,00 EUR refletido na conta SNC «44600010 Ativos intangíveis - Outros» deduzido do saldo credor 10.240.676,91 EUR refletido na conta SNC «44860010 Amortiz. Acumuladas - Retribuição Concedente») (cfr. Anexo 9: Balancete 2014 - Página 2). No quadro seguinte, sintetiza-se a evolução do saldo destas contas desde o período de 2010:

 

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, foi revogado o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e as Diretrizes Contabilísticas, com efeitos a partir de 2010-01-01. Assim, deixou de ser aplicável fiscalmente o disposto na Diretriz Contabilista n.º 4/91. Este facto subordina o Sujeito Passivo ao disposto nos artigos 5.º e 5.Ú-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, com as consequências fiscais referidas nessa norma,

Os n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, estabelecem que, os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, dos novos normativos contabilísticos (SNC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, ou normas Internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho) (NCRF/SNC ou Normas Internacionais), que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento, ou do não reconhecimento, de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aqueles normativos e dos quatro períodos de tributação seguintes, ou seja, do período de tributação de 2010 até ao período de tributação de 2014, inclusive.

Através do artigo 255.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2013), foi aditado ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, o artigo 5.º-A com a epígrafe "Regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais". O n.º 1 desse artigo determina que "...para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício". O n.º 2 desse artigo refere que essa norma tem natureza interpretativa. Com este aditamento, o prazo de cinco períodos de tributação (períodos de 2010 até 2014), previstos para realizar os ajustamentos decorrentes da adoção, pela primeira vez: dos novos normativos contabilísticos, passa a ser o corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada período. A norma em causa tem natureza interpretativa, por isso, a sua aplicação retroage à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho (tudo se passa como se essa norma tivesse sido publicada na data de pui lei que interpreta).

Não esquecendo a Decisão Arbitral proferida em momento posterior, os procedimentos inspetivos que visaram os períodos de 2010 a 2013, determinaram que estes ajustamentos de transição associados à alteração das regras de contabilização da obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar do SID..., enquadravam-se no disposto no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, pelo que, procederam a correções fiscais, pela determinação de uma variação patrimonial positiva, correspondente a 1/16 do valor do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento (6.143.637,57 EUR), que corresponde ao montante de 383.977,35 EUR em cada período. Contudo, tendo presente as circunstâncias vigentes até 2013, por Decisão Arbitral, a AT anulou estas correções fiscais.

Não obstante, tal como já foi amplamente referido, em 2014, assiste-se a uma adequação (alteração) do clausulado contratual. Na sequência das reuniões havidas entre a A... e a concedente (F...), a concedente, através de uma missiva datada de 2015-02-02, instruiu o Sujeito Passivo da adequação do contrato de concessão, transferindo a obrigação de financiamento da concessionária (A...) para uma redução extraordinária das tarifas a pagar pela concedente à A... . Ou seja, o Sujeito Passivo, deixou de ter a obrigação de financiamento dos investimentos inicialmente alceados ao Plano Diretor de Infraestruturas, substituindo esta obrigação por uma redução no preço a cobrar à concedente.

Na prática, para compensar essa obrigação de investimento no sistema, em 2014, a tarifa a cobrar pela A... diminuiu de 0,4050 EUR/m3 para 0,37 EUR/m3, ou seja, uma redução de 0,035 EUR/m3. Como esta redução de tarifa se reporta a Janeiro de 2014, mas como a A... esteve durante este ano a debitar à Concedente à tarifa anterior (0,4050 EUR), em Junho de 2015, emitiu uma nota de crédito de 1.081.511,81 EUR, valor que resulta do volume de caudal faturado no ano de 2014 pela diferença de tarifa (0,035 EUR) (cfr Anexo 10, folhas 2 e 3).

Desde 2010 e até 2014, o Sujeito Passivo mantinha numa rubrica de provisões (conta «29880000 Provisões -Outros»), o valor correspondente ao montante remanescente da obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar no SID..., ou seja, investimentos/obras que faltavam realizar. Com esta alteração, o Sujeito Passivo transfere o saldo da provisão para uma rubrica do passivo, Outros Devedores e Credores (conta «27814046 ODC-F... -Direito Concessão») cfr. Anexo 12-folha 3:

 

O saldo transferido reflete o valor da provisão criada pela obrigação de financiara concedente (16.910.246,00 €), deduzido do investimento já realizado (1.724.500,10 €), do débito da diferença da redução de tarifa, relativo ao caudal facturado em 2014 (1.081.511,80 €) e do valor das obras realizadas na infraestrutura pela A..., que eram obrigação da concedente realizar, mas que esta terá autorizado a A... realizar e a abater o montante ao valor da obrigação contratual (211,315,00 €), cfr. se sintetiza no quadro seguinte:

 

Com esta modificação qualitativa da informação contabilística, o Sujeito Passivo traduziu a alteração do clausulado contratual, contudo, manteve na rubrica do Ativo Intangível o valor fixado ab initio, relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SID... (16.910.246,00 EUR). Refira-se aqui que o Sujeito Passivo, desde 2010, relevava na contabilidade e nos resultados contabilísticos e fiscais, o valor da amortização deste Ativo Intangível, tendo sido alvo de correção fiscal, no âmbito dos procedimentos inspetivos realizados aos períodos anteriores.

III - 1.4.4 VARIAÇÃO PATRIMONIAL POSITIVA DECORRENTE DO FIM DA OBRIGAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURAS A INTEGRAR NO SID...

Em 2009-12-31, o saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento ascendia a 6.143.637,57 EUR. Esse saldo corresponde ao montante acumulado das quotas-partes consideradas como custos, em cada exercício (na rubrica Fornecimentos e Serviços Externos), deduzidos das amortizações acumuladas do investimento realizado ao abrigo da obrigação contratual, sendo que as amortizações foram feitas de acordo com a vida útil dos bens ou pelo prazo da concessão, quando inferior à vida útil.

O Sujeito Passivo procedeu ao desreconhecimento do passivo referida no parágrafo acima (passivo registado na rubrica de Acréscimo de Custos no montante de 6.143.637,57 EUR), conforme se demonstrou no capítulo III-1.2 (ver quadro das variações patrimoniais consideradas pelo Sujeito Passivo) e resulta do exposto no quadro da alínea b) do ponto 2.4 do Anexo ao Relatório e Contas do período de 2010 (ver linha com a designação "Reversão dos acréscimos POC relativos à Obrigação de investimento contratual) (cfr. Anexo 5; folha 15 - Relatório e Contas 2009 - Página 54).

Assim, o capital próprio, mais concretamente a rubrica de Resultados Transitados, sofreu um incremento (variação patrimonial positiva) no montante de 6.143,637,57 EUR.

Neste sentido, os gastos referentes a esta obrigação, desde o início da concessão, estavam alicerçados no facto de que o Sujeito Passivo, ab initio, tinha uma obrigação de investimento nas infraestruturas, até ao valor limite de 16.910.246,00 EUR, usufruindo, em contrapartida, de uma tarifa (mais elevada) a cobrar à concedente.

Contudo, com a alteração contratual, assiste-se ao fim da obrigação do sujeito passivo realizar os investimentos inicialmente programados, colocando agora em causa a variação patrimonial (não tributada) que decorre da transferência para capital (na transição do POC para o SNC) do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento, no valor 6.143.637,57 EUR.

O procedimento contabilístico adotado pelo Sujeito Passivo, até ao período de 2009, descrito nos parágrafos anteriores, foi conforme as instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística na Diretriz Contabilística n.º 4/91 e esse procedimento era fiscalmente aceite, de acordo com o Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março de 2004, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Este entendimento que era acolhido fiscalmente, resultava da alínea b) do n.º 4 da referida DC nº4/91, segundo o qual:

"4-Os investimentos que revertam para terceiros no termo da concessão devem ser objeto dos seguintes procedimentos:

a) Quanto aos acabados no início e no primeiro ano da concessão, devem ser contabilizados como imobilizações a amortizar durante o número total de anos de concessão;

b) Quanto aos que forem de realização certa nos anos seguintes devem ser estimados os respetivos custos, os quais serão de repartir pelo número total de anos de concessão, sendo as respetivas quotas-partes de considerar como custos, em cada exercício, e acumuladas no passivo como acréscimo de custos; quando o investimento estiver concluído, passará de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo, transferindo-se então o saldo daquela conta de acréscimo de custos para a correspondente conta de amortizações acumuladas e amortizando-se a parte restante até ao termo da concessão. "

Ou seja, visando existir um balanceamento entre os gastos e os rendimentos ao longo do período da concessão, era aceite fiscalmente que a obrigação de investimento nas infraestruturas fosse repartida ao longo dos anos, factos levados em prática até 2009 pelo Sujeito Passivo.

Portanto, a fixação da tarifa inicialmente contratada, serviria para a concessionária (neste caso a A...) recuperar a obrigação de financiamento e outros gastos correlacionados com o exercício da atividade do Sujeito Passivo. Com o novo acordo a vigorar a partir de 2014-01-01, a tarifa inicialmente contratada é reduzida, visando eliminar esta obrigação de investimento no SID... por parte da A... . Para uma melhor perceção dos factos e fazendo urna abordagem meramente teórica, se fosse possível refazer o contrato desde o início da concessão, admitindo agora este novo acordo, concluíamos que o Sujeito Passivo, não deveria ter registado o custo aqui em causa, uma vez que não existiria a obrigação de financiamento de investimentos nas infraestruturas (pelo menos no valor total inicialmente definido).

Neste sentido, existindo estes factos novos em 2014, deixa de ser enquadrável a aplicação do regime transitório previsto no art.º 5.º e 5.º-A do DL 159/2009, de 13 de julho, uma vez que este regime aplicar-se-ia para os casos em que exista, antes e depois de 2010, a obrigação de investimento contratual não realizado. Deste modo, no período de 2014, estando o Sujeito Passivo na posse desta informação, deveria acolher as implicações fiscais que resultam da variação patrimonial não refletida nos resultados (e não tributada fiscalmente em períodos anteriores) e que se encontra refletida nas suas demonstrações financeiras, na rubrica de capitais próprios (Resultados Transitados), no valor de 6.143.637,57 EUR.

Em termos fiscais, o regime aplicado às variações patrimoniais não refletidas no resultado líquido do período encontra-se previsto nos art.ºs 21.º e 24.º do CIRC. Legislou-se por exceção, isto é, contemplaram-se as situações não suscetíveis de influenciar o resultado fiscal.

Assim, as variações patrimoniais positivas aqui em causa (Reversão dos acréscimos POC relativos à Obrigação de investimento contratual não realizado), não se encontram em nenhuma das exceções do art. 21º do CIRC, pelo que concorrem para a formação do lucro tributável.

Por outro lado, nos termos do art.º 18.º, os rendimentos e os gastos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento, regra que encontra acolhimento no pressuposto contabilístico previsto no parágrafo 22 da Estrutura Conceptual do SNC - regime do acréscimo ou da periodização económica.

Este princípio, traduz-se justamente em que devem ser considerados como custos de determinado período os encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, sendo, em consequência, irrelevante o exercício em que se efetua o seu pagamento. Portanto, para o caso aqui em análise e para efeitos de tributação, o que será relevante, é determinar o período em que deverá ser imputável esta variação patrimonial positiva e não o facto do Sujeito Passivo realizar o "desconto" no preço ao longo dos períodos subsequentes.

Neste âmbito, o disposto no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, permite que alguns rendimentos e gastos respeitantes a um período possam ser imputados a períodos posteriores, desde que, na data do encerramento das contas do período a que respeitam, forem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.

Ora, centrando-nos no nosso caso aqui em análise, como o novo acordo contratual retroage a 2014-01-01 e atendendo ao facto de:

i) Nos períodos anteriores ser manifestamente desconhecida ou imprevisível a alteração desta obrigação contratual; ii) Ser no período de 2014 que o Sujeito passivo "adquire" o conhecimento destes factos, relevando-os nas suas demonstrações financeiras;

Assim, seria no período de 2014 que o Sujeito Passivo deveria ter imputado a variação patrimonial positiva aqui em causa, na determinação do resultado fiscal de 2014.

Esta variação patrimonial positiva não está refletida nos resultados contabilísticos e fiscais de 2014 (e não foi tributada fiscalmente em períodos anteriores), encontrando-se relevado nas suas demonstrações financeiras, na rubrica de capitais próprios (Resultados Transitados), no valor de 6.143.637,57 EUR, correspondente aos gastos registados em períodos anteriores a 2010, referente à repartição anual do valor da obrigação investimento inicialmente contratado e não realizado.

Nestes termos, será aqui corrigido o Lucro Tributável do período de 2014, no valor de 6.143.637,57 EUR.

 

SS)         Na sequência desta acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC com o n.º 2018..., de 02-08-2018, correspondente demonstração de liquidação de juros com o n.º 2018..., e respetiva demonstração de acerto de contas identificada pela compensação n.º 2018... de 06.08.2018, no valor de € 1.822.740,09;

TT)         A Requerente prestou garantia bancária para suspender processo de execução fiscal n.º ...2018..., instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

UU)       A Requerente apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral tendo por objecto a referida liquidação de IRC;

VV)        No período previsto no artigo 13.º do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou parcialmente a liquidação referida e, com a data de 04-02-2019, emitiu a liquidação de IRC n.º 2019..., no valor de € 131.253,10, bem com a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ... (documento n.º junto com a “Nova fundamentação”, cujo teor se dá como reproduzido);

WW)     A decisão de revogação da liquidação n.º 2018 ... e emissão da nova liquidação baseia-se nos fundamentos que constam do documento n.º 2 junto com a “Nova fundamentação”, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Assim, a requerente tem vindo, na prática, a desfrutar de todos os direitos e deveres previstos no contrato de concessão, incluindo a cobrança do preço pelo serviço que prestava aos utilizadores desde a data da celebração do contrato de concessão (1998-09-259), com exceção para a obrigação de Investimento em infraestruturas no valor de €16.910,246,00, da qual apenas concretizou o montante de €1.724.500,00.

A tarifa cobrada aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SID... (pela Concedente, no caso dos Utilizadores municipais, e pela Requerente, no caso dos Utilizadores industriais), foi fixada em 0,5571/m3 e mantem-se antes e após 01-01-2014.

Ou seja, até 31 de dezembro de 2013, da tarifa cobrada aos utilizadores (0,5571 €/m3) a requerente auferia, em termos líquidos, de 0,4050 €/m3, sendo o remanescente (0,1521 €/m3) para a concedente. Até 31-12-2013, a requerente não tinha cumprido a obrigação de investimento a concretizar através da construção de infraestruturas para o tratamento de lamas de acordo com os termos do contrato de concessão.

A partir de 01.01.2014, esta obrigação foi alterada para o pagamento de uma prestação pecuniária pela requerente/concessionária à concedente no mesmo montante tendo a forma de pagamento ficado definida em função dos metros cubitos faturados aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SID... (fracionadamente). Assim, e partir de 01.01.2014 e até à integral compensação da concedente, a requerente passou a receber, em termos líquidos, a verba de 0,37 €/m3 (quando antes auferia 0,4050 €/m3), ficando o remanescente (0,1871 €/m3) para a concedente. A diferença (€ 0,4050 -€ 0,37 = € 0,035 por metro cúbico) fica alocada ao cumprimento da obrigação de pagamento à concedente de igual montante do investimento não realizado. A partir do momento em que essa obrigação pecuniária esteja cumprida, o valor líquido a receber pela requerente em relação à tarifa volta a ser de 0,4050/m3.

B.ll - Enquadramento contabilístico e fiscal aplicável ao contrato de concessão antes e depois de 2010

Contabilisticamente, e voltamos a sublinhar, apenas relativamente ao investimento em infraestruturas a realizar no montante de €15.185.746,00 em causa nos presentes autos, a requerente, até 31 de dezembro de 2009 e na vigência do Plano Oficial de Contabilidade (POC), vinha seguindo as regras definidas na Diretriz Contabilística (OC) n.º 4/91 nomeadamente, no que ao caso interessa, os pontos 2 e 4, alínea b).

Esta Diretriz estabelecia que:

1. As despesas capitalizáveis já realizadas pelas empresas concessionárias e as que forem efectuadas no primeiro ano da concessão devem ser contabilizadas como custos diferidos, os quais serão repartidos pelo número total dos anos da concessão,

2. As despesas capitalizáveis a efectuar nos anos seguintes, certas ou estimadas, devem ser repartidas pelo número total de anos de concessão, sendo as respectivas quotas-partes de considerar como custos em cada exercício e acumuladas no passivo como acréscimo de custos. Logo que seja efectuado o dispêndio, anula-se este passivo e regista-se o remanescente como custo diferido a repartir pelos restantes anos da concessão.

3. As outras obrigações contratuais, com a aquisição ou produção de bens que revertam imediatamente para terceiros, deverão ter tratamento idêntico ao referido nos n.ºs 1 e 2.

4. Os investimentos que revertam para terceiros no termo da concessão, devem ser objecto dos seguintes procedimentos:

a) Quanto aos acabados no início e no primeiro ano da concessão, devem ser contabilizados como imobilizações, a amortizar durante o número total de anos da concessão.

b) Quanto aos que forem de realização certa nos anos seguinte, devem ser estimados os respectivos custos, os quais serão de repartir pelo número total de anos da concessão, sendo as respectivas quotas-partes de considerar como custos, em cada exercício, e acumuladas no passivo como acréscimo de custos: quando o investimento estiver concluído passará de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo, transferindo-se então o saldo daquela conta do acréscimo de custos para a correspondente conta de amortizações acumuladas e amortizando-se a parte restante até ao termo da concessão. ..."

Para efeitos fiscais, às empresas concessionárias, aplicou-se o despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de Março, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o qual sancionou o seguinte entendimento:

1. O procedimento contabilístico que, em obediência às instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística na Diretriz Contabilística n.º 4/91, vem sendo adoptado pelas concessionárias participadas de V. Exas., deverá ser fiscalmente acerte, urna vez que visa garantir o principio de especialização dos exercícios e o balanceamento, durante o prazo de vigência dos contratos de concessão com o Estado, dos proveitos (tarifas) e dos custos (incorridos e a Incorrer) que constituem a sua base de cálculo.

2. Porém, relativamente à parcela dos custos certos mas de valor estimado imputada a cada um dos exercícios será indispensável que cada uma das empresas concessionárias apresente, se solicitados pela Administração Fiscal, os planos e orçamentos previsionais, devidamente aprovados, pelo que os mesmos deverão fazer parte integrante do processo de documentação fiscal a que SB refere o art.º 121.º do Código do IRC".

Ou seja, em cada período de tributação, a requerente considerava como gastos (contabilisticamente e fiscalmente) a quota-parte dos custos estitnados.de investimentos a realizar tendo em conta o número total de anos da concessão e acumulava aqueles montantes no passivo como acréscimo de custos.

Assim, a 31 de dezembro de 2009, o valor acumulado das quotas-partes considerado como gastos (contabilístico e fiscal) nestes termos ascendia a €6.143.637,57, Ao longo de diversos períodos de tributação desde o início da concessão e até 31 de dezembro de 2009, aquele montante havia sido considerado faseadamente como gasto para efeitos de apuramento do resultado líquido e fiscal, por contrapartida da conta de "Acréscimo de Custos - Obrigações contratuais".

Com a entrada em vigor do novo referencial contabilístico (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.0 158/2009, foi revogada aquela DC 4/91 (n.º 2 do art.º 15º deste diploma).

Como o SNC não responde aos aspetos particulares dos contratos de concessão em matéria de contabilização ou de relato financeiro, as entidades terão de recorrer, supletivamente, à International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC 12) que, por sua vez, remete para as normas internacionais de contabilidade (IAS) ou normas internacionais de relato financeiro (IFRS). Aliás, o recurso às normas internacionais e respetivas interpretações já estava previsto na Diretriz Contabilística n.º 18 publicada em 1997-08-05 e revista em 2005-09-23.

As empresas concessionárias tiveram de aplicar de forma supletiva, para efeitos contabilísticos, a IFRIC 12, sem prejuízo de, para efeitos fiscais, terem de observar as disposições do código do IRC que como veremos adiante não prevê o tratamento fiscal de acordo com a IFRIC 12.

Esta norma descreve as características típicas de uma concessão no âmbito da IFRIC 12, que envolvem os seguintes aspetos (IFRIC 12, § 3) e que se verificam no caso em apreço:

• Utilização de uma infraestrutura concessionada para prestar serviços públicos, sendo que a infraestrutura pode estar relacionada com transportes (por exemplo, concessão de transportes públicos, estradas, pontes), um tipo de edifício (hospital, tribunal, prisão) ou serviços básicos (eletricidade, gás, águas, tratamento de águas residuais e industriais).

De acordo com o Balanço do período de 2009, no caso em apreço, o valor bruto das infraestruturas disponibilizadas pela concedente, ascendia a €82.741.284,00;

• Um contrato estabelecido entre o concedente e o concessionário especificando, pelo menos, as condições de remuneração do concessionário, o serviço a prestar e a duração do mesmo.

De acordo com o contrato de concessão em causa, a requerente tem os direitos de exploração do sistema de drenagem e tratamento de águas residuais dos municípios de ..., ..., ..., ... e ... tendo o contrato a duração de 25 anos, a contar da data da consignação definitiva das infraestruturas, que ocorreu em 2000-08-01. Assim, a data do termo da concessão é 2025-07-31.

• Fornecimento de serviços por parte do concessionário que podem incluir serviços de construção de determinada infraestrutura (ou melhoria da mesma) e a sua manutenção.

No âmbito do contrato de concessão o Sujeito Passivo tem a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de €16.910,246,00, para a realização das infraestruturas e obras a integrar no SID..., além da responsabilidade de manter as infraestruturas concessionadas num bom estado de funcionamento.

• O pagamento ao concessionário, pelos serviços prestados, é efetuado ao longo do período da concessão. Em muitos casos, o concessionário não receberá nenhum valor no início da concessão, sendo a sua remuneração efetuada diretamente ou pelo concedente ou pelos utilizadores dos serviços concessionados.

O Sujeito Passivo explora, em conjunto, as águas residuais domésticas e industriais, pelo que os seus clientes são, para além dos municípios indicados, as empresas situadas no ..., na sua grande maioria do setor têxtil.

Nos clientes com contrato de recolha de efluentes celebrado diretamente com a concessionária (clientes industriais), esta emite fatura diretamente ao cliente, aplicando a tarifa 0,5571 €/m3, sendo que a concedente emite, mensalmente, fatura pelo valor da diferença entre a tarifa da concedente (0,5571 €/m3) e a tarifa do concessionário (0,4050 €/m3), ou seja 0,1521 €/m3 (0,5571 €-0,4050 €).

Nos clientes / utilizadores que dispõem de contrato de recolha de efluentes celebrado diretamente com a concedente, a concessionária apresentará à concedente a fatura com a tarifa 0,405 €/m3, relativamente aos caudais tratados.

• Devolução da infraestrutura ao concedente no fim da concessão.

No termo da concessão todas as infraestruturas e outros bens afetos à concessão revertem gratuitamente para a concedente conforme contrato de concessão.

Ora, no caso em apreço a ora requerente A... celebrou, em 1998, com a C... um contrato de concessão para a exploração e gestão, em regime de exclusividade, e pelo prazo de 25 anos a contar da data de consignação definitiva das infraestruturas, dos serviços públicos Intermunicipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais designado por SID... que serve diversos municípios e empresas. Esta concessão obrigava a concessionária a financiar, além da manutenção das infraestruturas existentes, a conceção, execução e exploração de novas infraestruturas devidamente definidas no contrato de concessão no montante total de €16.910.246,00 conforme está expressamente referido no Relatório e Contas do período de 2010, mais concretamente no ponto 1.3 do Anexo às Contas, estando, a 31 de dezembro de 2009, esta obrigação parcialmente cumprida (€1.724.500,10), Ou seja, concluímos pela inexistência de qualquer dúvida de que o referido contrato de concessão se enquadra no âmbito da IFRIC 12 cuja aplicação de forma supletiva é obrigatória desde o período de tributação de 2010, para efeitos contabilísticos, sem prejuízo de, para efeitos fiscais, terem de observar-se as disposições do CIRC e legislação complementar, cujo enquadramento, voltamos a sublinhar, diverge do tratamento preconizado contabilisticamente.

Temos ainda que, as condições presentes no contrato de concessão estabelecido entre a A... e o concedente C... implicam o reconhecimento de um ativo intangível, dado que o concessionário (ora requerente) possui o direito de cobrar serviços aos utentes do serviço público em função da utilização das infraestruturas concessionas e construídas no âmbito do contrato da concessão (IFRIC 12, §1713) que reverterão a final do período de concessão para a concedente,

Um contrato de concessão dentro do âmbito da IFRIC 12, de acordo com o parágrafo 26, deve ser classificado como um ative intangível (IAS 38 - Activos Intangíveis) adquirido em troca de um ativo ou ativos não monetários ou de uma combinação de ativos monetários e não monetários.

Ora, no contrato de concessão, a troca de ativos está implícita, na medida em que a entidade concedente detém o direito de propriedade das infra-estruturas, concedendo o direito do operador/concessionária as utilizar por forma a prestar o serviço público que se encontre definido no contrato celebrado entre as entidades. De acordo com a IAS 38, para um ativo adquirido numa troca de ativos, a norma preconiza outro critério valorimétrico, desta feita, deve ser utilizado o justo valor, caso este não possa ser estimado, então o seu custo é mensurado pela quantia escriturada do bem cedido.

Verificamos ainda que neste contrato de concessão está especificada a obrigação do concessionário suportar a construção de determinadas infraestruturas a integrar no SID... e determinado que o valor a receber pela concessionária correspondente tão somente às tarifas e taxas, previamente aprovadas pela concedente, a cobrar aos utentes dessas infraestruturas durante o período da concessão.

Nos termos da IFRIC 12, as obrigações contratuais de manter ou restabelecer as condições das infraestruturas, com exceção de qualquer elemento de valorização, devem ser reconhecidas e mensuradas de acordo com a Norma Internacional de Contabilidade 37 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, ou seja, de acordo com a melhor estimativa do dispêndio necessário para liquidar a obrigação presente na data do balanço.

Caso ocorram serviços de construção ou de valorização de infraestruturas, o concessionário deve contabilizar os réditos e os custos relativos a esses serviços de acordo com a Norma Internacional de Contabilidade 11 - Contratos de construção, sendo que a retribuição pode corresponder a direitos sobre um ativo financeiro ou sobre um ativo intangível (IFRIC 12, §14 e 15).

A concessionária providencia serviços de construção e valorização das infra-estruturas ao concedente e este retribui concedendo um ativo intangível em troca. Assim, as obrigações, incluídas no contrato, para a construção de novas infra-estruturas ou colocar os ativos em melhores condições que as iniciais devem ser incluídas na "retribuição" dada para o intangível, e portanto, no seu custo.

A IAS 11, em termos de reconhecimento do rédito e dos gastos, relata dois métodos de contabilização, conforme o desfecho do contrato possa ou não ser fiavelmente estimado, sendo que quando o desfecho do contrato puder ser fiavelmente estimado, o rédito do contrato14 e os gastos do contrato associados ao contrato de construção devem ser reconhecidos com referência à fase de acabamento.

Um contrato de concessão contabilizado através do modelo do ativo intangível deve na mensuração subsequente, adotar o modelo do custo, pois, inexistindo um mercado ativo para contratos de concessão, não é possível determinar o justo valor com referência a um mercado ativo para efeitos de aplicação do modelo de revalorização.

Este modelo do custo compreende a amortização do ativo em função da vida útil, sendo que o parágrafo 94 da IAS 38, dispõe que a vida útil de um ativo intangível que resulte de direitos contratuais não deve exceder o período dos direitos contratuais, mas pode ser mais curta dependendo do período durante o qual a entidade espera usar o ativo. Um contrato de concessão, no âmbito da IFRIC 12, é sem dúvida, um ativo intangível com vida útil finita, uma vez que existe um limite previsível para o período o qual se espera que o ativo gere influxos de caixa líquidos para a entidade.

B.lll - Dos ajustamentos de transição aplicáveis ao caso e consequências fiscais

Do exposto no ponto anterior, concluímos que, forçosamente, face à alteração de política contabilística operada pela IFRIC 12, as empresas concessionárias tiveram de proceder a diversos ajustamentos de transição (contabilizados retrospetivamente).

Salientamos mais uma vez que, nos presentes autos, não estão em questão os registos contabilísticos relativos às infraestruturas disponibilizadas pela concedente e que a concessionária e ora requerente terá contabilizado conforme os princípios contabilísticos vigentes mas tão somente o tratamento contabilístico e fiscal do ativo intangível - obrigação de investimento ainda não realizado.

Assim, e no que respeita ao montante das obrigações de investimento ainda não realizado registadas, até 31-12-2009 na conta 273 Acréscimos de custos (no caso em apreço totalizava €6.143.637,00), e que vinham sendo aceites contabilística e fiscalmente como gastos anualmente, este passivo teve de ser desreconhecido (débito conta de Acréscimos de Custos) por contrapartida de Resultados Transitados (crédito), traduzindo uma variação patrimonial positiva nos capitais próprios da recorrente daquele montante.

Conforme informação constante da IES 2010, relativamente a esta obrigação de investimento a realizar, a requerente reconheceu em resultado da revogação do POC e das Diretrizes Contabilísticas, com efeitos a partir de 2010-01-01, contabilisticamente e dando cumprimento à IFRIC 12, um ativo intangível- obrigação de investimento pelo montante de €16.910.246,00.

Uma das matérias em apreço nos presentes autos prende-se com a questão de determinar se a esta variação patrimonial positiva nos capitais próprios da recorrente apurada na sequência da adoção pela primeira vez das normas internacionais de contabilidade é aplicável o disposto pelo n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 e quais os efeitos decorrentes da sua aplicação.

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, adaptou o CIRC às Normas Internacionais de Contabilidade adotadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística. O art.º 5.º deste diploma instituiu um regime transitório o qual estabeleceu, nos termos do n.º 1, que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que selam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

Mais tarde, o artigo 255.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, aditou o artigo 5.º- A ao Decreto-Lei n.º 159/2009, com a seguinte redação:

"1 - Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de égua, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

2 - O disposto no número anterior tem natureza interpretativa."

Ou seja, a natureza interpretativa dada ao n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 determina a sua aplicação desde o período de tributação de 2010, início do novo referencial contabilístico do SNC e da adaptação fiscal do código do IRC a este referencial.

Desde logo, a simples leitura da norma, não levanta dúvidas quanto à sua aplicação à variação patrimonial positiva ocasionada pelo desreconhecimento (ou não reconhecimento), através de resultados transitados, do saldo da conta de acréscimos de custos que fora sendo constituído em resultado do reconhecimento contabilístico e fiscal como custos/gastos do período da quota-parte dos encargos estimados com os investimentos de realização certa nos anos seguintes.

Esta norma, criada especificamente para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009 da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado (como é o caso da recorrente que considerou como custo ao longo dos anos o valor total de €6.143.637,57) estabelece, que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes Iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

Fiscalmente, uma das divergências do tratamento fiscal em relação ao tratamento preconizado contabilisticamente decorre do estabelecido no Código do IRC, nos seus artigos 39.º e 40.º, que define quais as provisões que concorrem para a formação do lucro tributável. Assim, o gasto anual associado àquela provisão - referente a encargos certos e estimados a suportar no futuro - não é fiscalmente dedutível.

Em termos fiscais, no âmbito da concessionária, apenas serão dedutíveis as amortizações dos elementos/infraestruturas revertíveis nos termos do contrato de concessão quando efetivamente concluídos (produzidos ou adquiridos) por esta em cumprimento de obrigação contratual inserta no contrato de concessão pelo período de tempo de concessão que ainda reste até à sua reversão.

Concretamente, o regime fiscal das depreciações e amortizações, regulado no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, prevê um tratamento fiscal próprio para os ativos revertíveis no âmbito dos contratos de concessão.

De acordo com o n.º 1 do artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, "os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil".

Este artigo foi alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2015 adaptando-o de forma mais taxativa à normalização contabilística aplicável aos acordos de concessão de serviços (IFRIC 12), embora tal já se inferisse da redação anterior pois mencionava "os elementos depreciáveis ou amortizáveis", passando a prever que «Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias que, nos termos das regras de normalização contabilística aplicáveis, sejam reconhecidos como elementos do seu ativo fixo tangível ou intangível e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil»

Assim, e para efeitos fiscais, e apenas referindo-nos às infraestruturas a ser construídas pela concessionária nos termos do contrato de concessão aqui em questão, no período de tributação em que o investimento esteja concluído passando a entrar em funcionamento e a ser utilizado pela concessionária no âmbito do contrato de concessão, esse investimento revertível reconhecido contabilisticamente como ativo intangível (direito à concessão e exploração em exclusividade dessa infraestrutura) reúne as condições para ser um elemento fiscalmente amortizável (art.º 1º, n.º 2 alínea b)21, do DR 25/2009), sendo a taxa de amortização calculada com base no número de anos que restam do contrato de concessão (ou seja até à data de reversão do ativo associado) nos termos do art.º 12,º do DR 25/2009.

Ou seja, com a alteração do regime contabilístico dos contratos de concessão (POC para SNC), o necessário desreconhecimento do passivo (saldo da conta de acréscimos de custos) é fiscalmente relevante pelo facto de a Diretriz Contabilística n.º 4/91 aplicável também fiscalmente até 31-12-2009 ter deixado de ser aplicável, sendo, consequentemente, de aplicar o disposto pelo art.º 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.

Os efeitos nos capitais próprios só são considerados fiscalmente relevantes se os gastos, os rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidas após aquela transição, forem também relevantes fiscalmente, ou seja, concorreram para a formação do lucro tributável. Tal condição verifica-se com a aceitação para efeitos fiscais da amortização do total do ativo revertível relativo às infraestruturas adquiridas ou produzidas pela requerente/concessionária associado ao ativo intangível (direito à concessão), a partir do período de tributação em que entrem em funcionamento/sejam utilizadas e até à sua reversão, nos termos do art.º 12.º do DR 25/2009.

A variação patrimonial positiva originada pelo imperioso desreconhecimento (através de resultados transitados) do saldo da conta de acréscimos de custos que fora constituído em resultado do reconhecimento contabilístico e fiscal como custos da quota-parte dos encargos estimados com os investimentos de realização certa nos anos seguintes, é fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, sendo a sua tributação efetuada nos termos e prazos prescritos pelo n.º1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.

Sob pena de serem considerados gastos em duplicado para efeitos de apuramento do resultado tributável ao longo do prazo da concessão referentes ao mesmo investimento: a título de gastos correspondentes à quota-parte dos encargos estimados com os investimentos a realizar considerados desde 1998 e até 31-12-2009 e, cumulativamente, amortizações do total do ativo revertível relativo às infraestruturas adquiridas ou produzidas pela requerente/concessionária associado ao ativo intangível (direito à concessão), a partir do período de tributação em que entrem em funcionamento/sejam utilizadas e até à sua reversão, nos termos do art.º 12.º do DR 25/2009.

Voltamos a reiterar que, também fiscalmente foi alterado o regime fiscal aplicável às obrigações de financiamento de investimento a realizar pelas concessionárias (no caso obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SID...). Assim, o consequente efeito positivo nos capitais próprios da requerente resultante do desreconhecimento da conta de acréscimos de custos no montante de €6.143.637,57, sendo fiscalmente relevante nos termos da legislação fiscal, o legislador veio conceder que a sua tributação fosse realizada de forma faseada, em partes iguais distribuída pelos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de 2009. No caso in juízo, o período remanescente é de 16 anos (2025-2009).

Ou seja, em estrito cumprimento do disposto pelo n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, em cada período de tributação posterior a 2009 (2010 a 2025) deverá ser acrescido ao resultado líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável, o valor correspondente a 1/16 de €6.143.637,57, ou seja, €383.977,35.

De facto, não podemos concordar com a defendida "continuidade de um regime fiscal especial para as entidades concessionárias e gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos, relativamente às obrigações de investimento, propugnada pelo CAAD em decisão favorável à ora requerente que tinha por objeto uma liquidação adicional de IRC do período de tributação de 201126 e em igual entendimento seguido na decisão de reclamação graciosa interposta pela requerente contra as liquidações adicionais de IRC, referentes aos períodos de tributação de 2012 e 2013, todas emitidas na sequência de ações inspetivas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 e em que os serviços de inspeção tributária, corretamente e em estrito cumprimento da lei conforme fundamentação supra, "(...) procederam a correções fiscais, pela determinação de uma variação patrimonial positiva, correspondente a 1/16 do valor do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento (6.143.637,57), que corresponde ao montante de € 383.977,35. "

Decorre do exposto que também não merece provimento a pretensão de requerente em considerar para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2014, de uma dedução adicional ao resultado líquido (pois tal valor não foi considerado na autoliquidação de IRC) no montante de €565.131,81, correspondente a 1/16 de €9.042.109,00 que corresponde ao valor da obrigação de investimento a realizar remanescente a 31-12-2009 (diferença entre o montante total da obrigação de investimento por realizar 615.185.746,00 e a quota parte desse valor já reconhecido como gasto contabilístico e fiscal nos períodos de 1998 a 2009, €6.143.637,00),

Contrariamente ao defendido pela requerente, as consequências fiscais da alteração da referida política contabilística teria consequências fiscais mais gravosas caso não fosse criado, entretanto, um regime transitório especial para estas entidades, o art.º 6.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 aditado pelo artº 255.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, pois, por um lado, o efeito do desreconhecimento, por via do crédito de resultados transitados, da conta de acréscimos de custos teria de ser tributado em partes iguais, entre 2010 e 2014, por lhe ser aplicável o regime transitório previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, e, por outro lado, os gastos associados à constituição e reforço da provisão para fazer face às obrigações de investimentos futuros passariam a não ser dedutíveis.

B.IV - Da alteração da obrigação contratual de financiamento de infraestruturas do SID... ainda não construídas no montante de €15.185.746,00 para a obrigação de pagamento de prestação pecuniária à concedente no mesmo montante

Até ao dia 02 de fevereiro de 2015 (data do acordo formalizado entre as partes do contrato de concessão) embora a concedente reconhecesse que em virtude da sobreposição do Contrato de Concessão do Sistema Multimunicipal e do Contrato de Concessão do SID..., o investimento especificadamente definido no contrato de concessão do SID... a cargo da concessionária A... e ainda não realizado por esta se tornou dispensável, mantinha-se para a concessionária a obrigação contratual ao abrigo do contrato de concessão em causa.

Até aquela data, e de acordo com o previsto no Contrato de Concessão para a Exploração e Gestão do Sistema Integrado de Despoluição do ..., competia à Concessionária e ora requerente, a exploração das infra-estruturas a construir para fazer face ao aumento de capacidade de tratamento e transporte de águas residuais do SID..., ou seja, mantinha-se a obrigação contratual de financiamento de uma infraestrutura do SID... a realizar pela concessionária, a que estava associado o correspondente direito de concessão e exploração em exclusividade - ativo intangível.

Apenas em 2015 foram conhecidos os exatos termos da solução para a substituição da obrigação da concessionária, incluída no contrato de concessão do SID..., de prestar serviços de construção das infraestruturas e ainda não realizadas, no montante de €15.185.746,00, nos seguintes termos:

"A obrigação de financiamento da Concessionária remanescente, inicialmente alocada aos investimentos do Plano Diretor de Infraestruturas deverá ser integralmente transferida para uma revisão do tarifário vigente;

ii. Atendendo ao referido em i), vimos, nos termos e para os efeitos do artigo 74º, n.º 1 a), do Contrato de Concessão do SID..., proceder a uma Alteração Extraordinária das Tarifas e Taxas, fixando a tarifa média prevista no Artigo 74.º, n.º 1 a) do Contrato de Concessão do SID... em 0,37€ /m3, a preços de 2015 com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014 e em termos a regular em Acordo a celebrar entre as partes;

iii. A redução do tarifário referida em ii) produzirá efeitos até que se mostre esgotada a obrigação de financiamento designada em i)"

Nos termos daquele acordo, a obrigação contratual de financiamento de infraestruturas do SID... não construídas pela requerente no montante de €15.185.746,00, foi alterada para o pagamento de prestação pecuniária pela requerente/concessionária à concedente no mesmo montante tendo a forma e prazo de pagamento ficado definido em função dos metros cúbicos faturados aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SID... (fracionadamente) a partir de 01-01-2014.

Ou seja, a partir daquela data a requerente passa a reconhecer no seu Balanço uma obrigação (dívida) para com a concedente no exato montante da anterior obrigação de financiar o investimento em infraestruturas (ainda não realizado), tendo ficado acordado que o pagamento dessa dívida seria realizado em função dos metros cúbicos (€0,035 por metro cúbico) faturados aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SID..., conjuntamente com a retribuição a pagar à concedente pela concessão (€0,1521) até perfazer igual montante ao do investimento não realizado.

B.V - Da consideração, para efeitos de apuramento do resultado tributável de uma variação patrimonial positiva no montante de €6.143.637,57

Ora, os SIT consideraram que, com o fim da obrigação de investimento a realizar em novas infraestruturas a integrar no SID..., o montante de €6.143.637,57 correspondente à quota-parte da obrigação de investimento a realizar em novas infraestruturas a integrar no SID... e que afetou negativamente os resultados contabilísticos e fiscais dos período de tributação até 31-12-2009 corresponde a uma variação patrimonial positiva a relevar para efeitos de apuramento do resultado tributável referente ao período de tributação de 2014, nos termos do art.º 21.º do CIRC.

Ora, conforme demonstrámos anteriormente, o montante de €6.143.637,57 corresponde ao valor acumulado das quotas-partes da obrigação de investimento a realizar em novas infraestruturas a integrar no SID... considerado como gastos (contabilístico e fiscal) ao longo de diversos períodos de tributação desde o início da concessão e até 31 de dezembro de 2009, por contrapartida da conta de "Acréscimo de Custos - Obrigações contratuais".

Com a alteração do regime contabilístico dos contratos de concessão (POC para SNC), a variação patrimonial positiva no montante de €6.143.637,57 originada pelo imperioso desreconhecimento (através de resultados transitados) do saldo da conta de acréscimos de custos, é fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, sendo a sua tributação dilatada e suavizada no tempo nos termos e prazos fixados no regime transitório criado especialmente pelo legislador para os contratos de concessão de sistemas multimunicipais, n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, ou seja, em cada período de tributação posterior a 2009 (2010 a 2025) deveria ser acrescido ao resultado líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável, o valor correspondente a 1/16 de €6.143.637,57.

Assim, no período de tributação de 2014, o valor da variação patrimonial positiva a tributar em cumprimento do disposto pelo n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, correspondente a 1/16 de €6.143.637,57, ou seja, €383.977,35 e não ao montante de €6.143.637,57, pelo que será de revogar parcialmente a correção efetuada pelos SIT, no montante de €5.759.660,22.

B.VI - Dos efeitos da alteração da obrigação contratual de investimento a realizar para obrigação de pagamento à concedente: amortização do correspondente ativo intangível (direito à concessão) e redução dos valores recebidos para compensação da dívida

Conforme referimos, no âmbito do acordo celebrado em 2015, resultou a transferência da obrigação contratual remanescente de investimento em infraestruturas do SID... a realizar pela requerente (no montante de €15.186.746,00) para uma obrigação contratual de prestação pecuniária a favor da concedente no mesmo montante.

De notar que, na determinação da tarifa, que traduz o rendimento da concessionária resultante da exploração do serviço público, está incluída uma parcela relativa a essa obrigação de investimento nas infraestruturas em causa e que ela deveria ter construído no âmbito do contrato de concessão mas que tendo sido construídas por outrem se transfere agora para uma obrigação pecuniária.

Acresce ainda que, a partir daquela data, o direito de concessão ("exploração e gestão, em regime de exclusividade, do serviço público de drenagem, depuração e destino final das águas materializado pelo SID...") - ativo intangível - passa a estar associado a infraestruturas concessionadas mas construídas por outrem e que a concessionária terá de pagará concedente (obrigação pecuniária a favor da concedente) e não ao financiamento da construção de infraestruturas ainda por realizar, no montante de €15.185.746,00.

Ou seja, mantem-se o direito associado de gestão e exploração pela concessionária, em

regime de exclusividade, de todas as infraestruturas do SID... (incluindo das infraestruturas em causa que ela deveria ter construído no âmbito do contrato de concessão, mas que terão sido construídas por outrem e serão entregues no final da concessão), pelo que, o correspondente direito à concessão e exploração em exclusividade - o ativo intangível - não deve ser desreconhecido,

apenas alterado. De direito à concessão associado à exploração de infraestruturas a Integraria concessão mas a construir pela concessionária para o direito à concessão mas associado à exploração de infraestruturas da concedente construídas por outrem.

Assim, e se atendermos à data de início do pagamento faseado daquela obrigação, determinada pela concedente para efeitos de cumprimento da obrigação contratual de financiamento pela concessionária, pagamento iniciado a 01-01-2014 e que neste ano totalizou o montante de €1.081.511,80, será nesta data que o ativo intangível (direito à concessão) associado àquele ativo revertível reúne as condições para ser um elemento fiscalmente amortizável (art.º 12º do DR 25/2009).

Ainda em relação à transferência da obrigação contratual de financiamento de infraestruturas não realizado no montante de €15.185.746,00 para uma obrigação de pagamento fracionado à concedente no mesmo montante (pois alegadamente as infraestruturas em causa tinham sido objeto de outro contrato de concessão, mas não o direito associado de gestão e exploração pela concessionária, em regime de exclusividade, daqueles infraestruturas do SID...) é importante notar que, apesar da tarifa cobrada aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SID... se manter em 0,5571/m3, a partir de 01.01.2014 e até à integral compensação da concedente, a requerente passou a receber, em termos líquidos, a verba de 0,37 €/m3 (quando antes auferia 0,4050 €/m3), ficando o remanescente (0,1871 €/m3) para a concedente. Conforme termos do acordo, a diferença (€ 0,4050 - € 0,37 = € 0,035 por metro cúbico) fica alocada ao cumprimento da obrigação de pagamento à concedente de igual montante ao do investimento não realizado, vai amortizando a dívida à concedente em função dos metros cúbicos faturados. A partir do momento em que essa obrigação (pecuniária) esteja cumprida, o valor líquido a receber pela requerente em relação à tarifa volta a ser de 0,4050/m3.

Assim, na sequência desta alteração da obrigação da concessionária, tal como a requerente vem requerendo e havia considerado contabilisticamente quando relevou numa conta de rendimentos e consequentemente nos resultados de 2014, o valor de €1.081.511,80 referente aos efeitos decorrentes da diferença de tarifa (0,37 para 0,4050) e reduziu a dívida à concedente no mesmo montante, não deve ser considerada qualquer redução dos rendimentos associados à exploração da concessão, mas apenas uma redução da dívida à concedente naquele montante.

Relembramos que, o valor global da obrigação de investimento de novas infraestruturas a integrar o SID... ascendia a €16.910.246,00 sendo que a ora requerente apenas tinha concluído investimentos em infraestruturas afetas ao SID... no montante global de € 1.724.500,00 restando €15.185.746,00 de investimento por realizar. Assim, tem vindo a ser aceite fiscalmente amortizações praticadas sobre o ativo intangível na parte referente à obrigação de investimento já realizado (€1.724.500,10) nos termos legais.

Relativamente ao ativo intangível - direito à concessão, associado à exploração de Infraestruturas construídas por outrem e que a requerente assumiu agora a obrigação de pagar à concedente nos termos do acordo celebrado em 2015 com efeitos a 2014, mensurado em €15.185.746,00, como contabilisticamente foram reconhecidas amortizações nos anos anteriores, as quais não foram aceites fiscalmente pois então não reuniam os pressupostos legalmente exigidos pelo n.º 1 do artigo 12.º do DR 25/2009, de 14 de Setembro, parece-nos que deve ser aceite fiscalmente em cada ano, a partir de 2014 e até ao fim do contrato de concessão nos termos do art.º 12.º do DR 25/2009, a amortização contabilizada no período de tributação (€546.887,20) e, nos termos do n.º 3 do art. 1º do DR 25/2009, a diferença entre a quota máxima aceite fiscalmente (8,33% no caso) e a que foi contabilizada, a qual deve ser deduzida no quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC.

Face ao exposto, concluímos que deverá ser anulada a correção efetuada pelos SIT relativa à redução de rendimentos do período porquanto aquele valor refere-se a urna redução da obrigação pecuniária assumida pela concessionária perante a concedente (diminuição de dívida à concedente), referente ao direito de concessão e exploração (Ativo intangível) de infraestruturas que deveriam ter sido financiadas e construídas pela concessionária mas que não o foram, devendo ser aceite fiscalmente as amortizações desse ativo intangível (€546.887,20).

Resumindo:

 

 

 

XX)         A liquidação IRC n.º 2019..., no valor de € 131.253,10, bem com a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019... foram notificadas à Requerente em 08-02-2019 (parte inicial do requerimento apresentado pela Requerente em 21-02-2019);

YY)         Em 06-11-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo e em 07-03-2019 apresentou um requerimento com «Nova fundamentação de facto e de direito».

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

Na sequência da notificação da instauração do presente processo arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou a liquidação inicialmente impugnada e emitiu uma nova liquidação, com nova fundamentação.

Esta nova liquidação passou a ser o objecto do presente processo arbitral.

Quanto a esta nova liquidação, a Requerente questiona a sua legalidade quanto a dois pontos;

– a correcção no valor de € 383.977,35, que considerou constitui variação patrimonial positiva no exercício de 2014, com base na aplicação doa regime dos artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, na redacção resultante da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro;

– o tratamento contabilístico da redução dos valores recebidos para compensação da Dívida, no montante de € 1.081.511,80.

 

3.1. Questão correção referente à variação patrimonial positiva mitigada pelos 16 anos de vigência restante do contrato de concessão nos termos do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, no montante € 383.977,35

 

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, adaptou «as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas».

No seu artigo 5.º, prevê-se um regime transitório em que se estabelece, além do mais, o seguinte:

Artigo 5.º

Regime transitório

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

 

                A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, aditou ao Decreto-Lei n.º 159/2009 um artigo 5.º-A com o seguinte teor:

 

Artigo 5.º-A

Regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais

 

1 – Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-Lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

2 – O disposto no número anterior tem natureza interpretativa.

 

Na inspecção relativa ao exercício de 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que havia ajustamentos de transição associados à alteração das regras de contabilização da obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar do SID... que se enquadravam nestas normas, pelo que procedeu a correcção fiscal, pela determinação de uma variação patrimonial positiva, correspondente a 1/16 do valor do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento (€ 6.143.637,57), que corresponde ao montante de € 383.977,35 em cada um dos períodos entre 2010 e 2025, ano este que terminará o contrato de concessão.

No processo arbitral n.º 72/2016-T foi anulada esta correcção no valor de € 383.977,35, relativa ao exercício de 2011, por se entender, em suma, que os «acréscimos reconhecidos em POC e relativos à obrigação de investimento contratual (...) deviam ser desreconhecidos, mas apenas para efeitos contabilísticos e não fiscais» e que «a AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, ao desreconhecer o passivo (acréscimo de custos) relativo às obrigações de investimentos, reconhecido anteriormente como acréscimo de custos/gastos e que tinha tido efeitos fiscais nos períodos anteriores, como temos vindo a salientar, atento o disposto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. Assim, estes custos tinham tido anteriormente relevância fiscal e, mesmo após a transição, devem continuar a tê-la».

Tendo a referida decisão arbitral transitado em julgado, ficou, assim, assente, que com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade não ocorreu uma variação patrimonial positiva relevante para efeitos fiscais e susceptível de ser abrangida pelas regras daqueles artigos 5.º e 5.º-A, decorrente de desreconhecimento de passivo relativo às obrigações de investimentos.

Embora, em regra, a autonomia das liquidações anuais em sede de IRC, baseadas em factos tributários autónomos ocorridos em cada um dos exercícios, obste a que o decidido quanto a um exercício seja vinculativo para os exercícios subsequentes, mesmo que nestes se verifiquem idênticos pressupostos de facto e de direito, tal não pode suceder quanto ao âmbito de aplicação dos referidos artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, uma vez que a pluralidade de efeitos neles previstos em cada um dos exercícios a que se referem, provém de um único facto tributário, ocorrido com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade, cujos efeitos, em vez de se produzirem integralmente no exercício em que ocorrem, como é regra (artigo 18.º do CIRC), são excepcionalmente repartidos por vários exercícios.

Na verdade, as razões de segurança jurídica invocadas pela Requerente, que estão subjacentes ao princípio do respeito pelo caso julgado, impedem que, uma vez decidido por decisão transitada em julgado que com a transição do POC para as normas internacionais do de contabilidade não ocorreram efeitos fiscais a que deva ser aplicado o regime daqueles artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, designadamente derivados do desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos (isto é, não ocorreu com essa transição um facto tributário a que seja aplicável este regime) , possa posteriormente, em diferente processo, que tenha por objecto liquidação relativa a qualquer outro exercício, dar-se entender-se que desse mesmo e único facto resultaram efeitos fiscais que a seja aplicável esse regime.

Com efeito, o caso julgado, que é corolário da regra constitucional de que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» (artigo 204.º, n.º 2, da CRP), está previsto no artigo 619.º, n.º 1, do CPC como obrigatoriedade da decisão sobre a relação material controvertida dentro do processo e fora dele.

Como ensina Manuel de Andrade, o caso julgado material “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. 

O caso julgado pode impor-se como excepção de caso julgado ou como autoridade de caso julgado.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, proferido no processo n.º 4043/10.8TBVLG.P1.S1, na esteira de jurisprudência uniforme, que nele se cita:

 

A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade – o caso julgado.

A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva"  .

A excepção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda acção, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda acção, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC).

A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida." 

Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.

Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição/permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição")  .

Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.

Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.

Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível. 

Por outro lado, importa notar que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – art. 621º do CPC –, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele.

A este propósito, refere Teixeira de Sousa   que "como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão". 

 

O caso julgado material obsta que essa mesma relação material venha a ser definida com alcance diferente por outro Tribunal ou pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mesmo que em novo processo não sejam coincidentes o pedido e a causa de pedir, bastando que exista uma relação prejudicialidade entre o decidido na anterior acção e o que tem de ser decidido na nova acção.

                No caso em apreço, com o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T sobre a relação material controvertida, ficou definido que não existem efeitos fiscais do referido desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos a que seja aplicável o regime dos artigo 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, pelo que o decidido sobre essa matéria impõe-se na determinação do lucro tributável de qualquer dos exercícios posteriores em que aquele hipotético facto tributário poderia ter efeitos, se lhe fosse aplicável esse regime.

                Assim, se é certo que a alteração das condições contratuais iniciais que veio a ocorrer em 2015, com efeitos retroativos a 01-01-2014, poderá constituir um novo facto tributário, que poderá ter efeitos próprios (como foi decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira na liquidação inicial que foi objecto do presente processo e é questão que não importa apreciar aqui, por a liquidação ter sido revogada), o caso julgado impede que essa alteração possa constituir um fundamento para reavaliar a relevância fiscal dos factos que ocorreram com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade, que são os únicos a que seria potencialmente aplicável o regime previsto nos citados artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.

                Pelo exposto, tem de concluir-se que, quanto à parte que tem subjacente a correcção no valor de € 383.977,35, a nova liquidação, emitida na sequência da revogação da inicial, enferma de vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, o que implica sua nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                            

3.2. Questão da violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, preterição da formalidade essencial da audiência prévia e caducidade parcial da liquidação, quanto à correção no valor de € 1.081.511,80

 

3.2.1. Questão da violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança

 

Em 2014, foram alteradas cláusulas do contrato de concessão, tendo sido acordado entre a concedente e a Requerente, a substituição da obrigação de financiamento pela Requerente de obras a integrar no SID... por uma redução extraordinária das tarifas a pagar pela concedente. Para compensar essa obrigação de investimento no sistema, em 2014, o valor a cobrar pela Requerente diminuiu de € 0,4050/m3 para € 0,37/m3, ou seja, uma redução de € 0,035/m3. Como esta redução de tarifa se reporta a Janeiro de 2014 e a Requerente esteve durante este ano a debitar à Concedente à tarifa anterior (€ 0,4050), em Junho de 2015, emitiu uma nota de crédito de € 1.081.511,81, valor que resulta do volume de caudal facturado no ano de 2014 pela diferença de tarifa (€ 0,035).

A Requerente relevou numa conta de rendimentos e nos resultados de 2014, o valor de €1.081.511,80 referente aos efeitos decorrentes da diferença de tarifa (0,37 para 0.4050).

No RIT, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que devia ser efectuada uma correcção a favor da Requerente, no montante de € 1.081.511,81.

Posteriormente, na sequência revogação da liquidação inicial, a Autoridade Tributária e Aduaneira anulou esta correcção favorável à Requerente.

Os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança não são afectados por esta anulação da correcção, já que ela foi efectuada no âmbito do direito da Autoridade Tributária e Aduaneira à revogação e substituição do acto impugnado previsto no arrigo 13.º, n.º 1, do RJAT.

Durante esse período, a possibilidade de alteração do decidido é algo com que o sujeito passivo deve contar, pois só a partir do termo do prazo aí referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira «fica impossibilitada de praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos» (n.º 3 do mesmo artigo).

 

3.2.2. Questão da caducidade do direito de liquidação

 

A nova liquidação foi emitida em 06-02-2019 e notificada à Requerente em 08-02-2019.

O prazo de caducidade do direito de liquidação é de 4 anos e conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT).

Por isso, sem considerar eventuais suspensões do prazo, nos termos do artigo 46.º, o prazo de caducidade do direito de liquidação relativamente ao IRC de 2014 terminaria em 31-12-2018.

Porém, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, «o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção».

No caso em apreço, a acção inspectiva realizada ao exercício de 2014 iniciou-se em 21-03-2018 e terminou em 09-07-2018, pelo que entre estas datas esteve suspenso o prazo de caducidade do direito de liquidação, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º.

Assim, é de concluir que, considerando o período de suspensão da caducidade do direito de liquidação, a emissão e notificação da liquidação em Fevereiro de 2019 foram efectuadas dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação.

 

 3.3. Questão da preterição da formalidade essencial da audiência prévia

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vicio de preterição de formalidade essencial de audiência prévia, por violação do princípio da participação consagrado no artigo 60.º da LGT, por não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre a nova liquidação, antes de esta ser emitida e ela assentar numa correcção desfavorável à Requerente, quanto ao referido montante de € 1.081.511,81.

O artigo 60.º da LGT estabelece o seguinte:

 

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

 

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

 

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

 

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4. O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5. Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6. O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7. Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

 

Como diz a Requerente, «a administração tributária após ter enquadrado o montante de € 1.081.511,80 como um decréscimo ao lucro tributável, por entender que aquele "(...) rendimento está correlacionado com a amortização do Ativo Intangível que não é aceite fiscalmente (...)” (cf. p. 30 do doc. n.º 2 do pedido de constituição de tribunal arbitral), veio inverter este entendimento passando a considerar 0 montante de € 1.081.511,80 como rendimento tributável e por esse motivo como um acréscimo ao lucro tributável».

Está-se perante uma correcção que, em si mesma, é lesiva para a Requerente, pelo que tinha de lhe ser dada oportunidade de se pronunciar, antes da liquidação, já que não se está perante qualquer das situações de dispensa do direito de audição elencadas nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 60.º.

Na verdade, a Requerente não questionou no pedido de pronúncia arbitral a referida correcção relativa ao decréscimo ao lucro tributável da quantia € 1.081.511,80, que lhe foi favorável, pelo que a revogação do decidido sobre esta matéria configura uma alteração desfavorável em relação ao que anteriormente tinha sido decidido.

Está-se, assim, perante decisão que se enquadra não só na referida alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º, em que, por mera interpretação declarativa, se enquadram os actos de liquidação, mas também na sua alínea a).

O facto de se tratar de decisão proferida na sequência de revogação da liquidação inicial não altera a necessidade de assegurar o direito de audição, pois não se está perante uma situação de mera reforma da anterior liquidação (que pressupõe a eliminação da parte ilegal de um acto mantendo a sua parte legal), mas sim da prática de um acto de liquidação com fundamentação inteiramente nova, quanto à correcção aqui em apreço, que não estava subjacente à liquidação inicial.

Pelo exposto, tem de se concluir que a liquidação impugnada na parte em que tem subjacente a referida correcção no valor de € 1.081.511,80, enferma de vício procedimental, por preterição do direito de audição que justifica sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia bancária para suspender processo de execução fiscal n.º 3476201801 162543, instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada e formula um pedido de indemnização por garantia indevida, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes à liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

5. Decisão          

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação de IRC n.º 2019..., datada de 04-02-2019, e o documento de acerto de contas n.º 2019..., datado de 06-02-2019, na parte em que têm subjacentes as correcções nos valores de € 383.977,55 e € 1.081.511,81, referidas nos pontos 3.1 e 3.2 deste acórdão;

c)            Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser liquidada em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo e pedido de devolução parcial da taxa de justiça paga

 

Na fixação do valor da causa dos processos arbitrais tributários são aplicáveis as regras do CPPT, por remissão do artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Assim, quando são impugnadas liquidações, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende [artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT].

A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial [artigo 259.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal (artigo 299.º, n.º 1, do CPC).

Assim, são irrelevantes as alterações com reflexo no valor da causa posteriores à propositura da acção. (   )

Por isso, o valor da causa é, o de € 1.822.740,09, indicado no pedido de pronúncia arbitral, de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Por outro lado, como resulta do teor expresso do n.º 6 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «para além dos casos expressamente previstos neste regulamento, não há lugar a reembolso, devolução ou compensação, a qualquer título».

A devolução da taxa de arbitragem apenas está prevista para os casos em cessar «o procedimento por qualquer motivo antes de ser constituído o tribunal arbitral» (artigo 3.º-A do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

Aliás, é uma solução que se justifica por paridade ou mesmo maioria de razão no caso de processos em que o sujeito passivo opta pela designação de árbitro, pois mesmo que o sujeito passivo obtenha integral procedência é sempre responsável pela totalidade das custas do processo arbitral. Neste caso, foi no âmbito de uma decisão administrativa proferida no âmbito do processo arbitral que a Requerente obteve a satisfação das suas pretensões.

Assim, não tem fundamento legal a pretensão da Requerente de devolução de parte da taxa de justiça que pagou, pelo que se indefere o requerido.

 

Lisboa, 22-11-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Luís Ferreira)

(Henrique Fiúza)

Vencido nos termos da declaração de voto anexa

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

 

Com o devido respeito por opinião discordante, porque sigo orientação que vai em desacordo com os demais árbitros na decisão do presente processo, entendi elaborar a presente declaração de voto de vencido.

Assim,

As questões sobre as quais o Tribunal Arbitral tem a decidir no presente processo são, em resumo, as seguintes:

a)            a correcção no valor de € 383.977,35, que constitui uma variação patrimonial positiva no exercício de 2014, com base na aplicação do regime dos artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, na redacção resultante da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro;

b)           o tratamento fiscal da redução dos valores recebidos para compensação da dívida nascida da substituição da obrigação de financiamento por redução da tarifa, no montante de €1.081.511,80.

Em relação à primeira questão, para melhor enquadramento e compreensão das questões contabilísticas e fiscais envolvidas, dividiremos a exposição/fundamentação em quatro grupos, que correspondem a:

i)             Enquadramento contabilístico e fiscal dos factos, na hipótese de o Plano Oficial de Contabilidade se ter mantido em vigor;

ii)            Enquadramento contabilístico e fiscal dos factos, na sequência da entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

iii)           Enquadramento do regime transitório criado para estabelecer as regras fiscais relacionadas com os ajustamentos de transição feito pela Requerente, bem como o tratamento fiscal dado pela mesma aos ajustamentos de transição.

iv)           E por fim, proceder à apreciação da legalidade da aplicação do “caso julgado” à situação em discussão.

Comecemos por apresentar os factos e as soluções legais aplicadas:

1.            No âmbito do contrato de concessão para a exploração e gestão do SID... celebrado, pelo prazo de 25 anos, entre a concedente C... e a concessionária A..., esta ficou obrigada ao financiamento dos custos das infraestruturas de lamas até ao montante de €16.910.246,00;

2.            Do valor do financiamento/investimento a que estava obrigada, a A..., a Requerente no presente processo, apenas investiu o montante de €1.724.500,00, tendo ficado por investir o valor de €15.185.746,00;

3.            Porque os investimentos obrigatórios reverteriam no final da concessão para a Concedente, seguindo as prerrogativas que lhe permitia a Directriz Contabilística nº 4/91, a Requerente repartiu as despesas de investimento a realizar pelo número de anos de concessão.

4.            Levando anualmente tais valores a custos de cada um dos exercícios.

5.            Valores esses que foram sendo considerados como custos para efeitos fiscais, ao abrigo do Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de Março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

6.            No pressuposto de que os investimentos obrigatórios previstos no contrato de concessão seriam realizados até ao final da concessão.

7.            Sob pena de, no caso de tais investimentos não virem a acontecer, tal facto originar a correcção do lucro tributável do exercício em que tal acontecimento viesse a tornar-se definitivo.

 

Enquadramento contabilístico e fiscal dos factos, na hipótese de o Plano Oficial de Contabilidade se ter mantido em vigor (i)

8.            Caso o POC se tivesse mantido em vigor até ao final do contrato, o procedimento adoptado decorreria nos moldes em que foi implementado e, se o investimento tivesse sido realizado na totalidade, não haveria lugar a qualquer correcção ao lucro tributável de qualquer dos exercícios.

9.            No caso de o investimento previsto não ter sido realizado em parte, a Requerente teria de apurar o total dos custos considerados para efeitos fiscais e levar ao lucro tributável a parte que tivesse excedido o montante dos valores efectivamente investidos.

10.          De modo a que, a final, apenas fosse considerado como custos para efeitos fiscais o valor dos investimentos efectivamente realizados.

11.          Por exemplo, se chegados a 2025, último ano da concessão, se tivesse verificado que a Requerente levou a gastos fiscalmente relevantes a totalidade do investimento a que estava obrigada no montante de €16.910.246,00 e que apenas procedeu ao investimento de €1.724.500,00 em activos reversíveis, haveria que, nesse exercício de 2025, proceder à correcção a acrescer ao lucro tributável do valor de €15.185.746,00, correspondente aos custos deduzidos aos lucros tributáveis dos vários exercícios, mas que não foram efectivamente suportados.

12.          Uma outra situação poderia acontecer se, chegados a 2025, último ano da concessão, se tivesse verificado que a Requerente levou a gastos fiscalmente relevantes parte do investimento a que estava obrigada no montante de €6.143.637,00, e que apenas procedeu ao investimento de €1.724.500,00 em activos reversíveis, estes também levados a custos por nessa data já estarem totalmente amortizados, haveria que, nesse exercício de 2025, proceder à correcção a acrescer ao lucro tributável do valor de €9.042.109,00, correspondente aos custos deduzidos aos lucros tributáveis dos vários exercícios, mas que não foram efectivamente suportados.

13.          Assim, no caso hipotético de o POC se ter mantido em vigor ao longo de todo o período da concessão, a contabilização dos custos, a sua consideração para efeitos fiscais e os eventuais ajustamentos (correcções) a fazer ao lucro tributável seriam efectuadas de acordo com o previsto acima, na medida em que fossem aplicáveis, e de acordo com as normas em vigor.

 

Enquadramento contabilístico e fiscal dos factos, na sequência da entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC). (ii)

14.          Por imposição da União Europeia, passou a vigorar no primeiro exercício que se iniciou em ou a partir de 1 de Janeiro de 2010 o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) cuja filosofia e estrutura são muito próximas das Normas Internacionais de Contabilidade (NIC).

15.          O Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13 de Julho que colocou em vigor o SNC revogou vários dispositivos normativos e legais de índole contabilística, nomeadamente o POC e as directrizes contabilísticas (DC) n.ºs 1 a 29 emitidas pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC).

16.          E no seguimento do novo modelo de normalização contabilística, foi publicado o Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13 de Julho, através do qual se procedeu às alterações necessárias à adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico, bem como à terminologia que dele decorre.

17.          E também à definição de regras de transição do POC para o SNC do qual se destaca o nº 1 esse artigo 5º que dispõe como segue:

18.          “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.”

19.          Mais tarde, veio a ser aditado ao Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13 de Julho o artigo 5º-A pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro que criou um regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais que determinou o seguinte, com carácter interpretativo:

20.          “Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-Lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.”

21.          O novo SNC e demais normas contabilísticas complementares deixaram de prever a possibilidade de as entidades continuarem a registar os gastos numa base anualizada referentes à obrigação de investimento contratualizado no âmbito de contratos de concessão.

22.          Como se referiu atrás, com a aprovação do novo normativo contabilístico foram revogados, entre outros, o POC e as directrizes contabilísticas, nomeadamente a DC 4/91 que tratava da contabilização de obrigações contratuais de empresas concessionárias.

23.          Com a nova normalização contabilística a Requerente viu-se na condição de:

a)            Deixar de poder continuar a levar a custos (a partir de então designados de gastos) os custos correspondentes à obrigação de investimento prevista no contrato de concessão do SID...; e

b)           Ser obrigada a acrescer para efeitos do cálculo dos lucros tributáveis de 2010 e seguintes, em partes iguais, o valor dos gastos considerados para efeitos fiscais até ao exercício de 2009 inclusive, referentes aos valores anuais da obrigação de investimento. (no caso, inicialmente por 5 anos e depois alargado para 16 anos pelo acima referido artigo 5º-A do DL 159/2009)

24.          Porém, a Requerente assim não entendeu.

 

Enquadramento do regime transitório criado para estabelecer as regras fiscais relacionadas com os ajustamentos de transição feito pela Requerente, bem como o tratamento fiscal dado pela mesma aos ajustamentos de transição. (iii)

25.          A Requerente, fazendo uma leitura dos artigos 5º e 5º-A do DL 159/2009 que consideramos desligados da letra e o espírito da lei, onde o legislador impôs o reconhecimento de um rendimento a tributar, em resultado da anulação dos gastos acumulados anteriormente na conta de “Acréscimos de custos”,

26.          a Requerente defende que estes dois artigos vieram ratificar os procedimentos até então praticados (em POC) e lhe concederam o direito a poder continuar a levar a gastos os gastos não efectivos referentes à obrigação de investimento (em SNC),

27.          e que os citados artigos 5º e 5º-A também a desobrigavam de levar à tributação os custos que foram considerados para efeitos fiscais ate 31 de Dezembro de 2009 que não corresponderam a custos efectivos.

28.          Em nosso entender, é claro da letra e do espírito da lei que, porque a Requerente levou a custos até 2009 valores que não foram por si efectivamente suportados, tendo aproveitado da redução dos impostos a pagar por esse motivo

29.          com a alteração do sistema contabilístico, que introduziu novas regras para o tratamento desses investimentos, o legislador impôs às entidades que tinham aproveitado desse regime a obrigação de repor os custos considerados como tal em anos anteriores, de modo a serem corrigidos os resultados fiscais globais.

30.          Para tal criou o artigo 5º do DL 159/2009, que na parte aplicável ao caso, determina que:

31.          “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade… que sejam considerados fiscalmente relevantes… resultantes do… não reconhecimento de… passivos…, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.”

32.          Mais tarde veio a ser aditado o artigo 5º-A ao DL 159/2009 que estabeleceu no seu nº 1 que:

33.          “Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-Lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.”

34.          Conjugando os dois artigos atrás apresentados de forma a enquadrar a situação aplicável ao caso da Requerente, temos que:

35.          Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-Lei (31 de Dezembro de 2009) os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade… que sejam considerados fiscalmente relevantes… resultantes do… não reconhecimento de… passivos…, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável dos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

36.          Ou seja, porque a Requerente beneficiou da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até 31 de Dezembro de 2009, os efeitos nos capitais próprios, no caso, os aumentos dos capitais próprios, via conta de “Resultados transitados” (leia-se as variações patrimoniais positivas) resultantes do desreconhecimento (write-off ou eliminação) de passivos (no caso, o valor do saldo da conta “Acréscimos de custos”) concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável dos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

37.          Dito isto, para cumprimento das novas normas da contabilidade, a Requerente deveria ter procedido em 2010 ao desreconhecimento do passivo no valor de €6.143.637,00 pela eliminação do saldo da conta de “Acréscimos de custos”; o que fez

38.          E ter levado à tributação, através do acréscimo de €383.977,35 ao resultado contabilístico para apuramento do lucro tributável, correspondente a 1/16 avos do passivo eliminado (desreconhecido) que foi transferido para os capitais próprios (Resultados transitados), qualificado no IRC como uma variação patrimonial positiva; o que não fez.

39.          E ainda de repetir anualmente, até ao exercício de 2025, inclusive, este acréscimo ao lucro tributável correspondentes aos 1/16 avos remanescentes da referida variação patrimonial positiva; o que não fez.

40.          Porém, como se disse, não foi assim que a Requerente procedeu.

 

Apreciação da legalidade da aplicação do “caso julgado” à situação em discussão. (iv)

41.          Para tomar a necessária decisão arbitral, estudado o processo e a lei aplicável ao caso, ponderado as alegações e o demais, o Tribunal Arbitral entendeu que o respeito pelo princípio do caso julgado (processo arbitral nº 72/2016-T) impõe que se conclua pela ilegalidade do acto tributário contestado.

42.          Como ficou claro da exposição e fundamentação produzida, é meu entendimento, para além de qualquer dúvida, que não assiste razão à Requerente, no que respeita à correcção no valor de €383.977,35 efectuada no exercício de 2014, referente a 1/16 avos da variação patrimonial positiva que deveria ter acrescido ao lucro tributável dos exercícios iniciados em 2010 e seguintes até ao fim da concessão.

43.          Para aferir do acordo a dar ou não a tal decisão arbitral, estudei o processo arbitral nº 72/2016-T para poder, em consciência seguir ou não o acórdão arbitral.

44.          Procedi à leitura da Decisão Arbitral emitida no âmbito do processo 72/2016-T, bem como dos documentos e alegações que integram esse processo, estudei a lei aplicável ao caso e concluí que não poderei fazer adesão à Decisão Arbitral apresentada pelo Tribunal, pelo que a seguir passo a expor.

45.          A fundamentação feita ao longo da Decisão Arbitral emitida no âmbito do processo 72/2016-T contém fundamentação que, com o devido respeito, não tem qualquer aderência à legislação aplicável ao caso, da qual destaco as seguintes passagens:

46.          “No que respeita à reversão dos acréscimos reconhecidos em POC e relativos à obrigação de investimento contratual estes deviam ser desreconhecidos, mas apenas para efeitos contabilísticos e não fiscais.”

47.          Tal afirmação é desprovida de racional, uma vez que, tal interpretação não é possível de ser feita da lei alegadamente aplicável ao caso: os artigos 5º e 5º-A do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho.

48.          A lei apresentada como suporte do não desreconhecimento fiscal do desreconhecimento contabilístico dos aumentos dos capitais próprios por anulação do passivo gerado pelos acréscimos de custos reconhecidos em POC, não permite tal leitura;

49.          Porque a lei citada diz exactamente o contrário. Determina que os aumentos dos capitais próprios gerados com o desreconhecimento de passivos que sejam fiscalmente relevantes, que é o caso, devem ser acrescidos ao lucro tributável dos exercícios restantes do contrato de concessão.

50.          Não nos podemos esquecer que a anulação do passivo fez aumentar os capitais próprios para compensar da redução dos mesmos introduzida pela consideração como custos dos valores dos investimentos contratados considerados como tal em cada ano, mas que de facto não foram suportados.

51.          Se nenhum ajustamento fosse feito, o valor transferido para a conta de “Resultados transitados” iria aumentar os Capitais Próprios sem qualquer tributação, podendo, inclusivamente, serem distribuídos aos sócios sem antes ou depois terem sido tributados em IRC.

52.          Mas continuando a análise do Acordão arbitral do P72/2016-T, vejamos a seguinte afirmação

53.          “Também, o facto de se assumir que essas obrigações têm necessariamente de ser cumpridas antes do término do prazo da concessão, não importando, portanto, o momento concreto da efetiva realização do investimento, tem como justificação a forma de definir a tarifa e logo o tratamento especial que o legislador fiscal sempre lhe resolveu atribuir (antes e após a transição dos normativos contabilísticos).”

54.          O facto de se assumir que essas obrigações têm necessariamente de ser cumpridas antes do término do prazo da concessão, foi ao longo da fundamentação o grande argumento para justificar a interpretação dos referidos artigos 5º e 5º-A feita no sentido de os afirmar como reconhecedores da continuidade de aplicação da dedução fiscal proporcional do investimento a efectuar nos anos de 2010 e seguintes.

55.          E também esta afirmação

56.          “É, assim, compreensível que, em nome do necessário balanceamento de custos/gastos e proveitos/rendimentos fiscais, o legislador fiscal tenha vindo a aceitar que as obrigações de investimento, ainda que não realizadas - mas de realização obrigatória - possam contribuir, do início ao termo do contrato de concessão, para a definição da tarifa, e, por essa via, para o rendimento da entidade, logo também decidiu considerar gastos relativos à obrigação de investimento, ainda que esta não estivesse efetivamente realizada. A solução adotada visava adequar, balanceando, proporcionalmente os rendimentos/proveitos fiscais e os gastos/custos fiscais, ao longo de todo o período do contrato.” (sublinhado nosso)

57.          Também no parágrafo anterior o fundamento da interpretação da lei a favor da Requerente se prendia com as obrigações de investimento, ainda que não realizadas,  serem de realização obrigatória

58.          Para terminar por concluir que

59.          “A AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, ao desreconhecer o passivo (acréscimo de custos) relativo às obrigações de investimentos, reconhecido anteriormente como acréscimo de custos/gastos e que tinha tido efeitos fiscais nos períodos anteriores, como temos vindo a salientar, atendo o disposto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. Assim, estes custos tinham tido anteriormente relevância fiscal e, mesmo após a transição, devem continuar a tê-la.”

60.          A Decisão Arbitral encerra em si um conjunto de imprecisões, de entre as quais merece destaque a transcrita no número anterior.

61.          É que, na realidade, a AT não incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito ao desreconhecer o passivo…

62.          Porque, a AT não reconhece nem desreconhece activos ou passivos. A AT verifica se a Requerente apurou correctamente o lucro tributável. E no caso de concluir que o mesmo não foi apurado correctamente, procede às necessárias correcções.

63.          Portanto, acusar a AT de ter incorrido em erro de facto e de direito, no caso, é produzir uma acusação desprovida de rigor e de suporte legal.

64.          E a AT apenas se limitou a acrescer ao lucro tributável o valor de €383.977,35 correspondente a 1/16 avos do ajustamento de transição previsto nos artigos 5º e 5º-A já referidos, porque, sendo obrigação da Requerente, esta não o fez.

65.          Continuando, pode ainda ler-se na Decisão Arbitral que:

66.          “Por se tratar de uma questão de direito (aplicação da lei fiscal correta) entende-se que não assiste razão à AT na correção efetuada no valor de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1].”

67.          “Termos em que procede o pedido da Requerente, quanto à ilegalidade da liquidação impugnada, na parte correspondente à referida correção.”

68.          As passagens transcritas da Decisão Arbitral produzida no âmbito do processo nº 72/2016-T, permitem concluir que,

69.          a Requerente, nos termos do POC e da Directriz Contabilística nº 4/91, contabilizou anualmente como custos – que foram aceites para efeitos fiscais nos termos do Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de Março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais – os valores referentes às quotas-partes do investimento a que estava obrigada no âmbito do contrato de concessão,

70.          embora só uma pequena parte no valor de €1.724.500,00 desse investimento no montante de €16.910.246,00 tenha sido efectivamente realizado.

71.          Até 31 de Dezembro de 2009, esses custos referentes ao investimento ainda não realizado, totalizavam €6.143.637,00 e foram sendo acumulados a crédito da conta do passivo denominada “Acréscimos de custos”;

72.          A entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística, com a consequente revogação do Plano Oficial de Contabilidade e das directrizes contabilísticas, incluindo a DC 4/91, o procedimento contabilístico (e fiscal) adoptado pela Requerente deixou de ser possível;

73.          E o regime transitório criado para fazer face aos necessários ajustamentos de transição do POC para o SNC, obrigou ao desreconhecimento do passivo constante da conta de “Acréscimos de custos”, obrigando a Requerente a reconhecer no lucro tributável as variações patrimoniais positivas geradas com os ajustamentos, na razão de 1/16 avos em cada ano.

74.          Contudo, o Tribunal Arbitral, reconhecendo as implicações da transição do POC para o SNC, considerou que os ajustamentos eram apenas de efeito contabilístico e não fiscal, porque a obrigação de investimento se mantinha e, por isso, o regime fiscal anterior deveria continuar a ser aplicado.

75.          É clara a convicção do Tribunal Arbitral quando escreve na Decisão Arbitral o seguinte:

76.          “É, assim, compreensível que, em nome do necessário balanceamento de custos/gastos e proveitos/rendimentos fiscais, o legislador fiscal tenha vindo a aceitar que as obrigações de investimento, ainda que não realizadas - mas de realização obrigatória - possam contribuir, do início ao termo do contrato de concessão, para a definição da tarifa, e, por essa via, para o rendimento da entidade, logo também decidiu considerar gastos relativos à obrigação de investimento, ainda que esta não estivesse efetivamente realizada. A solução adotada visava adequar, balanceando, proporcionalmente os rendimentos/proveitos fiscais e os gastos/custos fiscais, ao longo de todo o período do contrato.” (sublinhado e ênfase nosso)

77.          Aqui chegados, retomemos as conclusões do presente Tribunal Arbitral no que respeita ao processo que nos coube julgar.

78.          Do capítulo “3. Matéria de direito”, extraímos as seguintes passagens:

79.          “Embora, em regra, a autonomia das liquidações anuais em sede de IRC, baseadas em factos tributários autónomos ocorridos em cada um dos exercícios, obste a que o decidido quanto a um exercício seja vinculativo para os exercícios subsequentes, mesmo que nestes se verifiquem idênticos pressupostos de facto e de direito, tal não pode suceder quanto ao âmbito de aplicação dos referidos artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, uma vez que a pluralidade de efeitos neles previstos em cada um dos exercícios a que se referem, provém de um único facto tributário, ocorrido com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade, cujos efeitos, em vez de se produzirem integralmente no exercício em que ocorrem, como é regra (artigo 18.º do CIRC), são excepcionalmente repartidos por vários exercícios.”

80.          “Na verdade, as razões de segurança jurídica invocadas pela Requerente, que estão subjacentes ao princípio do respeito pelo caso julgado, impedem que, uma vez decidido por decisão transitada em julgado que com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade não ocorreram efeitos fiscais a que deva ser aplicado o regime daqueles artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, designadamente derivados do desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos (isto é, não ocorreu com essa transição um facto tributário a que seja aplicável este regime), possa posteriormente, em diferente processo, que tenha por objecto liquidação relativa a qualquer outro exercício, dar-se entender-se que desse mesmo e único facto resultaram efeitos fiscais que a seja aplicável esse regime.”

81.          “Assim, se é certo que a alteração das condições contratuais iniciais que veio a ocorrer em 2015, com efeitos retroativos a 01-01-2014, poderá constituir um novo facto tributário, que poderá ter efeitos próprios (como foi decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira na liquidação inicial que foi objecto do presente processo e é questão que não importa apreciar aqui, por a liquidação ter sido revogada), o caso julgado impede que essa alteração possa constituir um fundamento para reavaliar a relevância fiscal dos factos que ocorreram com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade, que são os únicos a que seria potencialmente aplicável o regime previsto nos citados artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.”

82.          Para depois se concluir que:

83.          “Pelo exposto, tem de concluir-se que, quanto à parte que tem subjacente a correcção no valor de € 383.977,35, a nova liquidação, emitida na sequência da revogação da inicial, enferma de vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, o que implica sua nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.”

84.          Com o devido respeito, não podemos concordar com as conclusões da Decisão Arbitral no que a este tema diz respeito.

85.          Como muito bem refere a presente Decisão Arbitral

86.          “Por outro lado, importa notar que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – art. 621º do CPC –, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele. A este propósito, refere Teixeira de Sousa que "como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão". (sublinhado nosso)

87.          Do exposto no número anterior pode concluir-se que, se os pressupostos da decisão não forem os mesmos, se os seus fundamentos não forem os mesmos, não pode ser afirmar-se que houve violação da lei por ofensa de caso julgado.

88.          E assim, o Tribunal deverá proceder à verificação da legalidade da liquidação e decidir conforme a lei aplicável.

89.          De facto, os fundamentos da decisão no processo nº 72/2016-T e os do presente processo não são os mesmos.

90.          A decisão do processo que julgou a (i)legalidade da liquidação do IRC de 2011 teve como fundamento a condição de a Requerente continuar obrigada à realização do investimento constante do contrato de concessão, motivo pelo qual foi decidida a inaplicabilidade dos efeitos fiscais previstos nos artigos 5º e 5º-A do Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de Julho.

91.          Foi esse o motivo, foi esse o fundamento alegado pela Requerente e confirmado pelo Tribunal que o levou a decidir pela inaplicabilidade das consequências dos artigos 5º e 5º-A do DL 159/2009 e dar razão à Requerente.

92.          A seguir-se o raciocínio desenvolvido no processo arbitral nº 72/2009-T, que ligou a inaplicabilidade dos efeitos previstos nos referidos artigos 5º e 5º-A à continuidade da obrigação de investimento, tal excepção terá de cessar logo que a condição deixar de se verificar.

93.          Portanto, a interpretação da lei feita pelo tribunal no processo de 2011 não é aplicável ao presente processo de 2014, porque os fundamentos que lhe estiveram na base deixaram de existir, e que eram a continuidade da obrigação de investimento, realidade que deixou de existir em 2015, com com efeitos a 1 de Janeiro de 2014.

94.          Ora, no processo nº 72/2016-T, o Tribunal Arbitral deliberou dar razão à Requerente, porque, independentemente da transição do POC para o SNC, a obrigação de investimento da Requerente se manteve em 2011, e, por isso, os efeitos previstos nos referidos artigos 5º e 5º-A não tinham aplicação ao caso.

95.          Concluindo, tendo cessado com efeitos a 1 de Janeiro de 2014 a obrigação de investimento da Requerente, a condição, o fundamento que permitiu interpretar a lei de forma a excluir a Requerente da obrigação de levar à tributação a variação patrimonial positiva desapareceu e, assim, terá de ser aplicada a lei “normal” (e não a “especial” que a Requerente sempre alegou) que prevê a consideração das variações patrimoniais positivas no cálculo do lucro tributável de 2014.

96.          São estes os motivos pelos quais não posso fazer adesão à decisão arbitral no que a este caso diz respeito.

 

No que respeita à questão do tratamento fiscal da redução dos valores recebidos para compensação da dívida nascida da substituição da obrigação de financiamento por redução da tarifa, no montante de € 1.081.511,80, há que ter em consideração o seguinte:

97.          No seguimento do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, nos termos do artigo 13º do RJAT, a AT revogou parcialmente o acto cuja ilegalidade foi suscitada e no seu seguimento praticou um acto substitutivo;

98.          Da revogação do acto foi a Requerente devidamente notificada para, nos termos do nº 2 do artigo 13º do RJAT, se pronunciar no prazo de 10 dias;

99.          E tendo para esse efeito sido notificada, veio requerer o prosseguimento do processo arbitral, apresentando nova fundamentação de facto e de direito contra o novo acto de liquidação;

100.       Termos em que, tendo sido cumprido o disposto no nº 2 do artigo 13º do RJAT, não pode afirmar-se que houve violação do direito de audição;

101.       Acresce que, o nº 2 do artigo 60 da LGT dispõe que “é dispensada a audição: a) no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte…”

102.       Que foi o que aconteceu, uma vez que o valor em causa foi considerado como rendimento na contabilidade da Requerente e esta tinha feito constar da sua declaração periódica do IRC de 2014 esse valor de €1.081.511,80;

103.       Acresce que, também não pode ser esquecido que o acto tributário foi praticado não em resultado de uma acção inspectiva mas dentro do processo arbitral, que se caracteriza pela celeridade, simplicidade e informalidade processual.

104.       A Requerente declarou o rendimento em causa, a Inspecção Tributário corrigiu-o por não o ter aceite, e, no âmbito do processo arbitral, a AT repôs a tributação com base no valor declarado pela Requerente, não havendo na suposta falta apontada qualquer prejuízo para a mesma.

105.       A ter havido a notificação para o exercício do direito de audição, dado que a correcção em causa feita pela AT o foi no sentido do declarado pela Requerente, não poderia a Requerente vir contrariar a nova liquidação que foi feita de acordo com aquilo que por si foi declarado.

106.       Assim, tendo havido a notificação para, nos termos do artigo 13º, nº2 do RJAT a Requerente se pronunciar no prazo de 10 dias, e de se concluir que o não exercício do direito de audição previsto no artigo 60º da Lei Geral tributária (LGT) não prejudicou os interesses da Requerente, não pode entender-se que os actos foram praticados com preterição total do procedimento legalmente exigido, e assim determinar a sua anulação.

107.       O princípio do inquisitório só releva quanto aos factos que sejam relevantes para a boa decisão da causa. E a suposta falha cometida pela AT, por não concessão do direito de audição nos termos do artigo 60º da LGT, não releva para a decisão a proferir por a liquidação se ter feito de acordo com o declarado pela Requerente, pelo que não enferma de qualquer ilegalidade a actuação da Requerida quando não observa o princípio do inquisitório na situação em que decidiu de acordo com o declarado pela Requerente.

108.       Motivos pelos quais, também neste caso não posso fazer adesão à decisão do tribunal.

 

 

Henrique Manuel Lima Fiúza

Economista