Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 627/2018-T
Data da decisão: 2019-08-26  IMT  
Valor do pedido: € 121.565,93
Tema: IMT – Isenção – Destino diferente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 10 de Dezembro de 2018, A..., S.A., NIPC ..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) identificado pelo documento n.º..., com data de 12 de Setembro de 2018 e o montante total de € 121.565,93, sendo € 109.711,12 relativos a imposto e € 11.854,81 a juros compensatórios.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o acto tributário impugnado é ilegal por violação do art.º 11.º/5 do CIMT, porquanto não foi por si dado ao prédio para revenda adquirido com isenção de IMT, destino diferente.

 

3.            No dia 11-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 04-02-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25-02-2019.

 

7.            No dia 29-03-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi facultado à Requerente o contraditório relativamente a documentação junta pela Requerida, com as suas alegações.

 

11.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente está colectada com o CAE 55201 – “alojamento mobilado para turistas”; e para o exercício de actividades secundárias, com os CAE 55111, 55121 e 41100 – hotéis com e sem restaurante, e promoção imobiliária.

2-            Por escritura pública de 30-12-2015, a Requerente adquiriu, à B..., pelo preço de €1.828.516,80, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias de ... e ... .

3-            Pela celebração desse acto, ficou isento do pagamento de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código do IMT.

4-            De acordo com a escritura de aquisição, o imóvel em causa, inscrito na matriz em data anterior a ... sob o artigo ... da freguesia do ..., era composto por uma cave, rés-do-chão, primeiro andar e sótão.

5-            Na matriz predial, à data, o imóvel estava descrito como um prédio em propriedade total, composto por três pisos, sem divisões susceptíveis de utilização independente, formado por uma cave com seis divisões, um r/c com seis divisões, um primeiro andar com quatro divisões, um sótão com seis divisões em tabique e ainda uma dependência com quatro divisões, ocupando uma área bruta privativa de 625.0000 m2 e uma área de implantação de 250.0000 m2.

6-            A B... apresentou, junto da Câmara Municipal de ..., um projecto de obras, tendo o alvará de obras de alteração sido emitido a 14-09-2015.

7-            O mesmo alvará autorizava a criação de três fracções autónomas em três pisos do prédio e modificações na área de implantação do edifício (de 250 m2 para 282,88 m2) e na área bruta de construção (de 625 m2 para 926,66 m2).

8-            O referido alvará foi posteriormente averbado para estender o prazo de conclusão das obras – inicialmente, de onze meses – por mais seis meses.

9-            A 15-11-2017, a Requerente preencheu e apresentou a declaração modelo 1 do IMI, indicando como motivo dessa entrega o facto de se tratar de um prédio melhorado/modificado/reconstruído.

10-         Na sequência da entrega dessa declaração, o artigo matricial anterior foi desactivado, sendo atribuído ao imóvel o artigo provisório ... .

11-         O prédio foi avaliado, constando da ficha de avaliação que o mesmo foi objecto de reconstrução total.

12-         Na nova matriz predial, o imóvel em questão passou a ser descrito como um prédio em propriedade horizontal, de quatro pisos, em que a fracção A ocupa o r/c e o 1º andar e tem um total de oito divisões; a fracção B ocupa o 2º andar e tem cinco divisões; e a fracção C, no 3º andar, tem cinco divisões e dois estacionamentos na garagem.

13-         O prédio, no seu conjunto, passou a ocupar uma área bruta privativa de 926.6600m2 e uma área de implantação de 282.8800m2.

14-         Às três fracções autónomas criadas foi fixado o Valor Patrimonial Tributário de €1.082,150,00, €725.790,00 e €700.020,00, num total de € 2.507.960,00.

15-         Pela Requerente foram colocadas no mercado, para venda, as três fracções que integram o imóvel.

16-         A 10-08-2018 a Requerente foi notificada para pagamento do IMT em falta por caducidade da isenção de que tinha beneficiado aquando da aquisição do prédio em causa.

17-         No âmbito dessa mesma notificação, foi anexa a Informação que serviu de base ao despacho proferido pela Chefe de Finanças do SF de Lisboa ..., da qual consta o seguinte:

“(...) 2º - O sujeito passivo adquire um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente (moradia unifamiliar) cuja área de implantação era de 250,00m2 e área bruta de construção de 625,00m2;

3º - A 2017-11-15 foi entregue a modelo 1 de IMI, registo no ... para inscrição de prédio melhorado/modificado/reconstruído, passando o prédio ao regime de propriedade horizontal, constituído pelas fracções A, B e C (Apartamentos), em que as áreas brutas foram substancialmente aumentadas, passando a área de implantação para 282,88 m2 e área bruta de construção para 926,66 m2; (...)”

18-         A liquidação de IMT no montante de € 109.711,12 foi emitida e paga no dia 12 de Setembro de 2018.

19-         Em conjunto com o IMT foram liquidados – e pagos pela Requerente – juros compensatórios no montante de € 11.854,81, calculados mediante a aplicação da taxa de 4% ao ano sobre a quantia de imposto desde 30 de Dezembro de 2015 (data da aquisição do prédio que constitui o facto gerador) até à data da liquidação

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Tendo a Requerente procedido à aquisição do prédio descrito na matéria de facto, com intenção de revenda, e beneficiado tal aquisição de isenção de IMT, nos termos do art.º 7.º do CIMT, conforme estão de acordo as partes na presente acção arbitral, a questão decidenda consiste em apurar o sentido da expressão “destino diferente”, constante da norma do art.º 11.º, n.º 5 do CIMT, e na sua aplicação ao caso concreto.

                A redacção da norma referida é a seguinte:

“A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”.

                Questão análoga foi objecto de apreciação no Acórdão do STA de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13 , citado por ambas as partes, entendendo quer a Requerente quer a Requerida que o mesmo corrobora as respectivas posições.

                Vejamos então.

 

*

                O referido Acórdão entendeu, em suma, que “Para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) que decorre da conjugação das normas contidas nos arts. 7º e 11º nº 5 do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda.”.

                O dissídio sub iudice radica em apurar se no caso sub iudice se verificou “uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda”, entendendo a Requerente que não, e entendendo a Requerida que sim.

                O entendimento do que seja “uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda” deverá, em primeira linha procurar-se na fundamentação do acórdão em apreço.

                Compulsado o mesmo, verifica-se que pelo STA foi entendido que a questão ali apreciada consistia em apurar se “se nos casos em que o imóvel adquirido é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção ou remodelação (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação) a expressão para revenda exige que o imóvel seja alienado tal como existia aquando da aquisição, afastando, assim, a possibilidade de realização de uma multiplicidade de obras indispensáveis à conclusão do edifício (com excepção de obras de natureza ligeira, isto é, de mera reparação e/ou conservação) ou admite a possibilidade de realização de todas as obras necessárias à ultimação da sua construção, por forma a acabá-lo, licenciá-lo para o referido destino, constituir a propriedade horizontal e alienar as respectivas fracções autónomas.”.

                Como se vê, a decisão referida pronunciou-se expressamente sobre situações em que esteja em causa um terreno com um edifício habitacional em remodelação (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), esclarecendo-se, mais adiante, que o caso julgado pelo STA se referia a uma situação em que “o imóvel era constituído por um terreno onde se encontrava já implantado um edifício destinado à habitação, devidamente licenciado e em avançada fase de construção/remodelação”.

                Compulsada a matéria de facto provada no presente processo arbitral, verifica-se que a situação dos autos não se reconduz, directamente, à situação apreciada no acórdão em questão, uma vez que no caso sub iudice está em causa um terreno com um edifício habitacional que, à data da aquisição, não se encontrava ainda em remodelação (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), mas, antes, em que as obras de remodelação haviam apenas sido, à data da aquisição devidamente licenciadas.

                Não obstante ficar, crê-se, afastada assim a possibilidade de uma aplicação directa do acórdão em questão ao caso sub iudice, bem como a possibilidade de contradição entre aquele e o que aqui se decidir, as considerações gerais e doutrinais expendidas no mesmo aresto deverão ser ponderadas e, presumindo-se como evidenciadoras do que seria entendimento daquele Supremo Tribunal na situação ora em causa, obter o devido acolhimento.

                Prosseguindo na leitura da decisão judicial em análise, verifica-se que na mesma se esclarece que se o bem adquirido para revenda “é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção, as obras feitas pelo comprador para a finalização dessa construção, de modo a vender o terreno com o edifício já acabado (ou a vender as suas fracções autónomas), não representa uma transfiguração ou alteração substancial da afectação do imóvel adquirido para revenda, não representa, em suma, um “destino diferente” da revenda do imóvel adquirido.”, asserção que não é transponível para o presente caso, porquanto o imóvel aqui em causa, não era objecto, à data da sua aquisição pela Requerente, de quaisquer obras.

                Não obstante, no seguimento, é então afirmado que “só constitui destino diferente a «alteração substancial» do prédio adquirido, nomeadamente a transformação de um prédio rústico em prédio urbano (pela compra de um terreno e posterior construção nele de um edifício para venda) ou a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção”. Ora, neste estrito sentido, a situação aqui em juízo não integrará uma “«alteração substancial» do prédio adquirido”, dado que nem estamos perante “a transformação de um prédio rústico em prédio urbano”, nem perante “a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção”, estando presentemente em causa a aquisição de um prédio urbano, com um edifício que foi remodelado em determinados termos descritos na matéria de facto.

Mas se a situação sub iudice  não se reconduz aos exemplos dados no acórdão do STA de “«alteração substancial» do prédio adquirido”, não se reconduz, igualmente, aos exemplos subsequentes de situações em que tal alteração substancial não se verifica, ou seja, casos de “o prédio adquirido (terreno com um edifício habitacional ainda em tosco) ter sido revendido em estado diverso por força das obras de acabamento do edifício, da constituição em propriedade horizontal e da revenda das respectivas fracções autónomas.”.

Não obstante, prossegue o aresto em questão referindo que “só nos casos em que o edifício residencial adquirido em construção é sujeito a obras para alcançar uma afectação ou utilização completamente distintas (como aconteceria no caso de ser alterado para um edifício industrial, comercial ou escolar, que implicam obras de transformação profundas e uma mutação susceptível de configurar uma alteração substancial do imóvel, designadamente em termos de utilização) ou nos casos em que, ainda que mantendo a afectação habitacional, o edifício é sujeito a obras substanciais que o transformam em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição, é possível afirmar que as obras realizadas pelo adquirente são idóneas a desviar o destino declarado: - a revenda de terreno com o edifício habitacional nele implantado ao abrigo de determinado projecto e licença de construção), integrando, assim, o conceito legal de “destino diferente””.

Estando, na passagem transcrita, em causa casos de edifícios residenciais adquiridos em construção, não se poderão, uma vez mais, reconduzir directamente as considerações em questão para o presente caso.

Aqui chegados, pode-se concluir que, na perspectiva do acórdão analisado, preencher-se-á o conceito legal de “destino diferente”, nos casos em que se verifica:

a)            a transformação de um prédio rústico em prédio urbano; ou

b)           a demolição de uma casa de habitação e posterior venda do terreno para construção;

c)            que um edifício residencial adquirido em construção é sujeito a obras para alcançar uma afectação ou utilização completamente distintas (como aconteceria no caso de ser alterado para um edifício industrial, comercial ou escolar); e

d)           que um edifício residencial adquirido em construção, ainda que mantendo a afectação habitacional, é sujeito a obras substanciais que o transformam em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição.

Posto isto, fácil é de ver que a situação em questão nos presentes autos de processo arbitral não se integra em qualquer dos exemplos apresentados pelo STA como situações em que será possível dar por preenchido o conceito legal de “destino diferente”.

Não obstante, é ainda possível extrair da fundamentação do acórdão em causa, um subsídio adicional para o esclarecimento da questão que ora se apresenta a decidir.

Efectivamente, citando o acórdão fundamento , refere-se o seguinte:

“Como assinala Nuno Sá Gomes, in CTF 380, págs. 488 e segts., o fundamento da isenção em causa está na circunstância de os prédios adquiridos se manterem, como mercadorias, no activo permutável da empresa tributada pelo exercício da actividade de aquisição de prédios para revenda, «não sendo esta característica afectada pelo acabamento dos prédios adquiridos, ainda em construção, e pela constituição posterior da propriedade horizontal».

Como, aliás, acontece com a aquisição de prédios rústicos adquiridos para revenda e posterior loteamento com venda por lotes, não obstante as numerosas obras que, em geral, tal operação implica, desde a construção da rede viária ao saneamento básico.

Ao contrário do sentenciado, não se está, assim, face a matérias-primas adquiridas para transformação em mercadorias – cfr. DL nº 410/89, de 21 de Novembro - mas antes de mercadorias integrantes do activo permutável da empresa.

Pelo que sendo a sisa um imposto sobre o património ou sobre a riqueza - cfr. o art. 1º do Código de Sisa e o Ac. do STA de 06/10/1999 rec. 23.831 - não deve tributar a venda de elementos do activo permutável, sujeita, antes, a impostos sobre o rendimento.”.

                Ou seja, reitera o STA o entendimento anterior, segundo o qual o critério fundamental para a aferição da existência de um “destino diferente”, radica na circunstância de o imóvel adquirido ter perdido a natureza de bem permutável – destinado a revenda – para assumir a natureza de “matéria-prima” – destinado a transformação.

                Será este, portanto, o critério a seguir, julga-se, para determinar se, in casu, se verifica, ou não, que ao prédio em questão na presente acção arbitral foi dado um “destino diferente”, sendo certo que essencial será, não a forma como o bem foi contabilizado nas existências do sujeito passivo (como activo circulante, ou como matéria-prima), mas a realidade contatada, ou seja, se, de facto, o bem foi objecto de um processo económico de transformação, ou se, pelo contrário, a intervenção efectuada assumiu um carácter acessório, de optimização do bem para a sua rentabilização no mercado.

 

*

                Com relevo para esta questão, da matéria de facto apurada resulta, em suma, o seguinte:

                - O imóvel foi adquirido pelo preço de €1.828.516,80;

                - Aquando da aquisição o mesmo imóvel tinha 3 pisos, e ocupava uma área bruta privativa de 625.0000 m2 e uma área de implantação de 250.0000m2;

                - Nessa altura (da aquisição) estavam licenciadas as obras que vieram a ser executadas, mas não haviam sido iniciadas;

                - Após as obras realizadas pela Requerente, o imóvel foi constituído em propriedade horizontal, com três fracções autónomas;

- O mesmo imóvel passou a ter quatro pisos, com uma área bruta privativa de 926.6600m2 e uma área de implantação de 282.8800m2;

- Às três fracções autónomas criadas foi fixado o Valor Patrimonial Tributário de €1.082,150,00, €725.790,00 e €700.020,00, num total de € 2.507.960,00.

                Ou seja, em virtude das obras operadas pela Requerente, verificou-se um aumento de cerca de 12,9% da área de implantação do imóvel, um aumento de 48,27% da área bruta privativa e de 37,15% no valor patrimonial do imóvel, tendo sido acrescentado um piso e constituídas 3 fracções autónomas.

                A questão que se coloca, portanto, é a de julgar se a actividade que conduziu a este resultado é uma actividade economicamente significativa, que alterou o bem adquirido em termos de se poder dizer que o que vem a ser colocado no mercado é um outro bem, transformado, ou se, pelo contrário, aquela actividade se limitou a preparar o mesmo bem adquirido, de modo a maximizar o seu valor aquando da sua revenda.

                Reconhecendo-se que o caso sub iudice se situará já numa situação limite, julga-se que, à luz dos critérios plasmados no Acórdão do STA de STA de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13, previamente analisado, se deverá concluir que a intervenção operada pela Requerente não deverá qualificar-se como tendo dado um “destino diferente” ao bem imóvel que adquiriu.

                Com efeito, e desde logo, deverá ter-se em conta que não foi alterada a afectação – habitacional - do prédio, bem como que o mesmo já tinha sido objecto de um processo de licenciamento, que a Requerente se limitou a executar.

                Estas circunstâncias, se é certo que não se reconduzem às descritas pelo STA como típicas de situações que não acarretam a concretização de um “destino diferente”, crê-se que aproximam mais o caso sub iudice das situações exemplificadas em que tal alteração de destino não se verifica.

                É que, das situações expressamente referidas pelo STA como corporizando a concretização de um destino diferente, a que mais se aproximará da situação sub iudice será a que se reporta à sujeição do imóvel a obras substanciais que o transformam em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição.

                Ora no caso, não só as obras efectuadas não transformaram o imóvel em algo bem diverso daquilo que constava da licença de construção em vigor à data da aquisição, como, precisamente, se limitaram a executar aquilo que constava de tal licença.

                É certo que a hipótese adiantada pelo acórdão do STA, se refere a prédios adquiridos já com obras em curso, o que, como se viu, não foi o que aconteceu no presente caso.

                Mas menos certo não é que o mesmo acórdão, ao formular o exemplo ora em causa, coloca a tónica não no volume das obras realizadas após a aquisição do imóvel, mas na disparidade entre o resultado daquelas e o que constava na licença de construção em vigor à data da aquisição.

                Por outro lado, e tendo em conta a matéria de facto apurada, crê-se que, quer de um ponto de vista material, quer de um ponto de visto económico, a intervenção operada não se apura que tenha sido de tal molde que se deva dizer que o essencial da operação comercial da Requerente tenha sido de natureza transformadora, ou seja, que a actividade comercial executada tenha sido, na sua essência, uma actividade transformação do bem adquirido.

                Assim, sob um ponto de vista material, verifica-se que o prédio adquirido manteve, grosso modo, a sua área de implantação (que aumentou cerca de 12,9%), e, não obstante da área bruta privativa ter aumentado em 48,27%, o certo é que ao imóvel apenas foi acrescentado um piso (passando de cave, r/c, 1.º andar e sótão, para r/c, 1.º, 2.º e 3.º andares), circunstância que indicia que deverá ter sido mantida a traça e a volumetria geral, como é normal e da experiência comum que seja imposto ao nível dos licenciamentos administrativos, quando estão em causa intervenções sobre imóveis já antigos.

                Por outro lado, e sob um ponto de visto económico, verifica-se que da intervenção operada pela Requerente, face aos dados disponíveis – e apenas a esses pode o Tribunal atender – decorreu um aumento do valor patrimonial do imóvel em cerca de 37,15%.

                Este incremento, apesar de assumir já um relevo considerável, sendo, por isso mesmo, que se indicou antes que a situação em juízo se situará num zona de fronteira, não é desproporcional ou incompatível com intervenções de índole essencialmente restauradora (e não transformadora) de imóveis.

                Efectivamente, será conforme à realidade normal das coisas, que de uma intervenção que recupere para o estado de “novo” um imóvel com mais de 50 anos, ainda que mantendo o essencial das suas características, contribua para um valorização na ordem da verificada, sobretudo se tal intervenção for associada, como acontece no caso, à implementação de propriedade horizontal, sendo ainda certo que, conforme é taxativa a jurisprudência na matéria, tal operação jurídica será irrelevante para a aferição da ocorrência de um “destino diferente”.

                Deste modo, e face a todo o exposto, julga-se que in casu, não se demonstra que tenha sido dado ao imóvel em questão no presente processo arbitral um “destino diferente”, nos termos e para os efeitos da norma do art.º 11.º, n.º 5 do CIMT, pelo que enfermará o acto tributário objecto deste mesmo processo de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulado, procedendo, na mesma medida, o pedido arbitral.

A anulação da liquidação de imposto, acarreta, consequentemente, a anulação da liquidação de juros sobre aquele.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação anulada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a emitiu sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) identificado pelo documento n.º ..., com data de 12 de Setembro de 2018 e o montante total de € 121.565,93, sendo € 109.711,12 relativos a imposto e € 11.854,81 a juros compensatórios;

b)           Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima determinados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 121.565,93, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Agosto de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Regina de Almeida Monteiro)

 

O Árbitro Vogal

(Jónatas Machado)